quinta-feira

INFILTRADO NA KLAN


INFILTRADO NA KLAN (BlackKkKlansman, 2018, Focus Features/Legendary Entertainment/Perfect World Pictures, 135min) Direção: Spike Lee. Roteiro: Spike Lee, Charlie Wachtel, David Rabinowitz, Kevin Willmot, livro de Ron Stallworth. Fotografia: Chayse Irvin. Montagem: Barry Alexander Brown. Música: Terence Blanchard. Figurino: Marci Rodgers. Direção de arte/cenários: Curt Beech/Cathy T. Marshall. Produção executiva: Marcei A. Brown, Matthew A. Cherry, Edward H. Hamm Jr., Win Rosenfeld, Jeanette Volturno. Produção: Jason Blum, Spike Lee, Raymond Mansfield, Sean McKittrick, Jordan Peele, Shaun Redick. Elenco: John David Washington, Adam Driver, Laura Harrier, Topher Grace, Ryan Eggold, Jasper Paakkonen, Michael Buscemi, Alec Baldwin. Estreia: 14/5/2018 (Festival de Cannes)

6 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Spike Lee), Ator Coadjuvante (Adam Driver), Roteiro Adaptado, Montagem, Trilha Sonora Original

Vencedor do Oscar de Roteiro Adaptado

Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes

 A sequência inicial de "Infiltrado na Klan" já deixa antever o que virá pelas próximas duas horas: diante de uma montagem de cenas dos filmes "O nascimento de uma nação" (1915) - considerado um dos filmes mais racistas da história do cinema - e "... E o vento levou" (1939) - cujo duvidoso retrato da escravidão vem sendo questionada seriamente nos últimos anos -, o supremacista branco Kennebrew Beauregard (vivido por Alec Baldwin) faz um febril discurso a respeito de como os afro-americanos estão tomando os EUA e impondo seu modo de vida através da violência. Seu ponto de vista assustador - que seria cômico se não fosse trágico - dá início ao melhor filme de Spike Lee em muito, muito tempo, uma afirmação comprovada pela generosa bilheteria e pelo reconhecimento da Academia de Hollywood, que lhe premiou com o Oscar de roteiro adaptado e o indicou em outras cinco categorias, incluindo as duas mais importantes: melhor filme e diretor. Ovacionado desde sua estreia, no Festival de Cannes de 2018 (de onde saiu com o Grande Prêmio do Júri), "Infiltrado na Klan" se torna ainda mais relevante por ter sido lançado menos de um ano depois das manifestações racistas de Charlottesville, na Virgínia, cujas imagens são mostradas no final do filme e que causaram a morte da jovem Heather Heyer. Mais importante do que nunca, a produção é o filme certo na hora certa. Mais importante ainda, foi dirigido no tom exato entre o drama social e a ironia, opção que muito provavelmente o Spike Lee do final dos anos 1980 e começo dos 1990 não teria feito.

Conhecido no final do século passado por sua virulência e tendência para o marketing agressivo, Spike Lee chamava a atenção tanto por seus discursos veementes quanto por seus trabalhos cinematográficos - dentre os quais destacam-se "Faça a coisa certa" (1989) e "Malcolm X" (1992), ambos louvados pela crítica e exemplos nítidos da ira do cineasta à época. Em "Infiltrado na Klan", o cineasta parece ter encontrado o meio-termo entre sua militância e as regras do cinema comercial - do qual aproximou-se nos anos 2000, com o sucesso financeiro de "O plano perfeito", que rendeu surpreendentes 186 milhões de dólares em 2006. Mesmo com um material explosivo em mãos, Lee prefere o caminho menos óbvio para contar sua história, talvez por ter consciência do quão surreal ela pode parecer aos olhos do espectador, mesmo sendo verdadeira. Baseado no livro em que Ronn Stallworth conta sua inusitada (e perigosa) aventura, o roteiro (escrito por Lee, Charlie Watchel, David Rabinowitz e Kevin Willmot), ganhou merecidamente o Oscar da categoria, ao fazer magistralmente a transposição das páginas para a tela: nunca antes Lee esteve tão certeiro em utilizar-se das ferramentas do cinema em seu favor.

Mais do que apenas contar uma história em imagens, o cineasta brinca com referências culturais - como a blackexploitation do cinema norte-americano - e não hesita em inserir, em momentos-chave, um tom menos ágil e mais contundente - é o caso do discurso do ativista negro Stokely Carmichael (Corey Hawkins), no começo do filme, e de um trágico relato de crime de ódio, feito por Jerome Turner (uma participação não creditada do veterano Harry Belafonte), perto do final. Ao contrário de quebrar o ritmo, tais acréscimos tornam a narrativa ainda mais rica e lembram o espectador que, apesar da leveza com que a trama vem sendo conduzida, o assunto é mais sério e urgente do que se pode imaginar. É admirável como Lee é capaz de equilibrar tão bem cenas cômicas (mas nunca de um humor histérico) e sequências de pura tensão (será que o protagonista conseguirá evitar o atentado a bomba planejado pela KKK contra a sua namorada ativista? Será que seu colega de missão será reconhecido em plena cerimônia do grupo?) As respostas a essas e outras questões que vão surgindo durante o filme são apresentadas de forma orgânica e com uma fluência empolgante, que envolve a plateia sem muito esforço. Para isso conta, também, a escalação certeira de um elenco acima de qualquer crítica.

Na pele de Ronn Stallworth, um  jovem policial negro do Colorado que consegue se infiltrar na sede local da KKK através de telefonemas e da ajuda de seu colega, Flip Zimmermann, está John David Washington, uma das grandes promessas da nova geração: filho do também ator Denzel Washington (que já colaborou diversas vezes com Spike Lee), John David tem um carisma que imediatamente põe o espectador a seu lado. Adam Driver, que interpreta Zimmermann, um judeu que assume a identidade de Stallworth quando é preciso uma presença física junto aos líderes da Klan, recebeu uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante que confirmou uma fase excelente na carreira - além de sua atuação em filmes da nova série "Star Wars" ele voltou a concorrer à estatueta dourada (dessa vez na categoria principal) por "História de um casamento". E é preciso aplaudir o trabalho de Topher Grace, em um corajoso retrato de David Duke, um dos maiores líderes do grupo racista. Tudo é tão bem desenvolvido que até dá para perdoar a criação de um interesse romântico para Ronn, a militante Patrice Dumas, vivida por Laura Harrier, outra revelação do cineasta: ao contrário de outros filmes, a presença de Patrice não é apenas oferecer cenas idílicas, e sim servir como a voz da consciência de Ronn. Um toque que faz toda a diferença e torna "Infiltrado na Klan" um filme obrigatório não apenas para o público interessado no tema, mas principalmente para os fãs de cinema de qualidade. Uma pena que, podendo escolher essa pequena obra-prima como vencedor do Oscar de melhor filme, a Academia optou pelo raso e artificial "Green Book: O guia", que apresenta uma versão quase hipócrita do racismo. Se houvesse mais coragem por parte dos eleitores, o filme de Lee - que conta com o também cineasta Jordan Peele ("Corra!") entre os produtores - teria saído da cerimônia carregado de estatuetas douradas.

JÁ ESTOU COM SAUDADES


 JÁ ESTOU COM SAUDADES (Miss you already, 2015, 5 Films/New Sparta Films/The Salt Company International, 112min) Direção: Catherine Hardwicke. Roteiro: Morwenna Banks. Fotografia: Elliot Davis. Montagem: Phillip J. Bartell. Música: Harry Gregson-Williams. Figurino: Claire Finlay. Direção de arte/cenários: Amanda McArthur/Celia de La Hey. Produção executiva: Morwenna Banks, Jerome Booth, Sheryl Crown, Catherine Hardwicke, Nicki Hattingh, Jamie Holt, Samantha Horley, Lisa Lambert, Cyril Megret, James Norne, Celina Rattray, Anne Sheehan, Barnaby Southcombe, Trudie Styler, Paul Andrew Williams. Produção: Christopher Simon. Elenco: Toni Collette, Drew Barrymore, Dominic Cooper, Paddy Considine, Jacqueline Bisset. Estreia: 12/9/15 (Festival de Toronto)
 

Filmes a respeito da amizade entre mulheres já constituem, de certa maneira, quase um novo gênero cinematográfico - principalmente quando a relação descamba para a tragédia como forma de incrementar o roteiro. É dessa safra que saíram "Amigas para sempre" (1988) - estrelado por Bette Midler e Barbara Hershey -, o sensível "Tomates verdes fritos" (1991) - que contava não apenas uma, mas duas histórias de cumplicidade entre mulheres -, o já clássico "Thelma & Louise" (1991), que rendeu indicações ao Oscar para Susan Sarandon e Geena Davis - e o moderno "Somente elas" (1995), que estendeu sua sororidade à trilha sonora composta apenas por intérpretes femininas e colocou na estrada uma cantora lésbica (Whoopi Goldberg), uma silenciosa soropositiva (Mary-Louise Parker) e uma maluquete grávida do namorado violento (Drew Barrymore). Barrymore, aliás, é uma das duas estrelas de mais uma produção semelhante: pouco visto e pouco comentado, "Já estou com saudades" pouco acrescenta à lista de filmes afins, mas é simpático o bastante para sustentar uma sessão descompromissada - e muito disso se deve às presenças de suas atrizes centrais, Toni Collette e a mesma Drew Barrymore de "Somente elas". Talentosas e carismáticas, elas carregam o filme nas costas e conseguem até mesmo deixar suportáveis toda a previsibilidade do roteiro.

Barrymore, aliás, só acabou no elenco do filme depois de duas desistências. Primeiro foi Jennifer Aniston quem pulou fora, devido ao adiamento das filmagens; depois, foi a vez de Rachel Weisz abandonar o projeto e abrir vaga para a ex-atriz mirim. Talvez tenha sido para o bem: com sua personalidade vibrante, Barrymore é o contraponto perfeito para o talento à flor da pele de Collette, e o encontro de duas energias tão díspares é que faz com que a trama funcione, deixando pouco espaço para os coadjuvantes - um time que inclui até mesmo a veterana (e ainda belíssima) Jacqueline Bisset. Com ares de adaptação de romances água-com-açúcar, "Já estou com saudades" é, surpreendentemente, um roteiro original (ou quase isso: é a adaptação de uma peça radiofônica escrita pela mesma Morwenna Banks, autora de roteiros para séries de televisão britânicas), e acompanha a trajetória de duas amigas de infância que tem suas vidas transformadas por situações que fogem de seu controle - e põe a relação em xeque. Como era de se esperar, o roteiro não se aprofunda em questões psicológicas e tampouco vai além do já visto em outras produções afins. Mas há como resistir a suas protagonistas e a uma trilha sonora que dá destaque à atemporal "Losing my religion", do R.E.M.? 

Milly (Toni Collette) tem uma vida de sonhos, com um emprego que a satisfaz e uma rotina doméstica das mais felizes, que inclui o marido, Kit (Dominic Cooper), e dois filhos adoráveis. Jess (Drew Barrymore) já é menos completa - apesar do carinho do namorado, Jago (Paddy Considine), seu trabalho não é dos melhores, vive em um trailer desconfortável e sofre com as tentativas sem sucesso de engravidar. As duas são amigas íntimas desde que eram crianças, e apesar de suas diferenças (ou talvez por causa delas) se completam e não conseguem ficar separadas por muito tempo. A relativa paz da relação é abalada quando ambas se descobrem diante de situações catalisadoras: Jess finalmente fica grávida, e Milly é diagnosticada com câncer - o que altera substancialmente sua personalidade e a põe em rota de colisão com a amiga e o próprio marido. Para ajudar Milly em sua recuperação, Jess deixa sua vida de lado - mas será que a ligação entre as duas sobreviverá a uma prova tão dura?

A diretora Catherine Hardwick tem em seu currículo o excelente "Aos treze" (2003), que marcou a estreia de Evan Rachel Wood no cinema, mas é mais lembrada pelo tenebroso "Crepúsculo" (2008), o primeiro capítulo de uma das sagas mais constrangedoras do cinema americano das últimas décadas. Para sorte dos espectadores, "Já estou com saudades", apesar de não ser exatamente criativo e seguir à risca uma série de clichês, está menos para o romance vampiresco adolescente e mais para o drama familiar que deu à Holly Hunter uma indicação ao Oscar de coadjuvante. A cineasta acerta em deixar que suas atrizes comandem o show, mas peca ao não evitar o melodrama sentimental que domina a segunda metade do filme. Ainda bem que, apesar de suas personagens não sejam complexas como deveriam, Toni Collette e Drew Barrymore sustentam a produção sem muito esforço - e podem levar o público mais sensível às lágrimas. Não é um filme inesquecível, nem um ponto alto da carreira de ninguém envolvido, mas consegue cativar pelas quase duas horas de sessão. Tem tudo para virar um frequentador habitual das sessões da tarde na televisão aberta - e isso é bem mais do que muitos congêneres conseguem.

VAMPIROS DO DESERTO

VAMPIROS DO DESERTO (The forsaken, 2001, Screen Gems/Sandstorm Films, 90min) Direção e roteiro: J. S. Cardone. Fotografia: Steven Bernstein...