PODERIA ME PERDOAR? (Can you ever forgive me?, 2018, Fox Searchlight Pictures, 106min) Direção: Marielle Heller. Roteiro: Nicole Holofcener, Jeff Whitty, livro de Lee Israel. Fotografia: Brandon Trost. Montagem: Anne McCabe. Música: Nate Heller. Figurino: Arjun Bhasin. Direção de arte/cenários: Stephen Carter/Sarah E. McMillan. Produção executiva: Bob Balaban, Pamela Hirsch, Jawal Nga. Produção: Anne Carey, Amy Nauiokas, David Yarnell. Elenco: Melissa McCarthy, Richard E. Grant, Dolly Wells, Ben Falcone. Estreia: 01/9/2018 (Festival de Telluride)
3 indicações ao Oscar: Atriz (Melissa McCarthy), Ator Coadjuvante (Richard E. Grant), Roteiro Adaptado
Não foram apenas a transformação física e a coragem de abandonar a zona de conforto que fizeram com que Melissa McCarthy fosse indicada ao Oscar de melhor atriz, em 2019: ainda que a Academia tenha uma forte tendência em valorizar tais características no momento de escolher seus preferidos de cada temporada, seria um erro creditar o sucesso de sua interpretação apenas a questões externas. Em um desempenho sutil, melancólico e inteligente, McCarthy conseguiu, em "Poderia me perdoar?", fazer esquecer seu passado em comédias bobas (e frequentemente medíocres) - e entrou pela porta da frente no rol das atrizes de grande prestígio. Tudo bem que "Missão madrinha de casamento" (2011) já tinha lhe dado um certo aval, com uma indicação à estatueta de atriz coadjuvante, mas nada se compara à força de sua atuação no filme de Marielle Heller. Aplaudida com unanimidade pela crítica, McCarthy, não era, porém, a primeira escolha para o papel principal - e só entrou no elenco quando a atriz originalmente escalada abandonou o barco pelas famosas "diferenças criativas".
Quando "Poderia me perdoar?" ainda era apenas um projeto em desenvolvimento, a personagem principal, Lee Israel, estava nas mãos de Julianne Moore, uma atriz respeitada e querida, tanto pela crítica quanto pelo público. Antes mesmo do começo das filmagens, no entanto, Moore saiu de cena, deixando vaga a protagonização do filme - uma produção pequena da Fox Searchlight, com um orçamento apertado de estimados dez milhões de dólares. Casado com Melissa e confiando no talento da esposa, o ator Ben Falcone, escalado para um papel menor, sugeriu seu nome à diretora Marielle Heller - e tudo pareceu se encaixar perfeitamente. Distante do ar de gordinha simpática que lhe deu fama, McCarthy mergulhou de corpo e alma em uma personagem de uma densidade dramática das mais desafiadoras. Foram 28 dias de filmagem - e quando o filme finalmente estreou, na edição de 2018 do Festival de Telluride, ficou claro para todos que a substituição tinha valido a pena: por mais que Moore seja uma atriz estupenda, é difícil imaginar outra intérprete para Lee Israel do que a simpática coadjuvante da telessérie "Gilmore Girls".
E se McCarthy chamou a atenção pela guinada radical em sua carreira, seu principal colega de cena, Richard E. Grant, tampouco ficou para trás. Coroando uma carreira de grandes (e muitas vezes subestimadas) atuações, Grant tornou-se figurinha fácil entre os nomes mais elogiados da temporada: indicado ao Oscar, ao Golden Globe e ao SAG Award de melhor ator coadjuvante, o veterano fez uma limpa junto a associações de críticos do país inteiro, graças a um trabalho impecável que só chegou até ele depois que Sam Rockwell e Chris O'Dowd saíram da lista de possibilidades. Como o excêntrico e pouco discreto Jack Roch, que se torna amigo e cúmplice de Israel, ele é o contraponto quase cômico a uma trama que, sob o comando de alguém menos sensível que Marielle Heller poderia descambar para um drama pesado e deprimente. Em sua segunda experiência como diretora de cinema - seu primeiro filme foi o elogiado "O diário de uma adolescente", de 2015 -, Heller, também atriz, construiu uma narrativa consistente, equilibrada entre um sutil senso de humor e uma tristeza quase palpável, sublinhada pela trilha sonora discreta e pela edição de ritmo próprio. O roteiro, também indicado ao Oscar, oferece a seus atores momentos de brilho sem apelar para discursos piegas e mesmo quando a emoção chega, é com uma elegância ímpar e adulta, com uma maturidade que destaca o filme dentre seus congêneres.
"Poderia me perdoar?" é, mais que um filme com uma história forte, um filme baseado em seus personagens. Lee Israel, a protagonista que McCarthy encarna com precisão, é uma biógrafa que, com a carreira em decadência (em boa parte devido à sua misantropia e pouca habilidade social), se vê diante de uma nova possibilidade de completar o orçamento e pagar suas dívidas acumuladas: a falsificação de cartas e documentos de escritores famosos. O que deveria ser uma alternativa efêmera, porém, se torna sua principal fonte de renda, e, aos poucos, ela deixa de lado a timidez e passa a sobreviver de sua fraude, contando, para isso, com a providencial ajuda de um novo amigo, Jack Roch (Richard E. Grant). O sucesso de sua empreitada, no entanto, é ameaçado quando peritos entram em cena dispostos a impedir novos crimes - e ela se torna alvo das investigações, assim como Jack e as pessoas envolvidas em suas negociações. No caminho entre o desespero inicial e a angústia do desfecho, Lee Israel é retratada como um ser humano falível e pouco simpático - e é um acerto da produção não tentar fazer da protagonista alguém adorável ou vítima das circunstâncias. Esse detalhe, crucial, faz do filme de Heller uma pérola a ser descoberta pelo grande público - um forte candidato à cult e dono de duas das mais potentes interpretações de sua época.