HOJE
EU QUERO VOLTAR SOZINHO (Hoje eu quero voltar sozinho, 2014, Lacuna
Filmes/Polana Filmes, 96min) Direção e roteiro: Daniel Ribeiro.
Fotografia: Pierre de Korchove. Montagem: Cristian Chinen. Figurino:
Carla Boregas, Flavia Lhacer. Direção de arte: Olivia Helena Sanches.
Produção: Diana Almeida, Daniel Ribeiro. Elenco: Ghilherme Lobo, Fábio
Audi, Tess Amorim, Lúcia Romano, Eucir de Souza, Selma Egrei. Estreia:
10/02/14 (Festival de Berlim)
Em 2010, o
curta-metragem "Eu não quero voltar sozinho" virou febre na Internet. A
história da descoberta da homossexualidade de um adolescente cego e seu
tímido romance com um colega de classe teve mais de três milhões de
visualizações no Youtube, recebeu calorosos aplausos da crítica em
festivais internacionais e, como era de se esperar em tempos tão
medievais, causou polêmica ao ser proibido em algumas cidades do país -
confundido como parte do malfadado "kit-gay" que tanta celeuma provocou
pelos quatro cantos do Brasil. Entusiasmado com a recepção mais do que
positiva a seu trabalho, o roteirista e cineasta Daniel Ribeiro teve
então a feliz ideia de expandir a trama em sua estreia como diretor de
longas. Com uma pequena alteração no título - a versão mais ambiciosa se
chama "Hoje eu quero voltar sozinho", o que explicita também o arco
dramático e de maturidade do protagonista - e o mesmo ótimo elenco
juvenil do curta, Ribeiro criou uma pequena obra-prima do novo cinema
nacional, um filme leve, sensível e alto-astral que discute preconceitos
sem jamais enfatizá-los como ponto principal de interesse de seu olhar.
Era
de se esperar que, ao eleger como protagonista um adolescente cego que
se descobre homossexual ao apaixonar-se por um colega, o roteiro de
Daniel Ribeiro fosse derramar-se em repetitivas e cansativas cenas de
bullying ou dramáticos momentos de autodescoberta e preconceito
familiar. Espertamente, porém, o roteirista opta por seguir o caminho
oposto, dedicando sua atenção menos ao universo familiar e escolar que
rodeia Leonardo (o ótimo Ghilherme Lobo) e mais à sua busca por
independência - cego de nascença, ele anseia por viver normalmente como
qualquer um de sua idade e, se possível, até mesmo embarcar em um
intercâmbio internacional. As provocações dos valentões da escola até
existem (mais por sua condição física do que por sua sexualidade, o que é
mais um diferencial da trama), mas o foco de "Hoje eu quero voltar
sozinho" é o período de descobertas do rapaz, com todas as dores e
alegrias inerentes ao processo de amadurecimento. Leo não se importa
tanto com as brincadeiras sem-graça dos colegas quanto se importa com a
falta de confiança dos pais na sua capacidade de levar uma vida normal. O
fato de descobrir-se apaixonado não pela amiga de infância Giovana
(Tess Amorim) e sim pelo novo aluno da escola, Gabriel (Fábio Audi) é
apenas um drama incidental, tratado com uma naturalidade tão encantadora
que é impossível não se deixar conquistar.
A
sensibilidade de Daniel Ribeiro em contar sua história também é
facilmente perceptível através da maneira com que sua câmera passeia sem
pressa pelas ruas arborizadas onde se passa a trama, em uma São Paulo
distante dos cartões-postais. Universalizando ao máximo sua narrativa,
ele move seus personagens ao som tanto de canções nacionais - cortesia
de Marcelo Camelo - quanto de música clássica e hinos modernos de Marvin
Gaye, Belle & Sebastian e David Bowie, além de nunca exagerar
na sexualização de seus personagens: ao optar por um viés mais romântico
que sensual, Ribeiro pode até soar ingênuo e quase fantasioso (afinal,
os meninos estão em uma fase hormonal das mais potentes), mas ao mesmo
tempo atinge com sensibilidade a uma plateia que, de outra forma,
poderia passar ao largo do filme por considerá-lo uma apologia à
homossexualidade - sim, os conservadores de plantão nunca dormem em
serviço. O sexo em si quase não é tratado no filme - surge apenas em uma
delicada sequência no vestiário de um acampamento - mas ao mesmo tempo
está presente o tempo todo, mesmo sem ser citado nominalmente (afinal,
amor e sexo fazem parte da mesma equação). Daniel Ribeiro acerta em
cheio em dar prioridade ao romance do que ao desejo - é um diferencial
que transforma sua obra em algo mais do que apenas mais um filme sobre a
descoberta da sexualidade: é sobre a descoberta de si mesmo, algo muito
maior e mais importante.
E se o roteiro e a direção de
Daniel Ribeiro são responsáveis pela delicadeza e sensibilidade do
filme, é a ele também que se deve a sorte de contar com dois atores tão
adequados quanto Ghilherme Lobo e Fábio Audi nos papéis centrais. A
anos-luz de distância de atores que tentam conquistar a plateia apenas
com corpos esculturais e sorrisos vazios, os dois jovens encaram com
extrema naturalidade o desafio de contar uma história de amor gay sem
apelar para trejeitos caricatos ou sexualidade explícita. Ambos estão
excelentes em cena, mas seria injusto não reconhecer o tamanho da
dificuldade enfrentada por Ghilherme Lobo - convencer na pele de alguém
que nunca enxergou - e a forma madura e segura com que ele desincumbe-se
da missão, dando credibilidade e alma a um personagem capaz de encantar
qualquer um da plateia. É seu carisma e sua ternura diante da vida um
dos maiores triunfos de "Hoje eu quero voltar sozinho". E em um filme
repleto deles, isso não é pouca coisa.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
domingo
sábado
IRMÃOS DESASTRE
IRMÃOS DESASTRE (The skeleton twins, 2014, Duplass Brothers
Productions/Venture Forth, 93min) Direção: Craig Johnson. Roteiro: Craig
Johnson, Mark Heyman. Fotografia: Reed Morano. Montagem: Jennifer Lee.
Música: Nathan Larson. Figurino: Kaela Wohl. Direção de arte/cenários:
Ola Maslik/Lauren DeTitta, Zechariah Metzler. Produção executiva: Jay
Duplass, Mark Duplass, Jared Ian Goldman. Produção: Stephanie Langhoff,
Jennifer Lee, Jacob Pechenik. Elenco: Kristen Wiig, Bill Hader, Luke
Wilson, Ty Burrell, Joanna Gleason, Boyd Holbrook. Estreia: 18/01/14
(Festival de Sundance)
O nome da atriz Kristen Wiig e o patético título nacional podem fazer pressupor que "Irmãos Desastre" seja mais uma comédia típica do cinemão comercial norte-americano - gênero que já legou atrocidades como "Missão madrinha de casamento" e "Se beber não case". Porém, é bom olhar com mais atenção: o filme de Craig Johnson tem, sim, momentos bem-humorados, mas é, na verdade, um drama familiar bem mais interessante e potente do que se poderia imaginar. E melhor ainda: mostra em Wiig uma versatilidade e um um registro bem mais sério de interpretação do que já mostrou anteriormente em sua elogiada carreira. Ao lado do ator Bill Hader - também mais conhecido pelo público por trabalhos em comédia - ela oferece ao espectador um trabalho capaz de acabar com qualquer preconceito em relação a seu talento como atriz - sem que para isso precise longos discursos, lágrimas a granel ou histerias.
O filme de Johnson - um cineasta ainda sem grandes filmes no currículo - é de uma delicadeza ímpar, ao conseguir tratar seus espinhosos temas (homossexualidade, pedofilia, suicídio, adultério) de forma leve e desprovida de julgamentos morais. Ao eleger como protagonistas um casal de irmãos gêmeos traumatizados com o suicídio do pai e a negligência da mãe egocêntrica, Johnson acertou em cheio: seus personagens são humanos, verossímeis e dotados de uma densidade dramática que vai se revelando aos poucos, até o final realista e coerente. Tudo começa quando a dentista Maggie Dean (Kristen Wiig) recebe um telefonema, avisando da tentativa de seu irmão gêmeo, Milo (Bill Hader), de se matar cortando os pulsos. Ela acaba convencendo o rapaz, um aspirante a ator que não via há dez anos, de ir passar uns tempos com ela e o marido, Lance (Luke Wilson), em Nova York, mas esconde dele o fato de estar justamente em vias de tomar um vidro inteiro de pílulas para dormir no momento do telefonema do hospital. Logo que chega à casa da irmã, Milo passa a fazer parte da rotina do casal: Lance não vê a hora de ser pai e fazer uma viagem de lua-de-mel ao Havaí, enquanto Maggie não tem entusiasmo por nenhuma das ideias (e está se envolvendo sexualmente com seu professor de mergulho). O retorno de Milo à sua cidade natal também não é propriamente tranquila: homossexual assumido, ele volta a procurar seu antigo professor de literatura, Rich (Ty Burrell, da série "Modern family"), com quem teve um rumoroso caso no passado e tal reencontro o joga em rota de colisão com a irmã, que não entende suas tendências autodestrutivas.
Dá pra perceber, apenas pela sinopse, que "Irmãos Desastre" está longe de ser uma comédia descerebrada. Mas o roteiro de Craig Johnson e Mark Heyman vai ainda mais longe na reversão das expectativas. Mesmo que utilize o dom de Wiig e Hader em fazer rir em algumas cenas, seu foco é mostrar como traumas de infância são determinantes para a construção da personalidade. Fãs do pai suicida e com uma relação difícil com a mãe (Joanna Gleason), Milo e Maggie acabam por repetir, sem querer, as tendências paternas de como fugir aos problemas, mas tem a sorte de poder contar um com o outro, ainda que seu relacionamento por vezes provoque faíscas perigosas. É sensacional, por exemplo, a sequência em que os irmãos dublam "Nothing gonna stop us now" (da banda Starship) e tocante o momento em que eles discutem furiosamente em consequência de revelações pouco agradáveis com as quais são obrigados a lidar. A maneira com que o roteiro intercala humor e drama - e se recusa a tomar partido de qualquer um dos protagonistas, mostrando ambos como seres humanos falíveis e até mesmo pouco confiáveis em determinadas circunstâncias - é um dos pontos altos do filme, que aproxima seus personagens da plateia dando a eles características universais. Sim, Milo é gay e Maggie tem dificuldade em ser fiel, mas sua essência vai muito além do que pode ser visto. E talvez resida aí a inteligência do roteiro.
Pouco visto especialmente no Brasil, "Irmãos Desastre" merece ser descoberto. Apesar do título horrendo e da aparência de filme desprovido de qualquer conteúdo digno de nota, é um trabalho sério e sensível, escrito e dirigido com delicadeza e senso de humor, mas sem exagerar a dose de nenhum ingrediente. E além de revelar o talento dramático de Kristen Wiig, Bill Hader e Ty Burrell, fala de assuntos sérios sem pesar a mão nem deixar o espectador engasgado com a pipoca. Uma pérola!
O nome da atriz Kristen Wiig e o patético título nacional podem fazer pressupor que "Irmãos Desastre" seja mais uma comédia típica do cinemão comercial norte-americano - gênero que já legou atrocidades como "Missão madrinha de casamento" e "Se beber não case". Porém, é bom olhar com mais atenção: o filme de Craig Johnson tem, sim, momentos bem-humorados, mas é, na verdade, um drama familiar bem mais interessante e potente do que se poderia imaginar. E melhor ainda: mostra em Wiig uma versatilidade e um um registro bem mais sério de interpretação do que já mostrou anteriormente em sua elogiada carreira. Ao lado do ator Bill Hader - também mais conhecido pelo público por trabalhos em comédia - ela oferece ao espectador um trabalho capaz de acabar com qualquer preconceito em relação a seu talento como atriz - sem que para isso precise longos discursos, lágrimas a granel ou histerias.
O filme de Johnson - um cineasta ainda sem grandes filmes no currículo - é de uma delicadeza ímpar, ao conseguir tratar seus espinhosos temas (homossexualidade, pedofilia, suicídio, adultério) de forma leve e desprovida de julgamentos morais. Ao eleger como protagonistas um casal de irmãos gêmeos traumatizados com o suicídio do pai e a negligência da mãe egocêntrica, Johnson acertou em cheio: seus personagens são humanos, verossímeis e dotados de uma densidade dramática que vai se revelando aos poucos, até o final realista e coerente. Tudo começa quando a dentista Maggie Dean (Kristen Wiig) recebe um telefonema, avisando da tentativa de seu irmão gêmeo, Milo (Bill Hader), de se matar cortando os pulsos. Ela acaba convencendo o rapaz, um aspirante a ator que não via há dez anos, de ir passar uns tempos com ela e o marido, Lance (Luke Wilson), em Nova York, mas esconde dele o fato de estar justamente em vias de tomar um vidro inteiro de pílulas para dormir no momento do telefonema do hospital. Logo que chega à casa da irmã, Milo passa a fazer parte da rotina do casal: Lance não vê a hora de ser pai e fazer uma viagem de lua-de-mel ao Havaí, enquanto Maggie não tem entusiasmo por nenhuma das ideias (e está se envolvendo sexualmente com seu professor de mergulho). O retorno de Milo à sua cidade natal também não é propriamente tranquila: homossexual assumido, ele volta a procurar seu antigo professor de literatura, Rich (Ty Burrell, da série "Modern family"), com quem teve um rumoroso caso no passado e tal reencontro o joga em rota de colisão com a irmã, que não entende suas tendências autodestrutivas.
Dá pra perceber, apenas pela sinopse, que "Irmãos Desastre" está longe de ser uma comédia descerebrada. Mas o roteiro de Craig Johnson e Mark Heyman vai ainda mais longe na reversão das expectativas. Mesmo que utilize o dom de Wiig e Hader em fazer rir em algumas cenas, seu foco é mostrar como traumas de infância são determinantes para a construção da personalidade. Fãs do pai suicida e com uma relação difícil com a mãe (Joanna Gleason), Milo e Maggie acabam por repetir, sem querer, as tendências paternas de como fugir aos problemas, mas tem a sorte de poder contar um com o outro, ainda que seu relacionamento por vezes provoque faíscas perigosas. É sensacional, por exemplo, a sequência em que os irmãos dublam "Nothing gonna stop us now" (da banda Starship) e tocante o momento em que eles discutem furiosamente em consequência de revelações pouco agradáveis com as quais são obrigados a lidar. A maneira com que o roteiro intercala humor e drama - e se recusa a tomar partido de qualquer um dos protagonistas, mostrando ambos como seres humanos falíveis e até mesmo pouco confiáveis em determinadas circunstâncias - é um dos pontos altos do filme, que aproxima seus personagens da plateia dando a eles características universais. Sim, Milo é gay e Maggie tem dificuldade em ser fiel, mas sua essência vai muito além do que pode ser visto. E talvez resida aí a inteligência do roteiro.
Pouco visto especialmente no Brasil, "Irmãos Desastre" merece ser descoberto. Apesar do título horrendo e da aparência de filme desprovido de qualquer conteúdo digno de nota, é um trabalho sério e sensível, escrito e dirigido com delicadeza e senso de humor, mas sem exagerar a dose de nenhum ingrediente. E além de revelar o talento dramático de Kristen Wiig, Bill Hader e Ty Burrell, fala de assuntos sérios sem pesar a mão nem deixar o espectador engasgado com a pipoca. Uma pérola!
sexta-feira
O GRANDE HOTEL BUDAPESTE
O GRANDE HOTEL BUDAPESTE (The Grand Budapest Hotel, 2014, Fox Searchlight Pictures/Indian Paintbrush, 99min) Direção: Wes Anderson. Roteiro: Wes Anderson, estória de Wes Anderson, Hugo Guinness, inspirado em escritos de Stefan Zweig. Fotografia: Robert D. Yeoman. Montagem: Barney Pilling. Música: Alexandre Desplat. Figurino: Milena Canonero. Direção de arte/cenários: Adam Stockhausen/Anna Pinnock. Produção executiva: Molly Cooper, Christoph Fisser, Henning Molfenter, Charlie Woebcken. Produção: Wes Anderson, Jeremy Dawson, Steven Rales, Scott Rudin. Elenco: Ralph Fiennes, F. Murray Abraham, Jude Law, Willem Dafoe, Adrien Brody, Jeff Goldblum, Saoirse Ronan, Mathieu Amalric, Harvey Keitel, Bill Murray, Edward Norton, Jason Schwartzman, Léa Seydoux, Tilda Swinton, Tom Wilkinson, Owen Wilson, Tony Revolori, Fisher Stevens, Bob Balaban. Estreia: 06/02/14 (Festival de Berlim)
9 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Wes Anderson), Roteiro Original, Fotografia, Montagem, Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários, Maquiagem
Vencedor de 4 Oscar: Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários, Maquiagem
Vencedor do Golden Globe de Melhor Filme (Comédia/Musical)
Dentre os filmes pouco convencionais selecionados pela Academia de Hollywood para concorrer ao principal Oscar de 2015 - "Birdman" e "Boyhood", por exemplo - nenhum é tão radicalmente a cara de seu autor quanto "O Grande Hotel Budapeste", escrito, dirigido e produzido por Wes Anderson, um dos cineastas menos afeitos a concessões comerciais que o cinema norte-americano gerou nos últimos quinze anos, desde que lançou o elogiado - e ignorado pelo público - "Três é demais", em 1998. Dono de um estilo facilmente reconhecível que equilibra com rara inteligência personagens excêntricos, histórias inusitadas e um visual milimetricamente planejado, Anderson faz parte de um time de poucos realizadores que tem uma marca própria dentro do cinema, como Tim Burton, Woody Allen e Pedro Almodovar. No entanto, ainda faltava a ele uma espécie de reconhecimento oficial por parte da indústria, que lhe desse o passaporte definitivo para a elite dos cineastas. Com as surpreendentes nove indicações conquistadas por seu novo filme (e a vitória em quatro categorias) tal passaporte já está carimbado. Só o fato de ter lutado de igual pra igual com produções bem menos criativas (e por conseguinte mais facilmente digeríveis pelos tradicionais e vestutos eleitores da Academia), "O Grande Hotel Budapeste" já pode ser considerado um campeão.
A trama - contada através de uma história dentro de uma história, em uma opção narrativa arriscada mas extremamente bem-sucedida - é aparentemente simples, mas repleta de bifurcações inusitadas e personagens surreais: quem começa a contá-la é um escritor consagrado (vivido por Tom Wilkinson na maturidade e Jude Law na juventude), que transmite ao público a história do misterioso Mr. Moustafa (F. Murray Abraham), dono do decadente Hotel Budapeste, localizado em um país fictício da Europa que teve seu auge no período entre-guerras. Solitário e discreto, Moustafa relembra, através de flashbacks, as reviravoltas que fizeram com que a imensa propriedade fosse parar em seu nome. Tais reviravoltas tem início quando ele, ainda jovem (e interpretado por Tony Revolori) consegue emprego como empregado do hotel, sob o comando do rígido e dedicado Gustave H. (Ralph Fiennes), que, além de ser o melhor concierge da região, não hesita em agradar as hóspedes de mais idade com noites regadas a champagne e sexo. Quando uma dessas visitantes frequentes, a milionária Céline Villeneuve Desgoffe und Taxis (Tilda Swinton irreconhecível sob pesada maquiagem vencedora do Oscar), morre aos 84 anos em sua mansão, ele resolve prestar suas últimas homenagens, atendendo a seu funeral. Para sua surpresa, porém, ele fica sabendo - junto com a ambiciosa família da falecida - que herdou um quadro de valor milionário, o que acaba lhe colocando em sérios apuros com a polícia: recusando-se a aceitar que a mãe tenha deixado tão valioso bem para um mero serviçal, o psicótico Dimitri (Adrien Brody) o acusa de assassinato e parte em sua captura, ao lado de seu violento capanga Jopling (Willem Dafoe). Quando eclode a II Guerra, cabe a Gustave provar sua inocência - contando, para isso, com o apoio de um clube secreto de concierges espalhados pelo mundo.
Dotado de um humor sofisticado que provoca mais sorrisos do que gargalhadas e de uma trama tão cheia de informações visuais que uma segunda sessão é mandatória, "O Grande Hotel Budapeste" é, tranquilamente, o melhor filme de Wes Anderson, refinando as características narrativas de "Os excêntricos Tenenbauns" e estilísticas de "Moonrise kingdom" e unindo-as em um espetáculo de qualidade estética ímpar. Único dos candidatos ao Oscar de fotografia a ser filmado em película - um feito digno de nota, especialmente quando se percebe a qualidade irretocável do meticuloso trabalho de Robert Yeoman - a obra de Anderson também é um triunfo de desenho de produção (também premiada pela Academia), tão impressionante com seus cenários grandiosos quanto a segurança do cineasta em equilibrar narrativas múltiplas sem perder o fio da meada ou confundir o espectador. Contando com um elenco acima de qualquer crítica - com destaque para Ralph Fiennes em raro registro cômico e Edward Norton em sua segunda parceria com o diretor, além da revelação Tony Revolori - o filme ainda se beneficia da inspirada trilha sonora (mais uma) de Alexandre Desplat, que comenta a ação como se fosse um personagem a mais e deu a ele uma merecida estatueta dourada. Ela é mais uma peça essencial em um dos mais empolgantes produtos cinematográficos dos últimos anos, um filme capaz de encantar qualquer fã da sétima arte e a prova cabal do talento de seu criador, até então escondido em pérolas de cinemateca - vulgo filmes amados por uma parcela de espectadores que não tem medo do diferente.
Ousado, criativo, original, inteligente. Faltam adjetivos para explicar porque "O Grande Hotel Budapeste" merece ser visto, revisto, trevisto e aplaudido todas as vezes. É um dos mais excitantes e inovadores produtos a sair de um lugar cada vez menos disposto a riscos como Hollywood. E além de tudo é uma comédia muito engraçada e excêntrica, que não precisa de um humor pastelão para arrancar risos. Precisa de mais motivos para ser genial?
9 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Wes Anderson), Roteiro Original, Fotografia, Montagem, Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários, Maquiagem
Vencedor de 4 Oscar: Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários, Maquiagem
Vencedor do Golden Globe de Melhor Filme (Comédia/Musical)
Dentre os filmes pouco convencionais selecionados pela Academia de Hollywood para concorrer ao principal Oscar de 2015 - "Birdman" e "Boyhood", por exemplo - nenhum é tão radicalmente a cara de seu autor quanto "O Grande Hotel Budapeste", escrito, dirigido e produzido por Wes Anderson, um dos cineastas menos afeitos a concessões comerciais que o cinema norte-americano gerou nos últimos quinze anos, desde que lançou o elogiado - e ignorado pelo público - "Três é demais", em 1998. Dono de um estilo facilmente reconhecível que equilibra com rara inteligência personagens excêntricos, histórias inusitadas e um visual milimetricamente planejado, Anderson faz parte de um time de poucos realizadores que tem uma marca própria dentro do cinema, como Tim Burton, Woody Allen e Pedro Almodovar. No entanto, ainda faltava a ele uma espécie de reconhecimento oficial por parte da indústria, que lhe desse o passaporte definitivo para a elite dos cineastas. Com as surpreendentes nove indicações conquistadas por seu novo filme (e a vitória em quatro categorias) tal passaporte já está carimbado. Só o fato de ter lutado de igual pra igual com produções bem menos criativas (e por conseguinte mais facilmente digeríveis pelos tradicionais e vestutos eleitores da Academia), "O Grande Hotel Budapeste" já pode ser considerado um campeão.
A trama - contada através de uma história dentro de uma história, em uma opção narrativa arriscada mas extremamente bem-sucedida - é aparentemente simples, mas repleta de bifurcações inusitadas e personagens surreais: quem começa a contá-la é um escritor consagrado (vivido por Tom Wilkinson na maturidade e Jude Law na juventude), que transmite ao público a história do misterioso Mr. Moustafa (F. Murray Abraham), dono do decadente Hotel Budapeste, localizado em um país fictício da Europa que teve seu auge no período entre-guerras. Solitário e discreto, Moustafa relembra, através de flashbacks, as reviravoltas que fizeram com que a imensa propriedade fosse parar em seu nome. Tais reviravoltas tem início quando ele, ainda jovem (e interpretado por Tony Revolori) consegue emprego como empregado do hotel, sob o comando do rígido e dedicado Gustave H. (Ralph Fiennes), que, além de ser o melhor concierge da região, não hesita em agradar as hóspedes de mais idade com noites regadas a champagne e sexo. Quando uma dessas visitantes frequentes, a milionária Céline Villeneuve Desgoffe und Taxis (Tilda Swinton irreconhecível sob pesada maquiagem vencedora do Oscar), morre aos 84 anos em sua mansão, ele resolve prestar suas últimas homenagens, atendendo a seu funeral. Para sua surpresa, porém, ele fica sabendo - junto com a ambiciosa família da falecida - que herdou um quadro de valor milionário, o que acaba lhe colocando em sérios apuros com a polícia: recusando-se a aceitar que a mãe tenha deixado tão valioso bem para um mero serviçal, o psicótico Dimitri (Adrien Brody) o acusa de assassinato e parte em sua captura, ao lado de seu violento capanga Jopling (Willem Dafoe). Quando eclode a II Guerra, cabe a Gustave provar sua inocência - contando, para isso, com o apoio de um clube secreto de concierges espalhados pelo mundo.
Dotado de um humor sofisticado que provoca mais sorrisos do que gargalhadas e de uma trama tão cheia de informações visuais que uma segunda sessão é mandatória, "O Grande Hotel Budapeste" é, tranquilamente, o melhor filme de Wes Anderson, refinando as características narrativas de "Os excêntricos Tenenbauns" e estilísticas de "Moonrise kingdom" e unindo-as em um espetáculo de qualidade estética ímpar. Único dos candidatos ao Oscar de fotografia a ser filmado em película - um feito digno de nota, especialmente quando se percebe a qualidade irretocável do meticuloso trabalho de Robert Yeoman - a obra de Anderson também é um triunfo de desenho de produção (também premiada pela Academia), tão impressionante com seus cenários grandiosos quanto a segurança do cineasta em equilibrar narrativas múltiplas sem perder o fio da meada ou confundir o espectador. Contando com um elenco acima de qualquer crítica - com destaque para Ralph Fiennes em raro registro cômico e Edward Norton em sua segunda parceria com o diretor, além da revelação Tony Revolori - o filme ainda se beneficia da inspirada trilha sonora (mais uma) de Alexandre Desplat, que comenta a ação como se fosse um personagem a mais e deu a ele uma merecida estatueta dourada. Ela é mais uma peça essencial em um dos mais empolgantes produtos cinematográficos dos últimos anos, um filme capaz de encantar qualquer fã da sétima arte e a prova cabal do talento de seu criador, até então escondido em pérolas de cinemateca - vulgo filmes amados por uma parcela de espectadores que não tem medo do diferente.
Ousado, criativo, original, inteligente. Faltam adjetivos para explicar porque "O Grande Hotel Budapeste" merece ser visto, revisto, trevisto e aplaudido todas as vezes. É um dos mais excitantes e inovadores produtos a sair de um lugar cada vez menos disposto a riscos como Hollywood. E além de tudo é uma comédia muito engraçada e excêntrica, que não precisa de um humor pastelão para arrancar risos. Precisa de mais motivos para ser genial?
quinta-feira
BOYHOOD - DA INFÂNCIA À JUVENTUDE
BOYHOOD: DA INFÂNCIA À JUVENTUDE (Boyhood, 2014, IFC
Productions/Detour Filmproduction, 165min) Direção e roteiro: Richard
Linklater. Fotografia: Lee Daniel, Shane Kelly. Montagem: Sandra Adair.
Figurino: Kari Perkins. Direção de arte/cenários: Rodney Becker/Melanie
Ferguson. Produção: Richard Linklater, Jonathan Sehring, John Sloss,
Cathleen Sutherland. Elenco: Ellar Coltrane, Ethan Hawke, Patricia
Arquette, Lorelei Linklater, Elijah Smith, Steven Prince. Estreia:
19/01/14 (Festival de Sundance)
6 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Richard Linklater), Ator Coadjuvante (Ethan Hawke), Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette), Roteiro Original, Montagem
Vencedor do Oscar de Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette)
Vencedor de 3 Golden Globes: Melhor Filme/Drama, Diretor (Richard Linklater), Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette)
6 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Richard Linklater), Ator Coadjuvante (Ethan Hawke), Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette), Roteiro Original, Montagem
Vencedor do Oscar de Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette)
Vencedor de 3 Golden Globes: Melhor Filme/Drama, Diretor (Richard Linklater), Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette)
Em 1999, o cineasta Paul Thomas
Anderson criou, com seu impressionante “Magnólia”, um épico sobre pessoas
comuns e colheu elogios unânimes da crítica ao substituir cenas de ação e
milhares de figurantes por cenas intimistas e personagens cujas preocupações se
resumiam a brigar com seus fantasmas interiores. Quinze anos depois, um outro
norte-americano pôs seu nome na história do cinema ao levar ainda mais longe
esse conceito da grandiosidade do homem banal: com seu “Boyhood, da infância à
juventude”, Richard Linklater encantou críticos, desconcertou plateias e entrou
na corrida do Oscar 2015 com o pé direito, concorrendo a seis estatuetas –
perdeu as principais, mas deu à Patricia Arquette o prêmio de atriz
coadjuvante, repetindo a escolha do Golden Globe. O porquê de tantos aplausos
fica claro assim que os créditos finais começam a subir. Em duas horas e meia de
duração, Linklater conta, sem lances melodramáticos ou artifícios sentimentaloides,
a rotina de um menino normal, desde a escola primária até o momento em que ele
sai de casa para cursar a faculdade. Quando criança, Mason não era um garoto
problemático; na pré-adolescência, não afundou em drogas ou álcool; e quando
finalmente começou a viver de forma independente dos pais, mostra-se um rapaz
de confiança e surpreendentemente maduro. Mas é justamente por ser tão comum –
tedioso, diriam os detratores – que Mason é um dos personagens mais cativantes
do cinema ianque contemporâneo. E o que é mais admirável? Ele é vivido, dos
seis aos dezenove anos, pelo mesmo ator, Ellar Coltrane.
Ao contrário do que normalmente
acontece em filmes que retratam o processo de amadurecimento de um personagem
na transição entre a infância e a adolescência, o diretor não substituiu seu ator
central: o que se vê na tela é o trabalho de treze anos, condensado em 150
minutos de cenas desprovidas de emoções falsas e recheadas de uma naturalidade
rara no cinemão americano – algo talvez semelhante apenas à trilogia “Antes do
amanhecer”, “Antes do pôr-do-sol” e “Antes da meia-noite”, não por acaso
dirigida pelo mesmo Linklater: seu talento em criar diálogos críveis é tanto
que muita gente chegou a questionar sua indicação ao Oscar de roteiro original.
Compreensível. Acostumados a filmes que revestem sentimentos e relações humanas
com um verniz de previsibilidade cada vez maior, muitos espectadores não
souberam entender a proposta e o resultado final da obra. Afinal, pra que
perder quase três horas da vida assistindo a vida de um moleque sem grandes
problemas e que não possui nenhum poder alienígena? Todos aqueles que
embarcaram sem reservas na viagem de Linklater, porém, só tiveram uma opção:
considerar-se parte da família de Mason e acompanhar com carinhoso interesse
partes de uma vida que poderia facilmente ser a sua.
Quando o filme começa, Mason tem
seis anos de idade e é surpreendido com a notícia de que sua mãe, Olivia
(Patricia Arquette, em uma decisão corajosa de envelhecer praticamente diante
das câmeras), vai voltar a estudar, precisando, para isso, voltar à cidade
natal, no Texas. Ao lado da irmã mais velha, Samantha (Lorelei Linklater, filha
do diretor), o garoto precisa lidar com o fato de abandonar os amigos e sua
rotina. É nessa nova cidade que ele irá desenvolver-se, conhecer o amor,
desiludir-se, trabalhar para completar a renda doméstica, descobrir a paixão
pela fotografia e, vez ou outra, ter de lidar com os novos maridos da mãe – uma
mulher forte, decidida e amorosa, mas incapaz de acertar-se afetivamente.
Enquanto isso, vai firmando também a relação com o pai (Ethan Hawke), que,
mesmo depois da separação, nunca perdeu o contato com os filhos – ainda que com
menos frequência do que todos gostariam. Da primeira cena até o desfecho, não
há nenhuma sequência que manipule as emoções do espectador: o cineasta conduz
sua narrativa com leveza, bom-humor, ternura e um certo ar de nostalgia que
torna tudo ainda mais encantador. Ellar Coltrane, com seu ar ingênuo, constrói
um protagonista apaixonante, que se deixa levar pela vida com uma espécie de
sabedoria zen, como se soubesse que tudo é parte de uma experiência maior.
Ethan Hawke e Patricia Arquette encarnam com garra seus pais, oferecendo ao
público trabalhos extremamente difíceis justamente por sua aparente
simplicidade e a edição suave e fluida praticamente pega o público pela mão
enquanto o acompanha pelos anos dourados de Mason. Pontuado aqui e ali por
alguma referência pop – Britney Spears, Harry Potter, Lady Gaga – o roteiro não
deixa de ser, também, um panorama sensível de parte da história dos EUA através
dos olhos de um de seus filhos.
Linklater – preterido no Oscar por
Alejandro G. Iñarrítu e seu “Birdman” – merecia a estatueta. Não apenas por ter
investido mais de uma década em uma produção que corria o sério risco de nunca
ver a luz dos refletores (a filha do cineasta chegou a pensar em desistir do
projeto e Ethan Hawke aceitou a incumbência de levar a ideia adiante no caso da
morte do autor) mas por ter ousado desafiar um mercado avesso a novidades e à
quebra de paradigmas. Seu filme vai contra todas as regras do mercado – é longo
acima da média, não tem grandes astros ou orçamento milionário, não tem um
roteiro esquemático nem tampouco apela para efeitos especiais – e não tem a
menor vontade de pedir desculpas por isso. É maduro, é belo e valoriza os
pequenos momentos da vida como se eles fossem heroicos ou épicos. É, enfim, um
dos poucos filmes da história que podem ser considerados como um “retrato da
vida”. Muita gente pode torcer o nariz. Mas em inúmeras ocasiões a simplicidade
ainda é muito mais interessante do que o luxo, e isso fica óbvio quando o
espectador chega ao final do filme querendo ver mais e mais sobre a vida de
Mason Jr..
quarta-feira
UMA LONGA QUEDA
UMA LONGA QUEDA (A long way down, 2014, Wildgaze Films/BBC Films,
96min) Direção: Pascal Chaumeil. Roteiro: Jack Thorne, romance de Nick
Hornby. Fotografia: Ben Davis. Montagem: Chril Gill, Barney Pilling.
Música: Dario Marianelli. Figurino: Odile Dicks-Mireaux. Direção de
arte/cenários: Chris Oddy/Kate Guyan. Produção executiva: Christoph
Daniel, Nick Hornby, Zygi Kamasa, Marc Schimdheiny, Thorsten Schumacher,
Dario Suter. Produção: Finola Dwyer, Amanda Posey. Elenco: Pierce
Brosnan, Toni Collette, Imogene Poots, Aaron Paul, Sam Neil, Rosamund
Pike. Estreia: 10/02/14 (Festival de Berlim)
No começo dos anos 2000 não havia autor mais em voga dentro de Hollywood do que o inglês Nick Hornby. Com seu talento incomum para contar histórias simples protagonizadas por pessoas de carne e osso e recheadas de referências à cultura pop, ele viu dois de seus livros serem adaptados com enorme sucesso para as telas: "Alta fidelidade", estrelado por John Cusack chegou aos cinemas em 1999, e "Um grande garoto", com Hugh Grant em uma de suas melhores atuações, foi lançado em 2002 e chegou a concorrer ao Oscar de roteiro. Depois disso, ele viu seu "Febre de bola" ser transfigurado em uma adaptação pouco feliz em um filme quase ignorado pelo público e inverteu o caminho que costumava trilhar, passando de autor de romances transportados para a tela a roteirista de livros alheios - o que lhe rendeu indicações ao Oscar por "Educação" (2009) e "Brooklyn", que concorre à estatueta em 2016. Isso não significa, no entanto, que os produtores tenham esquecido sua obra. Um exemplo disso é "Uma longa queda", que mesmo sem ter a mesma qualidade quase impecável dos filmes estrelados por Cusack e Grant, ainda consegue ser um passatempo agradável e dono de um humor irônico e agradável - apesar de ter como tema central um assunto pouco palatável à grande audiência: o suicídio.
Tudo começa em uma noite de Ano-novo, quando Martin (Pierce Brosnan), um famoso apresentador de talk show chega ao topo de um prédio de Londres disposto a acabar com a própria vida, depois de um escândalo de sedução de uma menor que acabou com sua carreira. Antes mesmo de criar coragem para chegar às vias de fato, ele percebe a chegada de Maureen (Toni Colette), a mãe solteira de um rapaz doente, que também tem a intenção de acabar com seus problemas se atirando de cima do edifício. A eles juntam-se, logo em seguida, a rebelde Jess (Imogen Poots), filha de um influente político e que acaba de ser abandonada pelo namorado, e JJ (Aaron Paul, da série "Breaking bad"), um entregador de pizza que revela sofrer de câncer cerebral. Frustrados em seus planos, os quatro acabam por fazer um pacto que consiste em ajudar-se mutuamente e tentar resolver seus problemas. Antes do novo encontro, marcado para o Dia dos Namorados, porém, eles tornam-se muito mais próximos do que poderiam imaginar.
Mesmo sem o frescor romântico pop de "Alta fidelidade" e o sarcasmo niilista de "Um grande garoto", o resultado final de "Uma longa queda" é extremamente simpático e divertido, principalmente devido à química entre seus quatro atores centrais. Toni Collete, sempre ótima, volta a viver uma suicida saída da imaginação de Hornby (em "Um grande garoto" ela vivia a depressiva mãe do adolescente desajustado que dava título ao romance e ao filme) e conquista o espectador sem precisar fazer muito esforço. Pierce Brosnan sai-se muito bem na pele da constrangida celebridade em desgraça e Aaron Paul tem sua melhor chance no cinema como um jovem cheio de segredos que descobre o amor onde menos poderia esperar (e substitui à altura a escolha inicial, Emile Hirsch). E a jovem inglesa Imogen Poots - conhecida como a namorada de Anton Yelchin no remake de "A hora do espanto" - mostra-se talentosa o bastante para quase roubar a cena dos parceiros mais experientes. Nem mesmo a queda de ritmo no meio do filme prejudica a coesão atingida pelo cineasta francês Pascal Chaumeil - que dirigiu o simpático "Como arrasar um coração" e morreu aos 54 anos, em agosto de 2015 - e do roteiro delicado de Jack Thorne, oriundo de séries da televisão britânica. Sem buscar a lágrima ou o riso fáceis, o filme cativa principalmente pela sutileza, artigo raro em produções comerciais - não chega a ser surpresa que o filme tenha passado quase em branco pelas telas de cinema.
"Uma longa queda" não é um grande filme. Tem seus defeitinhos de ritmo e em algumas vezes parece quase superficial. Mas é agradável do início ao fim, não trata o espectador como bobo e tem um elenco que justifica plenamente uma sessão de hora e meia. Uma pedida excelente para uma tarde chuvosa ou momentos de tédio. Mais um filme digno da obra literária de Nick Hornby, um dos mais interessantes escritores de sua geração.
No começo dos anos 2000 não havia autor mais em voga dentro de Hollywood do que o inglês Nick Hornby. Com seu talento incomum para contar histórias simples protagonizadas por pessoas de carne e osso e recheadas de referências à cultura pop, ele viu dois de seus livros serem adaptados com enorme sucesso para as telas: "Alta fidelidade", estrelado por John Cusack chegou aos cinemas em 1999, e "Um grande garoto", com Hugh Grant em uma de suas melhores atuações, foi lançado em 2002 e chegou a concorrer ao Oscar de roteiro. Depois disso, ele viu seu "Febre de bola" ser transfigurado em uma adaptação pouco feliz em um filme quase ignorado pelo público e inverteu o caminho que costumava trilhar, passando de autor de romances transportados para a tela a roteirista de livros alheios - o que lhe rendeu indicações ao Oscar por "Educação" (2009) e "Brooklyn", que concorre à estatueta em 2016. Isso não significa, no entanto, que os produtores tenham esquecido sua obra. Um exemplo disso é "Uma longa queda", que mesmo sem ter a mesma qualidade quase impecável dos filmes estrelados por Cusack e Grant, ainda consegue ser um passatempo agradável e dono de um humor irônico e agradável - apesar de ter como tema central um assunto pouco palatável à grande audiência: o suicídio.
Tudo começa em uma noite de Ano-novo, quando Martin (Pierce Brosnan), um famoso apresentador de talk show chega ao topo de um prédio de Londres disposto a acabar com a própria vida, depois de um escândalo de sedução de uma menor que acabou com sua carreira. Antes mesmo de criar coragem para chegar às vias de fato, ele percebe a chegada de Maureen (Toni Colette), a mãe solteira de um rapaz doente, que também tem a intenção de acabar com seus problemas se atirando de cima do edifício. A eles juntam-se, logo em seguida, a rebelde Jess (Imogen Poots), filha de um influente político e que acaba de ser abandonada pelo namorado, e JJ (Aaron Paul, da série "Breaking bad"), um entregador de pizza que revela sofrer de câncer cerebral. Frustrados em seus planos, os quatro acabam por fazer um pacto que consiste em ajudar-se mutuamente e tentar resolver seus problemas. Antes do novo encontro, marcado para o Dia dos Namorados, porém, eles tornam-se muito mais próximos do que poderiam imaginar.
Mesmo sem o frescor romântico pop de "Alta fidelidade" e o sarcasmo niilista de "Um grande garoto", o resultado final de "Uma longa queda" é extremamente simpático e divertido, principalmente devido à química entre seus quatro atores centrais. Toni Collete, sempre ótima, volta a viver uma suicida saída da imaginação de Hornby (em "Um grande garoto" ela vivia a depressiva mãe do adolescente desajustado que dava título ao romance e ao filme) e conquista o espectador sem precisar fazer muito esforço. Pierce Brosnan sai-se muito bem na pele da constrangida celebridade em desgraça e Aaron Paul tem sua melhor chance no cinema como um jovem cheio de segredos que descobre o amor onde menos poderia esperar (e substitui à altura a escolha inicial, Emile Hirsch). E a jovem inglesa Imogen Poots - conhecida como a namorada de Anton Yelchin no remake de "A hora do espanto" - mostra-se talentosa o bastante para quase roubar a cena dos parceiros mais experientes. Nem mesmo a queda de ritmo no meio do filme prejudica a coesão atingida pelo cineasta francês Pascal Chaumeil - que dirigiu o simpático "Como arrasar um coração" e morreu aos 54 anos, em agosto de 2015 - e do roteiro delicado de Jack Thorne, oriundo de séries da televisão britânica. Sem buscar a lágrima ou o riso fáceis, o filme cativa principalmente pela sutileza, artigo raro em produções comerciais - não chega a ser surpresa que o filme tenha passado quase em branco pelas telas de cinema.
"Uma longa queda" não é um grande filme. Tem seus defeitinhos de ritmo e em algumas vezes parece quase superficial. Mas é agradável do início ao fim, não trata o espectador como bobo e tem um elenco que justifica plenamente uma sessão de hora e meia. Uma pedida excelente para uma tarde chuvosa ou momentos de tédio. Mais um filme digno da obra literária de Nick Hornby, um dos mais interessantes escritores de sua geração.
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