segunda-feira

UM MÊS, 31 FILMES - DIA 28 - QUENTE E ÚMIDO (MELHOR CENA DE SEXO)


Quando finalmente Marina (Victoria Abril) cede ao desejo e se entrega a seu raptor Ricki (Antonio Banderas) - no filme "Ata-me!" - o cinema de Pedro Almodovar chega ao seu êxtase. Longa, excitante e belamente fotografada (porém, sem filtros desnecessários que transformam o sexo no cinema em uma experiência anestesiante), a cena resume a obra do cineasta espanhol: o prazer ligado à dor, o amor ligado à transgressão, o etéreo (amor) ligado ao físico (o ato sexual). Tudo envolto na trilha sonora de Ennio Morricone. Um dos maiores momentos do cinema europeu dos anos 90.

MONSTER - DESEJO ASSASSINO

MONSTER, DESEJO ASSASSINO (Monster, 2003, Media 8 Entertainment, 109min) Direção e roteiro: Patty Jenkins. Fotografia: Steven Bernstein. Montagem: Arthur Coburn, Jane Kurson. Música: BT. Figurino: Rhona Meyers. Direção de arte/cenários: Edward T. McAvoy/Shawn R. McFall. Produção executiva: Andreas Grosch, Stewart Hall, Sammy Lee, Meagan Riley-Grant, Andreas Schmid. Produção: Mark Damon, Donald Kushner, Clark Peterson, Charlize Theron, Brad Wyman. Elenco: Charlize Theron, Christina Ricci, Bruce Dern, Lee Tergesen, Annie Corley, Pruitt Taylor Vince. Estreia: 16/11/03 (API Film Festival)


Vencedor do Oscar de Melhor Atriz (Charlize Theron)
Vencedor do Urso de Prata no Festival de Berlim: Melhor Atriz (Charlize Theron)
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz/Drama (Charlize Theron)

 Já é comum e notório em Hollywood o fato de que deixar a vaidade de lado para encarnar um papel difícil – e difícil aqui pode ser traduzido como doente mental, homosssexual, deficiente físico, etc – é o caminho mais certeiro para ganhar um Oscar. As evidências estão expostas para quem quiser ver, nas listas dos atores e atrizes premiados com o prêmio máximo da Academia em suas várias décadas de existência. Mas se em muitas vezes a política fala mais alto do que o merecimento não foi o que ocorreu quando Charlize Theron faturou sua estatueta dourada, pelo filme “Monster, desejo assassino”. Na pele de uma prostituta condenada à morte pelos assassinatos de vários clientes, a bela sul-africana dá um banho de interpretação, botando no bolso qualquer veterana e calando a boca daqueles que diziam que ela era apenas um rostinho bonito.
     
Bonitinho, em se tratando de Theron, é eufemismo. Dona de um dos rostos mais lindos da Hollywood atual, a jovem que estreou nas telas como a esposa de Keanu Reeves em “Advogado do diabo” fez o que manda o figurino quando ganhou seu papel em “Monster”: deixou a vaidade de lado, engordou, submeteu-se a horas de maquiagem, usou lentes de contato pretas e mais do que isso, incorporou a personagem com uma garra e uma vontade que por si só já justificariam sua premiação. No entanto, ela fez mais. Quando Theron entra em cena no filme de Patty Jenkins, qualquer fã de cinema imediatamente esquece de sua beleza estonteante, sendo conquistado por seu trabalho avassalador.



“Monster, desejo assassino” é uma história real, ocorrida nos EUA no início dos anos 90. Charlize Theron dá vida a Aileen Wuornos, uma prostituta que, cansada da vida de miséria e violência que sempre viveu vê na jovem Selby (uma impecável Christina Ricci) uma nova esperança de felicidade. Juntas, as duas iniciam um relacionamento que começa a demonstrar sinais de cansaço quando o dinheiro passa a ficar raro. Voltando à prostituição, Aileen acaba sendo violentada por um cliente e acaba matando-o. Aos poucos, ela começa a matar todos os seus clientes, sempre roubando seus carros e dinheiro. A princípio fazendo vista grossa aos atos de Aileen, Selby passa a demonstrar medo de ser presa como cúmplice, o que destrói a relação entre elas e joga Aileen na cadeia.
     
Mais do que simplesmente a narração dos crimes de Aileen Wuormos – que colaborou com a realização do filme cedendo seus diários inéditos -, a obra de Patty Jenkins também é o retrato de uma mulher cuja vida sempre esteve por um fio, seja em termos de violência, dinheiro ou sexo. A história de amor de Aileen e Selby é que acaba sendo o fio condutor da trama, permitindo a Theron demonstrar o alcance de seu talento e a Christina Ricci abandonar de vez a imagem de adolescente rebelde que sempre fez sua fama para embarcar em um papel complexo, forte e denso. Muitas vezes cru e sem apelar para cenas demasiadamente emotivas, “Monster” não poupa seu público: é chocante, triste, cruel e em vários momentos de partir o coração. Mas é também o palco para um grande trabalho de caracterização de Charlize Theron, uma linda mulher transformada em excelente atriz.

sexta-feira

UM MÊS, 31 FILMES - DIA 27 - MELHOR PORRADA (CENA DE VIOLÊNCIA)


Antes que os nostálgicos de plantão surjam com pedras e tacapes pra cima de mim me acusando de estar privilegiando filmes recentes demais nessa seleção eu só peço a eles que assistam à assustadora cena do elevador em "Drive" - de Nicolas Winding Refn - na qual o misterioso personagem de Ryan Gosling simplesmente destroça o perseguidor da mulher por quem está apaixonado. Ecoando os melhores momentos de um Scorsese de início da carreira, a cena gruda na memória de forma absurda. E é uma das mais impactantes dos últimos anos.


CASA DE AREIA E NÉVOA


CASA DE AREIA E NÉVOA (House of sand and fog, 2003, Dreamworks SKG, 126min) Direção: Vadim Perelman. Roteiro: Vadim Perelman, Shawn Lawrence Otto, romance de Andre Dubus III. Fotografia: Roger Deakins. Montagem: Lisa Zeno Churgin. Música: James Horner. Figurino: Hala Bahmet. Direção de arte/cenários: Maia Javan/Gene Serdena. Produção executiva: Nina R. Sadowsky, Stewart Till. Produção: Michael London, Vadim Perelman. Elenco: Ben Kingsley, Jennifer Connelly, Shohreh Aghdashloo, Ron Eldard, Frances Fisher, Jonathan Ahdout. Estreia: 26/12/03

3 indicações ao Oscar: Ator (Ben Kingsley), Atriz Coadjuvante (Shohreh Aghdashloo), Trilha Sonora Original

Nada mais saudável queuma indústria que lega ao mundo escapismos milionários como a trilogia "O Senhor dos Anéis" também possa oferecer a pessoas que procuram mais substância nas salas de cinema, filmes como este "Casa de areia e névoa". Dirigido pelo ucraniano Vadim Perelman, a adaptação do romance de Andre Dubus III - que recebeu mais de cem ofertas pelos direitos cinematográficos - é um soco no estômago, mas realizado com uma competência assustadora que ninguém deixa ninguém incólume com sua força.

Jennifer Connelly, aqui acabando com qualquer dúvida que porventura tivessem de seu talento, vive Kathy Nicolo, uma faxineira (??) com problemas de alcoolismo que não tem uma relação das melhores com a família e foi abandonada pelo marido.Como desgraça pouca é bobagem e não interessa à Hollywood, ela acaba perdendo a casa que herdou do pai, por problemas de impostos cobrados erroneamente pela prefeitura. Antes mesmo de conseguir resolver sua situação, no entanto, ela descobre que a casa já foi vendida, em um leilão, a um imigrante iraniano, o militar Behrani (em uma atuação excepcional de Ben Kingsley, merecidamente indicado ao Oscar por seu desempenho), que tem a intenção de revender a propriedade por um preço bem maior que o pago, para proporcionar uma vida melhor à esposa Nadi (Shoreh Ahgdashloo, indicada ao Oscar de coadjuvante) e ao filho Esmail (Jonathan Ahdout). Contando com a ajuda de Lester (Ron Eldard), um policial com o casamento em crise, Kathy passa a tentar de todas as maneiras expulsar o novo proprietário de sua casa, usando até mesmo de subterfúgios que podem afastar-lhe ainda mais de seu objetivo.

        

Fugindo do óbvio e do clichê a cada cena, "Casa de areia e névoa" é um filme adulto, sério, que não tenta, em momento algum, comover o espectador com cenas lacrimosas ou chocá-lo com uma violência além da psicológica que trespassa todo o ótimo roteiro co-escrito pelo diretor. As surpresas que ele reserva ao público são genuínas e verossímeis, e suas personagens são de uma complexidade e integridade únicas no cinemão americano. Não há vilões ou heróis na história de Dubus, cada um tem seus motivos para disputar a casa - Kathy se agarrando a ela como único elo de sanidade de sua vida, Behrani a vendo como o passaporte para uma vida menos sacrificada e que poderá lembrar de tempos melhores em seu país de origem - e cabe à plateia, grata por tamanha qualidade dramática, escolher um lado e testemunhar o duelo de forças entre as personagens e seus atores, todos em dias iluminados.

Fotografado com competência assustadora por Roger Deakins, "Casa de areia e névoa" ainda apresenta um final de uma tal angústia e desespero que o coloca entre um dos melhores dramas que Hollywood apresentou a seu público no início do século XXI.

quinta-feira

UM MÊS, 31 FILMES - DIA 26 - UNHA E CARNE (MELHOR AMIZADE)

Quando se fala em amizade no cinema eu não posso evitar de lembrar imediatamente de um dos filmes mais lindos, emocionantes e inesquecíveis que já tive o prazer de ver e rever e trever. Adaptado de um conto de Stephen King chamado "The body" - que deixa de lado sua obsessão por alienígenas, monstros e assassinos - o filme "Conta comigo" foi dirigido por Rob Reiner em 1986 e chegou a concorrer ao Oscar de roteiro adaptado. E eu desafio a qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade a assistí-lo sem ficar com um aperto no coração e um nó na garganta.

Pra quem não conhece, "Conta comigo" narra a aventura de quatro amigos pré-adolescentes dos anos 50 que, para fugir da mediocridade e, em alguns casos violência de suas vidas domésticas, partem em busca do corpo de um menino que morreu atropelado por um trem. Oficialmente eles desejam fama. Na verdade, querem momentos para jamais esquecerem - e os encontram, não na forma do cadáver (cuja busca passa a ser a menor das aventuras) mas como uma amizade indelével e marcante.

Narrado por um dos amigos em forma de flashback - em participação especial de Richard Dreyfuss - "Conta comigo" ainda tem inúmeros trunfos, além do roteiro impecável. A trilha sonora que inclui a famosa música-tema "Stand by me" - adorada por John Lennon - o clima nostálgico, o humor inocente e o elenco formidável que inclui - em início de carreira - Kiefer Sutherland e John Cusack e os ótimos Corey Feldman, Jerry O'Connell, Wil Wheaton e o saudoso River Phoenix em um papel ícônico em sua curta e promissora carreira. Para ver e arrepiar-se sempre.

ALGUÉM TEM QUE CEDER


ALGUÉM TEM QUE CEDER (Something's gotta give, 2003, Columbia Pictures/Warner Bros, 128min) Direção e roteiro: Nancy Meyers. Fotografia: Michael Ballhaus. Montagem: Joe Hutsching. Música: Hans Zimmer. Figurino: Suzanne McCabe. Direção de arte/cenários: Jon Hutman/Beth Rubino. Produção: Bruce A. Block. Elenco: Diane Keaton, Jack Nicholson, Keanu Reeves, Amanda Peet, Frances McDormand, Jon Favreau, Paul Michael Glaser, Rachel Ticotin. Estreia: 12/12/03

Indicado ao Oscar de Melhor Atriz (Diane Keaton)
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz Comédia/Musical (Diane Keaton)

Em 2000, a diretora/roteirista Nancy Meyers agradou o público - em especial o feminino - com a comédia "Do que as mulheres gostam", na qual fez o machão Mel Gibson adentrar o pensamento da mulher do século XXI depois de um choque elétrico (??). Três anos depois ela voltava às telas com uma comédia bastante superior e mais madura, novamente encarando um tema pouco explorado pelo cinemão americano: o amor depois dos 50 anos. Em uma época em que apenas as plateias adolescentes parecem ser levadas em conta na hora em que novos projetos são aprovados, "Alguém tem que ceder" provou - à Fox, por exemplo, que não se interessou pelo filme justamente pela idade de seus protagonistas - que inteligência e bom-gosto sempre tem seus fãs: mais de 120 milhões de dólares arrecadados nas bilheterias e uma surpreendente - mas justa - indicação de sua estrela, Diane Keaton, ao Oscar de melhor atriz.

O protagonista masculino da estória é o empresário musical Harry Sanborn (Jack Nicholson), que tem um fraco por mulheres mais jovens: sua faixa etária preferida é cerca de metade de sua idade. Sua nova conquista é a bela Marin (Amanda Peet), filha da bem-sucedida dramaturga Erica Barry (Diane Keaton). Durante um final de semana na belíssima propriedade da família, em Hamptons, Harry tem um enfarte e se vê obrigado a conviver com a “sogra”, com quem não tem um relacionamento dos mais agradáveis e gentis. Erica, no processo de começar um novo trabalho também não fica muito feliz com a possibilidade de ter que ser enfermeira do arrogante e auto-suficiente namorado da filha única, mas vê a situação ficar mais agradável quando conhece o jovem médico do empresário (Keanu Reeves), que cai de amores por ela. Toda a estranha situação fica ainda mais complicada quando Harry, que até então nem pensava em olhar para uma mulher com mais de 30 anos descobre-se interessado em Erica.

        

Escrito com um frescor e uma inteligência ímpares, o roteiro de “Alguém tem que ceder” brinca com a idade dos personagens de maneira engraçada sem ser boba, irônica sem ser complacente e principalmente, romântica sem ser piegas. Os diálogos entre Keaton e Nicholson (ainda sendo o mesmo Jack Nicholson de sempre, mas menos irritante) estão entre os mais sensíveis e cômicos de sua época, e recitados por dois dos melhores atores que se poderia encontrar. Keaton principalmente. A complexa mudança de sua personagem, que redescobre o amor depois de muito tempo enterrado em uma vitoriosa carreira não poderia ser entregue a qualquer atriz. Mas Diane já fez vários filmes com seu ex-marido Woody Allen e sabe como ninguém mergulhar em neuroses inteligentes e bem-humoradas. Não é de se julgar Meyers, que já escreveu o roteiro com seu par de atores em mente e recusou quaisquer outras possibilidades de elenco - e felizmente Nicholsou preferiu estar aqui do que em "Papai Noel às avessas", que deu a Billy Bob Thornton um de seus melhores papéis.
    
 “Alguém tem que ceder” é uma das melhores comédias românticas da década. Sabe ser engraçada, romântica, sensível e arrancar gargalhadas e lágrimas. Mesmo que se arraste um bocado em seu terço final, alongando-se demais, jamais chega a ser cansativa ou aborrecida - principalmente por contar também com a excelente Frances McDormand como a irmã de Erica, dona de momentos impagáveis. E se não fosse só isso, ainda é um prazer dos maiores ver a casa de praia da personagem principal. Mais do que apenas cenário, é uma festa para os olhos, fotografada com precisão pela lente do veterano Michael Balhaus.

terça-feira

21 GRAMAS


21 GRAMAS (21 grams, 2003, Focus Features, 124min) Direção: Alejandro Gonzalez Iñarritu. Roteiro: Guillermo Arriaga. Fotografia: Rodrigo Prieto. Montagem: Stephen Mirrione. Música: Gustavo Santaolalla. Figurino: Marlene Stewart. Direção de arte/cenários: Brigitte Broch/Meg Everist. Produção executiva: Ted Hope. Produção: Alejandro Gonzalez Iñarritu. Elenco: Sean Penn, Benicio Del Toro, Naomi Watts, Melissa Leo, Charlotte Gainsbourg, Danny Huston, Clea Duvall, Eddie Marsan. Estreia: 19/10/03

2 indicações ao Oscar: Atriz (Naomi Watts), Ator Coadjuvante (Benicio Del Toro)

A vida vista pelos olhos do roteirista Guillermo Arriaga e pelo diretor Alejandro Gonzalez Iñarritu não é exatamente cor-de-rosa. Pelo contrário, a dupla de mexicanos que deu ao mundo o excepcional “Amores brutos” volta a analisar o lado sombrio e triste da alma humana em seu segundo longa-metragem, desta vez sob os auspícios generosos de um orçamento hollywoodiano, sem, no entanto, perder em qualidade dramática. A estrutura do primeiro filme – histórias aparentemente isoladas que se entrecruzam – se mantém. O ritmo próprio idem. Mas, se antes o elenco não contava com nenhum nome internacionalmente conhecido – Gael García Bernal ainda não havia estourado – agora a história é bem diferente. Quando “21 gramas” estreou, Benicio Del Toro já tinha um Oscar na prateleira, Sean Penn estava em vias de ganhar o seu primeiro por "Sobre meninos e lobos" e Naomi Watts já era famosa entre os críticos por sua atuação em “Cidade dos sonhos” e entre os fãs de cinema pelo remake de “O chamado”.

Contado de forma aparentemente desconecta, “21 gramas” conta três histórias que se encontram (se chocam talvez seja a melhor expressão) devido a um trágico acidente de carro (ecoando a mesma situação de “Amores brutos”). O professor Paul Rivers (Sean Penn, mais uma vez sensacional) sofre de uma doença grave no coração e precisa de um transplante – para salvar sua vida e manter seu abalado casamento com  Mary (Charlotte Gainsbourg), que sonha em ter um filho mas esconde um aborto em seu passado. Christina Peck (Naomi Watts merecidamente indicada ao Oscar) é uma dona-de-casa dedicada que vive uma vida de faz-de-conta com o marido Michael (Danny Huston) e as filhas pequenas. E Jack Jordan (Benicio Del Toro, avassalador) é um ex-presidiário que, convertido a um catolicismo fanático na prisão, tenta reestabelecer o convívio com a família. O destino, irônico como nunca, porém, prega uma peça a todos eles: em um final de tarde, Jack atropela e mata a família de Michael, cujo coração vai parar no peito de Paul, que, em um ato de desatino, procura Christina e se apaixona por ela, que desesperada, deseja vingança.


É desesperador assistir-se à "21 gramas". Ao contrário do que normalmente acontece no cinemão americano, a angústia e a dor de seus protagonistas não são disfarçados por um humor deslocado ou por belas imagens - ainda que a fotografia excepcional de Rodrigo Prieto esteja totalmente de acordo com a intenção de Iñarritu de aproximar o espectador de suas personagens, em closes tensos e uma iluminação que reflete com perfeição todos os estados de espíritos. A edição picotada de Stephen Mirrione - vencedor do Oscar por "Traffic" - também colabora para corroborar a desorientação dos três anti-heróis criados por Guillermo Arriaga, em um roteiro tão coeso que é o ápice de sua carreira: Paul, Christina e Jack são pessoas reais, de carne-e-osso, construídas com tal verdade que é impossível à audiência não acreditar em seus dramas e dúvidas. E para isso, logicamente, o cineasta conta com um elenco nunca menos do que espetacular.


É difícil lembrar um filme cujo trio de protagonistas seja tão especial quanto aquele que forma a tríade de ouro de "21 gramas". Enquanto Penn mais uma vez comprova seu talento e versatilidade, Naomi Watts surpreende demonstrando um alcance dramático vislumbrado em "Cidade dos sonhos" e aqui visto em sua totalidade de nuances. Mas é Benicio Del Toro com seu devastador Jack Jordan quem rouba o filme, com diálogos substanciais e uma crença tão absoluta no destino - a quem ele coloca o nome de Deus - que é impossível não lhe crer em cada fala, em cada silêncio, em cada olhar. Mais ainda do que no papel que lhe deu o Oscar - em "Traffic" - é aqui que Del Toro demonstra todo seu imenso talento, em uma interpretação arrepiante.

Por mais árduo e dolorido que seja compartilhar das duas horas de sofrimento imposto por "21 gramas" é também impossível não se deixar emocionar e envolver com sua trama. Forte, emocionante e triste, é um dos grandes filmes de seu tempo, e a obra-prima - até a data - de seu extraordinário realizador.

UM MÊS, 31 FILMES - DIA 25 - MEU VILÃO PREFERIDO

Um diretor do porte de Martin Scorsese, um ator como Robert DeNiro e um roteiro que mistura violência física e psicológica. O que mais se pode esperar de um suspense? Max Cady, o ex-presidiário sedento por vingança urdido em "Cabo do medo" - refilmagem de "Círculo do medo", da década de 60 - é o vilão ideal do cinema: amoral, cruel e disposto a qualquer coisa pra atingir seus objetivos malignos, o que inclui violência sexual e homicídio. Nem mesmo os exageros do terço final do filme, que o transformam em um super-humano conseguem atrapalhar a sensação de pavor e tensão que o visual assustador de DeNiro causa no espectador. Vilão de primeira linha!

segunda-feira

UM MÊS, 31 FILMES - DIA 24 - MELHOR PAR ROMÂNTICO

Que me perdoem os saudosistas (categoria em que até me enquadro em determinados momentos), mas não vou repetir a mesma ladainha de sempre, escolhendo como melhor par romântico as dobradinhas clichês (ainda que justas) de Clark Gable/Vivien Leigh, Ingrid Bergman/Humphrey Bogart, Richard Gere/Julia Roberts. Minha escolha recai em um par romântico mais contemporâneo, mas nunca menos avassalador e/ou dramático - e o fato do casal de atores ter se apaixonado durante as filmagens apenas reitera minha teoria de que química não é algo que se fabrique.

Em "Diário de uma paixão", Ryan Gosling e Rachel MacAdams vivem uma história de amor daquelas que todos os fãs do cinema romântico sempre sonharam viver. Lindos e talentosos, eles conquistam o público com uma verdade poucas vezes vista nas últimas décadas. Não é à toa que é impossível não se apaixonar por eles durante a sessão...

REVELAÇÕES


REVELAÇÕES (The human stain, 2003, Miramax Films, 106min) Direção: Robert Benton. Roteiro: Nicholas Meyer, romance de Philip Roth. Fotografia: Jean-Yves Scoffier. Montagem: Christopher Tellefsen. Música: Rachel Portman. Figurino: Rita Ryack. Direção de arte/cenários: David Gropman/Claude Leclair. Produção executiva: Ron Bozman, Steve Hutensky, Eberhard Kayser, Andre Lamal, Michael Ohoven, Rick Schwartz, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Gary Lucchesi, Tom Rosenberg, Scott Steindorff. Elenco: Anthony Hopkins, Nicole Kidman, Ed Harris, Gary Sinise, Wentworth Miller, Jacinda Barrett. Estreia: 29/8/03 (Festival de Veneza)

Em Hollywood existe um termo chamado miscasting, que é o que ocorre quando um filme apresenta algum erro grosseiro de escalação de elenco. Às vezes tais erros são passíveis de perdão - principalmente quando acontece uma reversão de expectativas e um ator dado como inadequado surpreende todo mundo - mas em  muitos casos fica difícil de engolir. É o que acontece com "Revelações", dirigido por Robert Benton - que, no final dos anos 70, emocionou o mundo com "Kramer vs Kramer": por melhores atores que sejam, Anthony Hopkins e Nicole Kidman estão absolutamente fora do lugar nesta adaptação do romance "A marca humana", de Philip Roth - e o título em português também não deixa de ser de uma preguiça estapafúrdia. Nem mesmo a magia do cinema é capaz de convencer o espectador, por mais boa-vontade que ele tenha, de que Hopkins é mulato e Kidman uma faxineira desleixada e com um passado repleto de traumas. Talvez justamente devido a essa absurda escalação de elenco o filme tenha naufragado lindamente, tanto no mercado doméstico quanto no estrangeiro - além de não ter tampouco agradado à crítica.

Na verdade o filme de Benton tem muitos outros problemas. Apesar de francamente inteligentíssimo, Philip Roth é um escritor pesado, com estilo pouco cinematográfico e bastante intimista, o que por si só já é um desafio enorme a qualquer roteirista. Em "A marca humana" a coisa fica ainda mais complicada por contar não apenas uma história, mas várias ramificações de um mesmo tema: a força do passado e suas consequências no presente estão por todo o filme, permeando as decisões das personagens e lhes empurrando em direção a outras decisões - que por sua vez, também trarão resultados nem sempre felizes. Unir em um roteiro coeso - e facilmente digerível a uma plateia cada vez menos acostumada a pensar - tudo isso não é tarefa das mais fáceis. E nem sempre Nicholas Meyer consegue atingir seus objetivos.



O filme começa quando o professor Coleman Silk (Anthony Hopkins) é demitido da universidade onde lecionava, acusado de racismo. Sua demissão acaba resultando na morte da esposa, e Silk, aturdido e convencido de que sua morte foi provocada pela intolerância de seus superiores, trava amizade com o escritor Nathan Zucker (Gary Sinise interpretando uma personagem constante na bibliografia de Roth) e começa a contar-lhe sua história de vida, que esconde um segredo que ele manteve durante mais de cinquenta anos: humilhado por sua condição de mulato, Silk (vivido na juventude pelo surpreendente Wentworth Miller, que faria sucesso anos mais tarde na série "Prison break") reiventou sua origem para manter uma bem-sucedida carreira e fazer um bom casamento, deixando para trás toda a sua família. Na maturidade, esses fantasmas o perturbam e o aproximam de Faunia Farley (Nicole Kidman), uma faxineira cuja vida familiar também possui um trauma irreparável.

Apesar do romance entre Silk e Faunia jamais convencer - assim como o background de suas personagens não soarem verdadeiros mesmo quando os atores estão dando o melhor de si em cada cena - o filme de Benton cresce bastante quando mostra o passado do professor. Não deixa de ser uma surpresa perceber que, em um filme estrelado por dois vencedores do Oscar, um novato seja o maior destaque. Vivendo de forma orgânica e sentimental os dramas de sua personagem, o jovem Wentworth Miller rouba a cena descaradamente, mesmo que não precise fazer longos discursos ou buscar lágrimas forçadas. É quando o rapaz aparece em cena que "Revelações" mostra um pequeno vislumbre do que poderia ter sido, caso as escolhas certas tivessem sido feitas em sua pré-produção. Toda a trama envolvendo a juventude de Coleman Silk - do preconceito sofrido pela família da namorada até o rompimento traumático com a própria mãe - pulsa repleta de verdade e sentimento, fazendo com que a audiência se importe com ele e até mesmo compreenda seus atos (que serão ironicamente jogados contra ele no futuro).

No final das contas, "Revelações" é um filme que poderia ter sido muito bom, mas que caiu na vala de suas boas intenções. Desperdiçando até mesmo o ótimo Ed Harris (aqui na pele do ex-marido vingativo de Nicole Kidman), é um trabalho menor de Robert Benton, recomendável apenas pela atuação de Miller - e para os fãs inveterados de Hopkins e Kidman.

PEIXE GRANDE

PEIXE GRANDE (Big fish, 2003, Columbia Pictures, 125min) Direção: Tim Burton. Roteiro: John August, romance de Daniel Wallace. Fotografia: Philippe Rousselot. Montagem: Chris Lebenzon. Música: Danny Elfman. Figurino: Colleen Atwood. Direção de arte/cenários: Dennis Gassner/Nancy Haigh. Produção executiva: Arne L. Schmit. Produção: Bruce Cohen, Dan Jinks, Richard D. Zanuck. Elenco: Ewan McGregor, Albert Finney, Billy Crudup, Jessica Lange, Alison Lohmann, Danny DeVito, Marion Cottilard, Steve Buscemi, Helena Bonham-Carter. Estreia: 10/12/03

Indicado ao Oscar de Trilha Sonora

Dizem que a paternidade amolece o coração dos homens. E quando se assiste a “Peixe grande” a teoria ganha ainda mais força. Afinal de contas, o novo filme do diretor Tim Burton deixa de lado monstros, assassinos e criaturas bizarras para concentrar-se em uma bela história de amor entre marido e mulher, pai e filho, passado e presente. Tudo bem, o gosto por personagens excêntricos ainda se mantém intocado, mas dessa vez o criador de Edward Mãos de Tesoura pega bem mais leve em sua atração pelos tons sombrios e de humor negro. “Peixe grande” é o primeiro filme de Burton depois do nascimento de seu filho e talvez por isso seja tão delicado ao lidar com os temas que propõe.
    
Baseado em um romance de Daniel Wallace que quase foi filmado por Steven Spielberg com Jack Nicholson no papel central, “Peixe grande” conta duas histórias que se fundem em uma só, tendo como protagonista Edward Bloom, um homem incapaz de levar uma vida monótona. Quando o filme começa ele está à beira da morte (sendo brilhantemente interpretado por Albert Finney) e recebe a visita do filho único, William (Billy Crudup), com quem não tem uma relação das melhores, e que está prestes a também ser pai. Na verdade, o relacionamento entre os dois sempre esteve perto da superficilidade, uma vez que William não consegue aceitar o jeito de ser do pai, capaz de inventar histórias mirabolantes para contar cada momento de sua vida. Sentindo que não conhece a verdade sobre seu progenitor, o rapaz tenta separar o que é delírio e o que realmente aconteceu, contando pra isso com a ajuda da mãe, Sandra (Jessica Lange) e da esposa, a francesa Josephine (Marion Cottilard). Enquanto tenta lidar com a possibilidade da morte dele, William passa a recordar as histórias narradas por seu pai.

 

Mas a verdadeira pérola do filme de Burton – apesar da excelência dos atores que vivem o presente – encontra-se nas histórias contadas por Bloom. É lá, entre os visuais deslumbrantes criados por Dennis Gassner e fotografados por Phillipe Rousselot que está a essência do cineasta. Vivido na juventude por um carismático Ewan McGregor, Edward Bloom cai de amores pela jovem Sandra Templeton (interpretada por Alison Lohman) e vive aventuras inacreditáveis que incluem gêmeas siamesas, um dono de circo que vira lobisomem, um gigante de bom coração, uma cidade abandonada e até mesmo uma bruxa cujo olho de vidro prevê a morte dos interlocutores (vivida pela sra. Tim Burton, Helena Bonham Carter). Dentro do universo extremamente onírico que o cineasta acostumou seu público, são nas sequências da juventude de Bloom que “Peixe grande” deixa transparecer quem é seu capitão, mesmo que dessa vez ele fale mais suavemente à sua platéia.
    
“Peixe grande” é mais uma pequena obra-prima de Tim Burton, capaz de enternecer qualquer coração empedernido com seu belo discurso sobre amor, família, liberdade e principalmente sobre o poder da fantasia em ajudar a suportar a realidade de uma vida comum. Engraçado e terno, é o filme família que o diretor devia desde “Edward Mãos de Tesoura”.

sexta-feira

TERRA DE SONHOS


TERRA DE SONHOS (In America, 2003, Fox Searchlight Pictures, 105min) Direção: Jim Sheridan. Roteiro: Jim Sheridan, Naomi Sheridan, Kirsten Sheridan. Fotografia: Declan Quinn. Montagem: Naomi Geraghty. Música: Gavin Friday, Maurice Seezer. Figurino: Eimer Ní Mhaoldomhnaigh. Direção de arte/cenários: Mark Geraghty/Johnny Byrne. Produção: Arthur Lappin, Jim Sheridan. Elenco: Samantha Morton, Paddy Considine, Djimon Houson, Sarah Bolger, Emma Bolger. Estreia: 26/11/03

3 indicações ao Oscar: Atriz (Samantha Morton), Ator Coadjuvante (Djimon Houson), Roteiro Original

A julgar pelos furiosos trabalhos anteriores do diretor Jim Sheridan a chegar ao grande público – em especial os premiados “Meu pé esquerdo” e “Em nome do pai” – a última coisa que se poderia esperar a seu respeito é que ele fosse realizar um filme como “Terra de sonhos”, uma ode a uma América justamente em um dos momentos mais cruciais de sua auto-estima. Inspirado em fatos reais – em tese ocorridos com a família do próprio diretor, que escreveu o roteiro juntamente com suas filhas Naomi e Kirsten – seu novo filme é uma declaração de amor à família, ao amor e aos EUA enquanto terra das oportunidades

O filme começa com a chegada de uma família irlandesa a Nova York, no início dos anos 80. O aspirante a ator Johnny (o ótimo Paddy Considine) logo arruma emprego como taxista noturno enquanto luta por um lugar ao sol. Sua mulher, Sarah (Samantha Morton, em uma atuação esplêndida, indicada ao Oscar) começa a trabalhar como garçonete e suas duas filhas, Christy e Ariel (as encantadoras irmãs na vida real Sarah e Emma Bolger) não demoram a acostumar-se com a vizinhança, repleta de travestis e traficantes de drogas, apesar de não se darem tão bem assim na escola. A vida cheia de dificuldades da família logo se transforma quando eles ficam amigos do artista plástico Matteo (uma interpretação poderosa de Djimon Hounson, também concorrente ao Oscar), um imigrante africano que sofre de AIDS. Justamente nesse momento, Sarah se descobre grávida novamente, o que pode ajudar seu marido a superar a trágica morte de seu filho pequeno, ocorrida pouco antes de sua chegada à América.



Quando ainda tinha o título de "East of Harlem", o filme de Sheridan tinha como prováveis protagonistas oa ótimos Ewan McGregor e Kate Winslet, mas não há como negar que a escalação de Considine (um ator pouco conhecido pelo grande público) e Morton (revelada por Woody Allen em "Poucas e boas" e que roubou a cena de Tom Cruise em "Minority report, a nova lei") provou-se mais do que acertada. Longe do visual glamouroso de Hollywood, os atores ganham a audiência justamente por serem normais e verossímeis, o que seria bem menos fácil com a inclusão dos conhecidos McGregor e Winslet. Na pele de Johnny e Sarah, Considine e Morton mostram-se entregues, sofridos e esperançosos na medida certa e essa qualidade intangível é que eleva "Terra de sonhos" a um patamar dramático absolutamente fascinante.
  
 Escrito com sensibilidade e exalando carinho e esperança em cada cena, “Terra de sonhos” é um filme para ser assistido com o coração aberto, uma vez que apresenta cenas de grande apelo emocional, sem que apele para cenas desnecessariamente chorosas. A encantadora química que une os atores centrais transforma o que poderia ser um filme comum em uma experiência rica e devastadora, que seduz pela simplicidade e pela poesia de um trabalho inesquecível de um homem contando uma experiência pessoal sem ranços panfletários ou discursivos. Um filme a ser descoberto!

SIMPLESMENTE AMOR

SIMPLESMENTE AMOR (Love actually, 2003, Universal Pictures, 135min) Direção e roteiro: Richard Curtis. Fotografia: Michael Coulter. Montagem: Nick Moore. Música: Craig Armstrong. Figurino: Joanna Johnston. Direção de arte/cenários: Jim Clay/Caroline Smith. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Duncan Kenworthy. Elenco: Hugh Grant, Emma Thompson, Liam Neeson, Colin Firth, Laura Linney, Alan Rickman, Bill Nighy, Lucia Moniz, Keira Knightley, Rodrigo Santoro, Martin Freeman, Andrew Lincoln, Chiwetel Ejiofor, Billy Bob Thornton, Heike Makatsch, Nina Sosanya. Estreia: 07/11/03

Definitivamente não dá pra não simpatizar com uma comédia romântica como “Simplesmente amor”. Ao contar diversas histórias de personagens das mais diversas classes sociais e culturais na Inglaterra – todas de amor, mas de inúmeros tipos de amor – o roteiro do diretor Richard Curtis atinge qualquer tipo de pessoa, seja essa pessoa fã de romance, comédia ou drama. E conta suas histórias com tanta simpatia e generosidade que o difícil é não querer ver e rever para emocionar-se a cada revisão com uma personagem diferente.

Trabalhando com um elenco predominantemente inglês, Curtis escolheu a dedo seus atores estrangeiros – e aí inclui-se o brasileiro Rodrigo Santoro, a americana Laura Linney, o irlandês Liam Neeson e a portuguesa Lucia Moniz – para traçar um painel de sentimentos e relações aparentemente ambicioso, mas que funciona como um relógio. Ao contrário dos dramas psicológicos intensos como os retratados em “Magnólia”, por exemplo, o objetivo do diretor é entreter e emocionar durante duas horas sem no entanto castigar a plateia com abuso sexual, alcoolismo, vício em drogas, etc.... A proposta de “Simplesmente amor” é encantar. E para isso não faltam trunfos.


       

“Simplesmente amor” começa poucas semanas antes do Natal e conta várias histórias. É perto do Natal que o novo Primeiro-Ministro (vivido por um divertido Hugh Grant) assume seu cargo e se apaixona por Natalie (Martine McCutcheon), a moça do cafezinho – um romance que o fará desafiar o todo-poderoso presidente americano (Billy Bob Thornton em participação especial). É pouco antes do Natal também que o astro decadente de rock Billy Mack (Bill Nighy roubando descaradamente a cena) começa a tentar sua volta às paradas de sucesso, regravando a clássica “Love is all around” com a letra modificada para acompanhar a data comemorativa. É também quando acontece o funeral da esposa de Daniel (Liam Neeson), que passa a ter que lidar com a viuvez e com o enteado, o pequeno Sam (Thomas Sangster), apaixonado por uma coleguinha de escola. Também é por essa época que o jovem Mark (Andrew Lincoln) entra em depressão por estar apaixonado pela bela Juliet (Keira Knightley), esposa do seu melhor amigo.
Se não fossem suficientes, a essas tramas outras se juntam aos poucos: é o caso do romance hesitante entre o escritor Jamie (Colin Firth) e sua empregada doméstica portuguesa Aurélia (Lucia Moniz); a crise no casamento de Karen (Emma Thompson) e Harry (Alan Rickman), causada pela secretária dele, Mia (Heike Makatasch); o início tímido do namoro entre a dedicada Sarah (Laura Linney) e seu colega de trabalho Karl (Rodrigo Santoro), atrapalhado pelas crises de saúde do irmão dela; a ilusão do jovem Colin (Kris Marshall) de que vai encontrar o amor nos EUA e o começo da relação entre dois dublês de filmes pornô.

Como já foi dito anteriormente, é difícil não se apaixonar por “Simplesmente amor”. Engraçado, terno, verdadeiro, sensível e de partir o coração, o roteiro de Richard Curtis encontra em seu elenco multi-estelar a encarnação perfeita de personagens carismáticos e extremamente humanos, capazes de atos enlouquecidos de amor, renúncia e até egoísmo. Somados a uma edição ágil e precisa e uma trilha sonora que é quase (mais) uma personagem à parte, o filme mais romântico de 2003 é também um dos mais românticos das últimas décadas. Irresistível!

quinta-feira

AMOR SEM FRONTEIRAS

AMOR SEM FRONTEIRAS (Beyond borders, 2003, Mandalay Pictures, 127min) Direção: Martin Campbell. Roteiro: Caspian Tredwell-Owen. Fotografia: Phil Meheux. Montagem: Nicholas Beauman. Música: James Horner. Figurino: Norma Moriceau. Direção de arte/cenários: Wolf Kroeger/Jim Erickson. Produção executiva: J. Geyer Kosinski, Roland Pellegrino. Produção: Dan Halsted, Lloyd Phillips. Elenco: Clive Owen, Angelina Jolie, Linus Roache, Teri Polo, Noah Emmerich, Yorick van Wageningen. Estreia: 24/10/03

Em um mundo onde filmes são feitos pelos motivos mais variados, desde egos inflados até por ganância mal dissimulada, não deixa de ser um alívio saber que filmes como esse “Amor sem fronteiras” ainda podem chegar às telas. O diretor Martin Campbell, que já comandou uma aventura de 007, um dos maiores estandartes do cinema como entretenimento, forja aqui uma história de amor, sofrimento e ideais humanitários, sem apelar para efeitos especiais espetaculares e protagonistas com super-poderes. Suas intenções são as melhores, mas nem por isso ele deixa de tropeçar em algumas delas, durante o caminho.
         
Em 1984, em Londres, a bela socialite Sarah Jordan (Angelina Jolie) fica impressionada com a figura de Nicholas Calahan (Clive Owen), um médico especializado em causas humanitárias da Etiópia, que interrompe uma festa de gala para expor a situação do país. Sem conseguir tirar o episódio da cabeça, Sarah resolve ir até à África para ajudar os famintos. A príncipio desencorajada por Nicholas, que vê nela apenas uma moça fútil em busca de aventuras para sua vida tediosa, ela encanta-se com os ideais do grupo liderado pelo médico, mas volta para seu país e seu marido (Linus Roache).

Em 1989, já com um filho e em crise no casamento com o marido desempregado, Sarah volta a demonstrar solidariedade, embarcando para o Camboja para ajudar seu povo, envolvido em uma séria crise política. Dessa vez a atração entre Sarah e Nicholas transforma-se em amor, mas o médico foge do relacionamento, temeroso que o romance possa desviar-lhe dos problemas que ele tenta solucionar. No início dos  anos 90, Sarah, com outro filho, descobre que Nicholas foi pego como refém por terroristas da Chechênia. Decidida a salvar a vida do homem que ama, ela mais uma vez parte atrás dele, correndo sérios riscos de morte.

 

“Amor sem fronteiras” tem inúmeras qualidades: a fotografia de Phil Meheux é deslumbrante, a música de James Horner é apropriada e os problemas sociais mostrados no decorrer do filme são reais e importantes. No entanto, a obra de Campbell esbarra em alguns problemas bastante chatos. Apesar da primeira hora fascinante e de cenas de grande impacto emocional, o ritmo empaca no terceiro ato, e nem a beleza estonteante de Angelina Jolie consegue evitar alguns bocejos. O amor entre os dois protagonistas nunca chega a convencer totalmente, em grande parte devido ao papel reservado ao sempre competente Owen, cujo personagem parece amar mais as causas que abraça do que qualquer pessoa e em parte devido ao pouco tempo dos dois juntos em cena.
        
Mas é preciso levar em conta, apesar disso, as boas intenções do filme, que são extremamente válidas e que foi graças a ele que Angelina Jolie tomou contato com os problemas sociais mostrados, tornou-se embaixadora da ONU e adotou um menino etíope. E a quantos filmes você assiste que são feitos pelos motivos certos?

quarta-feira

O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA (2003)

O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA (The Texas chainsaw massacre, 2003, New Line Cinema, 98min) Direção: Marcus Nispel. Roteiro: Scott Kosar, roteiro original de Kin Henkel, Tobe Hooper. Fotografia: Daniel C. Pearl. Montagem: Glen Scantlebury. Música: Steve Jablonsky. Figurino: Bobbie Mannix. Direção de arte/cenários: Greg Blair/Randy Smith Huke. Produção executiva: Jeffrey Allard, Ted Field, Andrew Form, Brad Fuller, Guy Stodel. Produção: Michael Bay, Mike Fleiss. Elenco: Jessica Biel, Jonathan Tucker, Erica Leershen, Mike Vogel, Eric Balfour, Andrew Bryniarski, David Dorfman. Estreia: 17/10/03

Em 1974, um filme de terror de orçamento limitadíssimo chamado "O massacre da serra elétrica" tornou-se um dos maiores sucessos do cinema independente de todos os tempos, gerando continuações e cópias descaradas. Depois que o gênero "slash movie" morreu e renasceu diversas vezes, nada parecia mais justo do que dar uma nova chance a um de seus precursores. Para sorte de todos, não houve uma nova sequência e sim uma refilmagem, com mais recursos financeiros e bem mais sangue. A nova versão, se não mantém o visual tosco que de certa forma era parte do charme do original, ao menos mantém a tensão e os sustos na medida certa. Apesar de visualmente mais atraente - o que talvez justifique a renda superior a 80 milhões de dólares somente no mercado americano - a versão século XXI da saga de Leatherface continua extremamente angustiante.

A história - alegadamente real, para efeito de marketing - se passa no verão de 1973 e começa quando um grupo de jovens, dirigindo-se a um show de rock, tem sua van interceptada por uma adolescente ferida e falando desordenadamente. Com o intuito de ajudá-la, eles lhe dão carona, mas a garota acaba dando um tiro na própria cabeça, não sem antes proferir trágicas palavras: "Vocês todos vão morrer!" Apavorados, os jovens resolvem parar na primeira cidade que encontram, para procurar o xerife, mas depois de muito esperar, acabam percebendo que as coisas não correm exatamente dentro da lei por ali. Sendo assim, o casal de namorados Erin (Jessica Biel, linda) e Kemper (Eric Balfourt) resolve ir até um casarão com aspecto de abandonado em busca de um telefone. Os demais amigos, Pepper (Erica Leerhsen), Andy (Mike Vogel) e Morgan (Jonathan Tucker) ficam esperando o xerife. No entanto, muito em breve, todos eles irão perceber que estão correndo sério risco, uma vez que um maníaco armado de uma serra tem o costume de matar qualquer forasteiro, contando com o apoio da família e do próprio homem da lei (em mais uma atuação asquerosa - no bom sentido - de R. Lee Ermey).



É difícil não ficar tenso, angustiado e chocado com a violência de “O massacre da serra elétrica”. Não é apenas o temível Leatherface que assusta o espectador e sim os seres humanos desprezíveis que o cercam. Vivendo em um mundo de sujeira e podridão – fotografado com grande competência por Daniel C. Pearl – e totalmente à parte do que é considerado civilização, com regras e leis, a família do vilão maior do cinema de terror é tão horripilante quanto as cenas de carnificina proporcionadas pelo diretor, que demonstra um respeito inteligente mas não devocional à obra original. Contando ainda com um elenco jovem bastante talentoso – destaque para a bela Jessica Biel – a refilmagem de um dos maiores clássicos do cinema de terror passa com louvor na comparação.

terça-feira

O CUSTO DA CORAGEM


O CUSTO DA CORAGEM (Veronica Guerin, 2003, Touchstone Pictures, 98min) Direção: Joel Schumacher. Roteiro: Carol Doyle, Mary Agnes Donoghue, estória de Carol Doyle. Fotografia: Brendan Galvin. Montagem: David Gamble. Música: Harry Gregson-Williams. Figurino: Joan Bergin. Direção de arte/cenários: Nathan Crowley/Paki Smith. Produção executiva: Ned Dowd, Chad Oman, Mike Stenson. Produção: Jerry Bruckheimer. Elenco: Cate Blanchett, Gerard McSorley, Ciaran Hinds, Brenda Fricker. Estreia: 17/10/03

Filmes baseados em histórias reais tendem a ser maniqueístas, endeusando seus heróis e não deixando espaço para que haja um mínimo de humanidade em seus vilões. Quando o protagonista da história é alguém que lutou por causas nobres, então, a coisa só tende a piorar. No entanto, existem exceções à regra. É o caso de “O custo da coragem”, mais um filme de orçamento pequeno dirigido por Joel Schumacher e que narra a trágica luta de uma jornalista contra o tráfico de drogas em sua Dublin natal. Ao optar por contar apenas a guerra travada entre o bem e o mal, o filme abdica de explorar psicologismos baratos para concentrar-se nos atos e consequências que fizeram de sua protagonista, Veronica Guerin, quase uma heroína nacional.

O filme começa em junho de 1996, com o assassinato da jornalista Veronica Guerin (vivida com gosto e o talento de sempre da australiana Cate Blanchett, exibindo um perfeito sotaque irlandês) em uma rodovia de Dublin. A partir daí, dá um retorno para dois anos antes, quando a capital da Irlanda estava afundada em um de seus piores períodos sociais, com jovens e crianças viciados em drogas e a violência aumentando consideravelmente. Guiada por seu senso de justiça, Veronica, repórter do jornal The Sunday Independent, começa uma investigação por conta própria, para denunciar nas páginas do jornal os principais responsáveis pelo estado caótico de sua terra natal. Contando com a ajuda do sempre esquivo John Traynor (uma ótima atuação de Ciaran Hinds), ele próprio um criminoso envolvido em vários delitos, ela passa a sofrer ameaças de morte para si e a família. Mesmo desencorajada pelo marido, Veronica vai em frente somente para ser morta quando estava prestes a desmascarar o grande chefão John Giilligan (Gerard McSorley).
            

Tirando a atuação sempre acima da média de Cate Blanchett, “O custo da coragem” não acrescenta muito nem à carreira de Joel Schumacher nem à história do cinema em geral. O roteiro não chega a incomodar, mas sofre de uma falta de criatividade e contundência que apenas enfraquece o conjunto. As intenções do filme são ótimas e a luta de sua protagonista é absolutamente válida – sua morte chegou a mudar a Constituição da Irlanda – mas seu jeitão de produção televisiva o impede de alçar maiores vôos. Vale pela intenção!    

segunda-feira

KILL BILL, V.1


KILL BILL, V.1 (Kill Bill, v.1, 2003, Miramax Films, 111min) Direção e roteiro: Quentin Tarantino, personagem criado por Quentin Tarantino e Uma Thurman. Fotografia: Robert Richardson. Montagem: Sally Menke. Música: The RZA. Figurino: Kumiko Ogawa, Catherine Thomas. Direção de arte/cenários: Yohei Taneda, David Wasco/Yoshihito Akatsuka, Sandy Reynolds-Wasco. Produção executiva: Erica Steinberg, E. Bennett Walsh, Bon Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Lawrence Bender. Elenco: Uma Thurman, Lucy Liu, Vivica A. Fox, Daryl Hannah, David Carradine, Michael Madsen, Julie Dreyfus, Chiaki Kuriyama, Sonny Chiba. Estreia: 10/10/03

Cinco anos depois do lançamento de seu filme anterior, "Jackie Brown" - que dividiu a crítica e seus fãs - o cultuado Quentin Tarantino surpreendeu meio mundo com "Kill Bill", uma sangrenta e violenta odisséia de vingança dividida em dois capítulos devido às exigências da Miramax Pictures. Quem esperava um produto típico do diretor levou um susto. Apesar de muitas características suas estarem presentes - diálogos rápidos, referências pop aos borbotões e a edição picotada - o quarto filme de Tarantino é de longe o mais ousado, divertido e radical trabalho de sua mente enlouquecida.

Desde a primeira cena, em preto-e-branco - em que a protagonista inicia seu calvário ao som da belíssima "Bang bang" na voz de Nancy Sinatra - até o final que desperta uma curiosidade atroz de ver logo sua continuação, "Kill Bill, v.1" é um presente aos fãs do cineasta em particular e de cinema como entretenimento em geral. Totalmente desdenhoso de verossimilhança, o universo criado por Tarantino em seu novo filme só faz sentido quando o bom-senso, a crítica e o mau-humor forem deixados de lado. Afinal de contas, suas personagens são capazes de matar quase 100 homens armados em poucos minutos, cabeças decepadas esguicham litros e mais litros de sangue e uma mulher que ficou anos em coma consegue viajar dos EUA ao Japão sem ter ao menos um emprego. Estando ciente dessa necessidade premente de ligar a "suspensão de realidade", basta entrar no clima e cair na diversão - isso se a concepção de diversão do espectador for a mesma do fiel público de Quentin Tarantino.

Tudo começa quando uma jovem grávida e vestida de noiva é violentamente atacada por um bando de matadores e entra em coma. Quatro anos depois, a tal jovem (vivida de forma inesquecível por Uma Thurman) acorda com sede de vingança. Fazendo uma lista com os nomes de todas as pessoas responsáveis por sua tragedia pessoal - todas elas parte de um grupo de extermínio do qual ela mesma fazia parte - ela sai em busca de cada um, disposta a matá-los pessoalmente até chegar ao chefe de todos: o temido Bill, pai da criança que ela esperava no momento do atentado.

        

A história de vingança seria comum e banal, se Quentin Tarantino não estivesse por trás do roteiro. A protagonista, criada pelo diretor e pela atriz Uma Thurman é, sem dúvida, uma das figuras icônicas de seu tempo. O uniforme amarelo usado por Thurman na mais famosa das sequências - quando ela simplesmente dizima um exército de seguranças utilizando apenas uma espada - foi claramente inspirado nos filmes de Bruce Lee, fonte obrigatória na qual Tarantino bebeu descaradamente. Aliás, homenagens não faltam no decorrer da projeção, principalmente a filmes orientais. Até mesmo a criativa e empolgante sequência em anime - para contar as origens de uma das personagens mais interessantes, O-Ren Shii (vivida por Lucy Liu) - faz parte das várias lembranças culturais do diretor.
Mas o que diferencia "Kill Bill, v.1" dos outros filmes do cineasta é a profusão de cenas de ação. Nem mesmo seu filme mais violento até então, "Cães de aluguel", tem tantas cenas de luta e sangue. Milimetricamente coreografadas, as lutas entre Uma Thurman e Vivica A. Fox - que literalmente joga o espectador na trama sem muitos rodeios - e Thurman e Lucy Liu - sem falar em várias outras de tirar o fôlego - não deixam espaço para questionamentos logísticos e/ou filosóficos. São momentos da mais pura adrenalina, com membros sendo decepados sem dó nem piedade, sangue jorrando generosamente e uma trilha sonora que somente os filmes do diretor conseguem tornar homogêneas - que tal "Please, don't let me be misunderstood" ilustrando uma cena belissimamente fotografada em um jardim japonês coberto de neve?

Aliás, outro ganho importante no conjunto final de "Kill Bill, v.1" é o acréscimo do diretor de fotografia Robert Richardson - vencedor do Oscar por "JFK". Substituindo o tradicional Andrzej Sekula, colaborador habitual da equipe de Tarantino, Richardson refinou o visual da obra, criando cenas de acabamento impecável que apenas reiteram o crescimento do autor de "Pulp fiction" como realizador. Em cada cena, em cada quadro nota-se nitidamente a forma como Quentin Tarantino se supera a cada trabalho. No primeiro volume de "Kill Bill" ele deixa um pouco de lado sua tendência à verborragia - mas não nos priva de criar personagens seriamente candidatas à antológicas, como a Elle Driver de Daryl Hannah (que terá bem mais destaque na segunda parte) e a segurança pessoal Gogo Yubari (que, vestida de colegial, já é um fetiche ambulante) - para concentrar-se na ação.

O segundo filme continuaria a saga da protagonista (cujo nome nunca é citado aqui) por sua vingança sangrenta e prometia ainda mais cenas inesquecíveis, além de finalmente apresentar a contento o infame Bill. E alguém conseguiu esperar calmamente depois da última frase do filme??

JADE

  JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...