CHEGADAS E PARTIDAS (The shipping news, 2001, Miramax Films, 111min) Direção: Lasse Halstrom. Roteiro: Robert Nelson Jacobs, romance de Annie Proulx. Fotografia: Oliver Stapleton. Montagem: Andrew Mondsheim. Música: Christopher Young. Figurino: Renee Ehrlich Kalfus. Direção de arte/cenários: David Gropman/Patricia Larman, Gretchen Rau. Produção executiva: Meryl Poster, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Rob Cowan, Linda Goldstein Knowlton, Leslie Holleran, Irwin Winkler. Elenco: Kevin Spacey, Julianne Moore, Judi Dench, Cate Blanchett, Pete Postlethwaite, Scott Glenn, Rhys Ifans, Jason Behr, Larry Pine. Estreia: 25/12/01
Não tinha como dar errado: o diretor sueco Lasse Halstrom, que vinha de dois filmes indicados ao Oscar máximo - "Regras da vida" e "Chocolate" -, uma trama dramática com personagens densos e segredos familiares tenebrosos e um elenco de sonhos - Kevin Spacey, Julianne Moore, Judi Dench e Cate Blanchett apenas para citar os mais conhecidos e premiados. Por que, então, "Chegadas e partidas" deixa um sabor tão grande de decepção quando acaba? A culpa é do roteiro, que nunca chega a emocionar? Da direção surpreendentemente distante de Halstrom? Ou será que o principal erro do filme é justamente o que, em tese, seria seu maior trunfo: o elenco?
Kevin Spacey - recém saído do Oscar merecido por "Beleza americana" - é o protagonista, mas exagera na sutileza e parece apático demais como Quoyle, um zé-ninguém que, depois da morte trágica da esposa Petal (Cate Blanchett, a melhor coisa do filme mas que, no entanto, desaparece depois de 15 minutos), vai morar em uma ilha de pescadores de onde se origina sua família. Ao lado da filha pequena e de sua aparentemente gélida tia Agnis (Judi Dench) - que esconde um segredo devastador - ele tenta reconstruir sua vida, trabalhando como o responsável pelas notícias náuticas do pequeno jornal da cidade, dirigido por um pescador pouco preocupado com seu negócio (Scott Glenn). Enquanto tenta esquecer a esposa - que amava apesar da relação horrível que tinham, ele se envolve com Wavey Prowse (Julianne Moore), uma solitária viúva mãe de um menino com problemas de saúde.
Talvez o grande problema de "Chegadas e partidas" nem seja o elenco - que tenta tirar leite de pedra - nem a direção distante de Halstron, que provavelmente quis retratar com o máximo de exatidão o clima frio onde situa sua história. O que acontece é que, por alguma razão misteriosa (ou nem tão misteriosa assim, já que o filme tem um ritmo pouco convidativo), as personagens não cativam o público, ao contrário do que aconteceu em "Regras da vida", por exemplo. O protagonista vivido por Kevin Spacey é de uma apatia irritante, o que acaba prejudicando seu diálogo com a plateia, e nem mesmo seu hesitante romance com Moore - mais bela do que nunca - consegue empolgar o espectador. Resta o show de Judi Dench, roubando todas as cenas em que aparece, com a personagem mais forte e bem desenhada do roteiro esquemático e pouco caloroso (inspirado em um romance da mesma autora que legou o conto que deu origem ao premiado "O segredo de Brokeback Mountain" cinco anos depois).
"Chegadas e partidas" poderia ter sido um grande filme se seguisse o tom emotivo dos trabalhos anteriores de seu diretor. Como está é mais uma produção com cara de filme feito para a TV, apesar de seu elenco multi-premiado.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quinta-feira
quarta-feira
A ÚLTIMA CEIA
A ÚLTIMA CEIA (Monster's ball, 2001, Lions Gate Films, 111min) Direção: Marc Forster. Roteiro: Milo Addica, Will Rokos. Fotografia: Roberto Schaefer. Montagem: Matt Chessé. Música: Asche and Spencer. Figurino: Frank Fleming. Direção de arte/cenários: Monroe Kelly/Leonard R. Spears. Produção executiva: Michael Burns, Michael Paseornek. Elenco: Billy Bob Thornton, Halle Berry, Heath Ledger, Peter Boyle, Sean Combs, Mos Def, Coronji Calhoun. Estreia: 26/12/01
2 indicações ao Oscar: Atriz (Halle Berry), Roteiro Original
Vencedor do Oscar de Melhor Atriz (Halle Berry)
Halle Berry foi a primeira (e até agora a única) negra a ganhar o Oscar de Melhor Atriz, abrindo um importante precedente na história do cinema. Bela e sensual, ela despojou-se de todo o seu arsenal sedutor para encarar sua personagem em "A última ceia", uma viúva amargurada e com uma vida infeliz, que se envolve em um romance melancólico com um homem igualmente desesperançado. Seu trabalho intenso e forte mereceu a estatueta, ainda que o fato de ela ter levado o prêmio no mesmo ano em que Denzel Washington foi eleito o Melhor Ator pelo banal "Dia de treinamento" tenha sido considerado por muitos como um ato de diplomacia da formal Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
Especulações paranoicas à parte, a atuação de Berry é, sem dúvida, um atrativo e tanto ao filme de Marc Foster, um trabalho pesado, denso e dono de um ritmo que foge léguas dos dramas mais convencionais que costumam ganhar o Oscar. Ela vive Leticia, uma garçonete que acaba de ficar viúva do criminoso Lawrence Musgrove (o cantor Sean "Puff Daddy" Combs, se saindo melhor do que se poderia esperar), executado na cadeira elétrica. Como se viver ameaçada de despejo e ter perdido o marido em circunstâncias tão cruéis não fosse o suficiente, Leticia ainda passa por uma outra experiência devastadora, o que a leva a travar conhecimento com Hank Grotoski (Billy Bob Thornton), que acaba de passar por uma tragedia envolvendo seu filho único, Sonny (Heath Ledger começando a demonstrar que era um excelente ator), com quem mantinha uma relação fria e de quase ódio. Os dois começam uma relação baseada no apoio mútuo, mas, além de ter que enfrentar o racismo de Buck (Peter Boyle), pai de Hank - e até dele mesmo - Leticia também terá de enfrentar a revelação de que Hank e seu filho foram os guardas responsáveis pelos últimos dias de seu marido na prisão.
"A última ceia" não é um filme leve e recomendável a quem procura dramas pasteurizados ao estilo "Filme da Semana". Sem dar espaço para um mínimo de senso de humor ou leveza - até mesmo suas polêmicas cenas de sexo são secas, duras, sem glamour ou qualquer tipo de romantismo - o roteiro narra o encontro de seus protagonistas como uma válvula de escape, a última chance de viverem seus dias com menos peso e tristeza. Os personagens defendidos por Berry e Thornton (em um ano excepcional que também ofereceu a ele os filmes "O homem que não estava lá" e "Vida bandida") são duas pessoas desencantadas e cansadas da vida que levam, e isso se reflete em seus olhares desprovidos de empolgação ou paixão. Billy Bob vive um Hank cuja vida não passa de um dia-a-dia enfadonho e que vislumbra em Leticia uma possibilidade de redenção (e uma prova para si mesmo de que é capaz de sentir algo mais do que desprezo). Hale Berry interpreta Leticia como uma mulher que precisa de sustentação, de alguém que a apoie, de um respiro de tranquilidade e paz. E a cena final, de uma sutileza ímpar no cinema americano talvez incomode àqueles que procuram roteiros simplistas. Mas tem uma verdade e uma honestidade difícil de se encontrar em filmes comerciais.
terça-feira
KATE & LEOPOLD
KATE & LEOPOLD (Kate & Leopold, 2001, Miramax Films, 118min) Direção: James Mangold. Roteiro: James Mangold, Steven Rogers, história de Steven Rogers. Fotografia: Stuart Dryburgh. Montagem: David Brenner. Música: Rolfe Kent. Figurino: Donna Zakowska. Direção de arte/cenários: Mark Friedberg/Stephanie Carroll. Produção executiva: Kerry Orent, Meryl Poster, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Cathy Konrad. Elenco: Meg Ryan, Hugh Jackman, Liev Schreiber, Breckin Meyer, Natasha Lyonne, Bradley Whitford, Philip Bosco. Estreia: 25/12/01
Indicado ao Oscar de Melhor Canção ("Until")
Filme ideal para aquelas mulheres que reclamam da falta de romantismo e galanteria dos homens contemporâneos, a comédia romântica "Kate & Leopold", protagonizada pela estrela máxima do gênero, Meg Ryan, é uma aula de como conquistar um público ávido por histórias de amor com finais felizes. Em pouco menos de duas horas de duração, o filme de James Mangold usa e abusa de clichês, mas o faz com tanto carinho, bom humor e leveza que é difícil deixar de gostar.
O cientista Stuart (vivido com graça pelo prestigiado Liev Schreiber) descobre um rasgo no tempo que o permite visitar a Nova York de 1876. Na apressada volta para 2001 ele acaba, por acidente, ganhando a companhia de Leopold (Hugh Jackman, perfeito), um duque falido que está sendo pressionado por seu tio a fazer um bom casamento. Em choque com as diferenças culturais e sociais de duas épocas completamente distintas, o gentil e cavalheiro Leopold acaba conquistado pela ex-namorada de Stuart, a executiva Kate McKay (Meg Ryan), que, desiludida com a espécie masculina em geral, demora a perceber que também está apaixonada pelo galante duque, que, de quebra, ajuda o irmão da moça, o aspirante a ator Charlie (Breckin Meyer) a mudar suas atitudes para seduzir uma colega.
O roteiro do diretor Mangold - exercitando um estilo diferente do dramalhão que apresentou em "Garota, interrompida" - escrito em parceria com Steven Rogers não tenta explicar como funciona as viagens no tempo que são cruciais para o início da trama, deixando que a bela e delicada história de amor entre os protagonistas comande o espetáculo. Ao optar por centrar seus esforços na dupla de atores, o cineasta marca um gol de placa. Enquanto Ryan continua utilizando seu arsenal de caras e bocas que a fizeram a preferida entre o público cativo das comédias românticas, é o astro Hugh Jackman quem rouba todas as cenas. Distante anos-luz de seu personagem mais conhecido, o furioso Wolverine de "X-Men", o ator australiano demonstra um timing cômico perfeito, além de ter o tipo físico ideal para encarnar o sedutor Leopold. Juntos, ele e Meg formam um casal adorável, o que torna a experiência de assistir a "Kate & Leopold" deliciosa.
E dá pra não simpatizar com um filme que homenageia, ainda que de leve, o clássico "Bonequinha de luxo"?
PS - Reparem na ponta da atriz Viola Davis (indicada ao Oscar de coadjuvante por "Dúvida") como a policial que aborda Leopold em seu primeiro passeio pelas ruas da Nova York de 2001.
Indicado ao Oscar de Melhor Canção ("Until")
Filme ideal para aquelas mulheres que reclamam da falta de romantismo e galanteria dos homens contemporâneos, a comédia romântica "Kate & Leopold", protagonizada pela estrela máxima do gênero, Meg Ryan, é uma aula de como conquistar um público ávido por histórias de amor com finais felizes. Em pouco menos de duas horas de duração, o filme de James Mangold usa e abusa de clichês, mas o faz com tanto carinho, bom humor e leveza que é difícil deixar de gostar.
O cientista Stuart (vivido com graça pelo prestigiado Liev Schreiber) descobre um rasgo no tempo que o permite visitar a Nova York de 1876. Na apressada volta para 2001 ele acaba, por acidente, ganhando a companhia de Leopold (Hugh Jackman, perfeito), um duque falido que está sendo pressionado por seu tio a fazer um bom casamento. Em choque com as diferenças culturais e sociais de duas épocas completamente distintas, o gentil e cavalheiro Leopold acaba conquistado pela ex-namorada de Stuart, a executiva Kate McKay (Meg Ryan), que, desiludida com a espécie masculina em geral, demora a perceber que também está apaixonada pelo galante duque, que, de quebra, ajuda o irmão da moça, o aspirante a ator Charlie (Breckin Meyer) a mudar suas atitudes para seduzir uma colega.
O roteiro do diretor Mangold - exercitando um estilo diferente do dramalhão que apresentou em "Garota, interrompida" - escrito em parceria com Steven Rogers não tenta explicar como funciona as viagens no tempo que são cruciais para o início da trama, deixando que a bela e delicada história de amor entre os protagonistas comande o espetáculo. Ao optar por centrar seus esforços na dupla de atores, o cineasta marca um gol de placa. Enquanto Ryan continua utilizando seu arsenal de caras e bocas que a fizeram a preferida entre o público cativo das comédias românticas, é o astro Hugh Jackman quem rouba todas as cenas. Distante anos-luz de seu personagem mais conhecido, o furioso Wolverine de "X-Men", o ator australiano demonstra um timing cômico perfeito, além de ter o tipo físico ideal para encarnar o sedutor Leopold. Juntos, ele e Meg formam um casal adorável, o que torna a experiência de assistir a "Kate & Leopold" deliciosa.
E dá pra não simpatizar com um filme que homenageia, ainda que de leve, o clássico "Bonequinha de luxo"?
PS - Reparem na ponta da atriz Viola Davis (indicada ao Oscar de coadjuvante por "Dúvida") como a policial que aborda Leopold em seu primeiro passeio pelas ruas da Nova York de 2001.
segunda-feira
UMA MENTE BRILHANTE
UMA MENTE BRILHANTE (A beautiful mind, 2001, Universal Pictures/Dreamworks SKG, Imagine Entertainment, 135min) Direção: Ron Howard. Roteiro: Akiva Goldsman, livro de Sylvia Nasar. Fotografia: Roger Deakins. Montagem: Dan Hanley, Mike Hill. Música: James Horner. Figurno: Rita Ryack. Direção de arte/cenários: Wynn Thomas/Leslie Rollins. Produção executiva: Todd Hallowell, Karen Kehela. Produção: Brian Grazer, Ron Howard. Elenco: Russell Crowe, Jennifer Connelly, Ed Harris, Christopher Plummer, Paul Bettany, Josh Lucas, Adam Goldberg, Judd Hirsch. Estreia: 13/12/01
8 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Ron Howard), Ator (Russell Crowe), Atriz Coadjuvante (Jennifer Connelly), Roteiro Adaptado, Montagem, Trilha Sonora Original, Maquiagem
Vencedor de 4 Oscar: Melhor Filme, Diretor (Ron Howard), Atriz Coadjuvante (Jennifer Connelly), Roteiro Adaptado
Vencedor de 4 Golden Globes: Melhor Filme/Drama, Ator/Drama (Russell Crowe), Atriz Coadjuvante (Jennifer Connelly), Roteiro
8 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Ron Howard), Ator (Russell Crowe), Atriz Coadjuvante (Jennifer Connelly), Roteiro Adaptado, Montagem, Trilha Sonora Original, Maquiagem
Vencedor de 4 Oscar: Melhor Filme, Diretor (Ron Howard), Atriz Coadjuvante (Jennifer Connelly), Roteiro Adaptado
Vencedor de 4 Golden Globes: Melhor Filme/Drama, Ator/Drama (Russell Crowe), Atriz Coadjuvante (Jennifer Connelly), Roteiro
Grande vencedor do Oscar 2001 em quatro categorias - Filme, Diretor, Roteiro Adaptado e Atriz Coadjuvante - "Uma mente brilhante" conta a história do matemático John Nash causou polêmica em seu lançamento, o que em nada atrapalhou seu sucesso também nas bilheterias, com uma arrecadação de mais de 170 milhões de dólares somente no mercado americano (o que, se for levado em conta que não é um típico produto para consumo imediato é um estrondoso sucesso). O celeuma foi causado pela revelação de que o protagonista do filme tinha ideias antissemitas, o que foi convenientemente deixado de lado pelo premiado roteiro de Akiva Goldsman, assim como suas tendências homossexuais. O que os polemistas talvez não tenham percebido é que tais características da personagem não fazem muita diferença para o centro da história contada no filme. O que importa na obra de Ron Howard - um diretor até então de filmes comerciais sem maiores ambições artísticas - é a luta de Nash contra a esquizofrenia, travada durante décadas, e sua história de amor com a esposa Alicia - história essa bastante enfeitada na transposição para celulóide da extensa biografia escrita por Sylvia Nasar.
Vivido com um misto de garra e delicadeza surpreendente por um Russell Crowe provando seu imenso talento, John Nash é mostrado pela primeira vez em 1947, ainda na faculdade e buscando uma maneira de destacar-se de seus colegas, todos matemáticos brilhantes e um tanto arrogantes. Já professor, Nash conhece e se apaixona por uma aluna, a bela Alicia (Jennifer Connelly, linda e excelente no papel), com quem se casa, apesar de suas dificuldadades em relacionamentos sociais. Às vésperas de seu reconhecimento profissional, no entanto, ele é diagnosticado como esquizofrênico e, com a ajuda de Alicia e do psiquiatra Dr. Rosen (Christopher Plummer), ele tenta superar a doença e voltar a ser o gênio que prometia.
Russell Crowe foi injustiçado quando perdeu o Oscar de Melhor Ator para Denzel Washington. Seu trabalho como John Nash é infinitamente superior não somente ao de Denzel mas principalmente à sua própria atuação vencedora do prêmio da Academia pelo épico "Gladiador". Repleta de nuances e sutilezas que só os grandes atores conseguem, sua atuação comove, intriga e angustia na medida certa, impedindo a compaixão fácil e fazendo com que cada cena seja especial pelo simples fato de ele estar presente nela. Sua química exemplar com Jeniffer Connelly, seja em cenas românticas (criadas para agradar às plateias mais convencionais) ou nas mais dramáticas eleva o filme a um patamar de excelência que provavelmente foi o que conquistou o público sedento por um drama adulto de qualidade. É de questionar apenas os motivos que levaram Connelly a vencer na categoria de coadjuvante, uma vez que sua personagem é quase tão protagonista quanto a de Crowe. Somado a sua trama de superação - que além de tudo é verdadeira, apesar da supressão de fatos importantes e da simplificação de outros - o romance entre Nash e Alicia também seduziou os eleitores do Oscar que lhe deram quatro importantes estatuetas (e deveriam ter dado no mínimo mais uma, a Crowe, que acabou prejudicado pela mania do Oscar de corrigir injustiças fazendo outras....).
Além dos trabalhos exemplares de Crowe e Connelly, porém, seria injusto deixar de citar a maior qualidade de "Uma mente brilhante": o roteiro irretocável de Akiva Goldsman. Apesar das licenças poéticas (que incorreram na fúria dos puristas), seu script é capaz de conquistar pela delicadeza dos diálogos e pela reviravolta espetacular que proporciona depois de sua primeira hora de projeção e além de tudo, funciona como drama médico, como romance e como thriller de espionagem, sem nunca atropelar o ritmo e as personagens, sejam elas protagonistas ou coadjuvantes - e nessa categoria encontra-se atores de primeira linha, como Christopher Plummer, Paul Bettany e um arrepiante Ed Harris, perfeito em sua tétrica caracterização como um misterioso agente da CIA.
Com todas essas qualidades, não é de estranhar que "Uma mente brilhante" tenha passado incólume pelas polêmicas a seu respeito. Afinal, verdadeiras ou não, as acusações feitas são contra a personalidade de seu protagonista e não interferem no produto cinematográfico, dirigido com precisão por Ron Howard, até então mais afeito a produções mais lineares e menos, com o perdão do trocadilho, brilhantes. É aqui, com a parceria de Russell Crowe e Akiva Goldsman que ele atinge seu ápice, em um filme forte e que, apesar de parecer esquemático, consegue surpreender e emocionar.
Vivido com um misto de garra e delicadeza surpreendente por um Russell Crowe provando seu imenso talento, John Nash é mostrado pela primeira vez em 1947, ainda na faculdade e buscando uma maneira de destacar-se de seus colegas, todos matemáticos brilhantes e um tanto arrogantes. Já professor, Nash conhece e se apaixona por uma aluna, a bela Alicia (Jennifer Connelly, linda e excelente no papel), com quem se casa, apesar de suas dificuldadades em relacionamentos sociais. Às vésperas de seu reconhecimento profissional, no entanto, ele é diagnosticado como esquizofrênico e, com a ajuda de Alicia e do psiquiatra Dr. Rosen (Christopher Plummer), ele tenta superar a doença e voltar a ser o gênio que prometia.
Russell Crowe foi injustiçado quando perdeu o Oscar de Melhor Ator para Denzel Washington. Seu trabalho como John Nash é infinitamente superior não somente ao de Denzel mas principalmente à sua própria atuação vencedora do prêmio da Academia pelo épico "Gladiador". Repleta de nuances e sutilezas que só os grandes atores conseguem, sua atuação comove, intriga e angustia na medida certa, impedindo a compaixão fácil e fazendo com que cada cena seja especial pelo simples fato de ele estar presente nela. Sua química exemplar com Jeniffer Connelly, seja em cenas românticas (criadas para agradar às plateias mais convencionais) ou nas mais dramáticas eleva o filme a um patamar de excelência que provavelmente foi o que conquistou o público sedento por um drama adulto de qualidade. É de questionar apenas os motivos que levaram Connelly a vencer na categoria de coadjuvante, uma vez que sua personagem é quase tão protagonista quanto a de Crowe. Somado a sua trama de superação - que além de tudo é verdadeira, apesar da supressão de fatos importantes e da simplificação de outros - o romance entre Nash e Alicia também seduziou os eleitores do Oscar que lhe deram quatro importantes estatuetas (e deveriam ter dado no mínimo mais uma, a Crowe, que acabou prejudicado pela mania do Oscar de corrigir injustiças fazendo outras....).
Além dos trabalhos exemplares de Crowe e Connelly, porém, seria injusto deixar de citar a maior qualidade de "Uma mente brilhante": o roteiro irretocável de Akiva Goldsman. Apesar das licenças poéticas (que incorreram na fúria dos puristas), seu script é capaz de conquistar pela delicadeza dos diálogos e pela reviravolta espetacular que proporciona depois de sua primeira hora de projeção e além de tudo, funciona como drama médico, como romance e como thriller de espionagem, sem nunca atropelar o ritmo e as personagens, sejam elas protagonistas ou coadjuvantes - e nessa categoria encontra-se atores de primeira linha, como Christopher Plummer, Paul Bettany e um arrepiante Ed Harris, perfeito em sua tétrica caracterização como um misterioso agente da CIA.
Com todas essas qualidades, não é de estranhar que "Uma mente brilhante" tenha passado incólume pelas polêmicas a seu respeito. Afinal, verdadeiras ou não, as acusações feitas são contra a personalidade de seu protagonista e não interferem no produto cinematográfico, dirigido com precisão por Ron Howard, até então mais afeito a produções mais lineares e menos, com o perdão do trocadilho, brilhantes. É aqui, com a parceria de Russell Crowe e Akiva Goldsman que ele atinge seu ápice, em um filme forte e que, apesar de parecer esquemático, consegue surpreender e emocionar.
sexta-feira
O FABULOSO DESTINO DE AMÉLIE POULAIN
O FABULOSO DESTINO DE AMÉLIE POULAIN (Le fabuleux destin d'Amelie Poulain, França, 2001, 122min) Direção: Jean-Pierre Jeunet. Roteiro: Jean-Pierre Jeunet, Guillaume Laurant. Fotografia: Bruno Delbonnel. Montagem: Hervé Schneid. Música: Yann Tiersen. Figurino: Madeline Fontaine, Emma Lebail. Direção de arte/cenários: Aline Bonetto/Marie-Laure Valla. Produção executiva: Claudie Ossard. Produção: Jean-Marc Deschamps, Claudie Ossard. Elenco: Audrey Tautou, Mathieu Kassovitz, Jamel Debbouze, Dominique Pinon, Yolande Moreau. Estreia: 25/4/01
5 indicações ao Oscar: Melhor Filme Estrangeiro, Roteiro Original, Fotografia, Direção de Arte/Cenários, Som
O mundo seria um lugar muito melhor se fosse como é retratado em "O fabuloso destino de Amélie Poulain", um dos mais felizes produtos cinematográficos jamais concebidos em seus mais de cem anos de história. Feliz em sua essência, em sua realização e em seu resultado final, o filme de Jean-Pierre Jeunet (em seu primeiro trabalho após sua experiência hollywoodiana com "Alien: a ressurreição") é uma obra-prima em todos os sentidos, um verdadeiro e sólido argumento a favor da paixão que o cinema desperta em milhares de fãs. Exagero? Não é o que acham os mais de 15 milhões de espectadores que correram aos cinemas para assistí-lo e transformá-lo no maior sucesso de bilheteria da história do cinema francês, além de um dos mais influentes produtos cinematográficos de todos os tempos.
Tendo como cenário uma Paris estilizada e esplendidamente fotografada por Bruno Delbonnel (cuja predominância das cores verde, amarelo e vermelho tem como inspiração o trabalho do artista plástico catarinense Juarez Machado), Jeunet conta a história da jovem garçonete Amélie Poulain (vivida com graça e carisma pela ótima Audrey Tautou), que descobre o prazer de ajudar as pessoas a ser felizes ao localizar, por acidente, uma caixa de relíquias infantis perdida em seu apartamento por um antigo morador que vive afastado da família. Incentivada pela mudança positiva que provoca no desconhecido ao devolver-lhe o antigo brinquedo, ela passa a vingar oprimidos, unir solitários, levar a vida exterior a um vizinho doente e até mesmo a resgatar o amor-próprio de uma viúva infeliz. A única pessoa a quem ela não consegue ajudar é ela mesma: tímida e introvertida, ela não tem coragem de declarar-se ao excêntrico Nino Quincampoix (o cineasta Matthieu Kassovitz), mesmo sabendo que ele é o amor de sua vida.
Apontar um único defeito no filme de Jean-Pierre Jeunet é tarefa das mais difíceis que se pode imaginar. Tecnicamente perfeito, com uma trilha sonora deliciosa de Yann Tiersen, com um elenco de atores com rostos marcantes (uma das mais fortes características do diretor, que lembra o cuidado de um Fellini) vivendo personagens interessantes e verossímeis apesar de suas excentricidades e com um roteiro impecável, equilibrado entre o romance idílico e uma auto-ironia irresistível, "O fabuloso destino de Amélie Poulain" ainda consegue o feito raro de conquistar a audiência sem jamais tocar em assuntos polêmicos, ignorar qualquer tipo de violência física e contar uma história de amor sem cair nas armadilhas das comédias românticas americanas - além, é claro, de nunca apelar para o erotismo. Não foi à toa que até mesmo a Academia de Hollywood, normalmente avessa a produções que saem de seus domínios, lhe deu cinco indicações ao Oscar (ainda que, na hora H tenha escolhido o politizado "Terra de ninguém" como vencedor). E se o papel principal foi escrito especialmente para Emily Watson (que pulou fora do projeto na última hora), não há público que consiga imaginar outra Amélie Poulain que não Audrey Tautou.
Dona de um rosto impressionante e de um carisma inegável, Tautou tornou-se a imagem perfeita do filme, uma das mais emblemáticas faces do cinema do início do século XXI. Seus olhos levemente arregalados, assim como seu sorriso meigo enfeitam um dos filmes mais alto-astral que se pode ter notícia. Uma obra-prima capaz de derrubar qualquer mau-humor. Seu único problema? Fazer com que, em comparação com o mundo colorido e onírico mostrado por Jeunet, o mundo real soe tão cinzento...
5 indicações ao Oscar: Melhor Filme Estrangeiro, Roteiro Original, Fotografia, Direção de Arte/Cenários, Som
O mundo seria um lugar muito melhor se fosse como é retratado em "O fabuloso destino de Amélie Poulain", um dos mais felizes produtos cinematográficos jamais concebidos em seus mais de cem anos de história. Feliz em sua essência, em sua realização e em seu resultado final, o filme de Jean-Pierre Jeunet (em seu primeiro trabalho após sua experiência hollywoodiana com "Alien: a ressurreição") é uma obra-prima em todos os sentidos, um verdadeiro e sólido argumento a favor da paixão que o cinema desperta em milhares de fãs. Exagero? Não é o que acham os mais de 15 milhões de espectadores que correram aos cinemas para assistí-lo e transformá-lo no maior sucesso de bilheteria da história do cinema francês, além de um dos mais influentes produtos cinematográficos de todos os tempos.
Tendo como cenário uma Paris estilizada e esplendidamente fotografada por Bruno Delbonnel (cuja predominância das cores verde, amarelo e vermelho tem como inspiração o trabalho do artista plástico catarinense Juarez Machado), Jeunet conta a história da jovem garçonete Amélie Poulain (vivida com graça e carisma pela ótima Audrey Tautou), que descobre o prazer de ajudar as pessoas a ser felizes ao localizar, por acidente, uma caixa de relíquias infantis perdida em seu apartamento por um antigo morador que vive afastado da família. Incentivada pela mudança positiva que provoca no desconhecido ao devolver-lhe o antigo brinquedo, ela passa a vingar oprimidos, unir solitários, levar a vida exterior a um vizinho doente e até mesmo a resgatar o amor-próprio de uma viúva infeliz. A única pessoa a quem ela não consegue ajudar é ela mesma: tímida e introvertida, ela não tem coragem de declarar-se ao excêntrico Nino Quincampoix (o cineasta Matthieu Kassovitz), mesmo sabendo que ele é o amor de sua vida.
Apontar um único defeito no filme de Jean-Pierre Jeunet é tarefa das mais difíceis que se pode imaginar. Tecnicamente perfeito, com uma trilha sonora deliciosa de Yann Tiersen, com um elenco de atores com rostos marcantes (uma das mais fortes características do diretor, que lembra o cuidado de um Fellini) vivendo personagens interessantes e verossímeis apesar de suas excentricidades e com um roteiro impecável, equilibrado entre o romance idílico e uma auto-ironia irresistível, "O fabuloso destino de Amélie Poulain" ainda consegue o feito raro de conquistar a audiência sem jamais tocar em assuntos polêmicos, ignorar qualquer tipo de violência física e contar uma história de amor sem cair nas armadilhas das comédias românticas americanas - além, é claro, de nunca apelar para o erotismo. Não foi à toa que até mesmo a Academia de Hollywood, normalmente avessa a produções que saem de seus domínios, lhe deu cinco indicações ao Oscar (ainda que, na hora H tenha escolhido o politizado "Terra de ninguém" como vencedor). E se o papel principal foi escrito especialmente para Emily Watson (que pulou fora do projeto na última hora), não há público que consiga imaginar outra Amélie Poulain que não Audrey Tautou.
Dona de um rosto impressionante e de um carisma inegável, Tautou tornou-se a imagem perfeita do filme, uma das mais emblemáticas faces do cinema do início do século XXI. Seus olhos levemente arregalados, assim como seu sorriso meigo enfeitam um dos filmes mais alto-astral que se pode ter notícia. Uma obra-prima capaz de derrubar qualquer mau-humor. Seu único problema? Fazer com que, em comparação com o mundo colorido e onírico mostrado por Jeunet, o mundo real soe tão cinzento...
quinta-feira
DONNIE DARKO
DONNIE DARKO (Donnie Darko, 2001, Pandora Cinema/Flower Films, 113min) Direção e roteiro: Ricjard Kelly. Fotografia: Steven Poster. Montagem: Sam Bauer, Eric Strand. Música: Michael Andrews. Figurino: April Ferry. Direção de arte/cenários: Alexander Hammond/Jennie Harris. Produção executiva: Chris J. Ball, Drew Barrymore, Casey La Scala, Hunt Lowry, Aaron Ryder, William Tyrer. Produção: Adam Fields, Nancy Juvonen, Sean McKittrick. Elenco: Jake Gyllenhaal, Jena Malone, Maggie Gyllenhaal, Drew Barrymore, Patrick Swayze, Noah Wyle, Mary McDonnell, Seth Rogen. Estreia: 19/01/01 (Sundance Festival)
"Donnie Darko" é tão desconcertante em sua mistura de gêneros que conseguiu dar um nó na cabeça dos críticos e do público em geral, que ignorou sua passagem pelos cinemas. Mas é justamente esse sincretismo que fez dele um cult movie por excelência, adorado por fãs que viram nele um suspense acima da média, com elementos fortes de ficção científica e até pitadas de romance. Co-produzido pela atriz Drew Barrymore (através de sua Flower Films), o filme escrito e dirigido por Richard Kelly (então com meros 25 anos) subverte algumas regras do cinema mainstream e consegue conquistar o espectador, mesmo que apenas em seus minutos finais ele faça algum sentido.
É preciso embarcar na viagem de Kelly para se curtir "Donnie Darko", deixando de lado qualquer preconceito. A trama começa em 02 de outubro de 1988, quando dois acontecimentos transformam a rotina do personagem-título, um adolescente vivido por Jake Gylenhaal (e que quase foi interpretado por Mark Wahlberg): a turbina de um avião cai sobre seu quarto enquanto ele está fora de casa em um ataque de aparente sonambulismo e ele conhece Frank, um coelho do tamanho de um homem, que torna-se seu "amigo imaginário". Dependente de remédios e sessões de terapia, o jovem Darko fica sabendo, através de Frank, que o mundo tem data para acabar: no Halloween, dia 31 de outubro, ou seja, dali a 29 dias. Enquanto tenta descobrir como será o final dos tempos, ele arruma tempo para se apaixonar pela problemática Gretchen (Jena Malone) e busca uma maneira de viajar no tempo. Nos momentos vagos, obedece a ordens cada vez mais agressivas de Frank, que o incitam a atos quase terroristas.
"Donnie Darko" é, definitivamente, um filme de difícil classificação - e qualquer tentativa de resumí-lo soaria superficial e inútil. Um público menos paciente, mal-acostumado com tramas mastigadinhas desde os créditos de abertura provavelmente irá abominar e passar ao largo das aventuras de Darko, aparentemente herméticas mas convincentes e plausíveis dentro de seu universo próprio. Kelly fez de seu filme de estreia um quebra-cabeças sombrio que encontra na atuação quase propositalmente apática de Jake Gylenhaal um de seus maiores trunfos. Misturando conceitos científicos com uma alta dose de suspense e dubiedade, o diretor/roteirista tornou-se uma promessa das mais consistentes do início do século XXI - ainda que depois tenha cometido coisas indescritíveis como "A caixa", estrelado por Cameron Diaz, que, em sua tentativa de mesclar gêneros acabou tranformando-se em um samba do crioulo doido.
No final das contas, "Donnie Darko" é um conto sobre segundas chances e autosacrifícios, ainda que pareça mais um pesadelo criado por David Lynch do que um sensível drama semiaçucarado imaginado por Frank Capra. Contando com um elenco de coadjuvantes de primeira linha - a própria Drew Barrymore, Patrick Swayze como um suspeito guru de autoajuda e Noah Wyle, da série "Plantão médico" como um professor - e um clima dark e opressivo, o filme ainda apresenta uma nostálgica trilha sonora composta de hits dos anos 80, cantados por gente como Eccho & The Bunnymen (cuja "The killing moon" abre o filme), Duran Duran e Joy Division - além de encerrar com uma bela versão de "Mad world" do Tears for Fears. Quem procura fugir dos padrões, gosta de obras estranhas e encarar uma história para pensar já encontrou seu filme de cabeceira.
"Donnie Darko" é tão desconcertante em sua mistura de gêneros que conseguiu dar um nó na cabeça dos críticos e do público em geral, que ignorou sua passagem pelos cinemas. Mas é justamente esse sincretismo que fez dele um cult movie por excelência, adorado por fãs que viram nele um suspense acima da média, com elementos fortes de ficção científica e até pitadas de romance. Co-produzido pela atriz Drew Barrymore (através de sua Flower Films), o filme escrito e dirigido por Richard Kelly (então com meros 25 anos) subverte algumas regras do cinema mainstream e consegue conquistar o espectador, mesmo que apenas em seus minutos finais ele faça algum sentido.
É preciso embarcar na viagem de Kelly para se curtir "Donnie Darko", deixando de lado qualquer preconceito. A trama começa em 02 de outubro de 1988, quando dois acontecimentos transformam a rotina do personagem-título, um adolescente vivido por Jake Gylenhaal (e que quase foi interpretado por Mark Wahlberg): a turbina de um avião cai sobre seu quarto enquanto ele está fora de casa em um ataque de aparente sonambulismo e ele conhece Frank, um coelho do tamanho de um homem, que torna-se seu "amigo imaginário". Dependente de remédios e sessões de terapia, o jovem Darko fica sabendo, através de Frank, que o mundo tem data para acabar: no Halloween, dia 31 de outubro, ou seja, dali a 29 dias. Enquanto tenta descobrir como será o final dos tempos, ele arruma tempo para se apaixonar pela problemática Gretchen (Jena Malone) e busca uma maneira de viajar no tempo. Nos momentos vagos, obedece a ordens cada vez mais agressivas de Frank, que o incitam a atos quase terroristas.
"Donnie Darko" é, definitivamente, um filme de difícil classificação - e qualquer tentativa de resumí-lo soaria superficial e inútil. Um público menos paciente, mal-acostumado com tramas mastigadinhas desde os créditos de abertura provavelmente irá abominar e passar ao largo das aventuras de Darko, aparentemente herméticas mas convincentes e plausíveis dentro de seu universo próprio. Kelly fez de seu filme de estreia um quebra-cabeças sombrio que encontra na atuação quase propositalmente apática de Jake Gylenhaal um de seus maiores trunfos. Misturando conceitos científicos com uma alta dose de suspense e dubiedade, o diretor/roteirista tornou-se uma promessa das mais consistentes do início do século XXI - ainda que depois tenha cometido coisas indescritíveis como "A caixa", estrelado por Cameron Diaz, que, em sua tentativa de mesclar gêneros acabou tranformando-se em um samba do crioulo doido.
No final das contas, "Donnie Darko" é um conto sobre segundas chances e autosacrifícios, ainda que pareça mais um pesadelo criado por David Lynch do que um sensível drama semiaçucarado imaginado por Frank Capra. Contando com um elenco de coadjuvantes de primeira linha - a própria Drew Barrymore, Patrick Swayze como um suspeito guru de autoajuda e Noah Wyle, da série "Plantão médico" como um professor - e um clima dark e opressivo, o filme ainda apresenta uma nostálgica trilha sonora composta de hits dos anos 80, cantados por gente como Eccho & The Bunnymen (cuja "The killing moon" abre o filme), Duran Duran e Joy Division - além de encerrar com uma bela versão de "Mad world" do Tears for Fears. Quem procura fugir dos padrões, gosta de obras estranhas e encarar uma história para pensar já encontrou seu filme de cabeceira.
quarta-feira
PLATA QUEMADA
PLATA QUEMADA (Plata quemada, 2001, Argentina, 125min) Direção: Marcelo Piñeyro. Roteiro: Marcelo Figueras, Marcelo Piñeyro, livro de Ricardo Piglia. Fotografia: Alfredo Mayo. Montagem: Juan Carlos Macias. Música: Osvaldo Montes. Figurino: Magali Izaguirre. Direção de arte/cenários: Belén Bernuy, Margarita Gomez, Noemí Nemirovsky/Ugo Guzzo. Produção: Diana Frey, Óscar Kramer. Elenco: Leonardo Sbaraglia, Eduardo Noriega, Pablo Echarri, Leticia Bredice, Hector Alterio. Estreia: 11/5/00
Normalmente a crítica, independente de suas origens culturais, tende a comparar - para efeito de facilitar a vida do espectador - filmes com outros que contenham elementos similares, mesmo que isso muitas vezes soe forçado ou limitatório. Felizmente não é o caso de "Plata quemada", excelente drama policial argentino que, em sua estreia, foi taxado imediatamente de um "Bonnie & Clyde gay". Tudo bem, os protagonistas realmente formam um casal homossexual e o ato final lembra o violento desfecho do clássico estrelado por Warren Beatty e Faye Dunaway em 1967. Mas a obra de Marcelo Piñeyro, baseda em um livro de Ricardo Piglia vai muito além de tal definição, sendo um dos mais consistentes filmes argentinos de uma retomada em muitos pontos superior à do cinema brasileiro.
Baseado em uma história real ocorrida na Argentina em 1965, "Plata quemada" começa com o planejamento de um assalto a um carro forte em Buenos Aires. Dois dos contratados para o roubo são um casal que passa por problemas de relacionamento: Nene (o ótimo Leonardo Sbaraglia) e Angel (Eduardo Noriega), que tem se recusado a manter relações sexuais com o parceiro devido a vozes que ouve em sua cabeça. Junto a eles está o motorista do grupo, o falastrão Corvo (Pablo Echarri), que dedica sua vida a mulheres e diversão. Quando o plano dá errado e policiais são mortos em ação, o grupo se vê obrigado a fugir para o Uruguai e esconder-se em um apartamento, enquanto aguarda uma maneira de escapar para o Brasil. Entediado com a clausura e sofrendo com a instabilidade de seu romance, Nene acaba conhecendo e se envolvendo com Giselle (Letícia Brédice), um relacionamento fugaz que acaba precipitando uma tragedia entre os rapazes.
Apesar de suas tensas cenas de ação, "Plata quemada" passa longe de ser um filme policial no sentido mais convencional do termo, com perseguições e planos mirabolantes criados por mentes privilegiadas. Talvez por ser uma história real, suas personagens soam dolorosamente verossímeis, em suas inseguranças e complexos. Na verdade, o filme pode ser lido de duas maneiras: há quem o veja como um filme policial com um triângulo amoroso como subtrama - e visto assim, a obra de Piñeyro funciona às mil maravilhas. Mas há também quem afirme que na realidade é uma história de um amor bandido entre dois homens apaixonados e complicados com uma violenta trama policial como pano de fundo. Sob esse prisma, "Plata quemada" consegue ser ainda mais passional e forte, graças a seu elenco corajoso e viril, que foge dos estereótipos dos gays afetados que povoam o cinema.
Tecnicamente competente - a fotografia e a edição são primorosas, assim como sua trilha sonora - e com um roteiro inteligente e sensível que em nenhum momento apela para cenas de sexo desnecessárias (ainda que conte com algumas quentes sequências eróticas), "Plata quemada" só não agrada àqueles que não conseguem separar seus preconceitos sexuais de um grande filme vindo de um país cuja filmografia não fica nada a dever ao melhor de Hollywood.
Normalmente a crítica, independente de suas origens culturais, tende a comparar - para efeito de facilitar a vida do espectador - filmes com outros que contenham elementos similares, mesmo que isso muitas vezes soe forçado ou limitatório. Felizmente não é o caso de "Plata quemada", excelente drama policial argentino que, em sua estreia, foi taxado imediatamente de um "Bonnie & Clyde gay". Tudo bem, os protagonistas realmente formam um casal homossexual e o ato final lembra o violento desfecho do clássico estrelado por Warren Beatty e Faye Dunaway em 1967. Mas a obra de Marcelo Piñeyro, baseda em um livro de Ricardo Piglia vai muito além de tal definição, sendo um dos mais consistentes filmes argentinos de uma retomada em muitos pontos superior à do cinema brasileiro.
Baseado em uma história real ocorrida na Argentina em 1965, "Plata quemada" começa com o planejamento de um assalto a um carro forte em Buenos Aires. Dois dos contratados para o roubo são um casal que passa por problemas de relacionamento: Nene (o ótimo Leonardo Sbaraglia) e Angel (Eduardo Noriega), que tem se recusado a manter relações sexuais com o parceiro devido a vozes que ouve em sua cabeça. Junto a eles está o motorista do grupo, o falastrão Corvo (Pablo Echarri), que dedica sua vida a mulheres e diversão. Quando o plano dá errado e policiais são mortos em ação, o grupo se vê obrigado a fugir para o Uruguai e esconder-se em um apartamento, enquanto aguarda uma maneira de escapar para o Brasil. Entediado com a clausura e sofrendo com a instabilidade de seu romance, Nene acaba conhecendo e se envolvendo com Giselle (Letícia Brédice), um relacionamento fugaz que acaba precipitando uma tragedia entre os rapazes.
Apesar de suas tensas cenas de ação, "Plata quemada" passa longe de ser um filme policial no sentido mais convencional do termo, com perseguições e planos mirabolantes criados por mentes privilegiadas. Talvez por ser uma história real, suas personagens soam dolorosamente verossímeis, em suas inseguranças e complexos. Na verdade, o filme pode ser lido de duas maneiras: há quem o veja como um filme policial com um triângulo amoroso como subtrama - e visto assim, a obra de Piñeyro funciona às mil maravilhas. Mas há também quem afirme que na realidade é uma história de um amor bandido entre dois homens apaixonados e complicados com uma violenta trama policial como pano de fundo. Sob esse prisma, "Plata quemada" consegue ser ainda mais passional e forte, graças a seu elenco corajoso e viril, que foge dos estereótipos dos gays afetados que povoam o cinema.
Tecnicamente competente - a fotografia e a edição são primorosas, assim como sua trilha sonora - e com um roteiro inteligente e sensível que em nenhum momento apela para cenas de sexo desnecessárias (ainda que conte com algumas quentes sequências eróticas), "Plata quemada" só não agrada àqueles que não conseguem separar seus preconceitos sexuais de um grande filme vindo de um país cuja filmografia não fica nada a dever ao melhor de Hollywood.
segunda-feira
ESCRITO NAS ESTRELAS
ESCRITO NAS ESTRELAS (Serendipity, 2001, Miramax Films, 90min) Direção: Peter Chelsom. Roteiro: Marc Klein. Fotografia: John De Borman. Montagem: Christopher Greenbury. Música: Alan Silvestri. Figurino: Marie-Sylvie Deveau, Mary Claire Hannon. Direção de arte/cenários: Caroline Hanania/Tracey Gallacher. Produção executiva: Julie Goldstein, Bob Osher, Amy Slotnick. Produção: Peter Abrams, Simon Fields, Robert L. Levy. Elenco: John Cusack, Kate Beckinsale, Jeremy Piven, Bridget Moynahan, Eugene Levy, John Corbett, Molly Shannon. Estreia: 05/10/01
Filmes românticos tem, normalmente, o poder de fazer com que o público deixe de lado, ao menos por um curto período de tempo, a racionalidade para acreditar em histórias que normalmente pareceriam inverossímeis. Às vezes não dá para embarcar na fantasia. Em outros casos os elementos se encaixam tão bem que é impossível não se deixar levar pelo romance, pela magia e pelo encanto. É o caso de "Escrito nas estrelas", uma deliciosa comédia romântica que tem no elenco carismático e no roteiro esperto seus maiores trunfos, a ponto de ter rendido mais de 50 milhões de dólares somente no mercado americano (quase o dobro de seu orçamento). Mesmo com a demora em seu lançamento no Brasil - estreou por aqui mais de um ano depois de seu lançamento nos EUA, é um filme que merece ser descoberto pelos fãs do gênero.
Não simpatizar com "Escrito nas estrelas" é tarefa das mais complicadas. Além da história, com doses exatas de romantismo e bom-humor (que tira sarro até mesmo do músico grego Yanni, através do noivo de Sarah, vivido aqui por John Corbett, da série "Sex and the city"), o elenco do filme de Peter Chelsom conquista o público principalmente por sua contagiante simpatia. A química entre Cusack e Becksinsale funciona bastante, a ponto de a plateia torcer por seu final feliz mesmo que eles não contracenem em nenhum momento depois dos minutos iniciais de projeção. Os coadjuvantes, como sempre, não deixam por menos e quase roubam as cenas em que aparecem, em especial Molly Shannon e Jeremy Piven, como os melhores amigos dos protagonistas. Shannon e Piven aproveitam cada diálogo para mostrar que tem talento o suficiente para segurar papéis maiores.
Além disso tudo, o roteiro de "Escrito nas estrelas" é um achado. Comandados por uma trama que mistura misticismo e ironia com um romantismo deslavado, as personagens de Marc Klein se movem graciosamente rumo a seu desfecho por uma Nova York belissimamente fotografada e encantam justamente por suas falhas, inseguranças e principalmente por seu desejo de amor e felicidade. As "coincidências" que atravessam seus caminhos são tão inacreditáveis que chegam a ser encantadoras, o que seduz o público imperceptivelmente. Ao final de sua hora e meia de projeção é impossível não ficar com um sorriso estampado no rosto e não acreditar que o amor existe, sim, e pode estar em qualquer lugar esperando para acontecer.
"Escrito nas estrelas" é um filme comum, sem maiores ambições, e é perfeito para se assistir ao lado da namorada, de mãos dadas e debaixo de um edredon. É uma experiência romântica, feita para românticos incuráveis que gostam de finais felizes. E, a julgar pelo eterno sucesso do gênero, eles são muitos...
Filmes românticos tem, normalmente, o poder de fazer com que o público deixe de lado, ao menos por um curto período de tempo, a racionalidade para acreditar em histórias que normalmente pareceriam inverossímeis. Às vezes não dá para embarcar na fantasia. Em outros casos os elementos se encaixam tão bem que é impossível não se deixar levar pelo romance, pela magia e pelo encanto. É o caso de "Escrito nas estrelas", uma deliciosa comédia romântica que tem no elenco carismático e no roteiro esperto seus maiores trunfos, a ponto de ter rendido mais de 50 milhões de dólares somente no mercado americano (quase o dobro de seu orçamento). Mesmo com a demora em seu lançamento no Brasil - estreou por aqui mais de um ano depois de seu lançamento nos EUA, é um filme que merece ser descoberto pelos fãs do gênero.
John Cusack, normalmente avesso a produções comerciais - o que ele fazia em "Con Air", pelo amor de Deus? - encara seu primeiro papel totalmente romântico - já que em "Alta fidelidade" havia uma saudável e cavalar dose de auto-ironia - ao interpretar Jonathan, um rapaz normal que, às vésperas de um Natal qualquer em Nova York conhece a bela inglesa Sarah (Kate Beckinsale recuperando-se rapidamente do fracasso crítico de "Pearl Harbor") em uma loja de departamentos. Os dois sentem uma afinidade inexplicável, mas sabem que qualquer romance entre eles é impedido pelo fato de ambos serem comprometidos com outras pessoas. Para não deixar a idílica noite passar em branco, eles resolvem deixar que o destino os reúna, se estiver "escrito nas estrelas" que devem ficar juntos. Sendo assim, ela escreve seu nome e telefone dentro de um exemplar de "O amor nos tempos do cólera", de Gabriel García Marquez e ele em uma nota de cinco dólares. A ideia é simples: se tais objetos caírem em suas mãos em algum dia, é um sinal inequívoco de que eles devem ficar juntos. Anos se passam e tanto Jonathan quanto Sarah estão de casamentos marcados. Ele, no entanto, ainda apaixonado, resolve procurá-la, mesmo que o destino não lhe tenha dado nenhum sinal.
Não simpatizar com "Escrito nas estrelas" é tarefa das mais complicadas. Além da história, com doses exatas de romantismo e bom-humor (que tira sarro até mesmo do músico grego Yanni, através do noivo de Sarah, vivido aqui por John Corbett, da série "Sex and the city"), o elenco do filme de Peter Chelsom conquista o público principalmente por sua contagiante simpatia. A química entre Cusack e Becksinsale funciona bastante, a ponto de a plateia torcer por seu final feliz mesmo que eles não contracenem em nenhum momento depois dos minutos iniciais de projeção. Os coadjuvantes, como sempre, não deixam por menos e quase roubam as cenas em que aparecem, em especial Molly Shannon e Jeremy Piven, como os melhores amigos dos protagonistas. Shannon e Piven aproveitam cada diálogo para mostrar que tem talento o suficiente para segurar papéis maiores.
Além disso tudo, o roteiro de "Escrito nas estrelas" é um achado. Comandados por uma trama que mistura misticismo e ironia com um romantismo deslavado, as personagens de Marc Klein se movem graciosamente rumo a seu desfecho por uma Nova York belissimamente fotografada e encantam justamente por suas falhas, inseguranças e principalmente por seu desejo de amor e felicidade. As "coincidências" que atravessam seus caminhos são tão inacreditáveis que chegam a ser encantadoras, o que seduz o público imperceptivelmente. Ao final de sua hora e meia de projeção é impossível não ficar com um sorriso estampado no rosto e não acreditar que o amor existe, sim, e pode estar em qualquer lugar esperando para acontecer.
"Escrito nas estrelas" é um filme comum, sem maiores ambições, e é perfeito para se assistir ao lado da namorada, de mãos dadas e debaixo de um edredon. É uma experiência romântica, feita para românticos incuráveis que gostam de finais felizes. E, a julgar pelo eterno sucesso do gênero, eles são muitos...
sexta-feira
VIDA BANDIDA
VIDA BANDIDA (Bandits, 2001, MGM Pictures, 123min) Direção: Barry Levinson. Roteiro: Harley Peyton. Fotografia: Dante Spinotti. Montagem: Stu Linder. Música: Christopher Young. Figurino: Gloria Gresham. Direção de arte/cenários: Victor Kempster/Merideth Boswell. Produção executiva: Patrick McCormick, Harley Peyton, David Willis. Produção: Ashok Amritraj, Michele Berk, Michael Birnbaum, David Hoberman, Barry Levinson, Arnold Rifkin, Paula Weinstein. Elenco: Bruce Willis, Billy Bob Thornton, Cate Blanchett, Troy Garity, January Jones. Estreia: 12/10/01
Parece mentira que Barry Levinson, o sério diretor premiado com o Oscar pelo dramalhão "Rain Man" e indicado novamente ao prêmio pelo ambicioso "Bugsy" seja o diretor de "Vida bandida", uma divertida e despretensiosa comédia romântica de ação. Contando com um roteiro esperto e um elenco de sonhos, o filme remete a famosos títulos sobre golpes e assaltos que tanto sucesso fizeram nos anos 60 e 70, como "Butch Cassidy" e "Golpe de mestre", ambos estrelados por Robert Redford e Paul Newman. Aqui, Bruce Willis e Billy Bob Thornton (mais à vontade do que nunca) é que são os protagonistas, dois amigos e comparsas que se veem às voltas com o desejo e o amor atrapalhando (ou nem tanto assim) sua lealdade.
Foragidos de uma penitenciária, os amigos Joe Blake (Bruce Willis) e Terry Lee Collins (Billy Bob Thornton) passam a ser conhecidos como os "Criminosos que passam a noite", em referência à sua tática sui generis de assaltarem os bancos escolhidos: eles passam a noite na casa do gerente e só na manhã seguinte cometem os roubos. Seu trio, completo com Harvey (Troy Garity, filho de Jane Fonda na vida real), primo de Joe que sonha ser dublê em Hollywood vira quarteto quando entra em cena a dona-de-casa entediada Kate Wheeler (Cate Blanchett, linda), que, depois de atropelar Terry, se envolve romanticamente com os dois cúmplices. A harmonia do grupo ameça ruir quando Joe surge com a ideia de - clichê máximo do gênero - um último golpe, que os levará a seu tão sonhado hotel no México.
A edição ágil - com idas e vindas no tempo - o final abertamente contraventor (que pode possivelmente incomodar as feministas mais ferrenhas), o roteiro enxuto e principalmente a trilha sonora composta de clássicos contemporâneos como "Beautiful day", da banda U2, fazem de "Vida bandida" uma obra que nada contra a maré dos filmes de ação, ao privilegiar os diálogos em detrimento da adrenalina e dar mais valor às personagens do que a cenas de perseguição ou tiroteios ocos. Na verdade, é uma diversão compromissada, que tem em seu elenco o atrativo maior. Enquanto Bruce Willis desfila seu habitual charme cool, é Billy Bob Thornton (ainda casado com Angelina Jolie à época das filmagens) que mais chama a atenção da plateia, talvez em parte devido aos engraçados diálogos reservados à sua personagem hipocondríaca e um tanto quanto maníaco-obsessiva (manias essas que o aproximam da enloquecida personagem de Blanchett, fugindo dos papéis dramáticos a que estava confinada desde que tornou-se estrela, com o filme "Elizabeth").
Ainda que se estenda mais do que o necessário - uns bons quinze minutos a menos fariam muita diferença a favor - "Vida bandida" é uma delícia. Afinal de contas, não há como não simpatizar imediatamente com um filme que conta com dois hinos de Bonnie Tyler - "Total eclipse of the heart" e "Holding out for a hero" - sendo dublados por Cate Blanchett.
Foragidos de uma penitenciária, os amigos Joe Blake (Bruce Willis) e Terry Lee Collins (Billy Bob Thornton) passam a ser conhecidos como os "Criminosos que passam a noite", em referência à sua tática sui generis de assaltarem os bancos escolhidos: eles passam a noite na casa do gerente e só na manhã seguinte cometem os roubos. Seu trio, completo com Harvey (Troy Garity, filho de Jane Fonda na vida real), primo de Joe que sonha ser dublê em Hollywood vira quarteto quando entra em cena a dona-de-casa entediada Kate Wheeler (Cate Blanchett, linda), que, depois de atropelar Terry, se envolve romanticamente com os dois cúmplices. A harmonia do grupo ameça ruir quando Joe surge com a ideia de - clichê máximo do gênero - um último golpe, que os levará a seu tão sonhado hotel no México.
A edição ágil - com idas e vindas no tempo - o final abertamente contraventor (que pode possivelmente incomodar as feministas mais ferrenhas), o roteiro enxuto e principalmente a trilha sonora composta de clássicos contemporâneos como "Beautiful day", da banda U2, fazem de "Vida bandida" uma obra que nada contra a maré dos filmes de ação, ao privilegiar os diálogos em detrimento da adrenalina e dar mais valor às personagens do que a cenas de perseguição ou tiroteios ocos. Na verdade, é uma diversão compromissada, que tem em seu elenco o atrativo maior. Enquanto Bruce Willis desfila seu habitual charme cool, é Billy Bob Thornton (ainda casado com Angelina Jolie à época das filmagens) que mais chama a atenção da plateia, talvez em parte devido aos engraçados diálogos reservados à sua personagem hipocondríaca e um tanto quanto maníaco-obsessiva (manias essas que o aproximam da enloquecida personagem de Blanchett, fugindo dos papéis dramáticos a que estava confinada desde que tornou-se estrela, com o filme "Elizabeth").
Ainda que se estenda mais do que o necessário - uns bons quinze minutos a menos fariam muita diferença a favor - "Vida bandida" é uma delícia. Afinal de contas, não há como não simpatizar imediatamente com um filme que conta com dois hinos de Bonnie Tyler - "Total eclipse of the heart" e "Holding out for a hero" - sendo dublados por Cate Blanchett.
quinta-feira
CIDADE DOS SONHOS
CIDADE DOS SONHOS (Mulholland Drive, 2001, Les Films Alain Sarde, 147min) Direção e roteiro: David Lynch. Fotografia: Peter Deming. Montagem: Mary Sweeney. Música: Angelo Badalamenti. Figurino: Amy Stofsky. Direção de arte/cenários: Jack Fisk/Barbara Haberecht. Produção executiva: Pierre Edelman. Produção: Neal Edelstein, Tony Krantz, Michael Polaire, Alain Sarde, Mary Sweeney. Elenco: Naomi Watts, Laura Haring, Ann Miller, Dan Hedaya, Robert Forster, Justin Theroux, Lee Grant. Estreia: 16/5/01 (Festival de Cannes)
Indicado ao Oscar de Melhor Diretor (David Lynch)
Vencedor da Palma de Ouro de Melhor Diretor (David Lynch) no Festival de Cannes
O cineasta David Lynch pode ser classificado de qualquer coisa - de excêntrico a hermético - mas de uma coisa o homem jamais pode ser acusado: de ser previsível. Previsibilidade é provavelmente o único ingrediente que não consta na receita de filmes como "Veludo azul", "Coração selvagem", "A estrada perdida" e neste "Cidade dos sonhos", que lhe deu a Palma de Ouro de Melhor Diretor no Festival de Cannes em 2001 e uma indicação ao Oscar na mesma categoria - no ano em que Ron Howard papou o prêmio pelo acadêmico "Uma mente brilhante". Idealizado como piloto de uma série de TV que não chegou a ser aprovada, seu filme volta a utilizar os elementos oníricos que tanto lhe deram fama e acrescenta a eles uma dose de suspense erótico que o eleva a uma experiência única.
Nada é o que parece em uma primeira sessão de "Cidade dos sonhos". O filme começa quando uma bela mulher (a ex-Miss EUA Laua Elena Harring) escapa de uma tentativa de homicídio graças a um acidente de carro em Mulholland Drive (estrada de Los Angeles que dá título à obra). Sem lembrança alguma de seu passado, ela para em um condomínio onde acaba de chegar do Canadá a ingênua aspirante a atriz Betty (Naomi Watts). Juntas, elas tentarão descobrir a identidade da moça - auto-nomeada Rita em homenagem a um poster de "Gilda" que orna o apartamento onde moram - e, no caminho, cruzarão com tipos bizarros típicos da obra de Lynch, como um cineasta independente (Justin Theroux) e vários executivos misteriosos da indústria do cinema.
Ao contrário dos filmes anteriores de Lynch, em que uma trama linear era ocupada por personagens excêntricos, em "Cidade dos sonhos" o cineasta não somente recheou sua história com tipos absurdos mas também criou uma narrativa repleta de símbolos, imagens dúbias e um roteiro de dar nós na cabeça do mais antenado espectador. Realizado com a segurança de quem sabe exatamente o que está fazendo, o filme do criador de Laura Palmer leva o público a uma viagem sensorial, com reviravoltas com clima de pesadelo, onde nenhuma cena deve ser vista apenas pelo que parece e sim pelo que pode significar. Complicado? Talvez. Genial? Sempre. Cada detalhe visual e cada linha de diálogo de "Cidade dos sonhos" faz parte de um conjunto maior, que só faz sentido total em suas cenas finais, cruas e diretas, que parecem contradizer os primeiros 2/3 do filme, quando tudo é APARENTEMENTE simples. Difícil é descrever cada ideia excepcional do roteiro, da direção precisa de Lynch e do trabalho de seus colaboradores.
Contando com a habitual parceria do compositor Angelo Badalamenti na trilha sonora, que mistura canções pop dos anos 50 com uma estranhíssima versão em espanhol da bela "Crying", de Roy Orbison - apresentada na mais forte e deslumbrante cena do filme - e uma fotografia que expressa com nervosismo as intenções jamais óbvias da intrincada história, Lynch ainda tem em mãos um enorme trunfo. Na pele de Betty, a sonhadora atriz iniciante que almeja a glória em Hollywood e se vê envolvida em uma confusa relação com uma misteriosa mulher, a bela Naomi Watts revela-se uma espetacular escolha para um papel complexo e que exige muito mais do que um rostinho bonito. Especialmente na última fase do filme, quando a inocente Betty mostra - ou talvez não - sua verdadeira face, o trabalho de Watts atinge um nível de brilhantismo poucas vezes visto no cinema de David Lynch. Com seu rosto angelical, seu cabelo louro e sua personalidade fragmentada, ela é a personificação de uma musa de Hitchcock transmutada para a geração século XXI - com a sexualidade muito, mas muito mais explícita do que Grace Kelly e Ingrid Bergman.
E, para aqueles que insistem em afirmar que não entendem o roteiro (ou que ele não faz sentido, ou que é apenas um pretexto para cenas de lesbianismo) fica a recomendação para uma nova sessão, com a devida atenção às pistas deixadas pelo diretor logo nas primeiras cenas e o espírito preparado para um filme que, felizmente, foge dos padrões insossos da Hollywood comercial.
Indicado ao Oscar de Melhor Diretor (David Lynch)
Vencedor da Palma de Ouro de Melhor Diretor (David Lynch) no Festival de Cannes
O cineasta David Lynch pode ser classificado de qualquer coisa - de excêntrico a hermético - mas de uma coisa o homem jamais pode ser acusado: de ser previsível. Previsibilidade é provavelmente o único ingrediente que não consta na receita de filmes como "Veludo azul", "Coração selvagem", "A estrada perdida" e neste "Cidade dos sonhos", que lhe deu a Palma de Ouro de Melhor Diretor no Festival de Cannes em 2001 e uma indicação ao Oscar na mesma categoria - no ano em que Ron Howard papou o prêmio pelo acadêmico "Uma mente brilhante". Idealizado como piloto de uma série de TV que não chegou a ser aprovada, seu filme volta a utilizar os elementos oníricos que tanto lhe deram fama e acrescenta a eles uma dose de suspense erótico que o eleva a uma experiência única.
Nada é o que parece em uma primeira sessão de "Cidade dos sonhos". O filme começa quando uma bela mulher (a ex-Miss EUA Laua Elena Harring) escapa de uma tentativa de homicídio graças a um acidente de carro em Mulholland Drive (estrada de Los Angeles que dá título à obra). Sem lembrança alguma de seu passado, ela para em um condomínio onde acaba de chegar do Canadá a ingênua aspirante a atriz Betty (Naomi Watts). Juntas, elas tentarão descobrir a identidade da moça - auto-nomeada Rita em homenagem a um poster de "Gilda" que orna o apartamento onde moram - e, no caminho, cruzarão com tipos bizarros típicos da obra de Lynch, como um cineasta independente (Justin Theroux) e vários executivos misteriosos da indústria do cinema.
Ao contrário dos filmes anteriores de Lynch, em que uma trama linear era ocupada por personagens excêntricos, em "Cidade dos sonhos" o cineasta não somente recheou sua história com tipos absurdos mas também criou uma narrativa repleta de símbolos, imagens dúbias e um roteiro de dar nós na cabeça do mais antenado espectador. Realizado com a segurança de quem sabe exatamente o que está fazendo, o filme do criador de Laura Palmer leva o público a uma viagem sensorial, com reviravoltas com clima de pesadelo, onde nenhuma cena deve ser vista apenas pelo que parece e sim pelo que pode significar. Complicado? Talvez. Genial? Sempre. Cada detalhe visual e cada linha de diálogo de "Cidade dos sonhos" faz parte de um conjunto maior, que só faz sentido total em suas cenas finais, cruas e diretas, que parecem contradizer os primeiros 2/3 do filme, quando tudo é APARENTEMENTE simples. Difícil é descrever cada ideia excepcional do roteiro, da direção precisa de Lynch e do trabalho de seus colaboradores.
Contando com a habitual parceria do compositor Angelo Badalamenti na trilha sonora, que mistura canções pop dos anos 50 com uma estranhíssima versão em espanhol da bela "Crying", de Roy Orbison - apresentada na mais forte e deslumbrante cena do filme - e uma fotografia que expressa com nervosismo as intenções jamais óbvias da intrincada história, Lynch ainda tem em mãos um enorme trunfo. Na pele de Betty, a sonhadora atriz iniciante que almeja a glória em Hollywood e se vê envolvida em uma confusa relação com uma misteriosa mulher, a bela Naomi Watts revela-se uma espetacular escolha para um papel complexo e que exige muito mais do que um rostinho bonito. Especialmente na última fase do filme, quando a inocente Betty mostra - ou talvez não - sua verdadeira face, o trabalho de Watts atinge um nível de brilhantismo poucas vezes visto no cinema de David Lynch. Com seu rosto angelical, seu cabelo louro e sua personalidade fragmentada, ela é a personificação de uma musa de Hitchcock transmutada para a geração século XXI - com a sexualidade muito, mas muito mais explícita do que Grace Kelly e Ingrid Bergman.
E, para aqueles que insistem em afirmar que não entendem o roteiro (ou que ele não faz sentido, ou que é apenas um pretexto para cenas de lesbianismo) fica a recomendação para uma nova sessão, com a devida atenção às pistas deixadas pelo diretor logo nas primeiras cenas e o espírito preparado para um filme que, felizmente, foge dos padrões insossos da Hollywood comercial.
terça-feira
PERSEGUIÇÃO
PERSEGUIÇÃO (Joyride, 2001, 20th Century Fox, 97min) Direção: John Dahl. Roteiro: Clay Tarver, J. J. Abrams. Fotografia: Jeffrey Jur. Montagem: Eric L. Beason, Scott Chestnut, Todd E. Miller, Glen Scantlebury. Música: Marco Beltrami. Figurino: Terry Dresbach. Direção de arte/cenários: Rob Pearson, Beth DeSort. Produção executiva: Jeffrey Downer, Bridget Johnson, Patrick Markey, Arnon Milchan. Produção: J. J. Abrams, Chris Moore. Elenco: Paul Walker, Steve Zahn, Leelee Sobieski. Estreia: 05/10/01
Em "Encurralado", que Steven Spielberg dirigiu muito antes de ser o cineasta poderoso que é hoje, um homem comum passa a ser perseguido em uma rodovia por um caminhão conduzido por uma misteriosa personagem cuja identidade o roteiro não tem a menor pretensão de esclarecer. Dono de uma tensão quase insuportável, o filme fez enorme sucesso, transformou Spielberg em uma grande promessa (cumprida muito bem, como a história comprova) e gerou inúmeros filhotes. Um desses filhos temporões é "Perseguição", dirigido pelo conceituado John Dahl, autor de filmes cultuados como "O poder da sedução", com Linda Fiorentino e sérios como "Cartas na mesa", com Matt Damon e Edward Norton. A boa notícia? A premissa kafkiana ainda se mantém capaz de provocar tensão. A má notícia? Ao contrário da pequena obra-prima spielberguiana, o novo filme não resiste ao apelo de jogar suas personagens em um final com um clímax um tanto quanto forçado e quase cansativo.
Ao contrário de "Encurralado", que tinha uma única personagem atormentada pelo vilão, em "Perseguição" o número de vítimas aumenta para três. Se não, vejamos. O estudante boa-pinta Lewis (Paul Walker) compra um carro de segunda mão com o objetivo de impressionar a garota por quem está apaixonado, a amiga de infância Veena (Leelee Sobieski, mais sem graça do que macarrão sem molho), que estuda em uma universidade distante de sua casa. No caminho para buscá-la ele dá uma parada para dar uma carona a seu problemático irmão mais velho Fuller (o sempre carismático Steve Zahn), que acaba de sair mais uma vez da cadeia. Antes de chegar à universidade de Veena, os dois irmãos fazem um trote pelo rádio do carro com Rusty Nail, que dirige um caminhão. O trote acaba em tragédia quando um viajante inocente é atacado injustamente e, apavorados, os dois não revelam o acontecido à garota, que acaba sendo envolvida em uma apavorante viagem quando o misterioso caminhoneiro volta a perseguí-los.
"Perseguição" é um filme de suspense bastante envolvente e que não deixa de surpreender pela legítima vontade que tem de agradar aos fãs do gênero sem maiores pretensões do que divertir por hora e meia uma plateia acostumada a correrias e explosões. O nome de J.J. Abrahams - criador da série "Lost" - entre os roteiristas também é uma pista de que tudo não passa de uma homenagem sem grandes ambições ao clássico de Spielberg - homenagem que o próprio Abrahms potencializou no nostálgico "Super 8", de 2011.
Mesmo que tenha alguns furos homéricos no roteiro (a amiga de Veena, pega como refém, simplesmente é deixada de lado no final da história), "Perseguição" cumpre o que promete. Com um bom balde de pipoca e um refrigerante nas mãos, o filme menos ambicioso de John Dahl não permite nem mesmo que seu final quase apoteoticamente exagerado consiga atrapalhar a diversão ligeira a que se propõe.
Em "Encurralado", que Steven Spielberg dirigiu muito antes de ser o cineasta poderoso que é hoje, um homem comum passa a ser perseguido em uma rodovia por um caminhão conduzido por uma misteriosa personagem cuja identidade o roteiro não tem a menor pretensão de esclarecer. Dono de uma tensão quase insuportável, o filme fez enorme sucesso, transformou Spielberg em uma grande promessa (cumprida muito bem, como a história comprova) e gerou inúmeros filhotes. Um desses filhos temporões é "Perseguição", dirigido pelo conceituado John Dahl, autor de filmes cultuados como "O poder da sedução", com Linda Fiorentino e sérios como "Cartas na mesa", com Matt Damon e Edward Norton. A boa notícia? A premissa kafkiana ainda se mantém capaz de provocar tensão. A má notícia? Ao contrário da pequena obra-prima spielberguiana, o novo filme não resiste ao apelo de jogar suas personagens em um final com um clímax um tanto quanto forçado e quase cansativo.
Ao contrário de "Encurralado", que tinha uma única personagem atormentada pelo vilão, em "Perseguição" o número de vítimas aumenta para três. Se não, vejamos. O estudante boa-pinta Lewis (Paul Walker) compra um carro de segunda mão com o objetivo de impressionar a garota por quem está apaixonado, a amiga de infância Veena (Leelee Sobieski, mais sem graça do que macarrão sem molho), que estuda em uma universidade distante de sua casa. No caminho para buscá-la ele dá uma parada para dar uma carona a seu problemático irmão mais velho Fuller (o sempre carismático Steve Zahn), que acaba de sair mais uma vez da cadeia. Antes de chegar à universidade de Veena, os dois irmãos fazem um trote pelo rádio do carro com Rusty Nail, que dirige um caminhão. O trote acaba em tragédia quando um viajante inocente é atacado injustamente e, apavorados, os dois não revelam o acontecido à garota, que acaba sendo envolvida em uma apavorante viagem quando o misterioso caminhoneiro volta a perseguí-los.
"Perseguição" é um filme de suspense bastante envolvente e que não deixa de surpreender pela legítima vontade que tem de agradar aos fãs do gênero sem maiores pretensões do que divertir por hora e meia uma plateia acostumada a correrias e explosões. O nome de J.J. Abrahams - criador da série "Lost" - entre os roteiristas também é uma pista de que tudo não passa de uma homenagem sem grandes ambições ao clássico de Spielberg - homenagem que o próprio Abrahms potencializou no nostálgico "Super 8", de 2011.
Mesmo que tenha alguns furos homéricos no roteiro (a amiga de Veena, pega como refém, simplesmente é deixada de lado no final da história), "Perseguição" cumpre o que promete. Com um bom balde de pipoca e um refrigerante nas mãos, o filme menos ambicioso de John Dahl não permite nem mesmo que seu final quase apoteoticamente exagerado consiga atrapalhar a diversão ligeira a que se propõe.
segunda-feira
OS OUTROS
OS OUTROS (The others, 2001, Cruise/Wagner Productions, 101min) Direção e roteiro: Alejandro Amenabar. Fotografia: Javier Aguirresarobe. Montagem: Nacho Ruiz Capillas. Música: Alejandro Amenabar. Figurino: Sonia Grande. Direção de arte/cenários: Benjamin Fernandez/Emilio Ardura, Eli Griff. Produção executiva: Tom Cruise, Rick Scwartz, Paula Wagner, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Fernando Bovaira, José Luis Cuerda, Sunmin Park. Elenco: Nicole Kidman, Christopher Eccleston, Fionnula Flanagan, Alakina Mann, James Bentley, Eric Sykes, Elaine Cassidy. Estreia: 02/8/01
Depois do megasucesso de "O sexto sentido", os filmes de terror começaram a atingir altos patamares de qualidade e bilheteria (logicamente com as devidas exceções). Alguns esbarraram na mesmice e na incompetência de seus realizadores, mais preocupados em assustar e ganhar dinheiro do que contar boas histórias. Para sorte dos fãs do gênero e de cinema em geral, porém, alguns realmente alcançaram seus objetivos, hipnotizando as plateias graças a tramas bem urdidas e narradas com sutileza, elegância e principalmente talento. É o caso de "Os outros", escrito e dirigido pelo chileno Alejandro Amenabar, que, não satisfeito com suas duas cruciais funções nos bastidores, ainda foi capaz de compor a assombrosa trilha sonora de seu filme.
Nicole Kidman, em seu segundo filme de destaque em 2001 (antes ela foi a cortesã Satine do exuberante "Moulin Rouge", que lhe deu a primeira indicação ao Oscar) interpreta Grace, uma mulher extremamente católica que vive com os dois filhos pequenos em uma mansão isolada em uma ilha inglesa no final da II Guerra. Enquanto aguarda a volta do marido - que lutou no conflito - ela tenta levar a vida da melhor maneira possível, lidando com a doença dos filhos, que sofrem de uma rara doença associada à fotossensibilidade, ou seja, não são capazes de resistir à exposição à luz, vivendo eternamente em ambientes escuros e iluminados tenuamente por velas. No entanto, a rotina da casa é transformada com a chegada de três misteriosos empregados liderados pela rígida Bertha Mills (Fionnula Flanagan) e com a insistência da filha mais velha, Anne (a ótima Alakina Mann) de que tem constantes visões de um menino fantasma.
Contar o desenrolar da arrepiante história narrada com maestria por Amenabar - inspirado livremente em "A volta do parafuso", de Henry James - é tirar o prazer de, mais uma vez (assim como aconteceu em "O sexto sentido") sentir-se chocado com um dos finais mais assustadores, melancólicos e coerentes do moderno cinema de horror. Sem apelar para ectoplasmas mal-feitos em CGI, o jovem cineasta prova - assim como o fez M. Night Shyamalan - que uma trama forte com personagens críveis e uma direção segura são capazes de operar milagres em um público cada vez mais acostumado a produções sensaboronas. Unindo o clima tétrico da direção de arte e da fotografia claustrofóbica de Javier Aguirresarobe a um elenco irretocável, Amenabar fez milagres.
Depois do megasucesso de "O sexto sentido", os filmes de terror começaram a atingir altos patamares de qualidade e bilheteria (logicamente com as devidas exceções). Alguns esbarraram na mesmice e na incompetência de seus realizadores, mais preocupados em assustar e ganhar dinheiro do que contar boas histórias. Para sorte dos fãs do gênero e de cinema em geral, porém, alguns realmente alcançaram seus objetivos, hipnotizando as plateias graças a tramas bem urdidas e narradas com sutileza, elegância e principalmente talento. É o caso de "Os outros", escrito e dirigido pelo chileno Alejandro Amenabar, que, não satisfeito com suas duas cruciais funções nos bastidores, ainda foi capaz de compor a assombrosa trilha sonora de seu filme.
Nicole Kidman, em seu segundo filme de destaque em 2001 (antes ela foi a cortesã Satine do exuberante "Moulin Rouge", que lhe deu a primeira indicação ao Oscar) interpreta Grace, uma mulher extremamente católica que vive com os dois filhos pequenos em uma mansão isolada em uma ilha inglesa no final da II Guerra. Enquanto aguarda a volta do marido - que lutou no conflito - ela tenta levar a vida da melhor maneira possível, lidando com a doença dos filhos, que sofrem de uma rara doença associada à fotossensibilidade, ou seja, não são capazes de resistir à exposição à luz, vivendo eternamente em ambientes escuros e iluminados tenuamente por velas. No entanto, a rotina da casa é transformada com a chegada de três misteriosos empregados liderados pela rígida Bertha Mills (Fionnula Flanagan) e com a insistência da filha mais velha, Anne (a ótima Alakina Mann) de que tem constantes visões de um menino fantasma.
Contar o desenrolar da arrepiante história narrada com maestria por Amenabar - inspirado livremente em "A volta do parafuso", de Henry James - é tirar o prazer de, mais uma vez (assim como aconteceu em "O sexto sentido") sentir-se chocado com um dos finais mais assustadores, melancólicos e coerentes do moderno cinema de horror. Sem apelar para ectoplasmas mal-feitos em CGI, o jovem cineasta prova - assim como o fez M. Night Shyamalan - que uma trama forte com personagens críveis e uma direção segura são capazes de operar milagres em um público cada vez mais acostumado a produções sensaboronas. Unindo o clima tétrico da direção de arte e da fotografia claustrofóbica de Javier Aguirresarobe a um elenco irretocável, Amenabar fez milagres.
Enquanto Nicole Kidman - em um papel que ela quase recusou, mas acabou aceitando porque o produtor executivo do filme era seu então marido Tom Cruise - demonstra um lado menos festivo de seu talento, com uma atuação angustiante e minimalista que merecia mais uma indicação ao Oscar do que seu trabalho em "Moulin Rouge", seus coadjuvantes não fazem por menos. As crianças Alakina Mann e James Bentley fazem o contraponto perfeito ao desespero de sua atuação e a veterana Fionnula Flanagan é capaz de arrepiar com um simples olhar, em uma das interpretações mais apavorantes da história do gênero.
Feito com economia de recursos mas jamais de talento e inteligência, "Os outros" marca com sutileza seu lugar no panteão das melhores histórias de fantasmas já contadas no cinema.
Feito com economia de recursos mas jamais de talento e inteligência, "Os outros" marca com sutileza seu lugar no panteão das melhores histórias de fantasmas já contadas no cinema.
quinta-feira
PECADO ORIGINAL
Os produtores de "Pecado original" seguraram seu lançamento nos cinemas com a intenção de aproveitar o sucesso que o filme "Tomb Raider" - estrelado pela mesma Angelina Jolie - prometia fazer. A estratégia não deu exatamente certo. As aventuras de Lara Croft até que renderam uma grana suficiente para garantir uma sequência, mas o romance erótico estrelado por Jolie e Antonio Banderas mal fez cócegas nas bilheterias americanas. Talvez culpa do clima de filme B da obra, talvez culpa da direção anódina de Michael Cristofer, também autor do filme que catapultou Angelina para a fama, o elogiado "Gia, fama e destruição".
Baseado no conto "Waltz into darkness", de Cornell Woolrich - que também escreveu o conto que deu origem à "Janela indiscreta", de Hitchcock - "Pecado original" (cujo título foi modificado para que a audiência não o confundisse com o musical "Dançando no escuro", de Lars Von Trier, lançado à mesma época) se passa em uma Cuba pré-revolução, quando o milionário do café Luis Vargas (Antonio Banderas, surpreendentemente controlado) arruma, nos EUA, uma noiva por correspondência. Quem chega a seu país é a belíssima e misteriosa Julia Russell (Angelina Jolie, linda e magérrima). Depois de cair de amores por sua esposa, Vargas descobre que foi vítima de um golpe entre a moça e um amante misterioso. Contando com a ajuda de Walter Downs (Thomas Jane), um detetive particular, ele parte em seu encalço, com o objetivo dúbio de matar-lhe ou mais uma vez cair em seus encantos.
Na verdade, "Pecado original" não é nem melhor nem pior que inúmeros exemplares do gênero "mulher fatal seduz homem carente". O roteiro, escrito pelo próprio diretor, tem ritmo razoável, que permite surpresas nas horas certas e muitas e ousadas cenas de sexo, que exploram a beleza do casal central (aliás, desde sua parceria com Pedro Almodovar o espanhol Banderas não se permitia tanta exposição física). O problema do filme é realmente seu visual pobre. Nada contra retratar uma Cuba cinza, úmida e sem o calor que normalmente é mostrado em produções mais comerciais, mas o filme de Cristofer não consegue apagar a impressão de ser extremamente barato e mal-cuidado em termos visuais - e isso que a fotografia é de Rodrigo Prieto, que em poucos anos se mostraria um competente artesão em filmes como "O segredo de Brokeback Mountain" e "Diários de motocicleta".
Repleto de cenas quentes - que muitas vezes tentam compensar a fragilidade de algumas situações e a falta de uma trama mais consistente - "Pecado original" não chega a ser um bom filme, ainda que seja plenamente assistível. Ao final de sua projeção resta apenas a lembrança de seus momentos altamente eróticos e da beleza estonteante de Angelina Jolie. E isso, convenhamos, é muito pouco!
Baseado no conto "Waltz into darkness", de Cornell Woolrich - que também escreveu o conto que deu origem à "Janela indiscreta", de Hitchcock - "Pecado original" (cujo título foi modificado para que a audiência não o confundisse com o musical "Dançando no escuro", de Lars Von Trier, lançado à mesma época) se passa em uma Cuba pré-revolução, quando o milionário do café Luis Vargas (Antonio Banderas, surpreendentemente controlado) arruma, nos EUA, uma noiva por correspondência. Quem chega a seu país é a belíssima e misteriosa Julia Russell (Angelina Jolie, linda e magérrima). Depois de cair de amores por sua esposa, Vargas descobre que foi vítima de um golpe entre a moça e um amante misterioso. Contando com a ajuda de Walter Downs (Thomas Jane), um detetive particular, ele parte em seu encalço, com o objetivo dúbio de matar-lhe ou mais uma vez cair em seus encantos.
Na verdade, "Pecado original" não é nem melhor nem pior que inúmeros exemplares do gênero "mulher fatal seduz homem carente". O roteiro, escrito pelo próprio diretor, tem ritmo razoável, que permite surpresas nas horas certas e muitas e ousadas cenas de sexo, que exploram a beleza do casal central (aliás, desde sua parceria com Pedro Almodovar o espanhol Banderas não se permitia tanta exposição física). O problema do filme é realmente seu visual pobre. Nada contra retratar uma Cuba cinza, úmida e sem o calor que normalmente é mostrado em produções mais comerciais, mas o filme de Cristofer não consegue apagar a impressão de ser extremamente barato e mal-cuidado em termos visuais - e isso que a fotografia é de Rodrigo Prieto, que em poucos anos se mostraria um competente artesão em filmes como "O segredo de Brokeback Mountain" e "Diários de motocicleta".
Repleto de cenas quentes - que muitas vezes tentam compensar a fragilidade de algumas situações e a falta de uma trama mais consistente - "Pecado original" não chega a ser um bom filme, ainda que seja plenamente assistível. Ao final de sua projeção resta apenas a lembrança de seus momentos altamente eróticos e da beleza estonteante de Angelina Jolie. E isso, convenhamos, é muito pouco!
quarta-feira
ASSUNTO DE MENINAS
Apesar do título nacional forçar uma identificação com o público LGBT, esse consistente drama canadense foge com louvor do rótulo “filme gay” para tornar-se (mais) um delicado conto sobre a perda da inocência. Narrado em primeira pessoa por Mary, também conhecida por “Mouse” ou “Brave B” (vivida pela ótima Mischa Barton), o conto de amor, rejeição e amadurecimento apresentado tem a seu favor inúmeras qualidades. O roteiro, baseado no romance de Susan Swan, é sutil, desbragadamente romântico e surpreendente, além de ter traços de um realismo de cortar o coração. A bela trilha sonora exprime com competência os sentimentos das personagens e até mesmo o enfoque dado ao romance homossexual das personagens foge do convencional. A diretora não quer ser sexy e sim falar de amor (e o fato de ser uma diretora e não um diretor faz toda a diferença nesse caso).
Graças à influência de sua madrasta, a pré-adolescente Mary Bedford (Mischa Barton) é transferida para um colégio interno feminino. Sensível e solitária, a menina logo se torna grande amiga de suas duas colegas de quarto, a delicada Victoria (Jéssica Paré) e a extrovertida e rebelde Pauline (Piper Perabo), que extravasa seu sentimento de rejeição por ter sido abandonada quando bebê sendo a mais conhecida e complicada aluna da escola. Em pouco tempo de colégio, Mary descobre que a amizade entre Pauline e Victoria ultrapassa os limites de uma amizade convencional e torna-se confidente das duas. No entanto, quando Victoria resolve terminar o relacionamento com a namorada, devido à pressão familiar, Pauline não aceita o rompimento e, usando como exemplo textos de Shakespeare e a maneira de viver de um gavião do qual tornou-se protetora, arma um plano para uma reconciliação. Seus planos, no entanto, podem acabar em tragédia, e só a amizade de Mary tem a possibilidade de impedí-la.
O elenco também não decepciona. A participação especial de Graham Greene (indicado ao Oscar por “Dança com lobos”) como um jardineiro que serve de ponte entre Mary e sua vida pregressa é simpática e agradável. As diretoras da escola, elas próprias envolvidas em segredos amorosos, são vividas com franqueza por Mimi Kuzyk e Jackie Burroughs. A bela Jessica Pare justifica todo o amor que desperta, além de emocionar com sua falta de determinação para viver sua história. E Piper Perabo, que começou a carreira em filmes como “Showbar” prova que, com um bom papel em mãos é capaz de transformar-se em uma atriz promissora e forte.
"Assunto de meninas" não é apenas mais um filme sobre meninas que se apaixonam. É, antes de tudo, uma história de amadurecimento, de amizade e de como o amor pode ser destrutivo.
segunda-feira
E SUA MÃE TAMBÉM
E SUA MÃE TAMBÉM (Y tu mama tambien, 2001, México, 106min) Direção: Alfonso Cuarón. Roteiro: Alfonso Cuarón, Carlos Cuarón. Fotografia: Emmanuel Lubezki. Montagem: Alfonso Cuarón, Alex Rodriguez. Figurino: Gabriela Diaque. Direção de arte/cenários: Marc Bedia, Miguel Angel Alvarez/Roberto Loera. Produção executiva: Sergio Aguero, Amy Kaufman, David Linde. Produção: Alfonso Cuarón, Jorge Vergara. Elenco: Gael García Bernal, Diego Luna, Maribel Verdu. Estreia: 08/6/01 (México)
Indicado ao Oscar de Roteiro Original
A transição da adolescência para a fase adulta já foi tema de centenas de filmes desde a invenção do cinema e talvez por isso mesmo produções com essa temática tenha sérios detratores, uma vez que normalmente esses filmes seguem uma linha de pornochanchada de qualidade questionável. Não deixa de ser uma surpresa, portanto, quando um filme mexicano consegue ultrapassar as barreiras de preconceitos idiomáticos e temáticos e chega a concorrer a um inesperado Oscar de roteiro original. Esse filme, dirigido pelo mesmo Alfonso Cuaron – que já passou por Hollywood para dirigir “A princesinha” e “Grandes esperanças” – é “E sua mãe também”, uma divertida e melancólica comédia que atinge seus objetivos de entreter e ainda por cima arruma espaço para discussões sociais e até sobre diferenças entre os sexos.
Aparentemente “E sua mãe também” é apenas mais uma versão mexicana de filmes adolescentes americanos, mas uma olhada mais aprofundada mostra a verdade sobre a pequena obra-prima de Cuaron, escrita em parceria com seu irmão. Utilizando a técnica antiga mas ainda eficaz em certos casos de um narrador em terceira pessoa, o roteiro permite ao espectador aprofundar-se na personalidade de suas personagens, com informações às vezes nem disponíveis a elas. Sem nunca permitir-se optar pelo caminho mais fácil de contar sua história, o diretor tampouco cede à tentação de mostrar um México de cartão postal, utilizando a fotografia de Emmanuel Lubezki como comentários visuais de suas teorias sobre a desigualdade social de seu país. Ao contrário de seu filme anterior, o visualmente deslumbrante “Grandes esperanças”, dessa vez Lubezki conta com lentes quase nuas, sem retoques ou matizes para disfarçar as coisas de como elas realmente são.
"E sua mãe também" chega a ser vulgar em certos diálogos, mas sua veracidade verbal não tem objetivo de chocar e/ou provocar risos forçados. Da maneira como são ditas pelos ótimos Gael García Bernal e Diego Luna, as falas, repletas de palavrões, soam até mesmo inocentes e ingênuas em determinados momentos. E é essa paradoxal ingenuidade da trama dos irmãos Cuarón que talvez tenha encantado seu público e a crítica. Uma ingenuidade que, como mostra a sequência final do filme, tem prazo limitado e que, quando acaba, leva junto boa parte da felicidade juvenil inerente às amizades descompromissadas.
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