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HAMLET

HAMLET (Hamlet, 1996, Castle Rock Entertainment, 238min) Direção: Kenneth Branagh. Roteiro: Kenneth Branagh, peça teatral de William Shakespeare. Fotografia: Alex Thomson. Montagem: Neil Farrell. Música: Patrick Doyle. Figurino: Alexandra Byrne. Direção de arte/cenários: Tim Harvey. Produção: David Barron. Elenco: Kenneth Branagh, Derek Jacobi, Julie Christie, Kate Winslet, Brian Blessed, Richard Briers, Rufus Sewell, Michael Maloney, Richard Attenborough, Billy Crystal, Judi Dench, Gérard Depardieu, John Gielgud, Rosemary Harris, Charlton Heston, Jack Lemmon, Timothy Spall, Robin Williams. Estreia: 25/12/96

4 indicações ao Oscar: Roteiro Adaptado, Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários

Uma das mais clássicas manifestações artísticas da loucura - ou do arremedo de uma - acabou tornando-se uma das mais ousadas produções cinematográficas da década de 90 e quiçá da história da sétima arte. Conhecido por suas adaptações da obra do dramaturgo William Shakespeare para o cinema, o irlandês Kenneth Branagh - que já havia dirigido "Henry V" (89) e "Muito barulho por nada" (93) e atuado como Iago em "Othello" (96) - arriscou sua reputação e seu prestígio ao transpor o mais clássico dos clássicos do bardo, palavra por palavra, para as telas. Brilhantemente produzido, interpretado por um elenco estrelado que se dá ao luxo de ter Charlton Heston, Gérard Depardieu e Jack Lemmon em pontas e longo a ponto de testar os limites de paciência do público - poucos minutos menos de quatro horas de duração - o "Hamlet" de Branagh (e pode-se dizer sem medo, o "Hamlet" definitivo do cinema) pode assustar até ao mais fervoroso purista com sua fidelidade canina ao texto original, mas, graças à direção segura e inteligente, a uma edição cirurgicamente precisa e a um elenco impecável, sobressai-se às demais adaptações pelo ritmo pulsante e pela modernidade visual impressa em cada fotograma. Realizado com meros 18 milhões de dólares - um trocado perto dos orçamentos milionários que assustavam os executivos dos estúdios à época - o filme de Kenneth Branagh é assombrosamente deslumbrante e um presente para os fãs de bom cinema e bom teatro.

Uma das histórias mais conhecidas da literatura mundial, "Hamlet" só chegou às telas com tal opulência visual e ousadia narrativa - que não oprime uma linha sequer do texto original - graças à teimosia de seu diretor e ator principal, que rondou por mais de um ano de estúdio em estúdio de Hollywood tentando financiamento para um projeto que todos consideravam fadado ao fracasso. Não é difícil imaginar os motivos para tanta recusa: não apenas Branagh batia pé nas quatro horas de duração de seu filme como tinha ainda que lidar com a bilheteria decepcionante e as críticas negativas de seu filme anterior, "Frankenstein de Mary Shelley", que não havia tido o desempenho esperado pelos produtores. Além do mais, Shakespeare estava se tornando arroz de festa na terra do cinema, sendo adaptado de todas as formas possíveis e imagináveis - até mesmo o australiano Baz Luhrmann estava a caminho de lançar uma versão psicodélica de "Romeu e Julieta", estrelado por Leonardo DiCaprio e o próprio "Hamlet" já havia sido refilmado recentemente por Franco Zefirelli, com Mel Gibson no papel principal. Tudo conspirava contra o irlandês, até que a Castle Rock tomou coragem e, com poucas exigências finais (um elenco com atores conhecidos e uma versão editada para lançamento mundial) deixou que o cineasta fosse em frente. É impossível assistir-se ao resultado final sem um suspiro de agradecimento profundo à sua coragem.


Mesmo acima da idade para interpretar o papel principal, Kenneth Branagh é o corpo e a alma de "Hamlet", a energia que contagia a todos e o estopim de uma trama recheada de traições vis, paixões avassaladoras, ódios arraigados e uma coleção de mortes das mais conhecidas do teatro universal - que em suas mãos soa fresca e reluzente como se tivesse sido escrita há dois dias. Para quem não sabe, se é que alguém não sabe, tudo começa quando o jovem príncipe Hamlet volta à sua Dinamarca natal para os funerais de seu pai (Brian Blessed) e para as novas núpcias de sua mãe, Gertrude (Julie Christie), que, mal esperou quatro meses para casar-se com o cunhado, Claudius (Derek Jacobi), novo rei do país. Infeliz com a situação, o príncipe fica ainda mais movido ao ódio quando o fantasma de seu progenitor lhe aparece, acusando o irmão de tê-lo assassinado para roubar-lhe a esposa e o trono. Com o objetivo de vingar a morte do pai, Hamlet inicia um plano ambicioso - que envolve fingir uma loucura que ele pode mesmo portar, um grupo de atores mambembes que recebe no palácio com o objetivo de impulsionar uma confissão do tio e até a mulher que ama, a doce Ofélia (Kate Winslet).

Mais do que simplesmente contar com cada detalhe - por mais insignificante que ele possa parecer - a história criada por Shakespeare, Kenneth Branagh consegue, em seu filme, o que havia conseguido apenas parcialmente em suas adaptações anteriores: fazer com que o texto extremamente teatral da peça caiba com perfeição na tela de cinema - no caso, em formato 65mm, que lhe permitiu alcançar um visual mais clássico que buscava com o objetivo de aproximar o filme de um cinema mais visualmente atraente e que só voltou a ser utilizado em 2012, quando Paul Thomas Anderson filmou seu "O mestre". Seu objetivo é plenamente atingido quando a plateia testemunha momentos de pura poesia visual, enfatizada pela fotografia esplêndida de Alex Thomson e pela direção de arte irretocável que concorreu ao Oscar - assim como o figurino de Alexandra Byrne, a música de Patrick Doyle e o roteiro do próprio diretor. Pulsante, passional e por vezes exaustivamente emocionante, "Hamlet" é a mais perfeita combinação entre cinema e teatro já realizada. Uma obra-prima de grandes proporções.

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