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quarta-feira

VAMPIROS DE ALMAS


VAMPIROS DE ALMAS (Invasion of the body snatchers, 1956, Walter Wanger Productions, 80min) Direção: Don Siegel. Roteiro: Daniel Mainwaring, série de Jack Finney. Fotografia: Ellsworth Fredericks. Montagem: Robert S. Eisen. Música: Carmen Dragon. Direção de arte/cenários: Edward Haworth/Joseph Kish. Produção: Walter Wanger, Walter Mirisch. Elenco: Kevin McCarthy, Dana Wynter, Larry Gates, King Donovan, Carolyn Jones. Estreia: 05/02/56

Não deixa de ser um tanto irônico que um filme constantemente lembrado como uma metáfora do macarthismo, que tantas baixas causou na indústria do cinema, não seja oficialmente uma obra com tais pretensões. Lançado em 1956, quando a política de caça aos comunistas de Hollywood promovida pelo senador Joseph McCarthy ainda estava a pleno vapor, "Vampiros de almas" parecia a alegoria perfeita para o clima de paranoia que rondava o país. Porém, apesar de o diretor Don Siegel afirmar que era impossível fugir das conexões com a realidade, o ator central do filme, Kevin McCarthy, e o autor da história na qual o roteiro era baseado, Jack Finney, negavam qualquer ligação, classificando o filme como apenas mais um thriller de ficção científica a alcançar as telas. É inegável, no entanto, que, sabendo o contexto em que foi realizado, o clássico de Siegel assume um subtexto muito mais interessante e lhe confere uma aura de relevância histórica de que não muitos filmes podem se gabar.

Realizado com pouco mais de 500 mil dólares e filmado em 19 dias - já contando com o atraso causado pela teimosia do diretor em filmar cenas noturnas sem apelar para efeitos visuais, "Vampiros de almas" sofreu com o orçamento apertado. O desenhista de produção, Edward Haworth, por exemplo, esteve sempre à beira de um ataque de nervos: depois de trabalhar com Alfred Hitchcock em "Pacto sinistro" (1951) e "A tortura do silêncio" (1953) - e pouco antes de ganhar um Oscar por "Sayonara" (1957) -, ele chegou a escrever uma carta ao diretor do Allied Artists, preocupado com o destino do filme. De pouco adiantou: Haworth teve de multiplicar sua criatividade para fazer com que o principal elemento da trama - os casulos que abrigavam cópias dos habitantes da pequena cidade de Santa Mira - não fosse prejudicado pelos exíguos trinta mil dólares à sua disposição. Como a história mostrou, ele não apenas conseguiu, mas também forjou um visual que influenciou várias outras obras do gênero pelos anos seguintes - inclusive o remake, lançado em 1978.

 

A trama de "Vampiros de almas" é uma pérola do kitsch - e é tratada como tal por Don Siegel, que mais tarde se consagraria dirigindo Clint Eastwood em sucessos como "Perseguidor implacável" (1971) e "Alcatraz: fuga impossível"" (1979). Tudo se passa em uma típica cidadezinha norte-americana da década de 1950. É para lá que o médico Miles Bennell (Kevin McCarthy) retorna depois de um congresso, para encontrar parte da população sofrendo do que parece um surto de paranoia coletiva: vários de seus pacientes insistem em dizer que seus parentes foram substituídos por algum tipo de impostor. A princípio cético, Bennell leva um choque ao descobrir que todos estão falando a verdade, e que alienígenas estão tomando os corpos dos humanos. Ao lado de uma antiga namorada, Becky (Dana Wynter em papel para o qual foram consideradas Anne Bancroft, Kim Hunter, Vera Miles e Donna Reed), o médico fará o possível para avisar as autoridades a respeito da invasão, mas conforme avança em sua cruzada, percebe que talvez já seja tarde demais - e que não irá demorar para que ele e sua amiga se tornem vítimas.

O roteiro original de "Vampiros de almas" se assumia um pouco como filme trash, repleto de passagens cômicas que se intercalavam às sequências mais sérias da narrativa. Acreditando que a fórmula "humor + tragédia" seria um fator positivo para o sucesso do filme, Siegel, o roteirista Daniel Mainwaring e o produtor Walter Wanger fizeram exibições-teste às escondidas do diretor do estúdio. Realmente o público parecia aprovar a mistura de gêneros, mas Steve Broidy (o mesmo que recebeu a carta desesperada de Edward Haworth) nem considerou a ideia: para a estreia oficial, mandou editar o filme sem qualquer resquício dos momentos leves - uma espécie de contradição, já que foi justamente o estúdio quem exigiu mudanças no final da história original, deixando de lado o tom pessimista e acenando com uma esperança para os personagens e o público. Tais decisões, por mais ditatoriais que possam parecer, acabaram por funcionar: o filme é, hoje em dia, uma das ficções científicas mais conhecidas do cinema.

sexta-feira

TARA MALDITA

TARA MALDITA (The bad seed, 1956, Warner Bros, 129min) Direção: Mervyn LeRoy. Roteiro: John Lee Mahin, livro de William March, peça teatral de Maxwell Anderson. Fotografia: Hal Rosson. Montagem: Warren Low. Música: Alex North. Figurino: Moss Mabry. Direção de arte/cenários: John Beckman/Ralph Hurst. Produção: Mervyn LeRoy. Elenco: Nancy Kelly, Patty McCormack, Henry Jones, Eileen Heckart, Evelyn Varden, William Hopper, Paul Fix, Gage Clark, Frank Cady. Estreia: 12/9/56

4 indicações ao Oscar: Atriz (Nancy Kelly), Atriz Coadjuvante (Patty McCormack/Eilleen Heckart), Fotografia em preto-e-branco
Vencedor do Golden Globe de Atriz  Coadjuvante (Eileen Heckart)

Transferir uma peça de teatro para um filme hollywoodiano pode ser uma tarefa inglória. Muitas vezes os roteiristas e cineastas não conseguem escapar do formato de teatro filmado - o que compromete o ritmo e testa a paciência do espectador mais afeito à ação do que a diálogos. Quando o filme de suspense, então, o desafio é ainda maior: como conquistar os fãs do gênero em um roteiro em que a palavra assume tanta importância quanto a imagem? Alfred Hitchcock sabia como equilibrar as duas vertentes - e não à toa, foi cogitado para dirigir "Tara maldita", adaptação de uma bem-sucedida peça de teatro (por sua vez adaptada de um romance). O mestre do suspense acabou por recusar a missão, que caiu nas mãos do versátil Mervyn LeRoy, que acertou em cheio ao levar boa parte do elenco original do palco para as telas: mesmo que o roteiro de John Lee Mahin não consiga disfarçar sua origem (e talvez realmente não o queira), a direção competente de LeRoy e a segurança de seus atores (já acostumados com seus papéis) fazem da adaptação um sucesso inquestionável, a ponto de três de suas atrizes terem recebido indicações ao Oscar.


Antes que Nancy Kelly voltasse ao cinema depois de dez anos dedicados ao teatro - para onde retornou depois das filmagens, dividindo seu tempo com produções televisivas -, a excepcional Bette Davis quase ficou com seu papel. Quando o projeto estava nas mãos do ator e diretor Paul Henreid (O marido de Ingrid Bergman em "Casablanca", de 1941), a personagem principal seria interpretada por Davis, o que só não aconteceu porque Henreid não conseguiu comprar os direitos de adaptação. Antes que o estúdio decidisse manter Kelly no elenco, até mesmo Rosalind Russell foi cogitada - mas parece que o papel de Christine Penmark já estava destinado à sua intérprete no teatro. Foi uma escolha acertada - apesar de não ser um nome capaz de lotar as salas e manter no cinema seus cacoetes teatrais. Isso não impediu, no entanto, de ser indicada ao Oscar de melhor atriz - perdeu a estatueta para Ingrid Bergman em seu retorno à Hollywood, em "Anastasia: a princesa esquecida".



A trama de "Tara maldita" - um nome em português que talvez passe uma ideia errada a seu respeito - começa quando a dedicada dona-de-casa Christine Penmark (Nancy Kelly) se despede do amoroso marido, o Coronel Kenneth Penmark, transferido para Washington. Com a ausência do marido, Christine se vê com a responsabilidade de cuidar sozinha da filha do casal, Rhoda (Patty McCormack), uma adorável menina de oito anos de idade que aparenta ser perfeita em tudo. Só quem não acredita totalmente na inocência de Rhoda é o jardineiro Leroy, que frequentemente bate de frente com a garota. Christine tem grande orgulho da filha, mas repentinamente se vê diante de um dilema: em um piquenique escolar, um dos colegas de Rhoda morre afogado - e seria coincidência que Rhoda não apenas tenha brigado com o garoto por ele ter ganho um prêmio que ela achava merecer, mas também por ter sido a última pessoa a vê-lo vivo? A diretora da escola, Claudia Fern parece ter dúvidas a respeito da inocência da angelical aluna - e quando a mãe do garoto morto, Hortense (Eileen Eckhart), começa a pressionar mãe e filha para saber o que realmente aconteceu no momento da tragédia, Christine não tem outra alternativa senão tentar juntar as peças e inocentar (ou não) sua única filha.


Apostando no clima de mistério e no poder de seu elenco, Mervyn LeRoy constrói uma trama absorvente, que prende o espectador até o minuto final. A pequena Patty McCormack - que tinha dez anos de idade à época das filmagens - é particularmente competente, a ponto de ter indicada ao Oscar de coadjuvante por sua personagem repleta de dubiedade. Da mesma forma, Eileen Eckhart se destaca, com apenas duas pequenas cenas na pele da mãe do menino morto - não só também concorreu ao Oscar como levou um Golden Globe. Em alguns momentos a origem teatral de "Tara maldita" fica bem clara, mas não a ponto de truncar a narrativa ou aborrecer ao público. O final - um dos três escritos e mantidos em segredo até as filmagens - pode soar um pouco abrupto, mas felizmente não suaviza a trama para buscar um final feliz. Quem gosta de um bom filme de suspense, que privilegia a inteligência e não a violência gratuita precisa assistir a "Tara maldita". É, com certeza, um dos clássicos escondidos.

quarta-feira

CHÁ E SIMPATIA

CHÁ E SIMPATIA (Tea and sympathy, 1956, MGM Pictures, 122min) Direção: Vincente Minnelli. Roteiro: Robert Anderson, peça teatral de sua autoria. Fotografia: John Alton. Montagem: Ferris Webster. Música: Adolph Deutsch. Direção de arte/cenários: Edward Carfagno, William A. Horning/Keogh Gleason, Edwin B. Willis. Produção: Pandro S. Berman. Elenco: Deborah Kerr, John Kerr, Leif Erickson, Edward Andrews, Darryl Hickman, Norma Crane. Estreia: 27/9/56

Vencedor do Golden Globe de Revelação Masculina (John Kerr)

Desafiar o Código Hays - conjunto de "normas morais" que regulou a produção cinematográfica nos EUA entre os anos 1930 e 1968 - não era tarefa das mais fáceis: ciosos de que qualquer desvio na conduta de suas produções poderia resultar em boicote ou simplesmente censura, os estúdios de Hollywood permaneceram por décadas amarradas a um puritanismo quase medieval. Desde coisas como cenas de nudez, prostituição e tráfico de drogas até miscigenação, insinuação de perversões sexuais e escravidão - de brancos, é preciso salientar -, o Código Hays atrasou por um bom tempo a maturidade do cinema norte-americano. Porém, muito de vez em quando, algum filme tentava quebrar as regras, com o objetivo de contar histórias mais adultas e realistas. Foi o caso de "Chá e simpatia", lançado pela MGM em 1956, ou seja, no auge da vigência do Código. Adaptação de uma peça teatral de sucesso na Broadway, o filme de Vincente Minnelli manteve seus dois atores principais na transposição dos palcos para as telas, mas mesmo com a presença de Deborah Kerr - que no mesmo estava no elenco do vitorioso "O rei e eu" -, o filme repetiu o destino de outros que tiveram a mesma ousadia: o fracasso nas bilheterias.

Não que a ideia de transformar a peça em um filme tenha sido um mar de rosas: levou anos até que a MGM finalmente aceitasse um roteiro - escrito pelo mesmo autor da versão teatral, Robert Anderson - que passasse pelo aval do famigerado Código. O desafio de disfarçar homossexualidade, adultério e prostituição (temas que faziam parte do texto original) era tanto que Anderson ganhou três vezes mais do estúdio pelo roteiro do que pelos direitos da peça. De certa forma foi bem-sucedido: apesar de o roteiro não escapar de certos tiques de teatro filmado (como a opção por diálogos em detrimento de ação visual), o filme consegue manter o público até o final, com discussões cada vez mais válidas: até que ponto uma minoria deve submeter-se às regras da maioria? Existe certo e errado na forma com que as pessoas conduzem suas vidas? E até onde as regras da sociedade podem intervir na vida particular de cada um? Tais questões podem ter ficado mais evidente no palco - no filme a palavra "homossexualidade" jamais é citada, apesar de ser o ponto principal da trama -, mas é impossível que o público não associe o drama do protagonista a um dos pecados mortais do Código Hays.


O personagem principal de "Chá e simpatia" é o jovem adolescente Tom Lee (John Kerr, que apesar do sobrenome não tem qualquer relação familiar com a estrela Deborah). Aos dezessete anos, John não consegue se enturmar com seus colegas masculinos, preferindo atividades intelectuais ao invés de outras, consideradas mais masculinas. John sabe cozinhar e costurar, sonha em ser um cantor de folk, entende de jardinagem e suas aventuras pelo teatro interpretando personagens femininas; tais fatos, aliados à falta de jeito de John em lidar com meninas, fazem com que ele seja o alvo preferido dos rapazes da escola, que não demoram em lhe arrumar um apelido pouco elogioso. Sofrendo com tal situação - e ainda o desprezo do próprio pai, viúvo e pouco compreensivo -, Tom encontra alívio em sua relação de amizade com Laura Reynolds (Deborah Kerr), a esposa do diretor da escola, Bill Reynolds: percebendo a angústia do jovem, Laura começa a servir como a voz da razão, defendendo-o e entrando em rota de colisão com aqueles que o atacam, incluindo seu marido.

Dirigido com delicadeza por Vincente Minnelli - ele próprio vítima de suspeitas quanto à sua orientação sexual nos bastidores de Hollywood -, "Chá e simpatia" é um filme corajoso, mesmo que tente disfarçar (mas não muito) seu polêmico tema. Os diálogos - ricos e viscerais - servem como uma contundente crítica do preconceito: porque um homem não se sente confortável em atividades masculinas ele pode ser classificado como homossexual? Até que ponto suas preferências a atividades menos másculas determinam a orientação sexual de um homem? E por fim: é justo que jovens como Tom tentem encaixar-se nos moldes da sociedade para que sejam aceitos, mesmo que tal atitude castre sua personalidade? O roteiro de Robert Anderson joga tais perguntas ao ar, enquanto os personagens de sua obra buscam, de uma maneira ou outra, a felicidade (ou ao menos a tolerância). O final - diferente da versão teatral - pode até diminuir o impacto do filme como um todo (foi quase uma imposição da MGM), mas não consegue destruir as qualidades de uma produção sutil, respeitosa e necessária.

sexta-feira

ANASTASIA: A PRINCESA ESQUECIDA

ANASTASIA: A PRINCESA ESQUECIDA (Anastasia, 1956, 20th Century Fox, 105min) Direção: Anatole Litvak. Roteiro: Arthur Laurents, peça teatral de Marcelle Maurette, Guy Bolton. Fotografia: Jack Hildyard. Montagem: Bert Bates. Música: Alfred Newman. Figurino: Rene Hubert. Direção de arte/cenários: Andrei Andrejew, Bill Andrews/Andrew Low. Produção: Buddy Adler. Elenco: Ingrid Bergman, Yull Brinner, Helen Hayes, Akim Tamiroff, Martita Hunt, Ivan Desny. Estreia: 13/12/56

 2 indicações ao Oscar: Atriz (Ingrid Bergman), Trilha Sonora
Vencedor do Oscar de Melhor Atriz (Ingrid Bergman)
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz/Drama (Ingrid Bergman) 

Em 1949, já com um Oscar de melhor atriz no currículo (pelo suspense "À meia-luz", de 1944) e uma carreira consolidada em Hollywood, Ingrid Bergman resolveu que queria trabalhar com o cineasta Roberto Rossellini, cujo "Roma: cidade aberta" havia lhe tocado profundamente. O resultado artístico foi o elogiado "Stromboli", lançado em 1950, mas o que realmente deixou a situação marcada indelevelmente na história do cinema foi o escândalo nos bastidores. Mesmo casada durante as filmagens, Bergman se apaixonou pelo diretor italiano e abandonou marido e filha para ficar com ele na Europa, ao descobrir-se grávida. Os puritanos de plantão não deixaram barato e, com a ajuda da imprensa marrom e da Igreja, iniciaram uma campanha contra a atriz. Segura de si e de seu amor pelo novo marido, ela permaneceu na Itália, fez mais cinco filmes com Rossellini, teve mais duas filhas, gêmeas (uma delas a também atriz Isabella Rossellini) e seguiu a vida. Foi somente em 1956, quase uma década mais tarde, que seu talento venceu o preconceito: por "Anastasia: a princesa esquecida", Bergman levou sua segunda estatueta do Oscar - mas, como forma de pouco caso ou orgulho, nem se deu ao trabalho de comparecer à cerimônia da Academia, onde foi representada pelo amigo Cary Grant.

Motivos não faltavam para que a 20th Century Fox tivesse dúvidas quanto à escalação de Bergman para o papel principal do filme, dirigido por Anatole Litvak. Não apenas o presidente do estúdio tinha sérias dúvidas a respeito da reação da plateia ao retorno de Bergman à Hollywood - e preferia Jennifer Jones na liderança do elenco - como também havia a questão de idade: aos 40 anos, a atriz sueca teria de convencer como uma mulher de 25, e por mais talento e beleza que tivesse, Bergman teria um desafio bem grande à sua frente nessa questão. Resolvido o primeiro problema - graças à intervenção do produtor Darryl Zanuck - o segundo acabou por desaparecer como por mágica. Basta que Bergman entre em cena para que o público fique completamente envolvido por seu carisma e deixe de lado as contas matemáticas: ali está, diante de seus olhos não mais a atriz que fez o mundo suspirar em "Casablanca" (41) ou viveu a guerrilheira criada por Ernest Hemingway em "Por quem os sinos dobram" (43), mas sim Anna Koreff, a mulher que pode ser a única sobrevivente dos Romanov, a família real russa, assassinada na revolução de 1918 - e que, tida como desaparecida, é a herdeira de uma fortuna estimada em dez milhões de libras.


É de olho nesse dinheiro que está o empresário russo Sergei Bounine (Yull Brinner) - que sabe a seu respeito, mas precisa, para por as mãos nele, de alguém que se faça passar pela princesa desaparecida há dez anos. Koreff, uma jovem de instintos suicidas e com remotas lembranças de um passado trágico e pouco claro, acaba sendo seu maior trunfo. Ajudado por uma dupla de sócios, Bounine, que vive em Paris depois de abandonar o exército do czar Nicholas, convence a desmemoriada sem-teto de que ela é, realmente, a princesa Anastasia, e passa a ensiná-la tudo o possível sobre os hábitos da família, a etiqueta real e a história do governo russo. Sua intenção é convencer a única pessoa que pode ou não reconhecer Anastasia: sua avó, a Imperatriz Marie (Helen Hayes), que não acredita mais nas mulheres que volta e meia surgem lhe afirmando ser sua neta. Quando Anne chega até ela, porém, as coisas se tornam diferentes, já que a velha Imperatriz e o jovem Príncipe Paul (Ivan Desny) - antigo noivo da princesa - passam a acreditar na história contada por Bounine. Resta apenas à pretensa herdeira lembrar-se ou não de seu passado (se é que ela realmente é quem dizem ser).

Yull Brinner, que no mesmo ano levou o Oscar de melhor ator por "O rei e eu", está à vontade como Sergei Bounine, e sua química com Ingrid Bergman valoriza cada cena dos dois juntos. O diretor, russo de nascimento - e com o ótimo suspense psicológico "Uma vida por um fio" (48) no currículo - explora com elegância a bela fotografia colorida de Jack Hildyard e a reconstituição de época caprichada, assim como a trilha sonora impressionante de Alfred Newman. O roteiro demora um pouco a engrenar - é baseado em uma peça teatral da francesa Marcelle Maurette, adaptada para a Broadway por Guy Bolton em 1954 - e o romance entre Anna e Bounine soa um tanto artificial, mas a exuberância dos cenários, a trama intrigante e a volta por cima de Bergman valem o espetáculo. A título de curiosidade, porém, vale lembrar que, apesar da história da princesa desaparecida ser real (a peça foi inspirada em uma personagem verdadeira, que foi descartada como sendo Anastasia somente através de DNA, décadas mais tarde), tanto Bounine quanto seus comparsas são criação fictícia, inserida na trama apenas para efeito dramático. Mesmo assim, é um clássico dos bons, com o melhor que Hollywood podia oferecer nos anos 50.

O HOMEM ERRADO


O HOMEM ERRADO (The wrong man, 1956, Warner Bros., 105min) Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: Maxwell Anderson, Angus MacPhail. Fotografia: Robert Burks. Montagem: George Tomasini. Música: Bernard Herrmann. Elenco: Henry Fonda, Vera Miles, Anthony Quayle. Estreia: 22/12/56

Está certo que Norman Bates, o protagonista de "Psicose" (1960) é inspirado em Ed Gein, que realmente existiu na década de 50. Mas, levando-se em consideração que o roteiro do filme se baseava no livro de Robert Bloch - por sua vez uma obra de ficção - não é incorreto afirmar que "O homem errado" é o único filme de Alfred Hitchcock baseado em uma história real. Aliás, baseado apenas não. Em um fato inédito em sua carreira, o mestre do suspense realizou filmagens em alguns dos verdadeiros locais onde a história ocorreu e, mais impressionante ainda, utilizou algumas das testemunhas do caso em pequenas participações. Apesar de soar como um documentário, no entanto, "O homem errado" está bem longe disso, sendo um dos filmes mais contundentes e sérios de Hitch.

Aqui, Henry Fonda é o ator principal. Ele usa seu rosto anguloso e expressivo para dar vazão à toda angústia e perplexidade que toma conta de sua personagem, envolvida inesperadamente em um pesadelo kafkiano dos mais aterradores. Ele vive Christopher Emmanuel Balestrero, um músico casado, pai de dois filhos pequenos e em dificuldades financeiras que vê sua vida virar do avesso quando é preso inesperadamente, acusado de assalto à mão armada. Reconhecido por várias testemunhas e incapaz de fornecer um álibi concreto, ele acaba sendo julgado por um crime que não cometeu, enquanto sua mulher, Rose (Vera Miles) passa a sofrer de um sério desequilíbrio emocional.

Hitchock não brinca em serviço em "O homem errado". Ao deixar de lado as cores elegantes de seus filmes imediatamente anteriores, ele conta com a sombria fotografia de Robert Burks para dar ênfase ao turbilhão pessoal de Balestreros, que, ao mesmo tempo em que tenta provar sua inocência, percebe que tudo parece ser inútil. É exemplar a maneira com que o cineasta filma a prisão e os primeiros momentos do protagonista como prisioneiro. Como Balestreros está sentindo-se humilhado e desrespeitado em seus direitos como cidadão, a câmera focaliza quase que apenas o chão, os pés, as algemas (como se estes estivessem sendo realmente focalizados pelos olhos da personagem). O clima de claustrofobia presente nas cenas após a prisão do protagonista é acentuado por close-ups intimidantes e uma música discreta mas retumbante de Bernard Herrmann. O olhar apavorado de Henry Fonda e sua delicadeza fisica (sua figura esguia, seus modos delicados) ajudam a aproximá-lo do público, que, sabendo de antemão de sua inocência, sofre junto com ele (um golpe de mestre de Hitchcock).


Criticado por não decidir-se entre as linguagens de ficção e documentário, "O homem errado", no entanto, é um dos mais consistentes dramas de Hitchcock. O roteiro (que não foi escrito por John Michael Hayes, colaborador habitual do cineasta por questões financeiras) não dá espaço para o corriqueiro senso de humor de sua filmografia, recorrendo ainda a elementos e simbolismos católicos para atingir seus objetivos de prender a atenção da audiência e alertar para uma história tão chocante quanto verdadeira. Talvez seu esforço em dar vida a uma trama tão intensa tenha sido o responsável para que logo em seguida ele embarcasse em um projeto tão profundo quanto: "Um corpo que cai", uma de suas maiores obras-primas.

quarta-feira

PALAVRAS AO VENTO


PALAVRAS AO VENTO (Written on the wind, 1956, Universal Pictures, 99min) Direção: Douglas Sirk. Roteiro: George Zuckerman, baseado em romance de Robert Wilder. Fotografia: Russell Metty. Montagem: Russell F. Schoengarth. Música: Frank Skinner. Produção: Albert Zugsmith. Elenco: Rock Hudson, Lauren Bacall, Robert Stack, Dorothy Malone. Estreia: Dezembro/56

3 indicações ao Oscar: Ator Coadjuvante (Robert Stack), Atriz Coadjuvante (Dorothy Malone), Canção Original ("Written on the wind")
Vencedor do Oscar de Atriz Coadjuvante (Dorothy Malone)


Em 2002, o cineasta Todd Haynes dirigiu "Longe do paraíso", um dramalhão à moda antiga que deu à Julianne Moore uma indicação ao Oscar de melhor atriz. Elogiadíssimo pela crítica, o filme foi esnobado pelo público, provavelmente porque - assim como a comédia romântica "Abaixo o amor", estrelado por Renée Zellweger e Ewan McGregor - exigia da plateia um entendimento de sua proposta mais do que seu resultado final. Enquanto "Abaixo" homenageava os romances bobinhos de Rock Hudson e Doris Day, a obra de Haynes emulava os melodramas de Douglas Sirk, que, nos anos 50, serviu ao público americano uma série de filmes com histórias que, sob uma aparência de folhetins telenovelescos, escondia uma contundente crítica à sociedade hipócrita e preconceituosa da época.

Dentre seus filmes, um dos mais significativos - e dos mais bem-sucedidos em suas intenções estéticas e ideológicas - é justamente "Palavras ao vento", baseado em um romance de Robert Wilder. Em um tom absolutamente melodramático, Sirk conta a trágica história de uma família incapaz de lidar com seus problemas de ordem pessoal e sentimental, o que leva todos a uma tragédia que deixaria qualquer grego de orelhas em pé.

O filme centra seus dramas em quatro personagens envolvidos em um quadrilátero amoroso: Kyle Hadley (Robert Stack, que décadas depois faria "Apertem os cintos, o piloto sumiu" e assumiria de vez sua veia de canastrão) é um jovem milionário inseguro que nutre um misto de admiração e inveja por seu melhor amigo, Mitch Wayne (Rock Hudson, no auge da carreira, em talento e beleza). Por julgar-se inferior ao amigo de infância - a quem julga mais merecedor do amor de seu pai, inclusive - ele se entregou à bebida, fazendo da garrafa sua companhia mais constante. Tentando mudar de vida, ele se casa com a bela Lucy Moore (Lauren Bacall), mesmo desconfiando que Mitch é apaixonado por ela. O casamento dos dois é fadado ao fracasso, uma vez que Kyle nem ao menos tenta manter uma relação madura. Mesmo tentando manter-se fiel ao marido, Lucy acaba se aproximando de Mitch, o que desperta o ciúme doentio de Marylee (Dorothy Malone), irmã caçula de Kyle que passa seus dias envolvendo-se sexualmente com desconhecidos mas que nutre uma paixão doentia por Mitch. Quando ela começa a desconfiar que seu amado está envolvido com a cunhada, ela não hesita em criar uma intriga que os leva à violência e à morte.

A impressão que se tem quando se assiste a "Palavras ao vento" é que a trama é apenas um pequeno elemento dentre todo um conjunto de estilo do cineasta. Quase grotescamente fake, os cenários, os figurinos e até mesmo a trilha sonora contribuem para o clima opressivamente pré-fabricado que cerca suas personagens. Nada no filme soa real ou verossímil, estando sempre a um passo do exagero quase caricatural. Não deixa de ser um paradoxo bastante interessante, no entanto, que seu elenco atue assumindo valentemente sua condição de dramalhão, ou seja, as emoções parecem verdadeiras, ainda que vividas em um cenário claramente de mentira. Sirk parece querer dizer que em sua época as pessoas sofrem, sim, mas escondem seu sofrimento em um castelo de plástico lindamente decorado. Não é de se admirar que até mesmo o cineasta tenha deixado de lado o "detalhe" da homossexualidade latente de Kyle, bastante clara no livro e inexistente no filme - ao menos no sentido mais óbvio.

"Palavras ao vento" é mais que um filme, é uma experiência de estilo. Alguns adoram, outros rechaçam violentamente. Mas é inegável que tem importância capital dentro da história do cinema americano, uma vez que pode ser considerado quase um precursor de obras-primas como "Beleza americana", que também desvendava a fragilidade das aparências em relação aos sentimentos. Visto por esse ângulo, é um filme que merece ser conhecido e admirado, além de reconhecido como uma inteligente crítica aos valores morais de sua sociedade.

domingo

ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE


ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE (Giant, 1956, Warner Bros., 201min) Direção: George Stevens. Roteiro: Fred Guiol, Ivan Moffat, baseado no romance de Edna Ferber. Fotografia: William C. Mellor. Montagem: William Hornbeck. Música: Dimitri Tiomkin. Produção: Henry Ginsberg, George Stevens. Elenco: Elizabeth Taylor, Rock Hudson, James Dean, Mercedes McCambridge, Dennis Hopper, Carroll Baker, Sal Mineo. Estreia: 24/11/56

10 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (George Stevens), Ator (James Dean e Rock Hudson), Atriz Coadjuvante (Mercedes McCambridge), Roteiro Adaptado, Montagem, Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte
Vencedor do Oscar de Melhor Diretor (George Stevens)


Mais que um Estado americano, o Texas é um estado de espírito. Pelo menos é isso que depreende-se de "Assim caminha a humanidade", terceiro e derradeiro capítulo do que foi convencionado pela crítica chamar de "trilogia" e que dava seguimento a "Um lugar ao sol" e "Os brutos também amam". São necessárias muitas elocubrações intelectualóides e psicossociais para tentar entender a razão de alocá-los em um mesmo conjunto ideológico, mas não é preciso pensar muito para ter uma certeza absoluta: cada um, dentro de seu gênero e de suas ambições, é uma obra-prima indiscutível.

Seguindo um rumo oposto à quase instrospecção visual e psicológica de "Um lugar ao sol", "Assim caminha a humanidade" - baseado em um livro de Edna Ferber - é um épico grandioso, imponente e ambicioso, narrando a vida de uma família texana através de 25 anos, confrontando-a com problemas racias, a guerra e a mudança de mãos de poder e de dinheiro - graças, no caso, à exploração de petróleo. Contando com a vasta paisagem do Texas como uma personagem a mais em sua narrativa, Stevens criou uma saga fascinante, que, a despeito de sua longa duração (mais de três horas) em nenhum momento se torna cansativa, desnecessária e/ou anacrônica. Ao contrário de muitos dos filmes feitos em sua época, "Assim caminha..." ainda mantém intactas suas principais qualidades: o roteiro forte, a contundente crítica social e principalmente o notável elenco, em atuações impecáveis.

Último filme que James Dean fez antes de espatifar seu Porsche em uma estrada da Califórnia, "Assim caminha a humanidade" deu ao ator sua segunda indicação póstuma ao Oscar, que ele disputou com seu colega de elenco, Rock Hudson, então entrando no auge de sua carreira (no mesmo ano ele estaria em "Palavras ao vento" e começaria em breve uma bem-sucedida parceria com Doris Day em uma série de comédias românticas). E se Elizabeth Taylor já estava na estrada há tempos, uma vez que começou sua carreira ainda criança, aqui ela atinge a maturidade necessária para firmar-se como atriz adulta (e levaria seu primeiro Oscar em 4 anos, por "Disque Butterfield 8"). Juntos, eles dão a exata noção de porque ainda são considerados mitos absolutos da sétima arte. Lutando pelo amor da estonteante Liz Taylor através de mais de duas décadas, o gigantesco Hudson e o diminuto Dean se imortalizaram na retina e no coração de legião de fãs. É impossível desviar o olhar da tela quando qualquer um deles está em cena. E levando-se em consideração que os três são os protagonistas absolutos do longa-metragem, são 200 minutos de puro deleite, com o que de melhor Hollywood poderia oferecer em 1956, em termos de espetáculo e conteúdo.


A afirmação inicial deste texto, de que o Texas é um estado de espírito, é a primeira conclusão de Leslie Lynton (Taylor), uma quase dondoca sofisticada e de temperamento forte quando chega à casa do marido, o rústico Jordan Benedict II (Hudson). Dono de uma fazenda gigantesca, Reata, que dirige ao lado da irmã solteirona, Luz (Mercedes McCambridge, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante), Benedict tem ideias muito próprias a respeito de como tratar as mulheres, os amigos e principalmente os empregados, quase todos mexicanos e tratados com quase desprezo. Indignada com o que presencia, Leslie aos poucos passa a tentar mudar o pensamento do marido, buscando tratar os criados com delicadeza, respeito e dando-lhes o mínimo de assistência médica. Seus atos incomodam seu marido, mas a aproximam de Jett Rink (Dean), que trabalha na fazenda graças à proteção de Luz, que o tem como um filho. Quando Luz morre depois de um acidente e deixa um pedaço de terra a Jett a relação entre ele e Jordan (chamado carinhosamente de Bick pela esposa) fica ainda mais difícil, chegando a ficar insustentável depois que Jett descobre petróleo em sua propriedade. Muitos anos depois, novos problemas ameaçam a estabilidade da família Benedict. Enquanto Jett fica a cada dia mais rico, Bick é obrigado a lidar com os fatos de que seu único filho homem (Dennis Hopper) pretende cursar medicina e cuidar das famílias carentes da região - além de casar-se com uma mexicana - e que sua caçula, Luz II (Carroll Baker) está interessada romanticamente no seu maior inimigo.

É difícil acreditar que "Assim caminha a humanidade" tenha perdido o Oscar de Melhor Filme para "Volta ao mundo em 80 dias". Aliás, é difícil acreditar que, de suas dez indicações, apenas George Stevens tenha levado um prêmio pra casa. Ainda que absolutamente merecida, sua estatueta não reflete com exatidão a qualidade insuperável do filme (não que ganhar Oscar seja garantia de alguma coisa, com bem o sabem os fãs de bom cinema). Fotografada com precisão por William C. Mellor (que dá à vastidão quase desértica do Texas a importância de um quarto protagonista), a saga da família Benedict é pontuada ainda com uma belíssima trilha sonora de Dimitri Tiomkin e com uma edição enxuta (ainda que seja bastante extenso, o filme não desperdiça nenhuma cena, utilizando cada enquadramento para fortalecer suas ideias). Até mesmo seu posicionamento a favor da tolerância racial soa moderno nos politicamente corretos dias de hoje, sem que apele em momento algum para a emoção fácil ou force uma empatia com qualquer das personagens.

E o que dizer das personagens? Poucas vezes se viu um épico com as proporções de "Giant" com tanto cuidado no desenvolvimento de suas personagens. Leslie Lynton, Jett Rink e Bick Benedict são tão críveis em seu amadurecimento (ou não, no caso de Rink, que nunca consegue abandonar o sentimento de inferioridade, mesmo com todo o dinheiro que ganha) que é difícil não envolver-se com seus dilemas, suas dúvidas e até mesmo com suas certezas. Leslie é uma mulher criada no conforto que precisa adaptar-se a um mundo novo depois de casar-se - e se sai admiravelmente bem! Jett Rink precisa encarar as próprias limitações que sua origem social lhe impusera para subir na vida e sentir-se "digno" do amor da mulher por quem é apaixonado (mesmo que décadas depois isso tenha que vir com a filha dela). E Bick Benedict se vê forçado a engolir seu preconceito e racismos incutidos pela mentalidade arcaica de sua família quando percebe que não conseguirá deter o destino e que seus filhos aceitariam morrer por ele... mas não viver por ele!

Apesar do cuidado do roteiro e da direção com as personagens secundárias (e isso inclui principalmente a irmã de Bick, a solitária Luz), é em seu elenco principal que "Assim caminha a humanidade" se sustenta. Irradiando carisma, garra e sex-appeal, Rock Hudson, James Dean e Elizabeth Taylor provam sem espaço para dúvidas que para se fazer um épico é preciso mais do que ambição: é imprescindível que se tenha talento.

sábado

OS DEZ MANDAMENTOS


OS DEZ MANDAMENTOS (The ten commandments, 1956, Paramount Pictures, 220min) Direção e produção: Cecil B. DeMille. Roteiro: Aeneas McKenzie, Jesse Lasky Jr., Jack Gariss, Fredric M. Frank. Fotografia: Loyal Griggs. Montagem: Anne Bauchens. Música: Elmer Bernstein. Elenco: Charlton Heston, Yul Brinner, Anne Baxter, Edward G. Robinson, Yvonne de Carlo, John Derek, Vincent Price, Nina Foch. Estreia: 05/10/56

7 indicações ao Oscar: Melhor filme, Fotografia, Montagem, Figurino, Direção de Arte, Som, Efeitos Visuais
Vencedor do Oscar de Efeitos Visuais


"Os dez mandamentos" é um exagero! Exagero de intenções, de tempo de duração (mais de três horas e meia), de tempo de filmagem (cerca de cinco anos), de elenco (mais de 70 personagens com falas) e de orçamento (U$ 13 milhões em 1956). É também a despedida de seu diretor e produtor Cecil B. DeMille do cinema e o seu legado para as gerações posteriores. Pro bem e pro mal, é o filme que melhor representa o estilo grandiloquente da obra do cineasta, e só isso já o torna obrigatório para os fãs de cinema.

Com os dois pés fincados na estética kitsch - provavelmente antes mesmo que o termo passasse a ser usado em referência à cinema -, deMille construiu, em "Os dez mandamentos" quase uma ópera religiosa, fugindo das atuações naturalistas que ameaçam enterrar a "velha Hollywood". Em cena, diálogos empolados, quase teatrais, contrastam com os maneirismos que atores como Marlon Brando, James Dean e Montgomery Clift começavam a tornar populares. É difícil crer que "Os dez mandamentos" tenha sido lançado praticamente junto com "Juventude transviada", tamanha a distância entre suas intenções e resultados. Em comparação com o que o cinema americano começava a almejar - falar sobre problemas sociais, aproximar-se da realidade de seu público, por exemplo - o filme de DeMille chega a ser um retrocesso, tanto em termos plásticos quanto políticos. Beira a cafonice em vários momentos, e sua religiosidade levada quase ao limite do fanatismo (culpa do catolicismo exarcebado do diretor) incomodam justamente porque o filme não parece ser um produto de seu tempo. Se soava antiquado em 1956, imaginem agora.

Deixando de lado suas implicações sociais, políticas e/ou religiosas, é impossível negar que "Os dez mandamentos" tem algumas qualidades redentoras. Se os efeitos visuais - premiados com o Oscar da categoria - hoje parecem fakes, é preciso lembrar que na década de 50, eles ainda estavam engatinhando, buscando seu lugar ao sol na indústria do cinema. E são eles - mais do que qualquer outro aspecto do filme - é que são lembrados hoje em dia pela maioria do público. Cenas como aquela em que o Mar Vermelho se abre para a passagem dos hebreus em direção à Terra Prometida não deixam de ser impressionantes, principalmente se levado em conta o fato de que foram realizadas quase meio século antes do advento da computação gráfica. Isso também pode ser dito e louvado quando se percebe a multidão arrebanhada por DeMille em algumas de suas cenas: aquelas pessoas realmente estavam ali e não foram adicionadas na pós-produção, como normalmente se faz hoje em dia. Admirável, no mínimo!

No entanto, "Os dez mandamentos" sofre - e muito - com a megalomania de seu diretor. Uns bons 90 minutos poderiam tranquilamente ter sido deixados na mesa de edição, especialmente quando se percebe que o cineasta preferiu dar importância exagerada ao romance entre Josué (John Derek) e Lilia (Debra Paget), ao invés de concentrar-se em fatos determinantes da história - as pragas que assolam o Egito são apenas citadas em off quando deveriam ter sido mostradas. E pensando bem, a história só começa realmente depois de mais de 2 horas de projeção, quando finalmente Moisés (Charlton Heston, se preparando para ganhar o Oscar por "Ben-hur", três anos depois) assume seu posto como o Libertador do povo judeu e começa a desafiar o poder de Ramsés (Yul Brynner). Até então, é impossível negar que o filme é um tanto aborrecido, forçado, antigo mesmo. Não foi à toa que, apesar de seu sucesso de bilheteria, dividiu a crítica e nem teve o êxito que se esperava nas cerimônias de premiação do ano - indicado ao Oscar de Melhor Filme (mas não de Diretor), saiu apenas com a estatueta de Efeitos Visuais, um raro acerto da Academia, que nesse mesmo ano, esnobou "Assim caminha a humanidade", dando o prêmio máximo a "A volta ao mundo em 80 dias".

Gostar de "Os dez mandamentos" de forma incondicional diz muito sobre seu caráter religioso. Como cinema, impressiona em alguns momentos e decepciona em outros tantos. Como discurso teológico emociona os convertidos, mas dificilmente convence ateus. É uma bela história, sem dúvida, contada com tanto luxo que chega às raias do brega. Mas é também um bocado arrastado, com um ritmo lento e algumas atuações bastante antiquadas. É um filme que se pretendia uma obra-prima, mas que ficou no meio do caminho rumo a suas intenções. Ainda assim, é o testamento de um cineasta dos mais importantes da história do cinema.

quinta-feira

O HOMEM QUE SABIA DEMAIS


O HOMEM QUE SABIA DEMAIS (The man who knew too much, 1956, Paramount Pictures, 120min) Direção e produção: Alfred Hitchcock. Roteiro: John Michael Hayes. Fotografia: Robert Burks. Montagem: George Tomasini. Música: Bernard Herrman. Figurino: Edith Head. Elenco: James Stewart, Doris Day, Daniel Gélin, Christopher Olsen, Brenda De Banzie, Bernard Miles. Estreia: 16/5/56

Vencedor do Oscar de melhor canção ("Que será, será")

Em 1934, ainda na sua fase inglesa, Alfred Hitchcock lançou um filme chamado "O homem que sabia demais". Mais de vinte anos depois, já consagrado em Hollywood, ele achou que podia contar novamente a mesma história, desta vez "como profissional". Contando com seu amigo pessoal James Stewart no papel principal, assim como com todos os seus colaboradores habituais (Robert Burks na fotografia, George Tomasini na edição e John Michael Hayes como roteirista), o cineasta britânico partiu então para o Marrocos e para Londres, para realizar um de seus filmes mais famosos - e ele estava absolutamente certo quando declarou que a nova versão não era mais coisa de amador.

Tudo começa no Marrocos, onde a tradicional família McKenna está passando alguns dias, aproveitando uma viagem a trabalho de seu chefe, o médico Benjamin (James Stewart). Fascinados com os costumes locais, logo eles fazem amizade com outro casal ocidental, os Drayton (Brenda De Banzie e Bernard Miles), e com o misterioso francês Louis Bernard (Daniel Gèlin). O que era para ser uma viagem tranquila, no entanto, passa a assumir a forma de um pesadelo quando Bernard morre assassinado em pleno mercado público, não sem antes revelar a Benjamin que um importante líder de estado será assassinado em Londres. A ideia de Benjamin é contar tudo à polícia, mas os responsáveis pela morte de Bernard e pela conspiração descoberta por ele sequestram seu filho pequeno, Hank (Christopher Olsen), para impedí-lo de fazer qualquer denúncia. Sentindo-se desprotegidos, o médico e sua mulher, a ex-cantora Josephine (Doris Day) partem para Londres, dispostos a reaver o filho e evitar a tragédia prevista pelo francês, que eles descobrem que trabalhava para o FBI.

"O homem que sabia demais" é uma obra típica de Hitchcock, onde ele, mais uma vez, volta a tratar de pessoas comuns sendo obrigadas a lidar com situações adversas e das quais não conseguem sair de maneira convencional. Dessa vez, ao invés de apenas um homem jogado no centro do furacão, ele vai ainda mais longe, fazendo tremer as estruturas de uma família inteira (e uma família cuja mãe é Doris Day, a epítome do mainstream, do suburbano, do trivial). Aliada a James Stewart (escolhido por Hitchcock principalmente por representar o homem comum), Day cria um núcleo familiar com o qual qualquer espectador pode tranquilamente se identificar. E é justamente essa identificação com o público médio que leva "O homem..." a uma esfera quase inédita na obra do diretor. Na grande maioria de seus filmes anteriores, os protagonistas lutavam sozinhos, e para salvar a própria pele. Aqui, há muito mais em jogo: a união da família, a sobrevivência e até mesmo a possibilidade de salvar a vida de um importante líder.


Apesar das elocubrações estilísticas e psicológicas, no entanto, o que vale em "O homem que sabia demais" é o gênio de Hitchcock em construir exemplarmente grandes sequências de suspense. Desde as primeiras cenas, quase idílicas, de uma família em viagem de férias, há um clima de tensão sutil. Sob o comando de Hitchcock, até mesmo coisas simples assumem um ar de claustrofobia - e para isso também contribui magistralmente seu inegável talento em escolher visuais marcantes para os coadjuvantes: ninguém no elenco de "O homem que sabia demais" tem um rosto trivial. Todos parecem saídos de um sonho ruim, felliniano, sufocante, o que contrasta ainda mais com os saudáveis rostos americanos de Stewart e Doris Day.

E isso que nem vale a pena citar a sequência de doze minutos, quase sem diálogos, que se passa em um concerto no Albert Hall (com a luxuosa participação especial do compositor Bernard Herrman como ele mesmo). Hitchcock constrói meticulosamente a tensão crescente que precede o atentado ao Primeiro-ministro inglês de forma impecável, onde cada minuto exerce, sobre o espectador, exatamente o efeito que ele deseja exercer. Se isso não é o domínio absoluto de seu ofício, então o que seria?

"O homem que sabia demais" foi praticamente ignorado na cerimônia do Oscar de 1957. Sua única indicação - que foi convertida em estatueta, diga-se de passagem - foi para canção original. Doris Day detestava a música, "Que será, será", cantada em um momento crucial do filme, mas ela acompanhou-a por toda sua carreira, sendo uma de suas mais populares marcas registradas. Logo em seguida ela começaria uma extremamente bem-sucedida série de comédias românticas com Rock Hudson e se tornaria uma das mais requisitadas estrelas de Hollywood, até tornar-se tão "fora de moda quanto o charleston", como diria Nelson Rodrigues. Mas sua colaboração com o mestre Hitchcock comprova que, se não lhe davam papéis mais consistentes, isso era problema dos produtores. E do público, que não teve a oportunidade de acompanhar a maturidade de seu talento dramático.

quarta-feira

RASTROS DE ÓDIO


RASTROS DE ÓDIO (The searchers, 1956, 119min) Direção: John Ford. Roteiro: Frank S. Nugent, baseado no romance de Alan LeMay. Fotografia: Winton C. Hoch. Montagem: Jack Murray. Música: Max Steiner. Produção executiva: Merian C. Cooper. Elenco: John Wayne, Jeffrey Hunter, Natalie Wood, Vera Miles, Henry Brandon. Estreia: 13/3/56

Gênero americano por excelência, o western tinha no cineasta John Ford seu representante máximo e no ator John Wayne sua imagem absoluta. Apesar de terem trabalhado juntos por diversas vezes, é "Rastros de ódio", lançado em 1956, que mantém-se como a obra máxima de sua colaboração. Acusado de racista à época de seu lançamento, é hoje considerado a obra-prima de Ford, o diretor mais vezes premiado com o Oscar da categoria (quatro vitórias, nem todas por faroestes, mas todas por filmes unanimemente incensados por crítica e público).

"Rastros de ódio" já começa antológico. A porta de um rancho se abre, a silhueta de uma mulher é recortada contra um belo pôr-do-sol e Ethan Edwards (John Wayne) entra em cena. Estamos no Texas em 1868 e apesar da Guerra de Secessão já ter acabado uns bons anos antes recém o soldado da Confederação está regressando para a família. A família, no caso, é seu irmão, Aaron (Walter Coy), a cunhada Martha (Dorothy Jordan, esposa do produtor Merian C. Cooper), as duas sobrinhas Debbie e Lucy e Martin Pawley (Jeffrey Hunter), um mestiço cherokee que ele mesmo salvou depois do massacre de sua tribo. Logo depois de seu retorno, no entanto, uma tragédia acontece: a casa de seu irmão é incendiada, suas sobrinhas sequestradas e o casal violentamente morto. Ele tem certeza de que foram índios comanches que perpetraram tamanha desgraça e resolve partir em busca de vingança. A princípio junto com um grupo de soldados e depois contando apenas com Pawley, ele passa anos em busca da única sobrevivente da chacina, sua sobrinha Debbie. Seu objetivo, no entanto, não é resgatá-la e sim, matá-la, por considerar que ela já assumiu a personalidade de uma índia.


Levando em consideração as intenções de Ethan e seus pensamentos bastante preconceituosos, se vistos com os olhos de hoje, as acusações de racismo até fazem certo sentido. Mas quem há de negar que o ranço politicamente correto que hoje contamina a produção cinematográfica vem emburrecendo e deixando de tocar em assuntos pertinentes por medo de ser crucificada pelo povo médio? Em 1868, ano em que a história do filme começa (logo após a Guerra de Secessão que opôs o norte abolicionista e o sul escravagista) não havia melindres de nenhum tipo - negros eram negros, índios eram índios e os conceitos de masculinidade eram bem definidos (taí a imagem intocada de Wayne como exemplo de uma virilidade talvez anacrônica hoje em dia, mas extremamente valorizada em um Oeste selvagem e violento).

É inegável o cuidado de Ford com o visual de sua obra. A fotografia espetacular de Winton C. Hoch (ajudada pela beleza natural do famoso Monument Valley e pelas paisagens de Alberta, no Canadá) é quase uma personagem a mais da trama, acompanhando a odisséia de Ethan e Pawley em sua busca desenfreada por justiça (ou vingança, qualquer adjetivo aqui é acertado). O uso exemplar de tomadas à distância e da música grandiloquente de Max Steiner colaboram em criar o clima de épico que "Rastros" esbanja em cada fotograma. E o roteiro, adaptado de um romance de Alan LeMay, ainda encontra espaço para aliviar a tensão da caçada, com uma subtrama que envolve um namoro à distância entre o jovem Pawley e a bela Laurie (Vera Miles). Apesar de engraçado no início, esse desvio do rumo principal é o responsável pela única quebra de ritmo do filme (a briga entre Pawley e seu rival toma diversos e preciosos minutos, em uma desnecessariamente longa sequência).

"Rastros de ódio" é a quintessência do western, a fórmula do gênero em seu máximo grau de qualidade e forma. É também um perfeito exemplo de entretenimento sério e, a despeito das suas hoje equivocadas maneiras de ver os índios e as mulheres, o maior legado da dupla Ford/Wayne ao cinema.

JADE

  JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...