GUERRA
DE CANUDOS (Guerra de Canudos, 1997, Columbia Pictures Television
Trading Company/Riofilme, 170min) Direção: Sergio Rezende. Roteiro:
Paulo Halm, Sergio Rezende. Fotografia: Antonio Luiz Mendes. Montagem:
Isabelle Rathery. Música: Edu Lobo. Figurino: Beth Filipecki. Direção de
arte: Claudio Amaral Peixoto. Produção executiva: Mariza Figueiredo.
Produção: Mariza Leão. Elenco: José Wilker, Cláudia Abreu, Paulo Betti,
Marieta Severo, José de Abreu, Selton Mello, Tuca Andrada, Tonico
Pereira, Dandara Guerra, Orlando Vieira, Roberto Bomtempo, Camilo
Bevilaqua, Ernani Moraes. Estreia: 03/10/97
Com
exceção do clássico "Deus e o Diabo na Terra do Sol", do cultuado
Glauber Rocha, o cinema nacional sempre ignorou um dos maiores conflitos
históricos do país, a guerra de Canudos - basicamente um confronto
entre o exército brasileiro e um grupo de sertanejos contrários à
República que terminou no massacre de mais de 20.000 revolucionários em
1897. Tema do livro "Os sertões", de Euclides da Cunha, a batalha, que
desmoralizou as tropas do governo e consagrou indelevelmente o nome de
seu líder, Antonio Conselheiro, como um dos mais importantes da história
do Brasil, levou exatamente um século para chegar às telas em uma
produção do tamanho que merecia. Orçado em 6 milhões de dólares - uma
fortuna para o ainda cambaleante cinema comercial nacional de 1997 -
"Guerra de Canudos", de Sérgio Rezende, levou quatro anos para ser
finalizado e chegou às telas com o estardalhaço esperado de uma
superprodução estrelada por atores globais. O resultado final, porém,
ficou a desejar, se equilibrando sem muita necessidade entre dramas
pessoais de personagens fictícios e sequências de batalhas campais
vergonhosamente pobres. Salva-se, porém, a excelência dos atores, que
conseguem dar humanidade e veracidade até mesmo quando tem pouco
material que lhes ajude na missão.
Cineasta de grande
talento e inteligência, Sérgio Rezende tem no currículo filmes que
ajudam a esclarecer a história do Brasil através de personagens
marcantes, como o deputado Tenório Cavalcanti de "O homem da capa preta"
e um dos guerrilheiros mais conhecidos da época da ditadura militar em
"Lamarca" - sintomaticamente estrelados por dois dos atores principais
de "A Guerra de Canudos", José Wilker e Paulo Betti. A Wilker coube o
papel mais difícil, o líder messiânico Antonio Conselheiro, que pregava o
fim da República e a volta da monarquia, conseguindo com isso - e com o
dom da oratória - arrebanhar milhares de seguidores fieis que fundaram,
com ele, a cidade que dá nome ao filme, localizada no interior da
Bahia. Betti vive Zé Lucena, um sertanejo simples e trabalhador que se
revolta com a cobrança abusiva de impostos por parte do governo e parte
com o grupo de Conselheiro, levando consigo a esposa, Penha (Marieta
Severo, sensacional) e os dois filhos caçulas. Fica para trás apenas a
filha mais velha, Luiza (Cláudia Abreu), que não aceita acompanhá-los e
parte sozinha em busca de uma vida melhor. A partir dessa separação é
que a trama do filme se sustenta. De um lado, a plateia testemunha as
artimanhas do Exército em exterminar os inimigos de seu regime, cada vez
mais ferozes e determinados. De outro, assiste à trajetória de Luíza em
sobreviver em um mundo hostil à independência feminina, se entregando à
prostituição e posteriormente ao envolvimento com dois homens
contrários a Canudos: o ex-soldado Arimateia (Tuca Andrada) e o Tenente
Luís (Selton Mello).
Essa
opção do roteiro em dividir seu foco para melhor seduzir a plateia
acaba sendo bastante prejudicial às pretensões de "Guerra de Canudos" em
ser um grande filme. Toda vez que a trama se desvia dos conflitos
históricos para acompanhar o sofrimento de Luíza fica a impressão nítida
de um artifício questionável para conquistar o público acostumado às
telenovelas globais. Além de roubar preciosos minutos de projeção - que
elevam a duração do filme para intermináveis duas horas e cinquenta
minutos - a subtrama não acrescenta nada ao conflito central, a não ser
que se considere imprescindível a discussão de Luíza com seu pai perto
do clímax, uma cena que é memorável unicamente devido à garra de
Cláudia, uma atriz capaz de tirar leite de pedra - ou que alguém ache
que era essencial ao roteiro um reencontro da personagem com Antonio
Conselheiro, tratado por Wilker e Rezende mais como um personagem à
beira da caricatura do que pelo homem mitológico que na verdade ele foi.
Repetindo sem cansar todos os trejeitos de seus personagens anteriores,
o veterano ator não consegue dar a dimensão espiritual e inspiradora de
Conselheiro, transformando-o quase em um velho desequilibrado e bufão -
o que tira muito do peso e da força da história em si.
Também
é um problema grave a forma como são tratadas no filme as batalhas
travadas entre os dois exércitos. Mesmo com um orçamento relativamente
generoso, elas soam constrangedoramente precárias, mal coreografadas e
filmadas quase com displicência. Em momento algum do filme se consegue
imaginar que o número de baixas de ambos os lados chegou a mais de vinte
mil homens: a direção de arte dá a impressão de que Canudos era apenas
um vilarejo com algumas centenas de habitantes, o que está bastante
longe da verdade, e os figurantes - sempre uma pedra no sapato dos
filmes brasileiros - são nunca aquém de vergonhosos, escalados nas
regiões das filmagens para parecerem legítimos. Nesse ponto, o filme é
um passo atrás em relação ao cuidado mostrado em "Lamarca", que
apresentava uma consistência artística e técnica de primeiro nível.
Mas
então "A Guerra de Canudos" é um lixo? Não, claro que não. Jamais um
filme com intenções tão nobres - retratar um período que a maior parte
da população conhece somente através de livros didáticos - pode ser
considerado perda de tempo, por mais desnecessariamente longo que seja. A
obra de Sérgio Rezende conta a história com todos os detalhes que se
pode utilizar sem aborrecer o público como uma aula sem ritmo e tenta
fisgar o espectador com um romance que, se é questionável do ponto
artístico, talvez funcione para amaciar a resistência do público médio a
uma trama que lhe pode soar como aborrecida. Esse mérito é inegável,
assim como a atuação de seus atores - com a possível exceção dos
exageros de José Wilker - e o respeito pela história real. Um pouco
menos de ambição e mais de parcimônia poderia ter-nos legado uma
obra-prima. Como está, é interessante, mas um tanto quanto aquém de suas possibilidades.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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domingo
segunda-feira
CAZUZA, O TEMPO NÃO PARA
CAZUZA, O TEMPO NÃO PARA (Brasil, 2004, 98min) Direção: Walter Carvalho, Sandra Werneck. Roteiro: Fernando Bonassi, Victor Navas, livro de Lucinha Araújo. Fotografia: Walter Carvalho. Montagem: Sérgio Mekler. Música: Cazuza, Guto Graça Mello. Figurino: Cláudia Kopke. Direção de arte: Cláudio Amaral Peixoto. Produção executiva: Flávio R. Tambellini. Produção: Daniel Filho. Elenco: Daniel Oliveira, Marieta Severo, Reginaldo Faria, Emílio de Mello, Andrea Beltrão, Leandra Leal, Cadu Fávero, Maria Flor. Estreia: 11/6/04
Cinebiografias de astros e estrelas da música são constantes no mercado internacional, mas eram quase inexistentes no cinema brasileiro. Por isso não deixa de ser louvável a realização de "Cazuza, o tempo não para", que conta a brilhante trajetória do cantor e compositor carioca que morreu de AIDS aos 32 anos.,, em 1990, no auge da criatividade e popularidade. Baseado livremente no livro "Só as mães são felizes", co-escrito pela mãe do cantor, Lucinha Araújo e pela jornalista Regina Echeverria, o filme, dirigido por Sandra Werneck e Walter Carvalho (ele um dos maiores diretores de fotografia do cinema brazuca) faz, em hora e meia de projeção, uma merecidíssima homenagem ao artista, mas acaba se perdendo, em alguns momentos, em um roteiro bastante superficial.
Vivido por um inacreditável Daniel de Oliveira, Cazuza era o filho único de um executivo da indústria musical, João Araújo (Reginaldo Faria) e de uma dona-de-casa que vez ou outra cantava para os amigos, Lucinha Araújo (a sempre espetacular Marieta Severo). Rebelde, bissexual, chegado em farras com álcool e drogas, ele liderou a banda de rock Barão Vermelho e justamente quando atingiu a fama, resolveu tentar uma carreira-solo que coincidiu com a descoberta de sua doença fatal. O filme acompanha sua trajetória e mostra sua amizade e parceria com o roqueiro Frejat (Cadu Fávero) e com o empresário Ezequiel Neves (em um afetado trabalho de Emilio de Mello), dando prioridade a seu período de intensa criação artística.
Na verdade o problema maior do roteiro do filme é a superficialidade com que trata de algumas personagens, que entram e saem de cena sem maiores especificações, além da omissão de passagens importantes da vida do cantor - seu relacionamento pessoal e profissional com Ney Matogrosso, por exemplo, não é sequer mencionado, apesar de ter sido vital para sua carreira - e nem mesmo sua relação com a mãe, tema central do livro que inspirou o filme é explorada a contento. Essa falha crucial enfraquece o resultado final, mesmo que a intenção do projeto tenha sido focar-se principalmente na obra musical de Cazuza. E quanto a isso, justiça seja feita, não tem erro. Mais do que uma simples trilha sonora, a música do cantor é uma personagem a mais, e das mais importantes.
Os números musicais que permeiam o filme comentam a ação sem em momento algum atrapalhar a narrativa - mesmo porque o projeto é quase um presente aos fãs. Canções emblemáticas da trajetória do cantor em carreira-solo ou ainda na companhia do grupo Barão Vermelho desfilam pela tela em apresentações vívidas e reproduzidas com a maior perfeição possível, principalmente graças à maior qualidade do filme: o ator Daniel de Oliveira. Pouco conhecido do público à época das filmagens, o jovem mineiro praticamente incorpora o protagonista, em uma atuação que surpreende pela garra e pela dedicação. Mesmo com os óbvios problemas de roteiro, Daniel paira acima de tudo, em uma interpretação antológica e impecável que deixaria o próprio Cazuza extremamente orgulhoso.
Cinebiografias de astros e estrelas da música são constantes no mercado internacional, mas eram quase inexistentes no cinema brasileiro. Por isso não deixa de ser louvável a realização de "Cazuza, o tempo não para", que conta a brilhante trajetória do cantor e compositor carioca que morreu de AIDS aos 32 anos.,, em 1990, no auge da criatividade e popularidade. Baseado livremente no livro "Só as mães são felizes", co-escrito pela mãe do cantor, Lucinha Araújo e pela jornalista Regina Echeverria, o filme, dirigido por Sandra Werneck e Walter Carvalho (ele um dos maiores diretores de fotografia do cinema brazuca) faz, em hora e meia de projeção, uma merecidíssima homenagem ao artista, mas acaba se perdendo, em alguns momentos, em um roteiro bastante superficial.
Vivido por um inacreditável Daniel de Oliveira, Cazuza era o filho único de um executivo da indústria musical, João Araújo (Reginaldo Faria) e de uma dona-de-casa que vez ou outra cantava para os amigos, Lucinha Araújo (a sempre espetacular Marieta Severo). Rebelde, bissexual, chegado em farras com álcool e drogas, ele liderou a banda de rock Barão Vermelho e justamente quando atingiu a fama, resolveu tentar uma carreira-solo que coincidiu com a descoberta de sua doença fatal. O filme acompanha sua trajetória e mostra sua amizade e parceria com o roqueiro Frejat (Cadu Fávero) e com o empresário Ezequiel Neves (em um afetado trabalho de Emilio de Mello), dando prioridade a seu período de intensa criação artística.
Na verdade o problema maior do roteiro do filme é a superficialidade com que trata de algumas personagens, que entram e saem de cena sem maiores especificações, além da omissão de passagens importantes da vida do cantor - seu relacionamento pessoal e profissional com Ney Matogrosso, por exemplo, não é sequer mencionado, apesar de ter sido vital para sua carreira - e nem mesmo sua relação com a mãe, tema central do livro que inspirou o filme é explorada a contento. Essa falha crucial enfraquece o resultado final, mesmo que a intenção do projeto tenha sido focar-se principalmente na obra musical de Cazuza. E quanto a isso, justiça seja feita, não tem erro. Mais do que uma simples trilha sonora, a música do cantor é uma personagem a mais, e das mais importantes.
Os números musicais que permeiam o filme comentam a ação sem em momento algum atrapalhar a narrativa - mesmo porque o projeto é quase um presente aos fãs. Canções emblemáticas da trajetória do cantor em carreira-solo ou ainda na companhia do grupo Barão Vermelho desfilam pela tela em apresentações vívidas e reproduzidas com a maior perfeição possível, principalmente graças à maior qualidade do filme: o ator Daniel de Oliveira. Pouco conhecido do público à época das filmagens, o jovem mineiro praticamente incorpora o protagonista, em uma atuação que surpreende pela garra e pela dedicação. Mesmo com os óbvios problemas de roteiro, Daniel paira acima de tudo, em uma interpretação antológica e impecável que deixaria o próprio Cazuza extremamente orgulhoso.
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