quinta-feira

ANTES DO PÔR-DO-SOL


ANTES DO PÔR-DO-SOL (Before sunset, 2004, Warner Bros, 80min) Direção: Richard Linklater. Roteiro: Richard Linklater, Kim Krizan, Julie Delpy, Ethan Hawke. Fotografia: Lee Daniel. Montagem: Sandra Adair. Figurino: Thierry Delettre. Direção de arte: Baptiste Glaymann. Produção executiva: John Sloss. Produção: Richard Linklater, Anne Walker-McBay. Elenco: Ethan Hawke, Julie Delpy. Estreia: 10/02/04 (Festival de Berlim)

Indicado ao Oscar de Roteiro Adaptado

Em 1995, o cineasta Richard Linklater encantou o público romântico com um dos mais belos e simples filmes sobre a amor desinteressado. Cultuado desde então, "Antes do amanhecer" - um trabalho delicado e desprovido de quaisquer artifícios ocos para buscar bilheterias monstruosas - pedia por uma continuação, não tanto pelo fato de ter acabado em aberto, mas pelo interesse demonstrado pela audiência por seus fascinantes protagonistas. E pelo jeito não apenas a audiência se apaixonou pelo casal central: quase dez anos depois da estreia do primeiro filme, "Antes do pôr-do-sol" chegou às telas de cinema cercado de expectativa. Quando os créditos finais sobem, a plateia respira aliviada - não apenas o segundo capítulo respeita ao máximo as qualidades do primeiro como as expande: o reencontro entre Jesse e Celine é de provocar faíscas.

Pra quem não sabe, tudo começa em 1995, quando o americano Jesse (Ethan Hawke) e a francesa Celine (Julie Delpy) se encontram durante uma viagem de trem. Passam juntos uma noite toda em Viena, conversam, se conhecem melhor e como não poderia deixar de ser, se apaixonam perdidamente. Na hora da triste despedida, combinam um novo encontro para dali a seis meses. O filme acaba (e o cineasta e roteirista Linklater assume que o final era uma espécie de teste para julgar o otimismo ou não da plateia). Quando "Antes do pôr-do-sol" começa, nove anos se passaram desde que a dupla se despediu. O reencontro não aconteceu e Jesse não é mais o rapaz despreocupado que viajava pela Europa por prazer. Casado e pai de um filho, ele é um escritor que está em Paris para lançar seu livro, que conta a história da noite que passou na capital austríaca e que lhe fez conhecer o amor. Na livraria onde ele está promovendo sua obra, ele reencontra Celine, que também já não é mais uma garota romântica e sonhadora. Aos 33 anos, ela está desiludida com o amor, trabalha em uma ONG ecológica e, depois de ter passado um tempo nos EUA, voltou à França para seguir sua vida. Os dois voltam a conversar, a mágica retorna e eles tem pouco menos de uma hora e meia (o tempo disponível antes do voo de Jesse à América) para encontrar onde colocar o desejo que quase uma década de saudade e distância criaram.


"Antes do pôr-do-sol" não é um filme para qualquer um. Faz-se imprescindível que se tenha assistido a seu irmão mais velho, até mesmo para comparar o que o tempo faz não apenas com as personagens (cruelmente verossímeis) mas também com os atores. Enquanto Hawke está nitidamente mais envelhecido e sem a graça e o charme da juventude, Delpy está cada vez mais deslumbrante, carismática e melhor ainda, mais talentosa. Sua explosão de sentimentos dentro do carro, em uma das melhores cenas do filme, emociona como poucas dentro do universo dos dramas românticos endereçados a um público mais jovem. E além do mais, o roteiro (indicado ao Oscar e escrito pelo diretor e pela dupla de atores) não busca a simpatia e a comunicação fácil. São pouco mais de 70 minutos em que as personagens apenas conversam, passeiam por Paris, discutem política, sociedade, sonhos desfeitos, ilusões assassinadas e voltam a se apaixonar. Nem uma única explosão, nem sombra de efeitos especiais. Simples e tocante como a vida real. E que venha um terceiro capítulo.

terça-feira

HOMEM-ARANHA 2


HOMEM-ARANHA 2 (Spider Man 2, 2004, Columbia Pictures/Marvel Entertainment, 127min) Direção: Sam Raimi. Roteiro: Alvin Sargent, história de Alfred Gough, Miles Millar, Michael Chabon, personagens criados por Stan Lee, Steve Ditko. Fotografia: Bill Pope. Montagem: Bob Murawski. Música: Danny Elfman. Figurino: James Acheson, Gary Jones. Direção de arte/cenários: Neil Spisak/Jay Hart. Produção executiva: Joseph M. Caracciolo, Kevin Feige, Stan Lee. Produção: Avi Arad, Laura Ziskin. Elenco: Tobey Maguire, Kirsten Dunst, James Franco, Alfred Molina, Rosemary Harris, J. K. Simmons, Dylan Baker. Estreia: 30/6/04

3 indicações ao Oscar: Edição de Som, Mixagem de Som, Efeitos Visuais
Vencedor do Oscar de Efeitos Visuais

Uma das maiores dúvidas quanto a “Homem-aranha 2” era se a sequência do mais bem-sucedido filme baseado em personagens de quadrinhos daria continuidade ao sucesso do primeiro capítulo. Depois da estreia, no entanto, essa dúvida não mais existia. A segunda parte das aventuras do jovem Peter Parker (mais uma vez vivido por Tobey Maguire, no papel de sua carreira) não só rendeu mais dinheiro como ainda por cima empolgou muito mais a crítica e os fãs. Não é pra menos: se no filme de 2002 o diretor Sam Raimi não errou a mão em apresentar suas personagens dessa vez ele caprichou mais em tudo. Das cenas de ação – com efeitos especiais mais bem elaborados – aos diálogos, mais engraçados e verdadeiros, tudo funciona ainda melhor em “Homem-aranha 2”.
    
Quando o segundo filme começa já faz algum tempo que Peter Parker abdicou do amor de sua vida, a bela Mary Jane (Kirsten Dunst), que está dando os primeiros passos em uma vitoriosa carreira de atriz da Broadway. Ainda escondendo de todos que é o Homem-aranha, ele tem que lidar com seus problemas mundanos – aluguel atrasado, sub-emprego, a falta de Mary Jane, a obsessão de seu melhor amigo Harry (James Franco) em descobrir quem matou seu pai – enquanto tenta manter a cidade longe da criminalidade. As coisas se complicam quando um talentoso cientista (Alfred Molina) mais uma vez erra em seus cálculos e transforma-se no temível Dr. Octopus, ameaçando Nova York com uma nova onda de crimes. Cansado e estressado, Parker desiste de seu alter-ego, com a intenção de viver uma vida normal e reconquistar a amada. Mas como ele bem sabe, grandes poderes trazem grandes responsabilidades e ele se vê obrigado a voltar a seu lado heróico.

        

Uma perfeita tradução de quadrinhos para as telas de cinema, “Homem-aranha 2” não decepciona em nenhum quesito, dando espaço exato para as piadas – que funcionam à perfeição, desde as mais simples até as feitas sob encomenda para os aficionados – para as cenas dramáticas e principalmente para as cenas de ação. Nada nesse segundo filme é dispensável, empurrando a história para um terceiro capítulo e amadurecendo suas personagens, obrigadas que são a lidar com suas dúvidas e certezas. Muito mais do que se pode esperar de um programa sem maiores objetivos que não divertir sua plateia, que agradeceu lotando as salas de cinema por semanas a fio - para alívio dos produtores, ansiosos em recuperar os exagerados 200 milhões de dólares gastos.

Empatando com "Titanic" como o mais caro filme feito até então - "King Kong", de Peter Jackson, lhes tirou essa duvidosa honra - "Homem-aranha 2" gastou cerca de 54 milhões de dólares somente em efeitos visuais, mas a despesa valeu a pena, não apenas pelo Oscar da categoria: no primeiro filme os efeitos ainda deixavam a desejar, enquanto aqui tudo parece (e é!) muito mais cuidado e mais caro. Felizmente Sam Raimi não deixou que o visual relegasse a trama a um segundo plano e os dilemas pessoais das personagens são explorados a contento, fazendo desse segundo capítulo das aventuras do aracnídeo uma empolgante aventura para ver e rever.

segunda-feira

CAZUZA, O TEMPO NÃO PARA


CAZUZA, O TEMPO NÃO PARA (Brasil, 2004, 98min) Direção: Walter Carvalho, Sandra Werneck. Roteiro: Fernando Bonassi, Victor Navas, livro de Lucinha Araújo. Fotografia: Walter Carvalho. Montagem: Sérgio Mekler. Música: Cazuza, Guto Graça Mello. Figurino: Cláudia Kopke. Direção de arte: Cláudio Amaral Peixoto. Produção executiva: Flávio R. Tambellini. Produção: Daniel Filho. Elenco: Daniel Oliveira, Marieta Severo, Reginaldo Faria, Emílio de Mello, Andrea Beltrão, Leandra Leal, Cadu Fávero, Maria Flor. Estreia: 11/6/04

Cinebiografias de astros e estrelas da música são constantes no mercado internacional, mas eram quase inexistentes no cinema brasileiro. Por isso não deixa de ser louvável a realização de "Cazuza, o tempo não para", que conta a brilhante trajetória do cantor e compositor carioca que morreu de AIDS aos 32 anos.,, em 1990, no auge da criatividade e popularidade. Baseado livremente no livro "Só as mães são felizes", co-escrito pela mãe do cantor, Lucinha Araújo e pela jornalista Regina Echeverria, o filme, dirigido por Sandra Werneck e Walter Carvalho (ele um dos maiores diretores de fotografia do cinema brazuca) faz, em hora e meia de projeção, uma merecidíssima homenagem ao artista, mas acaba se perdendo, em alguns momentos, em um roteiro bastante superficial. 

Vivido por um inacreditável Daniel de Oliveira, Cazuza era o filho único de um executivo da indústria musical, João Araújo (Reginaldo Faria) e de uma dona-de-casa que vez ou outra cantava para os amigos, Lucinha Araújo (a sempre espetacular Marieta Severo). Rebelde, bissexual, chegado em farras com álcool e drogas, ele liderou a banda de rock Barão Vermelho e justamente quando atingiu a fama, resolveu tentar uma carreira-solo que coincidiu com a descoberta de sua doença fatal. O filme acompanha sua trajetória e mostra sua amizade e parceria com o roqueiro Frejat (Cadu Fávero) e com o empresário Ezequiel Neves (em um afetado trabalho de Emilio de Mello), dando prioridade a seu período de intensa criação artística.


Na verdade o problema maior do roteiro do filme é a superficialidade com que trata de algumas personagens, que entram e saem de cena sem maiores especificações, além da omissão de passagens importantes da vida do cantor - seu relacionamento pessoal e profissional com Ney Matogrosso, por exemplo, não é sequer mencionado, apesar de ter sido vital para sua carreira - e nem mesmo sua relação com a mãe, tema central do livro que inspirou o filme é explorada a contento. Essa falha crucial enfraquece o resultado final, mesmo que a intenção do projeto tenha sido focar-se principalmente na obra musical de Cazuza. E quanto a isso, justiça seja feita, não tem erro. Mais do que uma simples trilha sonora, a música do cantor é uma personagem a mais, e das mais importantes.
        
Os números musicais que permeiam o filme comentam a ação sem em momento algum atrapalhar a narrativa - mesmo porque o projeto é quase um presente aos fãs. Canções emblemáticas da trajetória do cantor em carreira-solo ou ainda na companhia do grupo Barão Vermelho desfilam pela tela em apresentações vívidas e reproduzidas com a maior perfeição possível, principalmente graças à maior qualidade do filme: o ator Daniel de Oliveira. Pouco conhecido do público à época das filmagens, o jovem mineiro praticamente incorpora o protagonista, em uma atuação que surpreende pela garra e pela dedicação. Mesmo com os óbvios problemas de roteiro, Daniel paira acima de tudo, em uma interpretação antológica e impecável que deixaria o próprio Cazuza extremamente orgulhoso.

domingo

TRÓIA


TRÓIA (Troy, 2004, Warner Bros, 163min) Direção: Wolfgang Petersen. Roteiro: David Benioff, poesia "A ilíada", de Homero. Fotografia: Roger Pratt. Montagem: Peter Honess. Música: James Horner. Figurino: Bob Ringwood. Direção de arte/cenários: Nigel Phelps/Anna Pinnock, Peter Young. Produção: Wolfgang Petersen, Diana Rathbun, Colin Wilson. Elenco: Brad Pitt, Orlando Bloom, Eric Bana, Diane Kruger, Julie Christie, Peter O'Toole, Brian Cox, Brendan Gleeson, Sean Bean. Estreia: 14/5/04

Indicado ao Oscar de Figurino

 Muito foi falado sobre os excessos de “Tróia”, a super-produção de Wolfgang Petersen sobre a Guerra entre Tróia e Esparta. Realizado com um orçamento milionário de cerca de 175 milhões de dólares e com uma renda abaixo do esperado no mercado americano, o filme, estrelado por Brad Pitt, foi massacrado pela crítica, ignorado pelas cerimônias de premiação e fez um barulho muito menos ensurdecedor do que se esperava de um projeto de seu porte. No final das contas, graças à arrecadação pelo resto do mundo, “Tróia” conseguiu se pagar, mas mesmo assim passou à história como um fracasso. Mas é realmente tão ruim como se pintou?
   
Na verdade, como história “Tróia” é uma nulidade. Chega a ser vergonhoso como o roteiro do prestigiado David Benioff – autor de “A última noite”, de Spike Lee – ignora fatos importantes e cria outros jamais citados com a única intenção de deixar a trama mais dramática e romanesca. Incorrendo na ira dos puristas, Benioff comprou briga também com o público menos ligado à mitologia, justamente por não se decidir entre narrar um romance capaz de desencadear batalhas grandiosas ou mostrar essas batalhas, timidamente filmadas por Roger Pratt apesar do orçamento generoso.

        

O filme começa quando o príncipe caçula de Tróia, o jovem Paris (o fraquíssimo Orlando Bloom) inicia uma história de amor com a bela Helena (a inexpressiva e nem tão bela assim Diane Kruger), esposa de um dos príncipes de Esparta. O flagrante adultério – e a subsequente fuga para casa – destrói a paz recém estabelecida entre os dois países e o rei de Esparta, Agamenon (o onipresente Brian Cox) cede aos desejos sanguinários de seu irmão Menelau (Brendan Gleeson) e declara guerra à Tróia. Para ajudá-los nas sangrentas batalhas lideradas pelo competente Heitor (Eric Bana), os espartanos contam com a ajuda do lendário Aquiles (Brad Pitt), que entra em uma guerra que não é sua quando tem seu primo assassinado por Heitor.
   
Como já foi dito, “Tróia” não deve ser visto como uma aula de História. Repleto de falhas e invenções, o roteiro - que desagradou totalmente ao cineasta Terry Gilliam, que recusou a oferta de dirigí-lo - ganha pontos quando humaniza personagens tidos como deuses, como Aquiles, por exemplo. No entanto, ao mesmo tempo em que faz isso, de certa forma enfraquece seu herói. Diante de um íntegro e valente Heitor vivido com sutileza e garra pelo sensacional Eric Bana, o personagem de Brad Pitt empalidece sem maiores chances de redenção e conseqüentemente leva a trama a um cruel impasse: pra quem se deve torcer afinal? Para um país que prefere começar uma guerra por uma mulher ou por um quase mercenário pop e arrogante? Essa dubiedade, que poderia elevar o filme a um patamar de maior inteligência, no entanto o amarra a uma quase esquizofrenia. Se levarmos em consideração que as cenas pretensamente climáticas do filme – a invasão de Tróia pelo cavalo de madeira dado de presente pelos gregos – são filmadas quase com preguiça e que  o desenvolvimento dos personagens é quase nulo, certamente podemos afirmar que a obra do alemão Petersen é um fiasco. Mas se levarmos em conta a beleza da produção, a história bem contada (ainda que repleta de furos) e a atuação de nomes consagrados como Peter O’Toole – dono da cena mais tocante do filme – e jovens como Eric Bana, pode-se considerar “Tróia” como um filme que poderia ter sido extraordinário mas que nunca deixa de ser apenas razoável.

quinta-feira

MENINAS MALVADAS


MENINAS MALVADAS (Mean girls, 2004, Paramount Pictures, 98min) Direção: Mark Waters. Roteiro: Tina Fey, romance "Queen bees and wannabees", de Rosalind Wiseman. Fotografia: Daryn Okada. Montagem: Wendy Greene Bricmont. Música: Rolfe Kent. Figurino: Mary Jane Fort. Direção de arte/cenários: Cary White/Patricia Cuccia. Produção executiva: Jill Messick. Produção: Lorne Michaels, Tony Shimkin. Elenco: Lindsay Lohan, Rachel McAdams, Amanda Seyfreid, Lacey Chabert, Ana Gasteyer, Tina Fey, Amy Poehler. Estreia: 30/4/04

 Comédias românticas passadas em escolas secundárias já são quase um gênero próprio do cinema americano. O que faz desse “Meninas malvadas” um produto diferente do habitual, no entanto, é o ponto de vista: ao invés de um bando de marmanjos buscando a perda da virgindade, as protagonistas dessa divertida sátira são do sexo feminino, o que dá um enfoque no mínimo menos grosseiro e escatológico a esse inteligente produto feito para adolescentes mas que diverte a todos.
     
Inteligente, sim. Com um roteiro esperto e irônico escrito pela mordaz Tina Fey (redatora do “Saturday Night Live”, criadora da série "30 rock" e ela própria atriz do filme, como uma professora de matemática), “Meninas malvadas” é baseado no livro “Queen bees and wannabes”, escrito por Rosalind Wiseman e inédito no Brasil e tem um senso tão divertido de auto-ironia que é difícil não se entregar e, deixando o preconceito de lado, dar boas risadas durante uma hora e meia.

       

A protagonista do filme é a doce, meiga e inteligente Cady Hore (Lindsay Lohan ainda em sua fase de atriz promissora), que pela primeira vez em seus 16 anos de idade, passa a freqüentar uma escola, sendo que seus pais, zoólogos, viviam na África e educaram-na em casa. Tão logo chega em seu novo universo, Cady descobre que a savana africana parece um paraíso, perto das inúmeras regras impostas por uma sociedade quase fútil, dominada pelas garotas mais belas do local. Essas garotas, chamadas de “As poderosas”, são lideradas pela quase déspota Regina George (a ótima Rachel McAdams) e têm dietas a seguir, dias certos para usar determinadas roupas e mais importante do que tudo, são as mais populares da escola. Detestadas por aqueles que não se enquadram em seus dogmas, As Poderosas logo conquistam Cady para seu lado. Cady, no entanto, está apaixonada por Aron Samuels (Tim Meadows), ex-namorado de Regina. Quando é traída pela mais poderosa das Poderosas, Cady resolve vingar-se. Para isso, conta com o apoio de sua primeira amiga na escola, a desajeitada Janis Ian e de, um amigo gay, obviamente renegado pelas patricinhas do secundário.
     
Tirando o tom absolutamente sarcástico, capaz de piadas politicamente incorretas e de personagens caricatos mas nem por isso menos interessantes, “Meninas malvadas” não difere muito dos milhares de filmes que volta e meia são atrações da “Sessão da Tarde”. Seu encanto está exatamente no fato de rir de si mesmo, sem a afetação e a auto-complacência que infestam produções do tipo. Contando com a simpatia de Lindsay Lohan e com o talento então emergente de Rachel McAdams, “Meninas malvadas” segura bem um programa menos cabeça.      

quarta-feira

DIÁRIO DE UMA PAIXÃO


DIÁRIO DE UMA PAIXÃO (The notebook, 2004, New Line Cinema, 123min) Direção: Nick Cassavetes. Roteiro: Jeremy Leven, adaptação de Jan Sardi, romance de Nicholas Sparks. Fotografia: Robert Fraisse. Montagem: Alan Heim. Música: Aaron Zigman. Figurino: Karyn Wagner. Direção de arte/cenários: Sarah Knowles/Chuck Potter. Produção executiva: Toby Emmerich, Avram Butch Kaplan. Produção: Lynn Harris, Mark Johnson. Elenco: James Garner, Gena Rowlands, Ryan Gosling, Rachel McAdams, Joan Allen, James Marsden, Sam Shepard. Estreia: 20/5/04 (Festival de Seattle)

 Romances adolescentes sofrem sempre do mesmo problema: atores limitados recitam diálogos requentados com uma trilha modernosa e um final fatalmente previsível. Talvez por isso, pelo desprezo pelos clichês contemporâneos do gênero, o filme “Diário de uma paixão” tenha ido tão bem nas bilheterias americanas, tendo rendido mais de 80 milhões de dólares mesmo sem um astro ou uma estrela liderando seu elenco. Dirigido por Nick Cassavetes – outra escolha atípica para comandar um filme de narrativa convencional e sem maior densidade psicológica – a adaptação do romance de Nicholas Sparks é um dos filmes românticos mais felizes de seu tempo, dosando com medidas exatas um drama romântico de época, personagens joviais e cheios de esperança e uma história de amor entre um casal maduro.
      
Os veteranos James Garner e Gena Rowlands vivem dois pacientes de uma clínica psiquiátrica que tem uma relação problemática. Ela sofre de Alzheimer e ele, apaixonado por ela, lhe conta diariamente uma história de amor escrita em um livro que carrega sempre consigo.A história de amor que ele conta é a dos jovens Noah (o excepcional Ryan Gosling) e Allie (a igualmente ótima Rachel MacAdams). Pertencentes a universos totalmente diferentes, eles se apaixonam perdidamente, mas como sempre acontece, são separados pelas circunstâncias e pela pedante mãe da garota (vivida com gosto pela sempre excelente Joan Allen). Quando um partido bem mais adequado – na pele de James Mardsen - aparece na vida de Allie, o romance fica ameaçado de vez, mas o amor que eles ainda sentem um pelo outro ainda parece ser capaz de reuní-los.

 

Desde que começou a circular em Hollywood, o projeto de "Diário de uma paixão" - primeiro romance de Sparks, que depois se tornaria uma espécie de John Grisham romântico, tendo todos os seus livros adaptados para o cinema, normalmente em filmes medíocres - chamou a atenção de gente importante. Steven Spielberg e Tom Cruise estiveram interessados no filme (o que Cruise faria, uma vez que não tem a idade apropriada para nenhum dos protagonistas, é uma incógnita). Até mesmo Justin Timberlake e Reese Witherspoon foram cotados para os papéis principais, até que Rachel McAdams (que bateu Britney Spears pelo papel de Allie) e Ryan Gosling foram escolhidos pelo diretor Nick Cassavetes (que ainda deu à sua mãe o outro papel feminino importante da história): em cena, Gosling e McAdams tem uma química inflamável, que engole tudo à sua volta. Não foi à toa que eles se apaixonaram durante as filmagens, o que dá ao filme um grau de realismo ainda muito bem-vindo.    

Fotografado com delicadeza pelo experiente Robert Fraisse, "Diário de uma paixão" não traz nenhuma novidade aos fãs de histórias de amor. No entanto, o talento de seu diretor e sua coragem em assumir-se como um dramalhão romântico com todos os ingredientes de um novelão das antigas - assim como era também "Uma carta de amor", do mesmo Nicholas Sparks, adaptado com Kevin Costner e Robin Wright-Penn nos papéis centrais - o absolve de todos os pecados que poderia ter. O final lacrimoso não chega a surpreender, mas emociona na medida certa graças ao talento de seus experientes intérpretes. É a melhor adaptação de Nicholas Sparks a chegar às telas.

terça-feira

DE REPENTE 30


DE REPENTE 30 (13 going on 30, 2004, Revolution Studios, 98min) Direção: Gary Winick. Roteiro: Josh Goldsmith, Cathy Yuspa. Fotografia: Don Burgess. Montagem: Susan Littenberg. Música: Theodore Shapiro. Figurino: Susie DeSanto. Direção de arte/cenários: Garreth Stover/Leslie E. Rollins. Produção executiva: Todd Gardner, Dan Kolsrud. Produção: Susan Arnold, Gina Matthews, Donna Arkoff Roth. Elenco: Jennifer Garner, Mark Ruffalo, Judy Greer, Andy Serkis, Kathy Baker, Phil Reeves, Sam Ball. Estreia: 23/4/04

 Já é quase um subgênero. Filmes que contam histórias de pessoas de diferentes idades, sexos e/ou classes sociais que trocam de lugar por razões quase nunca satisfatoriamente explicadas no roteiro já fazem parte do imaginário hollywoodiano. Normalmente a ideia rende bastante nas bilheterias. Algumas vezes o resultado é constrangedor. Outras alcançam seu objetivo primordial: divertir sem exigir muito da massa cinzenta. E é justamente isso que “De repente 30” faz. Sem a menor vontade de mudar a história do cinema, a comédia romântica do diretor Gary Winick diverte aqueles que buscam dar boas risadas, comove quem procura um romance leve e de quebra apresenta uma trilha sonora nostálgica que é capaz de trazer de volta bons momentos (ou não, dependendo da história de cada um) da plateia.
       
Tudo começa quando a pré-adolescente Jenna Rink (Christa B. Allen), sentindo-se rejeitada e humilhada por suas populares colegas de escola em plena festa de aniversário de 13 anos, faz um fervoroso pedido, desejando ter 30 anos, ser linda, rica e bem-sucedida. Como num passe de mágica, ela acorda exatamente da maneira com que sonhava – e na pele da excelente Jennifer Garner. No entanto, nem tudo é perfeito: nesse universo paralelo, Jenna é fria, egoísta, centrada no trabalho como editora de moda e mal liga para os pais. Ainda com a mentalidade de uma menina de 13 anos, ela então procura seu ex-melhor amigo, o agora fotógrafo Matt Flamhaff (Mark Ruffalo, encantador) para voltar a ter o frescor e a ingenuidade de sua adolescência.

        

Exatamente como acontece em quase todos os filmes de seu estilo, “De repente 30” não liga para a lógica, desde que os furos do roteiro não atrapalhem o bom andamento da história. Sendo assim, a maneira com que Jenna realiza seu desejo é o que menos importa, uma vez que, chegando aos 30 anos fisicamente mas não mentalmente a protagonista entrega ao público cenas engraçadíssimas, calcadas quase unicamente em uma única piada, mas que funciona à perfeição. O carisma inocente de Garner é forte o bastante para seduzir a audiência, que torce simpaticamente por seu final feliz com Matt ao mesmo tempo em que se diverte com diálogos espirituosos e pelo menos uma cena destinada à antológica: em uma festa da empresa, Jenna e Matt abrem o salão de dança com uma coreografia contagiante de um sucesso de seu tempo de puberdade: “Thriller”, de Michael Jackson. A cena emociona, empolga e dá o tom exato do filme, que pretende apenas possibilitar hora e meia de uma trama quase ingênua e moralista, mas extremamente adorável.
       
Dono de uma trilha sonora que ainda arruma espaço para Madonna, Vanilla Ice, Whitney Houston e Patty Benatar – dona de um dos videoclipes mais toscos da história, “Love is a battlefield” – o filme conquista por suas ambições discretas e resultados invejáveis, alcançados em especial pela química do casal central. Jennifer Garner - em papel para o qual foram cotadas as mais prestigiadas Renee Zelwegger, Gwyneth Paltrow e Hilary Swank - e Mark Ruffalo formam um casal apaixonante e isso se traduz em cena, o que raramente vem acontecendo nos romances populares da indústria de cinema. É uma sessão da tarde divertida e descompromissada, ideal para esquecer os problemas por hora e meia.


segunda-feira

KILL BILL, V. 2


KILL BILL, V.2 (Kill Bill, v.2, 2004, Miramax Films, 136min) Direção: Quentin Tarantino. Roteiro: Quentin Tarantino, personagens criadas por Quentin Tarantino, Uma Thurman. Fotografia: Robert Richardson. Montagem: Sally Menke. Música: Robert Rodriguez. Figurino: Kumiko Ogawa, Catherine Marie Thomas. Direção de arte/cenários: David Wasco/Sandy Reynolds-Wasco. Produção executiva: Erica Steinberg, E. Benneth Walsh, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Lawrence Bender. Elenco: Uma Thurman, David Carradine, Daryl Hannah, Michael Madsen, Chia Hui Liu. Estreia: 16/4/04

Foram seis meses de uma espera exasperante por parte dos fãs e da crítica, e o segundo volume da saga da Noiva (Uma Thurman) em busca de vingança por sua quase morte estreou nos EUA cercado pela expectativa de sempre quando se trata de um filme dirigido por Quentin Tarantino. E mais uma vez o cineasta mais influente de seu tempo não decepcionou. Quem esperava mais da pancadaria generalizada do primeiro filme teve ao menos uma luta inesquecível. Quem procurava homenagens aos filmes japoneses citados em todas as entrevistas do diretor testemunhou cenas destinadas a clássicas. E quem tinha esperança de que os diálogos do roteirista fanático pelo universo pop - sua marca registrada desde sua estreia com "Cães de aluguel" - retornassem em grande estilo teve motivos de sobra para comemorar. Em suma, "Kill Bill, v.2" não é melhor nem pior do que seu primeiro capítulo: é o complemento ideal de um dos mais criativos produtos cinematográficos dos últimos anos.

Ao contrário do primeiro filme, em que a Noiva - que finalmente tem seu misterioso nome revelado nessa continuação - usava de toda a sua experiência como guerreira "ninja" para acabar com seus inimigos, sem muito espaço para conversa, dessa vez a coisa é bem diferente. Deixando um pouco de lado a ação desenfreada, a segunda parte da história da vingadora vivida com evidente satisfação por Uma Thurman mostra as origens de sua revolta, detalhando o ataque de seu ex-mentor e amante Bill (David Carradine finalmente dá as caras pra valer), seu treinamento com o mestre Pai Mei (Gordon Liu, ótimo), seu acerto de contas com os membros restantes do grupo de extermínio do qual participava (em atuações antológicas de Michael Madsen e Daryl Hannah) e o que talvez seja o clímax mais esperado do cinema em muito tempo: o tão aguardado encontro com seu algoz.

       

Em "Kill Bill, v.2", os diálogos deliciosos de Tarantino estão de volta (em especial em um longo monólogo de Bill acerca do Superman), sempre recitados com gosto e prazer por atores impecavelmente dirigidos e à vontade. Daryl Hannah, em especial, na pela da temível Ellie Driver, dá um show com sua atuação confortável e divertidíssima, ainda que suas cenas com Uma Thurman sejam as mais violentas do filme - se bem que a violência da sequência lembre muito mais desenhos animados do que programas de luta-livre. E, assim como em "Jackie Brown", o diretor/roteirista não tem pressa de contar sua história, dando tempo e espaço para suas personagens e seus atores extraírem sempre o melhor de cada cena, de cada enquadramento, de cada linha de diálogo.
      
Tudo bem que o desfecho do filme - entre Thurman e Carradine - talvez soe meio anti-climático, mas combina perfeitamente com a maneira com que ele vinha se encaminhando no roteiro. É um final um tanto melancólico, o que não deixa de ser surpreendente vindo de um cineasta irônico, irreverente e de sangue assumidamente pop. Mas é mais uma obra-prima a figurar no currículo de Quentin Tarantino, já um diretor essencial na história do cinema.

sábado

DOGVILLE

DOGVILLE (Dogville, 2003, Zentropa Entertainment, 178min) Direção e roteiro: Lars Von Trier. Fotografia: Anthony Dod Mantle. Montagem: Molly Marlene Stensgaard. Figurino: Manon Rasmussen. Direção de arte/cenários: Peter Grant/Simone Grau. Produção: Vibeke Windelov. Elenco: Nicole Kidman, Paul Bettany, Chloe Sevigny, Lauren Bacall, Patricia Clarkson, James Caan, Hariett Andersson, Jean-Marc Barr, Jeremy Davies, Ben Gazzarra, Philip Baker Hall, Zeljko Ivanek, John Hurt, Stellan Skarsgaard, Udo Kier. Estreia: 19/5/03 (Festival de Cannes)

Um diretor que assina filmes como “Ondas do Destino”, “Os Idiotas” e “Dançando no Escuro” não pode ser considerado alguém com muita fé na bondade inerente ao ser humano. Dito isto, é possível entender ainda mais as implicações sociais, psicológicas e religiosas de outra de suas obras consideradas de difícil digestão.“Dogville”, de Lars Von Trier, é possivelmente a mais radical e desconcertante experiência cinematográfica de 2003. E por mais de uma razão.

Pode-se começar pela total e absoluta ruptura de linguagem cinematográfica, que se afasta abruptamente do normal, do mainstream, do comercial... O termo “suspensão da realidade” talvez seja a palavra de ordem aqui. Não há cenários elaborados, não há truques corriqueiros de cinema hollywoodiano, não há deuses ex-machina salvadores. Há Atores (assim mesmo, com A maiúsculo), há a total crença no texto e nas ideias revolucionárias (na falta de palavra melhor), há a história forte e de importante ressonância política, ainda que mal disfarçada por uma metáfora facilmente decodificável. Quem é Grace (Nicole Kidman, ainda em sua fase de boa atriz) senão a representação de povos menos favorecidos que são escravizados pelos colonizadores donos da bola? Quem são os moradores do lugarejo chamado Dogville senão os próprios donos da bola, os colonizadores que exploram aqueles que precisam incondicionalmente de sua ajuda? Nem Michael Moore faria melhor e seria mais incisivo.



A história é simples como convém: uma pequena cidade do Colorado, chamada Dogville, recebe, com suspeitas, a jovem Grace (Nicole Kidman), que se esconde de um grupo de gângsters por motivos que não quer revelar. Influenciados por Tom (Paul Bettany), o intelectual do lugar, os habitantes da cidade aceitam a presença da bela jovem, que, agradecida, passa a ajudar a todos os moradores com suas rotinas diárias. Apaixonado por Grace, Tom não percebe, porém, que a moça começa a ser cada vez mais explorada por todos conforme mais dúvidas vão surgindo a respeito de seu passado. Abusada fisicamente, sexualmente e psicologicamente, Grace se submete a tudo em um resignado silêncio, até que a verdade a seu respeito finalmente aparece e ameaça destruir toda a cidade.

“Dogville” pode ser considerado a colação de grau do Dogma 95, criado por Trier e seus contemporâneos para manter a pureza do cinema enquanto sétima arte. Ao reunir teatro e cinema em um mesmo pacote, o diretor incorreu na ira dos puristas, que não conseguem render-se ao novo, ao experimental. Não é um filme fácil, em nenhuma hipótese.  O ritmo é lento, a ação é psicológica e não física (o que a falta de cenários só corrobora) e pode aborrecer os mais ansiosos por barulhos e correrias. Se o objetivo é diversão, é mais garantido recorrer aos blockbusters que abarrotam as videolocadoras. Ao menos, eles têm finais felizes e produções mais caras e elaboradas. E as imagens finais do grande filme de Lars Von Trier, ao som de “Young Americans”, uma das mais críticas canções de David Bowie são a prova inconteste de que finais felizes não podem ser mais anacrônicos do que em um mundo à mercê de grandes e auto-centradas potências.

sexta-feira

BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS


BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS (Eternal sunshine of the spotless mind, 2004, Focus Features, 108min) Direção: Michel Gondry. Roteiro: Charlie Kaufman, estória de Charlie Kaufman, Michel Gondry, Pierre Bismuth. Fotografia: Jeanne McCarthy. Montagem: Valdís Oskarsdottir. Música: Jon Brion. Figurino: Melissa Toth. Direção de arte/cenários: Dan Leigh/Ron Von Blomberg. Produção executiva: Georges Bermann, David Bushell, Charlie Kaufman, Glenn Williamson. Produção: Anthony Bregman, Steve Golin. Elenco: Jim Carrey, Kate Winslet, Tom Wilkinson, Kirsten Dunst, Mark Ruffalo, Elijah Wood, Jane Adams. Estreia: 19/3/04

2 indicações ao Oscar: Atriz (Kate Winslet), Roteiro Original
Vencedor do Oscar de Roteiro Original

Em um mundo ideal, os românticos sofredores poderiam ter o direito de apagar totalmente da memória as recordações de seus relacionamentos falidos e dolorosos. No mundo criado pelo roteirista Charlie Kaufman essa possibilidade existe quem a proporciona é uma empresa apropriadamente chamada Lacuna Inc. Criada pelo doutor Howard Mierzwiack (Tom Wilkinson), a Lacuna se encarrega de entrar no cérebro dos contratantes e arrancar de lá todos os momentos solicitados. E é justamente isso que o desesperado Joel Parrish (Jim Carrey) deseja com todas as suas forças: apagar qualquer lembrança de seu romance com a bela Clementine Cruczynski (Kate Winslet), que já providenciou o procedimento em sua própria vida. Acontece que Joel ainda ama Clementine, e descobre isso no meio do processo. O que fazer, então? Só lhe resta fugir com seus momentos de amor para lugares de sua mente onde jamais serão encontrados.

Parece estranho que o filme mais romântico e desbragamente apaixonado do início do século tenha uma cara de ficção científica, mas antes de qualquer coisa é preciso entender que o autor de "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" é o mesmo dono da mente doentia que criou "Quero ser John Malkovich" e "Adaptação", dois dos mais criativos filmes de sua época.  Contando com a inspiradíssima direção de Michel Gondry - vindo do mundo do videoclipe como o genial David Fincher - a história de amor complicada e realista de Joel e Clementine foge do banal, do clichê e de qualquer definição para se tornar uma das mais marcantes que o cinema moderno pode oferecer. Nada de lágrimas fáceis, nada de lances melodramáticos. Por trás do complexo roteiro e da brilhante direção há aquilo que mais falta nos pré-fabricados romances hollywoodianos: alma.



Apostando na inteligência da plateia, "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" é um quebra-cabeças delirante, onde nenhuma cena é desnecessária, nenhum momento é desperdiçado. A edição intrincada dá pistas o tempo inteiro de como seguir a história (seja na cor dos cabelos de Clementine ou em detalhes que só farão sentido em uma terceira ou quarta sessão), mas nunca a entrega de mão-beijada, preferindo sempre o caminho menos comum para atingir seus objetivos. A trama, constituída de três tempos (o real, as lembranças e a visão de Joel e Clementine sobre os fatos que estão ocorrendo), é ágil na medida certa, mas absolutamente contemplativa e de partir o coração quando necessita. O extraodrinário do roteiro de Kaufman - merecidamente premiado com o Oscar - é justamente sobrepor essas três linhas de tempo sem ser didático ou aborrecido. É confuso? Não, é fascinante. Ao explorar os mecanismos que levam um amor aparentemente imorredouro a um patético final (apenas para depois voltar a seu glorioso início) a estreia de Gondry no cinema não poderia ser mais auspiciosa, principalmente por tirar de seus atores - centrais e coadjuvantes - atuações das mais apaixonadas.

Deixando de lado mais uma vez seu histrionismo exagerado - como fez anteriormente nos elogiados "O show de Truman" e "O mundo de Andy" - Jim Carrey convence totalmente como um homem frágil, sensível e passional, dando mais uma prova de seu talento quando bem dirigido (e ficando com o papel antes oferecido a Nicolas Cage, Deus nos proteja!). A seu lado, Kate Winslet brilha em um de seus melhores trabalhos, que lhe deu a quarta indicação ao Oscar. Longe dos trajes de época que marcaram seus filmes anteriores, a bela inglesa aparece em cena com o cabelo pintado de várias cores e transmite uma alegria de viver e uma ânsia de ser amada ausente em seus projetos anteriores - e sua química com Carrey é invejável, especialmente se for levado em conta que improvisaram boa parte de seus diálogos, incentivados pelo diretor. E o elenco coadjuvante não atrapalha nem um pouco, sendo, pelo contrário, um suporte valioso ao casal central. O veterano Tom Wilkinson, os jovens Kirsten Dunst e Elijah Wood e o cada vez melhor Mark Ruffalo não deixam a peteca cair quando suas personagens saltam ao primeiro plano da narrativa, arrematando com cuidado e sensibilidade a arte de Gondry e Kaufman.

Não fazendo concessões ao trivial, "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" pode assustar ao público acostumado com historinhas de amor banais e derivativas. Mas o romance entre suas personagens é verdadeiro, honesto, belo e triste. Belo e triste como um amor de verdade. Uma obra-prima irretocável!

quinta-feira

A PAIXÃO DE CRISTO


A PAIXÃO DE CRISTO (The passion of the Christ, 2004, Icon Productions, 127min) Direção: Mel Gibson. Roteiro: Benedict Fitzgerald, Mel Gibson. Fotografia: Caleb Deschanel. Montagem: John Wright. Música: John Debney. Figurino: Maurizio Millenotti. Direção de arte/cenários: Francesco Frigeri/Carlo Gervasi. Produção executiva: Enzo Sisti. Produção: Mel Gibson, Bruce Davey, Stephen McEveety. Elenco: Jim Caviezel, Monica Bellucci, Maia Morgenstern, Christo Jivkov, Francesco De Vito, Luca Lionello. Estreia: 25/02/04

3 indicações ao Oscar: Fotografia, Trilha Sonora Original, Maquiagem

Filmes com temática religiosa tiveram sua glória no auge do sistema dos estúdios, nos anos 50, graças a diretores como Cecil B. de Mille, que utilizava de uma megalomania a toda prova para criar apoteoses cinematográficas que agradava em cheio ao público. Cineasta de grandes produções, De Mille provavelmente ficaria apoplético se chegasse a assistir a “A paixão de Cristo”, em que o ator Mel Gibson – em seu terceiro trabalho atrás das câmeras – recria as últimas horas de Jesus antes de sua morte e ressurreição. O tema até poderia ser atraente ao veterano cineasta – criador de, ente outros, “Os dez mandamentos” com Charlton Heston – mas a maneira encontrada por Gibson para voltar os olhos de um público pouco afeito a temas bíblicos para seu filme pode ser tudo, menos sutil. Violento até mesmo para fãs de filmes de terror, perturbador e chocante, “A paixão de Cristo” não deixa de ser também um grande trabalho de um diretor plenamente ciente de seus objetivos.
      
O mais rentável filme independente da história do cinema – quase 400 milhões de dólares arrecadados somente nos EUA – é também um filme bastante polêmico. Além das cenas em que o protagonista – vivido por um ótimo Jim Caviezel – é espancado com uma agressividade que deixou muita gente ultrajada e ofendida, o roteiro, escrito pelo próprio Gibson em parceria com Benedict Fitzgerald, arrumou encrenca das feias com a comunidade judaica, uma vez que, seguindo fielmente as Escrituras Sagradas, coloca a culpa da crucificação no povo judeu. Acusado de anti-semita, o astro da série “Máquina mortífera” não arredou pé de suas convicções, o que provavelmente lhe arrumou grandes antipatias e custou algumas indicações ao Oscar – vale lembrar que grande parte dos eleitores da Academia (e da indústria do cinema em si) é formada por judeus. Ainda assim, aceitou não legendar algumas falas mais provocativas para evitar mais ódio da parte de grupos neo-nazistas que poderiam, no mínimo, encontrar um motivo para seus ataques.

        

Na verdade, “A paixão de Cristo” merece aplausos entusiasmados devido a suas inúmeras qualidades cinematográficas, independente de seu valor religioso e/ou espiritual. A fotografia espetacular de Caleb Deschannel, a trilha sonora discreta de John Debney e a maquiagem realista foram merecidamente indicadas ao Oscar. A decisão de Gibson de escalar um elenco sem nomes conhecidos – com exceção de Caviezel e da bela italiana Mônica Belucci como Maria Madalena – colaborou com a atmosfera realista imposta pela produção, que ainda por cima teve a suprema ousadia de ser falada em aramaico, latim e italiano – é sabido que filmes legendados afugentam platéias americanas. Ao fugir conscientemente do tradicional idioma inglês, o roteiro ganha em substância, densidade e verossimilhança. A idéia original de Gibson, de apresentar o filme sem legenda alguma, para que as imagens falassem por si mesmas felizmente foi abandonada, mas assistir a um filme falado na língua original de seus personagens não deixa de ser um prazer cada vez mais raro. E se não bastasse tudo isso, o cineasta premiado com o Oscar por “Coração valente” ainda mostra uma sensibilidade única ao criar cenas pesadas com um fundo espiritual que foge admiravelmente dos clichês – a figura do Diabo, por exemplo, é um primor de criação, visual e psicologicamente.
      
Independente da crença religiosa da platéia,  - e vários membros da equipe do filme se converteram ao Cristianismo após as filmagens - “A paixão de Cristo” não deixa de ser uma poderosa experiência visual e emocional, que leva seus espectadores a duas horas de cinema de qualidade tanto em termos técnicos quanto em questões emocionais. As cenas de Cristo e sua mãe (vivida com uma competência inegável pela romena Maia Morgenstern, meros seis anos mais velha do que Jim Caviezel) atinge qualquer um com um mínimo de sensibilidade. O filme de Gibson pode ser violento, cruel e sufocante, mas é também um dos filmes essenciais de seu tempo.

quarta-feira

UM MÊS, 31 FILMES - DIA 30 - NUNCA MAIS (FILME MAIS TRAUMÁTICO)

O cinema nacional tem nos proporcionado excelentes surpresas como "Tropa de elite", "Cidade de Deus" e "O palhaço", mas de vez em quando surge uma aberração capaz de acabar com a crença de que cinema de qualidade pode ser feita no Brasil.

Um exemplo perfeito dessa afirmação é "Estrela solitária". Mesmo baseado em um espetacular livro de Ruy Castro e com uma história fascinante em mãos (a saber a trágica vida de Mané Garrincha) o filme é uma desgraça. Mal dirigido, mal interpretado, mal editado e com uma produção perceptivelmente pobre (e sem nenhuma criatividade), é uma decepção sem tamanho que nenhuma revisão há de melhorar.

O livro - e o próprio Garrincha - mereciam coisa muito melhor que esse lixo.

O EFEITO BORBOLETA


O EFEITO BORBOLETA (The butterfly effect, 2004, New Line Cinema, 113min) Direção e roteiro: Eric Bress, J. Mackye Gruber. Fotografia: Matthew F. Leonetti. Montagem: Peter Amundson. Música: Michael Suby. Figurino: Carla Hetland. Direção de arte/cenários: Douglas Higgins/Sam Higgins. Produção executiva: Cale Boyter, Richard Brener, Toby Emmerich, Jason Goldberg, David Krintzman, Ashton Kutcher, William Shively. Produção: Chris Bender, A.J. Dix, Anthony Rhulen. Elenco: Ashton Kutcher, Amy Smart, Melora Walters, Eric Stoltz, Elden Henson, William Lee Scott, John Patrick Amedori, Cameron Bright. Estreia: 23/01/04

Nada como um filme despretensioso, sem maiores objetivos senão divertir a audiência por um bom par de horas com uma história atraente e intrigante! Sem fazer muito alarde de suas – muitas – qualidades, “O efeito borboleta” acabou sendo um inesperado sucesso de bilheteria, gerando inclusive desnecessárias continuações. Se os capítulos seguintes da franquia não merecem nem mesmo uma espiada de canto de olho, o produto original deve ser conferido pelo menos graças ao roteiro repleto de reviravoltas inesperadas e angustiantes.
        
Liderando o elenco do filme está o então marido de Demi Moore, o jovem Ashton Kutcher, surpreendendo com uma atuação nervosa e competente. Ele vive o jovem Evan, um rapaz que sofre de lapsos mentais que o impedem de lembrar de horas inteiras de sua vida. Fazendo a faculdade de psicologia, ele tenta entender seu problema, em especial porque sabe que seu pai foi internado em uma instituição por, segundo ele, ter tentado descobrir uma maneira de voltar ao passado para consertar erros cometidos. Acidentalmente, no entanto, Evan consegue voltar no tempo e, ao descobrir os motivos que o levaram a apagar momentos traumáticos de sua infância e adolescência, resolve salvar o amor de sua vida, a frágil Kayleigh (Amy Smart), de um destino trágico e infeliz. Como se fosse uma ironia do destino, a cada vez que o rapaz conserta uma situação desagradável cria uma outra ainda pior para outras pessoas a seu redor.

        

O que talvez mais funcione no roteiro de “O efeito borboleta” é o fato de criar situações trágicas que não poupam nenhum dos personagens, estejam eles na fase que estiverem. Crianças, adolescentes ou jovens adultos, Evan e seus amigos não são tratados com condescência na história contada com criatividade e energia pela dupla de diretores, que nunca deixam que o público adivinhe o próximo problema a ser resolvido por seu carismático protagonista, interpretado com gosto por Kutcher, que também assume o papel de produtor executivo - depois de ter assumido o papel oferecido a Josh Hartnett, Sean William Scott e Joshua Jackson.
       
Prendendo a atenção desde seu início já adrenalínico até o melancólico final ao som da bela “Stop crying your heart out” da banda Oásis, “O efeito borboleta” é uma grata surpresa para os fãs da suspense.

UM MÊS, 31 FILMES - DIA 29 - SAÍDA PELA ESQUERDA (MELHOR SEQUÊNCIA DE PERSEGUIÇÃO)

Numa época em que qualquer filme de ação que se preze TEM que ter uma perseguição de fazer a audiência prender a respiração, poucos são aqueles que realmente o fazem com inteligência e categoria. E é inegável que, apesar dos três capítulos da série Bourne inaugurada por Doug Liman em 2001 serem espetaculares, o último episódio, "O ultimato Bourne", comandado por Paul Greengrass apresenta uma das mais espantosas perseguições da história do cinema. Quem ainda não viu não sabe o que está perdendo.

terça-feira

COLD MOUNTAIN


COLD MOUNTAIN (Cold Mountain, 2003, Miramax Pictures, 154min) Direção: Anthony Minghella. Roteiro: Anthony Minghella, romance de Charles Frazier. Fotografia: John Seale. Montagem: Walter Murch. Música: Gabriel Yared. Figurino: Ann Roth, Carlo Poggioli. Direção de arte/cenários: Dante Ferretti/Francesca LoSchiavo. Produção executiva: Bob Osher, Iain Smith, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Albert Berger, Wiiliam Horberg, Sydney Pollack, Ron Yerxa. Elenco: Jude Law, Nicole Kidman, Renee Zelwegger, Donald Sutherland, Ray Winstone, Philip Seymour Hoffman, Natalie Portman, Giovanni Ribisi, Kathy Baker, Jack White, Melora Walters, Jena Malone. Estreia: 25/12/03


7 indicações ao Oscar: Ator (Jude Law), Atriz Coadjuvante (Renee Zelwegger), Fotografia, Montagem, Trilha Sonora Original, Canção Original ("Scarlet tide", "You will be my ain true love")
Vencedor do Oscar de Atriz Coadjuvante (Renee Zelwegger)
Vencedor do Golden Globe de Atriz Coadjuvante (Renee Zelwegger)

Quando “O talentoso Ripley” estreou, em 1999, uma das maiores reclamações da crítica em relação ao filme do ultra-oscarizado Anthony Minghella era o fato dele ter escalado Matt Damon no papel central e o ótimo Jude Law como coadjuvante. O griteiro foi tanto que Law, que concorreu ao Oscar daquele ano acabou sendo a escolha mais coerente de Minghella para protagonizar seu projeto seguinte, este “Cold Mountain”, baseado em um romance relativamente pouco conhecido de Charles Frazier, ele próprio um ilustre desconhecido no Brasil. Considerado como uma versão moderna do clássico “E o vento levou”, “Cold Mountain” decepcionou em termos de bilheteria e não chegou a entusiasmar muito a crítica. No entanto, é um espetáculo que mostra como Hollywood ainda domina a arte de se contar uma história de forma majestosa e glamourosa. Não deixa de ser sintomática a escalação da bela Nicole Kidman como atriz principal, uma vez que a ex-mulher de Tom Cruise, além de linda era, à época das filmagens, o mais perto de diva que o cinema tinha em mãos. Cruise, que havia se interessado pelo papel central, ficou de fora. Nicole se manteve.
   
Kidman interpreta a mimada e sensível Ada Monroe, que, às vésperas do início da Guerra de Secessão vai morar com o pai, o Pastor Monroe (Donald Sutherland, em atuação simpática) em Cold Mountain, um lugarejo afastado e pacífico. Lá, conquista o amor do tímido e igualmente sensível Inman (Jude Law, que recebeu nova indicação ao Oscar por seu papel), que em seguida parte para o front. Sozinha e sem condições de cuidar da fazenda, Monroe escreve uma carta sofrida para seu amor, implorando que ele volte. Tendo visto os horrores da guerra, o rapaz resolve desertar e parte em busca da mulher amada, que tenta levantar suas economias ao lado da valente Ruby (Renée Zelwegger, que levou o Oscar de coadjuvante, apesar de certos exageros em sua caracterização).

        

A odisséia de Inman para alcançar sua felicidade e sua paz, levemente inspirada na travessia escrita por Homero, dá ao filme muito mais substância do que os sofrimentos de Ada Monroe, ainda que Kidman e Zelwegger tenham uma química invejável. A aventura do jovem vivido por Law faz com que ele cruze com personagens extremamente interessantes e vividos por atores sensacionais. Phillip Seymour-Hoffman oferece seu imenso talento no papel de um pastor bastante mulherengo. Natalie Portman é dona da cena mais forte, como uma jovem viúva e mãe de um bebê que enfrenta soldados bastante violentos. E até Jack White, da banda White Stripes dá sua colaboração como um jovem músico que se apaixona por Ruby - e conquistou o coração de Zelwegger nos bastidores.

 “Cold Mountain” é sem dúvida um belo espetáculo. A fotografia de John Seale e a trilha sonora de Gabriel Yared são impecáveis. A reconstituição de época e as cenas de guerra nunca estão aquém de fantásticas. Nicole Kidman está no auge da beleza e do carisma de estrela. Mas é injusto negar que é o trabalho de Jude Law que torna o filme de Anthony Minghella uma experiência inesquecível. O jovem inglês foi merecidamente indicado ao Oscar, uma vez que brilha intensamente em qualquer cena em que esteja presente. E dessa vez Minghella acertou colocando-o no papel central, felizmente deixando de lado escolhas bizarras como Tom Hanks, Daniel Day-Lewis, Matt Damon, Brad Pitt, Leonardo DiCaprio e Eric Bana. Prova de que um elenco bem escalado faz metade do serviço.

JADE

  JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...