A GUERRA DE HART (Hart's war, 2002, MGM Pictures, 125min) Direção: Gregory Hoblit. Roteiro: Billy Ray, Terry George, romance de John Katzenbach. Fotografia: Alar Kivilo. Montagem: David Rosenbloom. Música: Rachel Portman. Figurino: Elisabetta Beraldo. Direção de arte/cenários: Lilly Kilvert/Patrick Cassidy. Produção executiva: Wolfgang Glattes. Produção: David Foster, Gregory Hoblit, David Ladd, Arnold Rifkin. Elenco: Bruce Willis, Colin Farrell, Terrence Howard, Cole Hauser, Linus Roache, Marcel Iures, Vicellous Shannon, Sam Jaeger, Rory Cochrane, Sam Worthington, Adrian Grenier. Estreia: 15/02/02
Parecia que tudo estava no caminho certo: um ator veterano (Bruce Willis) com a carreira ressuscitada por um imenso sucesso comercial ("O sexto sentido", de 1999), um jovem astro em ascensão (Colin Farrell, revelado por Joel Schumacher em "Tigerland: a caminho da guerra", de 2000), um assunto sempre fascinante e capaz de despertar a atenção do público (a II Guerra Mundial) e um gênero querido pela plateia desde sempre (filmes de tribunal) - dirigido por um cineasta que já tinha experiência no ramo (Gregory Hoblit, que assinou o ótimo "As duas faces de um crime", de 1996). Alguma coisa, porém, não correu como o esperado para "A guerra de Hart": com um custo estimado de 70 milhões de dólares, o filme simplesmente se espatifou nas bilheterias americanas (rendeu menos de 20 milhões em toda a sua carreira comercial) e não cativou nem mesmo o público internacional (arrecadou pouco mais de 13 milhões em todo o mundo). Não bastasse o fracasso financeiro, a crítica igualmente não ficou entusiasmada com o resultado final - e a produção acabou sendo relegada a um tímido segundo plano nas trajetórias de seus dois atores principais. O pior é que, ao contrário de muitos fracassos injustos que volta e meia assombram Hollywood, "A guerra de Hart" mereceu seu destino: apesar dos valores de produção caprichados, é um filme preguiçoso e sonolento, que não acrescenta nada ao gênero.
Baseado em um romance de John Katzenbach - livro, aliás, que um dos roteiristas, Billy Ray, admite não ter lido, uma vez que embarcou no projeto quando várias versões da trama já existiam, escritas pelo veterano Terry George - e inspirado pelo tempo em que o pai do escritor, Nicholas Katzenbach, passou como prisioneiro durante a II Guerra Mundial, "A guerra de Hart" se ressente, também, de um foco narrativo mais claro. Ao misturar vários gêneros, acaba se perdendo em um emaranhado de reviravoltas e tentativas de clímax que, ao contrário de surpreender o espectador, apenas deixam a estória ainda mais confusa e sem sentido. Começa como um drama de guerra, transforma-se em um filme de tribunal e acaba com uma mistura muito estranha dos dois estilos - com um desfecho morno que desperdiça até mesmo o talento de coadjuvantes excelentes, como Terrence Howard e Marcel Iures, perdidos em um texto quase esquizofrênico.
A trama se passa no final da II Guerra, quando o jovem Tenente Tommy Hart (Colin Farrell) é capturado por soldados alemães e, depois de alguns dias preso e interrogado, é enviado a um campo de prisioneiros, onde trava contato com o Coronel William McNamara (Bruce Willis) - o oficial superior que ainda mantém sua autoridade sobre os soldados norte-americanos aprisionados. Não demora muito para que Hart, um burocrata da guerra, perceba a realidade do conflito mesmo dentro de sua estalagem - onde colegas não são exatamente exemplos de solidariedade e companheirismo. As coisas ficam ainda mais explosivas quando chegam ao local dois pilotos negros, Lincoln Scott (Terrence Howard) e Lamar Archer (Vicellous Reon Shannon), uma presença inesperada que deixa bem claro o tom racista dos soldados e oficiais. A morte injusta de Archer e a prisão de Scott - acusado de assassinar um colega - acentuam a tensão, especialmente quando McNamara convoca Hart (um estudante de Direito) a ser o advogado de defesa de Scott em uma corte marcial. O julgamento começa, sob a supervisão do comandante alemão Oberts Werner Visser (Marcel Iures) - mas nem tudo é exatamente o que parece, e Hart irá precisar de todo o seu código de ética para desviar-se de um veredicto já facilmente previsível.
A princípio um projeto de Alfonso Cuarón, "A guerra de Hart" acabou nas mãos de Gregory Hoblit quando o cineasta mexicano optou por uma produção mais pessoal, o elogiado "E sua mãe também" - que lhe valeu uma indicação ao Oscar de roteiro original. A entrada de Hoblit, porém, parecia um tiro certo - logo que entrou em cena, nomes como Edward Norton e Tobey Maguire foram cotados para integrar o elenco, no papel que mais tarde ficaria com Colin Farrell, um nome que começava a tornar-se conhecido do público, principalmente por dividir a tela com Tom Cruise em "Minority report: a nova lei", dirigido por ninguém menos que Steven Spielberg. Farrell, no entanto, não poderia imaginar que seria tão subaproveitado: sofrendo ao tentar dar dignidade e coerência a um roteiro indeciso, o ator irlandês não consegue nem ao menos demonstrar o carisma revelado em seus trabalhos anteriores, preso a uma direção frouxa e um personagem incapaz de conquistar a torcida do espectador - e também não ajuda ter Bruce Willis no piloto automático e um final decepcionante. No fim das contas, "A guerra de Hart" é um filme que tinha tudo para marcar época mas que terminou vítima de uma grave crise de identidade. Só recomendado para os fãs incondicionais dos atores!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
segunda-feira
sábado
GLASSLAND
GLASSLAND (Glassland, 2014, Blank Page Productions/Element Pictures/Irish Film Board, 93min) Direção e roteiro: Gerard Barrett. Fotografia: Piers McGrail. Montagem: Nathan Nugent. Figurino: Leonie Pendergast. Direção de arte/cenários: Stephanie Clerkin/Patricia Douglas. Produção executiva: Gerard Barrett, Andrew Lowe. Produção: Juliette Bonass, Ed Guiney. Elenco: Toni Collette, Jack Reynor, Will Poulter. Estreia: 23/01/15 (Festival de Sundance)
Desde que chamou a atenção da crítica e do público pela primeira vez, protagonizando a comédia dramática australiana "O casamento de Muriel" (95), a atriz Toni Collette passou a dividir a carreira entre sucessos comerciais indiscutíveis ("O sexto sentido"), filmes de prestígio ("As horas") e produções independentes muitas vezes restritas a ratos de cinemateca e/ou frequentadores de festivais alternativos. "Glassland" faz parte desse último grupo: escrito e dirigido pelo jovem (30 anos) Gerard Barrett, o filme que estreou no Festival de Sundance de 2015 saiu da mostra com o prêmio de melhor ator para Jack Reynor e arrancou elogios por sua sensibilidade ao tratar de assuntos pesados, como alcoolismo, tráfico humano e depressão. Mesmo sem um lançamento em escala o suficiente para chamar a atenção de plateias maiores, a história de amor e união entre mãe e filho é capaz de emocionar àqueles que buscam uma produção menos ambiciosa e mais intimista.
Assim como normalmente acontece com produções que fogem do padrão comercial hollywoodiano, "Glassland" não se obriga a entregar tudo facilmente a seu público: é somente aos poucos que o espectador vai desvendando o dia-a-dia de John (Jack Reynor), um jovem motorista de táxi que complemente a renda servindo também como chofer de um cafetão de luxo. Sua rotina é massacrante: além de trabalhar incansavelmente, ele precisa lidar com as crises de alcoolismo e depressão de sua mãe, Jean (Toni Collette), e fazer visitas frequentes a seu irmão, portador de Síndrome de Down e rejeitado por Jean. Sua única diversão é jogar conversa fora com seu melhor amigo, Shane (Will Poulter) - um rapaz que sofre com a separação do filho que teve com uma ex-namorada. Sozinho e desamparado, John tenta não descontar todas as suas frustrações quando precisa voltar para casa, mas quando descobre que sua mãe está seriamente doente e é imprescindível que abandone o vício para sobreviver, ele não tem alternativa senão lutar contra ela mesma - e encontrar uma maneira de arrumar dinheiro para um tratamento caro.
Com um ritmo bastante lento, que usa e abusa de elipses e silêncios desesperados, "Glassland" não é um filme para qualquer público - e isso é um elogio. O roteiro de Barrett vai envolvendo o espectador gradualmente, com uma trilha sonora delicada e momentos de partir o coração - principalmente graças à atuação surpreendente de Jack Reynor. Conhecido das plateias mais por conta de seu trabalho em "Transformers: a era da extinção" (2014) do que por atuar ao lado de Michael Fassbender e Marion Cottilard em "Macbeth: ambição e guerra" (2015), o jovem ator se entrega com extrema dedicação a um personagem difícil, de poucas palavras e muita emoção, que explode nos momentos certos e se retrai em tantos outros. Sua química com Toni Collette é a alma do filme - uma certeza que fica ainda mais óbvia na tocante cena em que dançam tristemente na clínica onde ela está internada - e as sequências que divide com Will Poulter mostram um lado diferente de seu personagem, alguém que esconde, sob a superfície plácida, um turbilhão de sentimentos dolorosos. É um papel complexo, do qual Reynor se desincumbe com notável segurança - é provável que um futuro auspicioso lhe venha pela frente.
Sem maiores arroubos de criatividade, "Glassland" soa como um pesadelo familiar: quase monocórdio, angustiante e triste, mas ao mesmo tempo dono de um calor humano contagiante. Toni Collette (que rodou suas cenas em apenas SEIS dias!) está mais uma vez perfeita, encontrando o tom ideal de uma personagem que poderia facilmente cair em clichês ou tornar-se desagradável, e a maneira com que o irlandês Barrett encerra seu filme (com um final em aberto disposto a várias possibilidades de final feliz) faz dele um nome a ser observado de perto - seu filme seguinte, "Brain on fire", produzido por Charlize Theron e estrelado por Chloe Grace Moretz, estreou em 2016 na Netflix e mostrou uma versatilidade muito bem-vinda a Hollywood, sempre carente de talento e sensibilidade.
Desde que chamou a atenção da crítica e do público pela primeira vez, protagonizando a comédia dramática australiana "O casamento de Muriel" (95), a atriz Toni Collette passou a dividir a carreira entre sucessos comerciais indiscutíveis ("O sexto sentido"), filmes de prestígio ("As horas") e produções independentes muitas vezes restritas a ratos de cinemateca e/ou frequentadores de festivais alternativos. "Glassland" faz parte desse último grupo: escrito e dirigido pelo jovem (30 anos) Gerard Barrett, o filme que estreou no Festival de Sundance de 2015 saiu da mostra com o prêmio de melhor ator para Jack Reynor e arrancou elogios por sua sensibilidade ao tratar de assuntos pesados, como alcoolismo, tráfico humano e depressão. Mesmo sem um lançamento em escala o suficiente para chamar a atenção de plateias maiores, a história de amor e união entre mãe e filho é capaz de emocionar àqueles que buscam uma produção menos ambiciosa e mais intimista.
Assim como normalmente acontece com produções que fogem do padrão comercial hollywoodiano, "Glassland" não se obriga a entregar tudo facilmente a seu público: é somente aos poucos que o espectador vai desvendando o dia-a-dia de John (Jack Reynor), um jovem motorista de táxi que complemente a renda servindo também como chofer de um cafetão de luxo. Sua rotina é massacrante: além de trabalhar incansavelmente, ele precisa lidar com as crises de alcoolismo e depressão de sua mãe, Jean (Toni Collette), e fazer visitas frequentes a seu irmão, portador de Síndrome de Down e rejeitado por Jean. Sua única diversão é jogar conversa fora com seu melhor amigo, Shane (Will Poulter) - um rapaz que sofre com a separação do filho que teve com uma ex-namorada. Sozinho e desamparado, John tenta não descontar todas as suas frustrações quando precisa voltar para casa, mas quando descobre que sua mãe está seriamente doente e é imprescindível que abandone o vício para sobreviver, ele não tem alternativa senão lutar contra ela mesma - e encontrar uma maneira de arrumar dinheiro para um tratamento caro.
Com um ritmo bastante lento, que usa e abusa de elipses e silêncios desesperados, "Glassland" não é um filme para qualquer público - e isso é um elogio. O roteiro de Barrett vai envolvendo o espectador gradualmente, com uma trilha sonora delicada e momentos de partir o coração - principalmente graças à atuação surpreendente de Jack Reynor. Conhecido das plateias mais por conta de seu trabalho em "Transformers: a era da extinção" (2014) do que por atuar ao lado de Michael Fassbender e Marion Cottilard em "Macbeth: ambição e guerra" (2015), o jovem ator se entrega com extrema dedicação a um personagem difícil, de poucas palavras e muita emoção, que explode nos momentos certos e se retrai em tantos outros. Sua química com Toni Collette é a alma do filme - uma certeza que fica ainda mais óbvia na tocante cena em que dançam tristemente na clínica onde ela está internada - e as sequências que divide com Will Poulter mostram um lado diferente de seu personagem, alguém que esconde, sob a superfície plácida, um turbilhão de sentimentos dolorosos. É um papel complexo, do qual Reynor se desincumbe com notável segurança - é provável que um futuro auspicioso lhe venha pela frente.
Sem maiores arroubos de criatividade, "Glassland" soa como um pesadelo familiar: quase monocórdio, angustiante e triste, mas ao mesmo tempo dono de um calor humano contagiante. Toni Collette (que rodou suas cenas em apenas SEIS dias!) está mais uma vez perfeita, encontrando o tom ideal de uma personagem que poderia facilmente cair em clichês ou tornar-se desagradável, e a maneira com que o irlandês Barrett encerra seu filme (com um final em aberto disposto a várias possibilidades de final feliz) faz dele um nome a ser observado de perto - seu filme seguinte, "Brain on fire", produzido por Charlize Theron e estrelado por Chloe Grace Moretz, estreou em 2016 na Netflix e mostrou uma versatilidade muito bem-vinda a Hollywood, sempre carente de talento e sensibilidade.
sexta-feira
FRANKIE & JOHNNY
FRANKIE & JOHNNY (Frankie & Johnny, 1991, Paramount Pictures, 118min) Direção: Garry Marshall. Roteiro: Terrence McNally, baseado em sua peça teatral "Frankie and Johnny in the Clair de Lune". Fotografia: Dante Spinotti. Montagem: Jacqueline Cambas, Battle Davis. Música: Marvin Hamlisch. Figurino: Rosanna Norton. Direção de arte/cenários: Albert Brenner/Kathe Klopp. Produção executiva: Michael Lloyd, Charles Mulvehill, Alexandra Rose. Produção: Garry Marshall. Elenco: Michelle Pfeiffer, Al Pacino, Kate Nelligan, Hector Elizondo, Glenn Plummer. Estreia: 11/10/91
Quase uma década separa o primeiro encontro nas telas entre Al Pacino e Michelle Pfeiffer. Em 1983, quando fizeram "Scarface", de Brian De Palma, Pacino já era um grande nome em Hollywood, com várias indicações ao Oscar e alguns clássicos no currículo, enquanto a bela Pfeiffer tentava emplacar no cinema e provar-se mais capaz do que simplesmente arrancar suspiros do público masculino. Oito anos mais tarde, muita coisa havia mudado: o veterano ator, depois de um exílio voluntário no teatro, retornava às telas com garra total (e elogios rasgados por filmes como "O poderoso chefão - parte 3" e "Dick Tracy", ambos de 1990), e a deslumbrante ex-modelo finalmente estava estabelecida como atriz de primeira grandeza, com duas indicações à estatueta e o respeito da indústria. Não é de admirar, portanto, que em "Frankie & Johnny", o filme responsável por seu reencontro, o que se veja é um amigável duelo de interpretações, entre dois astros consagrados e sem mais nada a provar a ninguém. O que surpreende, na verdade, é o quanto Michelle consegue se destacar mesmo diante de um monstro como Pacino!
Dirigidos por Garry Marshall - recém saído do estrondoso sucesso de "Uma linda mulher" (90) - e com base em uma peça teatral que contou com F. Murray Abraham e Kathy Bates em uma de suas montagens, "Frankie & Johnny" é um drama romântico que abre mão de vários dos clichês do gênero em busca de um tom mais realista e menos fantasioso. Os protagonistas, por exemplo, estão longe de serem jovens atléticos e milionários em busca de um romance de cinema: Johnny é um ex-presidiário solitário, que não tem coragem de reaproximar-se da ex-mulher e dos filhos mas deseja uma vida menos à margem da sociedade; e Frankie, depois de um relacionamento abusivo e violento, só quer ter paz para poder assistir a filmes no sossego de seu pequeno apartamento - e ocasionalmente divertir-se com o vizinho e melhor amigo, Tim (Nathan Lane). O encontro entre eles não se dá em um cenário paradisíaco e fotogênico de Nova York, mas sim no pequeno restaurante onde ela é garçonete e ele começa a trabalhar como cozinheiro. E não, não há intrigas e mal-entendidos durante o percurso entre seu primeiro contato e o amor que enfim surge: o autor da peça (e do roteiro), Terrence McNally, faz questão de manter tudo o mais perto possível do dia-a-dia, do mundano, do crível. Talvez por isso as plateias não tenham correspondido tão bem: com uma bilheteria de pouco mais de 20 milhões de dólares nos EUA, o filme de Marshall acabou conquistando apenas a crítica - e mesmo assim, com reservas. Pfeiffer foi indicada ao Golden Globe de melhor atriz dramática, mas Pacino foi simplesmente ignorado por todas as cerimônias de premiação do ano.
É fácil compreender o motivo pelo qual Pfeiffer chamou mais a atenção do que seu experiente colega de cena: enquanto ela opta por um caminho mais sutil e delicado de atuação, de acordo com o passado e o presente de sua personagem, Pacino encara seu Johnny como um homem que, apesar dos pesares, ainda mantém o bom humor e a esperança, frequentemente exagerando em suas tentativas de conquistar Frankie através de sua personalidade despachada. Nem sempre Pacino acerta o tom, e essa irregularidade acaba por jogar luz no trabalho minimalista de Michelle, cujo sorriso reflete com segurança a complexidade interna de uma mulher que não acredita no amor, mas que de certa forma precisa dele para sentir-se completa. Os diálogos de McNally são inteligentes e certeiros - respeitam seus protagonistas e a plateia com sensibilidade e humor - e a direção de Marshall, apesar de quadradinha em excesso, não atrapalha a dinâmica de seu elenco ou a fluidez da trama: como sempre em sua filmografia, ele sabe como transformar cenas simples em momentos no mínimo agradáveis. E se, em determinadas passagens parece tudo verborrágico demais, é bom lembrar das origens teatrais do texto e embarcar em uma história que (felizmente) dispensa artifícios narrativos e lances folhetinescos.
"Frankie & Johnny" é, em suma, um drama romântico para adultos. Sensível, delicado e inteligente, peca apenas por ser simples demais em sua essência - o que muitas vezes afugenta um público acostumado com excessos de todo tipo. Ao contrário da maioria de seus congêneres, não é o final feliz a todo custo que almeja, mas sim a empatia com seus protagonistas, a compreensão de suas idiossincrasias e a torcida para que, no desfecho, tudo saia como eles procuram - independentemente se isso virá com eles juntos ou não. É louvável que seu diretor tenha conseguido realizá-lo logo em seguida a seu êxito maior - justamente uma comédia romântica típica - sem deixar-se contaminar por maneirismos: são dois filmes opostos, apesar de seu tema comum (o amor), e Marshall comprovou que talento em perceber o humano em cada personagem era algo que realmente não lhe faltava. Vale experimentar, mas sem esperar os lugares-comuns do gênero.
Quase uma década separa o primeiro encontro nas telas entre Al Pacino e Michelle Pfeiffer. Em 1983, quando fizeram "Scarface", de Brian De Palma, Pacino já era um grande nome em Hollywood, com várias indicações ao Oscar e alguns clássicos no currículo, enquanto a bela Pfeiffer tentava emplacar no cinema e provar-se mais capaz do que simplesmente arrancar suspiros do público masculino. Oito anos mais tarde, muita coisa havia mudado: o veterano ator, depois de um exílio voluntário no teatro, retornava às telas com garra total (e elogios rasgados por filmes como "O poderoso chefão - parte 3" e "Dick Tracy", ambos de 1990), e a deslumbrante ex-modelo finalmente estava estabelecida como atriz de primeira grandeza, com duas indicações à estatueta e o respeito da indústria. Não é de admirar, portanto, que em "Frankie & Johnny", o filme responsável por seu reencontro, o que se veja é um amigável duelo de interpretações, entre dois astros consagrados e sem mais nada a provar a ninguém. O que surpreende, na verdade, é o quanto Michelle consegue se destacar mesmo diante de um monstro como Pacino!
Dirigidos por Garry Marshall - recém saído do estrondoso sucesso de "Uma linda mulher" (90) - e com base em uma peça teatral que contou com F. Murray Abraham e Kathy Bates em uma de suas montagens, "Frankie & Johnny" é um drama romântico que abre mão de vários dos clichês do gênero em busca de um tom mais realista e menos fantasioso. Os protagonistas, por exemplo, estão longe de serem jovens atléticos e milionários em busca de um romance de cinema: Johnny é um ex-presidiário solitário, que não tem coragem de reaproximar-se da ex-mulher e dos filhos mas deseja uma vida menos à margem da sociedade; e Frankie, depois de um relacionamento abusivo e violento, só quer ter paz para poder assistir a filmes no sossego de seu pequeno apartamento - e ocasionalmente divertir-se com o vizinho e melhor amigo, Tim (Nathan Lane). O encontro entre eles não se dá em um cenário paradisíaco e fotogênico de Nova York, mas sim no pequeno restaurante onde ela é garçonete e ele começa a trabalhar como cozinheiro. E não, não há intrigas e mal-entendidos durante o percurso entre seu primeiro contato e o amor que enfim surge: o autor da peça (e do roteiro), Terrence McNally, faz questão de manter tudo o mais perto possível do dia-a-dia, do mundano, do crível. Talvez por isso as plateias não tenham correspondido tão bem: com uma bilheteria de pouco mais de 20 milhões de dólares nos EUA, o filme de Marshall acabou conquistando apenas a crítica - e mesmo assim, com reservas. Pfeiffer foi indicada ao Golden Globe de melhor atriz dramática, mas Pacino foi simplesmente ignorado por todas as cerimônias de premiação do ano.
É fácil compreender o motivo pelo qual Pfeiffer chamou mais a atenção do que seu experiente colega de cena: enquanto ela opta por um caminho mais sutil e delicado de atuação, de acordo com o passado e o presente de sua personagem, Pacino encara seu Johnny como um homem que, apesar dos pesares, ainda mantém o bom humor e a esperança, frequentemente exagerando em suas tentativas de conquistar Frankie através de sua personalidade despachada. Nem sempre Pacino acerta o tom, e essa irregularidade acaba por jogar luz no trabalho minimalista de Michelle, cujo sorriso reflete com segurança a complexidade interna de uma mulher que não acredita no amor, mas que de certa forma precisa dele para sentir-se completa. Os diálogos de McNally são inteligentes e certeiros - respeitam seus protagonistas e a plateia com sensibilidade e humor - e a direção de Marshall, apesar de quadradinha em excesso, não atrapalha a dinâmica de seu elenco ou a fluidez da trama: como sempre em sua filmografia, ele sabe como transformar cenas simples em momentos no mínimo agradáveis. E se, em determinadas passagens parece tudo verborrágico demais, é bom lembrar das origens teatrais do texto e embarcar em uma história que (felizmente) dispensa artifícios narrativos e lances folhetinescos.
"Frankie & Johnny" é, em suma, um drama romântico para adultos. Sensível, delicado e inteligente, peca apenas por ser simples demais em sua essência - o que muitas vezes afugenta um público acostumado com excessos de todo tipo. Ao contrário da maioria de seus congêneres, não é o final feliz a todo custo que almeja, mas sim a empatia com seus protagonistas, a compreensão de suas idiossincrasias e a torcida para que, no desfecho, tudo saia como eles procuram - independentemente se isso virá com eles juntos ou não. É louvável que seu diretor tenha conseguido realizá-lo logo em seguida a seu êxito maior - justamente uma comédia romântica típica - sem deixar-se contaminar por maneirismos: são dois filmes opostos, apesar de seu tema comum (o amor), e Marshall comprovou que talento em perceber o humano em cada personagem era algo que realmente não lhe faltava. Vale experimentar, mas sem esperar os lugares-comuns do gênero.
quinta-feira
A FERA DO ROCK
A FERA DO ROCK (Great balls of fire!, 1989, Orion Pictures, 108min) Direção: Jim McBride. Roteiro: Jack Baran, Jim McBride, livro de Myra Lewis, Murray Silver Jr.. Fotografia: Affonso Beato. Montagem: Lisa Day, Pembroke Herring, Bert Lovitt. Figurino: Tracy Tynan. Direção de arte/cenários: David Nichols/Lisa Fischer. Produção executiva: Michael Grais, Mark Victor. Produção: Adam Fields. Elenco: Dennis Quaid, Winona Ryder, Alec Baldwin, Stephen Tobolowski, John Doe, Trey Wilson, Lisa Blount. Estreia: 30/6/89
Uma das afirmações mais corretas que se pode fazer
a respeito de “A fera do rock” é que, ao contrário de muitas cinebiografias de
astros da música que chegam às telas com assustadora frequência, ele é um filme
que foge radicalmente de academicismos e da tentação de mitificar seu
protagonista. Figura principal de um escândalo que abalou sua carreira e o impediu
de alcançar seu objetivo de ser “o novo Elvis Presley”, o roqueiro Jerry Lee
Lewis encontrou no cineasta Jim McBride um cronista que, se combinou
perfeitamente com sua personalidade anárquica e iconoclasta, ao mesmo tempo
incomodou a todos: fãs, familiares, biógrafos e o próprio Lee Lewis. De nada
adiantou McBride defender sua obra dizendo que nunca teve a intenção de criar
um documento histórico – a gritaria foi grande e o resultado nem valeu tanto a
pena assim. Nitidamente avesso a narrativas convencionais, “A fera do rock”
fracassou nas bilheterias – e, a não ser que seja assistido como a grande
brincadeira que no fundo ele é, é um filme bastante insatisfatório – e até um
pouco bobo demais.
Talvez contaminado pelo tom quase folclórico de seu
personagem principal, Jim McBride exagerou na alegoria e, rejeitando o
naturalismo de sua filmografia até então – que incluía até mesmo um remake do
clássico francês “Acossado” (rebatizado de “A força do amor” e merecidamente
ignorado) -, construiu um filme que é uma celebração do kitsch. Das cores
fortes que remetem ao Technicolor da época em que se passa sua ação até os
cenários e os figurinos, tudo em “A fera do rock” transpira excessos. McBride
brinca até mesmo quando acrescenta coreografias inesperadas a cenas
aparentemente comuns, e jamais ultrapassa a superficialidade na construção de
seus personagens. Assim como a casa de Lee Lewis e sua nova (e adolescente)
esposa, tudo que o cerca parece ser de plástico, obviamente partes de um
cenário construído de forma a renegar o realismo e acentuar o clima de eterna
festa da vida do cantor (ao menos da vida como contada pelo roteiro – levemente
inspirado na biografia escrita por Murray Silver Jr. com base nas memórias de
Myra, a primeira (e mais polêmica) mulher do roqueiro. Se os próprios Silver e
Myra repudiaram o resultado final é difícil saber até onde vão as liberdades
tomadas pelo diretor – mas quem não procurar acuidade histórica e quiser apenas
saber (ainda que pouco) da vida de Lee Lewis, o filme pode até ser um
entretenimento razoável.
Para quem não sabe, Jerry Lee Lewis esteve a ponto
de substituir Elvis Presley no coração das fãs – especialmente quando o rei do
rock foi convocado para servir ao exército americano. Dono de uma personalidade
expansiva (até demais) e de uma criatividade que muitas vezes assustava aos
desavisados, Lee Lewis seguiu um caminho bastante diverso daquele trilhado por
seu primo Jimmy Swaggart – que tornou-se um dos pastores católicos mais
conhecidos dos EUA e que frequentemente batia de frente com as atitudes do
roqueiro. Irresponsável e dono de um talento raro para transformar um simples
piano em um instrumento capaz de levantar a plateia jovem, Lee Lewis
praticamente jogou a carreira fora quando apaixonou-se e casou-se com sua prima
de apenas 13 anos de idade, Myra (vivida por uma juvenil e encantadora Winona
Ryder): com o escândalo descoberto, primeiro o público europeu e depois o resto
do mundo, lhe virou as costas, em uma demonstração de conservadorismo radical.
Não foi à toa: não apenas Myra era praticamente uma criança (como demonstra seu
desespero ao perceber que não é capaz de cuidar da própria casa) como era filha
do primo e colega do cantor – que havia lhe dado um lugar para morar quando ele
estava começando a carreira. Mesmo a mentalidade mais aberta e liberal teria
dúvidas a respeito do caso – dá para imaginar, então, na sociedade
norte-americana dos anos 50...
Incorporando totalmente o espírito festivo da visão
de Jim McBride, o ator Dennis Quaid faz de seu Jerry Lee Lewis um fauno
libertino e hedonista – muitas vezes pesando a mão na caracterização e chegando
perto do overacting. É difícil imaginar, por exemplo, como seria se outros
projetos envolvendo o roqueiro tivessem ido adiante: Martin Scorsese, por exemplo,
imaginava Robert De Niro no papel (e é impossível visualizar De Niro fazendo as
macaquices de Quaid ou Scorsese abdicando de seu impecável bom gosto visual
para abraçar o colorido cafona de McBride). E Michael Cimino também pensou em
dar a sua versão da história, com Mickey Rourke (!!) no papel principal, o que
seria no mínimo curioso. O fato é que McBride foi quem passou do plano à ação
e, embora não tenha sido completamente feliz, pode-se destacar algumas boas
ideias, como um jovem Alec Baldwin na pele Jimmy Swaggart e Winona Ryder (com
um papel que quase foi de Drew Barrymore) como a inocente Myra – que sofre com
o machismo do marido já na noite de núpcias, quando é acusada de “não
comportar-se como uma virgem”. Ryder – que preferiu Myra a participar do elenco
feminino de peso de “Flores de aço” e deu chance à Julia Roberts concorrer ao
primeiro Oscar – está em um belo momento da carreira, dosando bem a candura e a
paixão de sua personagem, que serve como um ponto de equilíbrio à bagunçada
vida do protagonista. Ryder e Baldwin, que juntos também fariam “Os fantasmas
se divertem” (88), são as melhores coisas do filme – a não ser que se conte, é
claro, com a trilha sonora, regravada pelo próprio Jerry Lee Lewis e bem
dublada por Dennis Quaid. Para quem gosta do bom e velho rock’n’roll é
imperdível! Para os curiosos é apenas ok.
quarta-feira
O FILHO DA NOIVA
O FILHO DA NOIVA (El hijo de la novia, 2001, Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales, 123min) Direção: Juan José Campanella. Roteiro: Juan José Campanella, Fernando Castets. Fotografia: Daniel Shulman. Montagem: Camilo Antolini. Música: Ángel Illarramendi. Figurino: Cecilia Monti. Direção de arte/cenários: Mercedes Alfonsin/Pablo Racioppi. Produção executiva: Juan Pablo Galli, Juan Vera. Produção: Mariela Besuievksy, Fernando Blanco, Pablo Bossi, Gerardo Herrero, Jorge Estrada Mora. Estreia: 16/8/01
Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
Mais do que apenas o representante oficial da
Argentina ao Oscar de melhor filme estrangeiro na cerimônia de 2002, “O filho
da noiva” marca também a segunda colaboração entre o roteirista/cineasta Juan
José Campanella e o ator Ricardo Darín – vindo logo em seguida de “O mesmo
amor, a mesma chuva” (99) e imediatamente antes do (esse sim oscarizado) “O
segredo dos seus olhos” (2009). Já empregando alguns dos ingredientes que
conquistam o espectador de seus trabalhos – a delicadeza da relação entre os
personagens, o senso de humor sutil, a crítica discreta à sociedade argentina e
doses comedidas de emoção -, o filme tornou-se um sucesso incontestável de
público e confirmou Darín como o mais popular astro de cinema de seu país, a
cara de uma filmografia que, a despeito da crise econômica, demonstrou uma
corajosa vitalidade e uma supreendente criatividade. Dando sequência à boa fase
que também ofereceu aos cinéfilos o divertido “Nove rainhas” (2000), “O filho
da noiva” é valorizado ainda pela presença luminosa de Norma Aleandro – mesmo
em um papel pequeno, a grande dama argentina rouba a cena com uma atuação que
estabelece o tom sentimental e familiar da trama criada por Campanella.
Darín, competente como sempre, vive Rafael
Belvedere, um quarentão em crise em praticamente todos os setores da vida:
separado da primeira mulher, sofre pressão da parte dela para ter maior contato
com a filha adolescente; sua nova namorada, Naty (Natalia Verbeke) cobra um
comprometimento maior em sua relação; o restaurante de sua família passa por
momentos complicados devido à crise econômica do país; e, para completar o
panorama, seu pai, Nino (Héctor Alterio) tem planos de comemorar as bodas de
prata de seu casamento com uma cerimônia de renovação de votos – um desejo
complicado pelo fato de sua esposa, Norma (Norma Aleandro), estar internada em
uma clínica, sofrendo de Alzheimer. Um inesperado ataque cardíaco e o reencontro
com Juan Carlos (Eduardo Blanco), um amigo de juventude, fazem com que Rafael
reflita sobre sua vida e tente encontrar uma saída que o permita levar uma
existência menos opressora e mais próxima de seus familiares.
Apesar de situar seu protagonista em meio a um
furacão pessoal impiedoso, o roteiro de “O filho da noiva” evita pesar a mão no
dramalhão, equilibrando, como é comum na filmografia de Juan José Campanella,
momentos de extrema sensibilidade com outros dotados de um delicioso senso de
humor. Mais uma vez Ricardo Darín se mostra o intérprete ideal para personagens
criados pelo cineasta – seu rosto comum e de fácil empatia com o público traduz
com perfeição o homem argentino médio, dividido entre trabalho e vida pessoal e
lutando para atravessar suas crises pessoais sem perder a essência do que o faz
um ser humano. E se seu carisma fortalece cada cena, ele encontra em Héctor
Alterio e Norma Aleandro parceiros inestimáveis: sempre que a dupla de
veteranos irrompe em cena, o filme se enche de beleza e emoção – principalmente
em seus últimos momentos, quando Campanella finalmente resolve baixar a guarda
e permitir que o público se entregue de vez às lágrimas.
Uma mistura agradável de drama familiar e comédia
de costumes, “O filho da noiva” é, ao mesmo tempo, uma crítica sutil à
sociedade argentina, soterrada por crises econômicas que empurram seus
habitantes a sofríveis relações interpessoais enquanto luta pela sobrevivência.
Rafael é um retrato vivo do país – alguém que, no fundo, precisa urgentemente
reorganizar suas prioridades para reencontrar sua humanidade e autorrespeito.
Juan José Campanella consegue o feito admirável de contar sua história de forma
a nunca subestimar a emoção do espectador ao mesmo tempo em que o faz pensar
sobre sua própria realidade social. Um belo filme – que perdeu o Oscar não para
o franco-favorito “O fabuloso destino de Amélie Poulain”, mas para o esloveno
“Terra de ninguém”. Parecia que a Academia sabia que, por melhor que já
parecesse, o cineasta conseguiria ser ainda melhor em um futuro próximo – que o
diga “O segredo dos seus olhos”!
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