Sucesso
absoluto no papel da criatura em “Frankenstein” (31), de James Whale, o ator
Boris Karloff não demorou a ter uma nova chance de mostrar seu talento em
apavorar as suscetíveis plateias dos anos 30. Aproveitando o projeto da
Universal de levar às telas histórias povoadas de monstros e assim conquistar o
público ávido por tais personagens e ambientações, Karloff viu, apenas um ano
depois de seu mais famoso papel ter chegado aos cinemas, seu nome estampado com
destaque no cartaz de “A múmia”. No papel de Im-Ho-Tep – o personagem-título
criado pelo roteirista John L. Balderston a partir de uma ideia já em
desenvolvimento pelo estúdio e que a princípio seria inspirada em um profeta
francês que alegava ter vivido por vários séculos – Karloff voltava a
surpreender o público com um personagem fortemente dependente da maquiagem de
Jack Pierce, mas dessa vez tinha a seu favor mais do que simples grunhidos. Uma
pena, no entanto, que o resultado final não seja tão marcante quanto poderia
ser a união de gente tão talentosa quanto o ator e o cineasta de primeira
viagem Karl Freund.
De origem tcheca, Freund chegou em
Hollywood em 1929, cheio de moral graças a seu trabalho em obras essenciais do
expressionismo alemão, como “A última gargalhada”, de F.W. Murnau e “Metropólis”,
de Fritz Lang. Como diretor de fotografia desses filmes, Freund havia
demonstrado um estilo sofisticado e revolucionário, como movimentos inovadores
de câmera e iluminação ousada, características de que também fez uso em sua
estreia nos EUA, o clássico “Drácula” estrelado por Bela Lugosi. Sua primeira
chance como diretor, porém, demonstrou que, por trás de um fotógrafo primoroso,
existia um artista inseguro, que não tornou a vida de seus colaboradores muito
fácil – que o diga a atriz principal do filme, Zita Johann. Considerada
“difícil” por estúdios como a MGM e a RKO, Johann assinou contrato com a
Universal para fazer um filme chamado “Laughing boy”, escrito por John Huston,
mas acabou por ver o projeto cancelado depois de alguns estágios de produção:
como devia um filme ao estúdio, acabou sendo escolhida para interpretar a
mocinha de “A múmia”, um filme cujo roteiro tratava de assuntos que muito a
interessavam, como reencarnação e ocultismo. O fato de que a cena mais
importante a esse respeito – que explicava melhor a relação entre sua
personagem e a múmia – acabou sendo cortada da edição final acabou sendo o
menor de seus problemas, porém.
Segundo Johann, o medo de Freund em falhar logo em seu primeiro filme – cujo cronograma de filmagens era de exíguos 21 dias – o levou a escolhê-la como um possível bode expiatório. A partir daí, não faltaram oportunidades para que ele comprovasse sua pouca simpatia pela atriz. Não apenas ele a obrigava a jornadas de trabalho que chegavam a 12 horas e a impedia de ter uma cadeira com seu nome durante as pausas nas filmagens, como chegou a realizar uma sequência em que sua personagem, Helen Grosvenor, era obrigada a contracenar com leões de verdade – sem proteção! Tais rusgas de bastidores, no entanto, são detalhes que pouco interferem no filme em si. Contrariando uma espécie de regra da Universal – a de adaptar livros famosos com personagens monstruosos – “A múmia” é uma produção interessante pela presença de Boris Karloff e pelo tema inusitado, mas, a despeito de tudo (e da ambientação bem cuidada), é menos brilhante do que se poderia esperar. E a culpa não é nem de Freund nem de Johann.
O maior problema de “A múmia” é a falta de um
protagonista carismático e de forte presença dramática. Boris Karloff faz o que
pode, mas seu Im-Ho-Tep não tem a mesma intensidade de Drácula ou do monstro de
Frankenstein – e nem mesmo parece fazer questão que isso aconteça. Quando o
filme começa, em 1921, Im-Ho-Tep é uma múmia descoberta pelo inglês Joseph
Whemple (Arthur Byron) em uma escavação no Egito. Para surpresa do veterano
arqueólogo, a múmia ressuscita e rouba o pergaminho sagrado encontrado em seu sarcófago.
Onze anos mais tarde, o filho de Whemple, Frank (David Manners) – que segue a
carreira do pai – também vai até o país das pirâmides e é procurado pelo
misterioso Ardath Bey, que lhe indica a localização exata onde está enterrada a
filha do faraó Amenophis, a princesa Anck-Es-En-Amon. Realizado com a
descoberta, Frank nem de longe desconfia que Bey é a própria múmia, que
pretende utilizar o pergaminho para ressuscitar a princesa egípcia, com quem
viveu uma trágica história de amor. O ritual, porém, acaba por hipnotizar Helen
Grosvenor (Zita Johann) – a reencarnação de Anck-Es-En-Amon – e obriga Frank a
tentar impedir o pior.
Sabe-se que muitas cenas do roteiro
original acabaram ficando de fora da edição final – algumas inclusive chegaram
a ser filmadas – e isso de certa forma explica a superficialidade da trama. A
relação entre a múmia e Helen (ou suas encarnações anteriores) nunca são
aprofundadas, privando o espectador de uma imersão maior na história.
Prejudicado ainda pela falta de química entre Johann e David Manners (em tese o
par romântico central), “A múmia” nem mesmo se aproveita de ter no elenco um
ator do porte de Boris Karloff, que se esforça ao máximo para dar credibilidade
a um personagem que nunca chega a atingir todo seu potencial – apesar da
maquiagem convincente e do tom sempre correto de sua interpretação.
No final das contas, “A múmia” é um filme que sobrevive do clima impresso em cada fotograma e da personalidade fascinante de Karloff no papel principal. É o suficiente para quem procura um clássico do horror, mas não é tão bom quanto poderia ser levando-se em conta tudo que poderia ser.
No final das contas, “A múmia” é um filme que sobrevive do clima impresso em cada fotograma e da personalidade fascinante de Karloff no papel principal. É o suficiente para quem procura um clássico do horror, mas não é tão bom quanto poderia ser levando-se em conta tudo que poderia ser.