MÁ EDUCAÇÃO (La mala educacion, 2004, El Deseo S.A., 106min) Direção e roteiro: Pedro Almodovar. Fotografia: José Maria Alcaine. Montagem: José Salcedo. Música: Alfredo Iglesias. Figurino: Paco Delgado, Jean-Paul Gautier. Direção de arte/cenários: Antxon Gomez/Pilar Revuelta. Produção executiva: Esther Garcia. Produção: Agustín Almodovar, Pedro Almodovar. Elenco: Gael García Bernal, Fele Martinez, Lluis Homar, Javier Camara, Francisco Boira. Estreia: 19/3/04
Depois de três obras-primas consecutivas - "Carne trêmula", "Tudo sobre minha mãe" e "Fale com ela" - o cineasta espanhol Pedro Almodovar sofreu seu primeiro revés artístico com este "Má educação", que dividiu a crítica e até mesmo seu público fiel, que recuou um tanto assustado diante do tom quase pessimista impresso pelo diretor. No entanto, ao conseguir fugir gloriosamente das amarras de um gênero tradicionalmente fechado em si mesmo - o suspense - Almodovar na verdade entregou mais um de seus inquietantes trabalhos, com um roteiro impecável e atuações memoráveis, que merecem desde já figurar entre seus grandes momentos.
Na verdade
“Má educação” é difícil de classificar e até mesmo de resumir, bem como seus
trabalhos anteriores. A ação começa em 1980 quando o cineasta Enrique Gaded
(Fele Martinez) recebe a visita de um jovem ator chamado Angel Andrade (Gael
Garcia Bernal). Na verdade, Angel se chama Ignácio Rodriguez e foi colega de
Enrique nos anos 60, quando ambos eram crianças e estudavam em um internato
para meninos dirigido por um padre pedófilo chamado Manolo. Ignacio procura
Enrique para oferecer-lhe os direitos de um conto baseado em sua história de
amor interrompida pelo antigo padre, que largou a batina. Enrique resolve
filmar a estória de Ignacio, mas uma investigação o leva a descobrir que o
jovem ator não é exatamente quem diz ser, e a partir daí a trama se reparte em
três: as filmagens do longa de Enrique, a história escrita por Ignacio e a
verdade sobre o que realmente aconteceu na vida dos protagonistas.
Trabalhando
em um roteiro repleto de camadas, em que nada é o que parece ser no primeiro
momento, Almodovar construiu uma trama capaz de confundir e fascinar na mesma
medida. Mesmo sem a intenção consciente de deixar a sua audiência perdida, o
cineasta vai e volta no tempo, mistura personagens e entrega detalhes de seus
personagens aos poucos, permitindo ao público descobrir lentamente as
motivações que empurram todos em direção a um final melancólico, sim, mas
coerente e realista. Tudo isso sem deixar de lado suas características visuais que o firmaram como referência no cinema europeu.
Erroneamente divulgado como um filme anticlerical e que versaria tão somente sobre abuso sexual entre padres e coroinhas, a obra de Almodovar - que é muito mais complexa do que esse rótulo moralista e reducionista faz pensar - caiu no limbo entre o que se esperava dele e o que ele realmente é. Mas, ao apresentar um roteiro dos mais inteligentes, uma trilha sonora que é puro Bernard Herrman dos filmes de Hitchcock e uma atuação consagradora do mexicano Gael Garcia Bernal (dividido entre três personagens completamente diferentes em atos e pensamentos), o espanhol firmou-se como um dos mais íntegros e coerentes cineastas de seu tempo.
Erroneamente divulgado como um filme anticlerical e que versaria tão somente sobre abuso sexual entre padres e coroinhas, a obra de Almodovar - que é muito mais complexa do que esse rótulo moralista e reducionista faz pensar - caiu no limbo entre o que se esperava dele e o que ele realmente é. Mas, ao apresentar um roteiro dos mais inteligentes, uma trilha sonora que é puro Bernard Herrman dos filmes de Hitchcock e uma atuação consagradora do mexicano Gael Garcia Bernal (dividido entre três personagens completamente diferentes em atos e pensamentos), o espanhol firmou-se como um dos mais íntegros e coerentes cineastas de seu tempo.