SOBRE MENINOS E LOBOS (Mystic River, 2003, Warner Bros, 138min) Direção: Clint Eastwood. Roteiro: Brian Elgeland, romance de Dennis Lehane. Fotografia: Tom Stern. Montagem: Joel Cox. Música: Clint Eastwood. Figurino: Roger Furse (Deborah Hopper). Direção de arte/cenários: Henry Bumstead/Richard C. Goddard. Produção executiva: Bruce Berman. Produção: Clint Eastwood, Judy G. Hoyt, Robert Lorenz. Elenco: Sean Penn, Kevin Bacon, Tim Robbins, Laurence Fishburne, Laura Linney, Marcia Gay Harden, Eli Wallach, Tom Guiry, Emmy Rossum, Spencer Treat Clark. Estreia: 23/5/03 (Festival de Cannes)
6 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Clint Eastwood), Ator (Sean Penn), Ator Coadjuvante (Tim Robbins), Atriz Coadjuvante (Marcia Gay Harden), Roteiro Adaptado
Vencedor de 2 Oscar: Ator (Sean Penn), Ator Coadjuvante (Tim Robbins)
Vencedor de 2 Golden Globes: Ator/Drama (Sean Penn), Ator Coadjuvante (Tim Robbins)
Às vezes Clint Eastwood mira, mira e erra feio quando resolve dirigir
adaptações literárias para as telas de cinema. Foi assim com "Poder
absoluto", baseado em David Baldacci e "Meia-noite no jardim do bem e do
mal", que nem Kevin Spacey, John Cusack e Jude Law conseguiram salvar.
No entanto, quando acerta, o veterano ator e diretor se dá muitíssimo
bem. Foi assim com o belo "As pontes de Madison", inspirado no romance
de Robert James Waller. E é assim também com "Sobre meninos e lobos",
uma história forte e poderosa criada pelo escritor Dennis Lehane.
Ao contrário do que muitas vezes acontece em adaptações para o cinema, onde o clima e os detalhes do livro muitas vezes são sacrificados a favor de ritmo e convenções comerciais, o filme de Eastwood é bastante fiel ao estilo seco de Lehane, não se importando nem mesmo com o possível pessimismo do final. Provavelmente isso se deva bastante ao roteiro de Brian Helgeland, que já havia assumido a hercúlea tarefa de transformar as mais de 500 páginas de “Los Angeles, Cidade Proibida”, de James Ellroy em um palatável e brilhante filme de duas horas, em 1997 (pelo qual ganhou um merecido Oscar). Aqui, Helgeland teve menos trabalho, uma vez que a prosa de Lehane é seca, direta e mesmo que fuja em vários momentos da tradição do cinema policial – a construção psicológica das personagens é muito mais rica do que o comum – se presta facilmente a uma adaptação menos complexa e bem mais fiel do que normalmente se espera nesses dias em que as páginas de um livro são apenas a idéia para filmes completamente diferentes. Quem leu o livro pode esperar uma adaptação quase literal, o que, levando-se em consideração a trama formidável criada por Lehane, é uma bênção.
O filme começa quando três adolescentes são abordados por dois homens que se apresentam como policiais. Um dos meninos é levado por eles e é submetido por vários dias a espancamentos e abusos sexuais. Logicamente a amizade dos três rapazes sofre um abalo e eles acabam por distanciar-se. Quase trinta anos depois, no entanto, eles são obrigados a se reencontrar quando a filha adolescente de um deles, Jimmy Markum (um espetacular Sean Penn) é violentamente assassinada. Markum, que deixou uma vida de crimes pra trás para virar um pai de família, entra em desespero e deseja vingar a morte da filha. O detetive encarregado do caso é Sean Devine (Kevin Bacon), seu amigo de infância cuja esposa o abandonou em uma crise de depressão pós-parto, e investigações feitas pelas vizinhanças do crime acabam levando tanto a polícia quanto Markum e seus violentos companheiros de farra ao nome de Dave Boyle (Tim Robbins), que superou o trauma que lhe marcou a infância casando com Celeste (Márcia Gay Harden), a prima da segunda esposa de Markum, Annabeth (Laura Linney). Julgando que Boyle é o assassino, resta a Sean impedir que Markum cometa um ato de vingança com as próprias mãos.
O grande diferencial de “Sobre meninos e lobos” é sem dúvida o teor psicológico de suas personagens. Ao invés de dedicar-se somente à investigação do asssassinato da jovem Katie (Emmy Rossum) – cujo desfecho chocante só confirma o alto nível de verossimilhança da trama – o roteiro de Helgeland trata de temas como amizade, confiança, traumas de infância e destino com uma precisão cirúrgica. Não há cenas desnecessárias nem personagens descartáveis em suas mais de duas horas de duração. Cada peça no jogo proposto por Eastwood tem sua devida importância, nem que ela seja revelada apenas em suas dramáticas cenas finais, cujo peso conta com a ajuda da edição eficaz de Joel Cox e da atuação de seus (grandes) atores.
Apesar de Laura Linney estar mal-aproveitada (culpa do papel pequeno) e Marcia Gay Harden exagerar um pouco na performance como a catalisadora da tragédia final (mesmo tendo sendo indicada ao Oscar de coadjuvante), “Sobre meninos e lobos” é sobretudo um filme de personagens fortes, defendido por atores de talento inquestionável. Kevin Bacon foi injustamente deixado de lado nas premiações, mas tanto Tim Robbins quanto Sean Penn levaram merecidos Oscar por seus desempenhos. O embate final entre os dois, quando Markum confronta Boyle sobre a morte de sua filha é dolorosamente real e cruel, digno de figurar entre as cenas antológicas da carreira de ambos.
Um poderoso estudo sobre o poder do destino e das conseqüências de atos aparentemente insignificantes, “Sobre meninos e lobos” é um dos melhores filmes de Clint Eastwood e um dos policiais mais inteligentes e sérios já realizados. É triste e é pesado, mas é um inesquecível trabalho de um grande diretor cercado por grandes atores e trabalhando sobre um roteiro espetacular.