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LONE STAR, A ESTRELA SOLITÁRIA

LONE STAR, A ESTRELA SOLITÁRIA (Lone star, 1996, Columbia Pictures Corporation/Castle Rock Entertainment, 135min) Direção, roteiro e montagem: John Sayles. Fotografia: Stuart Dryburgh. Música: Mason Daring. Figurino: Shay Cunliffe. Direção de arte/cenários: Dan Bishop/Dianna Freas. Produção executiva: John Sloss. Produção: R. Paul Miller, Maggie Renzi. Elenco: Chris Cooper, Elizabeth Peña, Kris Kristofferson, Matthew McConaughey, LaTanya Richardson, Clifton James, Frances McDormand. Estreia: 21/6/96

Indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original

O poder do passado em relação ao presente sempre foi um tema caro às tragédias gregas, e não seria exagero descrever "Lone star, a estrela solitária", do cineasta independente norte-americano John Sayles como um exemplar moderno da mais antiga forma de arte dramática do mundo. Ok, o cenário é rusticamente diferente - a fronteira entre o estado do Texas e o México - e o protagonista está longe de ser um rei ou algo do tipo - ainda que um xerife não esteja tão longe assim de alguém superior aos demais habitantes em uma cidadezinha tão pequena quanto Rio County. Mas a trama criada por Sayles, um quebra-cabeças formado por peças aparentemente desconexas que se revela, em seu final, um rico e dramático panorama sócio-cultural repleto de nuances raciais e familiares, remete facilmente ao berço do teatro - mesmo que sua opção por um final menos devastador o afaste dos previsíveis clichês da tragédia. Unanimemente elogiado pela crítica, o filme de Sayles recebeu uma justa indicação ao Oscar de roteiro original - que perdeu para "Fargo", dos irmãos Coen, coincidentemente outra visão do interior dos EUA e também com Frances McDormand no elenco - e é, talvez, o melhor representante de seu estilo de cinema,

A espinha dorsal de "Lone star" é a descoberta, no deserto próximo à pequena cidade de Rio County, de uma ossada enterrada há cerca de quarenta anos - e perto dela, de uma estrela de xerife quase apagada pelo efeito do tempo. Investigações de balística revelam que o esqueleto pertence a Charlie Wade (Kris Kristofferson), antigo xerife local conhecido por sua fama de corrupto e assassino e que foi tido como desaparecido logo depois de embolsar dez mil dólares que tiveram origem nas extorsões que praticava com a minoria mexicana da cidade. A estrela do xerife indica que seu assassinato foi cometido por Buddy Deeds (Matthew McConaughey), seu assistente, que, pouco depois, tornou-se xerife em seu lugar, até morrer também. O problema é que não apenas Buddy passou a ser considerado um herói por seu trabalho no combate à corrupção da localidade como está em vias de ser homenageado pela prefeitura, através de um busto comemorativo - e ser taxado de assassino, mesmo que de um criminoso como Wade, não irá ajudar em nada nas festividades. Não bastasse isso, o atual xerife de Rio County é Sam Deeds (Chris Cooper), filho de Buddy que não mantinha com ele a melhor das relações e não tenciona relaxar as investigações: acreditando que tem mais sujeira por trás do homicídio ocorrido há quatro décadas, ele não mede esforços para descobrir os motivos que levaram ao crime.


Juntamente com a investigação de Sam - que tem como testemunhas-chave o assistente de Wade à época dos acontecimentos, Hollis (Jeff Monahan no passado, Clifton James no presente), e Otis (Gabriel Casseus no passado, Ron Canada no presente), o dono de um bar que presenciou o início de todo o processo que levou à tragédia - o filme de Sayles acompanha outros dramas familiares que se desenrolam na comunidade. Otis tenta conquistar a confiança do filho, que foi criado pela mãe e tornou-se coronel do exército - e que por sua vez também tem problemas com seu próprio rebento, além de ter de lidar com uma jovem rebelde que não consegue deixar de envolver-se em problemas fora do quartel. A professora Pilar (Elizabeth Peña) luta em sua escola por manter um currículo imparcial, que dê aos jovens mexicanos uma visão menos americanizada de sua história - enquanto tenta esconder sua paixão reprimida por Sam, de quem foi afastada na juventude por Buddy e por sua mãe, Mercedes (Miriam Colon), que mantém uma relação ambígua e repressora com os funcionários de seu restaurante.

A teia de personagens criada por Sayles - que parece aleatória até que se revela um único quadro - é um dos maiores méritos de "Lone star". Mais ou menos como Orson Welles fez em "Cidadão Kane" e Akira Kurosawa em "Rashomon" - guardadas as devidas proporções - o diretor/roteirista mostra a verdade sobre Buddy Deeds sob vários ângulos, sempre acrescentando a cada um uma nova perspectiva a respeito de sua personalidade e seu caráter (muito mais complexo do que se poderia imaginar a princípio). Além disso, em sua trajetória atrás da alma de seu pai, Sam cruza com questões raciais e políticas que dão à obra um nível extra de profundidade que o afastam do rótulo simplório de "filme policial". O romance proibido entre Sam e Pilar, por exemplo, é tão crucial para o desenvolvimento da trama quanto as relações dúbias da mãe da professora com seu passado - também intimamente ligado ao surpreendente final da história, que é um retrato sóbrio e inequívoco de uma realidade social da fronteira mexicana.

E, logicamente, John Sayles tem a sorte de contar com o extraordinário Chris Cooper na liderança de seu elenco. Anos antes de ganhar o Oscar por "Adaptação", Cooper já demonstrava uma qualidade ímpar que o consagraria como um dos mais importantes atores americanos de sua geração. É ele quem conduz a trama e, mesmo sem ser então um nome conhecido do grande público, transmite a segurança de um astro em um papel difícil e que passa, através do silêncio, o turbilhão de dúvidas de um homem preso a um passado assombrado. São especialmente brilhantes a cena em que conversa com a ex-mulher emocionalmente desequilibrada - único e impressionante momento de Frances McDormand - e o momento em que finalmente descobre a ordem de eventos que levaram à morte do temido Charlie Wade. Seu trabalho é tão exemplar que ofusca a presença de um então desconhecido Matthew McConaughey em vias de tornar-se astro graças a "Tempo de matar", de Joel Schumacher e a interpretação sincera e emocional de Elizabeth Peña. Juntos, eles dão o tom passional exato à aridez do deserto texano e fazem do filme uma pequena pérola a ser descoberta.

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