Não seria exagero afirmar que o cineasta Herbert Ross tinha um jeito todo especial de falar sobre mulheres em seus filmes. Duas de suas mais conhecidas obras, por exemplo, tem personagens femininas fortes e podem ser considerados "filmes de mulher": "Momento de decisão", que punha Shirley MacLaine e Anne Bancroft frente a frente para resolver diferenças do passado, e "Flores de aço", drama choroso com grande elenco de atrizes e que deu a primeira indicação ao Oscar de Julia Roberts. "Somente elas", seu último filme, também, como o título sugere, concentra toda sua atenção em representantes fortes do sexo frágil. No rastro do bem-sucedido "Thelma & Louise", que ressuscitou o interesse do público por mulheres em situações menos "domésticas", o filme escrito por Don Roos - que depois partiria para a carreira de diretor dos injustamente desconhecidos "O oposto do sexo" e "Finais felizes" - mistura elementos de humor, drama e road-movie em um resultado bastante agradável e competente, ainda que longe de ser brilhante.
Quando o filme começa, a cantora Jane de Luca (Whoopi Goldberg) acaba de abandonar o bar onde fazia suas apresentações - e era ignorada pela plateia - e, desejando mudar-se para a Califórnia, responde a um anúncio de jornal da jovem Robin (Mary-Louise Parker), que precisa de companhia na viagem. No meio do caminho, as duas encontram a amalucada Holly (Drew Barrymore), amiga de Jane que acaba de descobrir-se grávida - sem saber se o pai é ou não seu namorado drogado e violento. Quando o namorado de Holly é encontrado morto, as três apressam a jornada, mas resolvem estabelecer-se em uma cidade do Texas. A vida simples e tranquila das três amigas sofre uma reviravolta quando Holly cai de amores por Abe (Matthew McConaughey), um policial honesto e dedicado e Jane se descobre apaixonada por Robin, que é soropositiva e tenta fugir das lembranças da morte do irmão pequeno.
"Somente elas" não foge dos clichês do gênero, mas os apresenta de maneira leve e fluente, sem forçar a barra, ao menos até seu terço final, quando a doença de Robin avança e todas são obrigadas a lidar com as consequências da morte do namorado de Holly. Esse terceiro ato talvez seja o que mais se aproxima dos dramalhões que o cinema americano adora produzir, mas não convenceu muito a crítica, falhando no que talvez fosse seu maior objetivo: ganhar certas estatuetas. Mary-Louise Parker é uma boa atriz, como a série de TV "Weeds" viria a comprovar, mas soa repetitiva em muitos momentos, não conquistando a plateia com sua personagem, ao contrário do que acontece com Drew Barrymore, dona de uma simpatia e um carisma irresistíveis que disfarçam suas pequenas falhas como atriz dramática: sua Holly parece ter sido escrita para ela, tamanha a identificação com o papel. E Whoopi Goldberg dispensa comentários. Dona de um perfeito timing cômico e um grande talento dramático, é ela quem conduz com maestria o filme de Ross, fazendo com o que o público perdoe certos exageros da trama.
E o que falar da trilha sonora, então? Como o próprio título sugere, até mesmo as canções escolhidas para "Somente elas" são femininas. Desde a versão interpretada por Goldberg de "Piece of my heart" até sua devastadora interpretação de "You got it", de Roy Orbison (cuja gravação na voz de Bonnie Rait encerra o filme), o público é brindado com uma primorosa seleção de músicas cantadas por mulheres. Estão presentes Annie Lennox, Cranberries, Sheryl Crow, Pretenders e Indigo Girls, dentre outras menos conhecidas, o que faz com que "ouvir" o filme seja tão bom quanto assistí-lo.
"Somente elas" é um perfeito drama para quem gosta de encharcar lenços de papel. A amizade entre as três protagonistas parece real, ainda que aconteça de forma quase abrupta na primeira metade, e a química entre as atrizes é excelente. Alguns diálogos são bastante espertos - cortesia do humor corrosivo de Don Roos - e até mesmo o final quase depressivo (só não o é totalmente porque existe o eterno ciclo da vida se renovando com o bebê de Holly) funciona e atinge seus objetivos. Não é uma obra-prima, mas vale a pena ser visto, nem que seja para conferir o trabalho de equipe de Goldberg, Parker e Barrymore.