PROCURA-SE UM AMOR QUE GOSTE DE CACHORROS (Must love dogs, 2005, Warner Bros, 98min) Direção: Gary David Goldberg. Roteiro: Gary David Goldberg, romance de Claire Cook. Fotografia: John Bailey. Montagem: Roger Bondelli, Eric A. Sears. Música: Craig Armstrong, Susie Suh, Vinnie Zimmo. Figurino: Florence-Isabelle Megginson, Gamila Smith. Direção de arte/cenários: Naomi Shohan/Kathryn Petes. Produção executiva: Brad Hall, Ronald G. Smith. Produção: Gary David Golberg, Jennifer Todd, Suzanne Todd. Elenco: Diane Lane, John Cusack, Dermot Mulroney, Christopher Plummer, Elizabeth Perkis, Stockard Channing. Estreia: 21/7/05
Um dos atores mais confiáveis de Hollywood, capaz de imprimir sua personalidade em filmes tão distintos quanto a comédia romântica "Escrito nas estrelas", o suspense "Identidade", a comédia de humor negro "Matador em conflito", o cult movie "Alta fidelidade" e até mesmo o blockbuster "Con Air, a rota da fuga", John Cusack certamente chegaria a um ponto de sua vitoriosa carreira em que esbarraria em uma obra menos feliz - ainda que o filme de Michael Bay não possa ser considerado um grande momento, assim como o tenebroso "1402". Apesar de não ser exatamente ruim, o romance "Procura-se um amor que goste de cachorros" corre o risco de levar esse injusto rótulo. Baseado em um romance "pra mulherzinha" de Claire Cook, o filme do bissexto cineasta Gary David Golberg - que assinou o lacrimoso "Meu pai, uma lição de vida" no longínquo 1989 - é simpático e agradável, mas peca justamente por não acrescentar muito às carreiras de nenhum dos envolvidos - uma lista que inclui ainda os respeitáveis Diane Lane e Christopher Plummer.
Seguindo sua tendência de estrelar filmes direcionados a um público feminino - depois do saboroso "Sob o sol da Toscana" - Diane Lane volta a desfilar seu charme na pele de Sarah Nolan, uma professora pré-escolar recentemente divorciada que não consegue convencer a sua onipresente família de que consegue levar uma vida de solteira. A principal responsável pela campanha que insiste em lhe arrumar um novo marido é sua irmã, Carol (Elizabeth Perkins), que chega ao extremo de cadastrá-la em um site de relacionamentos mesmo contra sua vontade. É nesse site que Sarah conhece Jake (John Cusack com a simpatia de sempre), que compartilha com ela o fato de ter acabado de se divorciar e de gostar de cachorros. Enquanto está conhecendo Jake - e gostando dele - Sarah se vê atraída também por Bob (Dermot Mulroney), pai de uma de suas alunas - que também está saindo com outra professora.
A estrutura triângulo amoroso que dá sustentação ao filme de Goldberg não deixa de ser frágil, com personagens que não são interessantes o bastante para manter a atenção do público, apesar de alguns ótimos momentos - como a sequência em que Sarah e Jake saem à procura de preservativos pela madrugada. Felizmente o roteiro encontra espaço para aquele que talvez seja a melhor personagem do filme, o sedutor Bill (Christopher Plummer), pai de Sarah e Carol, um conquistador convicto que também procura amantes em sites de relacionamento - o que resulta em uma cena no mínimo inusitada e na participação da sempre ótima Stockard Channing como uma de suas pretendentes, Dolly. A subtrama que versa sobre a relação entre Dolly e as filhas de seu "namorado" acaba se tornando um ponto favorável e quase eclipsa a real história que o filme pretende contar.
No final das contas, "Procura-se um cachorro" cumpre o que promete, entregando a seu público-alvo 98 minutos de uma trama engraçadinha e delicada. Mas é, sem dúvida, um filme que não marca o espectador, permanecendo na memória somente durante o tempo de sua exibição. E tem Diane Lane e John Cusack, o que quase sempre é sinônimo de qualidade.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
sexta-feira
quinta-feira
SR. & SRA. SMITH
SR. & SRA. SMITH (Mr. & Mrs. Smith, 2005, Regency Enterprises, 120min) Direção: Doug Liman. Roteiro: Simon Kinberg. Fotografia: Bojan Bazelli. Montagem: Michael Tronick. Música: John Powell. Figurino: Michael Kaplan. Direção de arte/cenários: Jeff Mann/Victor J. Zolfo. Produção executiva: Erik Feig. Produção: Lucas Foster, Akiva Goldsman, Eric McLeod, Arnon Milchan, Patrick Wachsberger. Elenco: Brad Pitt, Angelina Jolie, Vince Vaughn, Adam Brody, Kerry Washington, Michelle Monaghan. Estreia: 07/6/05
Quando um filme tem suas possíveis qualidades suplantadas por acontecimentos em seus bastidores é sempre um mau sinal. Foi assim, por exemplo, que "Prova de vida" - a despeito da fragilidade de seu produto final - ficou mais marcado pelo romance entre seus astros Russell Crowe e Meg Ryan (que largou o casamento de anos com Dennis Quaid para ficar com o parceiro de cena) do que por seus números nas bilheterias. E era exatamente esse naufrágio que muita gente previa para "Sr. & Sra. Smith", comédia de ação dirigida por Doug Liman que virou manchete meses antes de sua estreia graças ao bombástico relacionamento entre seus protagonistas. Em pouco tempo o explosivo caso amoroso entre Angelina Jolie - que substituiu Nicole Kidman no papel central - e Brad Pitt - que separou-se da atriz Jennifer Aniston na sequência - tornou-se o assunto preferido dos tabloides e isso, ao contrário do que a maioria dos pessimistas gostaria que acontecesse, rendeu muito dinheiro aos produtores. Para alívio dos espectadores, porém, o filme de Liman - que tinha em seu currículo obras tão díspares quanto as comédias "Vamos nessa" e o filme de ação "A identidade Bourne" - é divertido, charmoso e repleto de adrenalina.
Os protagonistas são John e Jane Smith (vividos por Pitt e Jolie no auge de sua beleza e carisma), um casal lindo, sexy e rico que vivem um relacionamento de sonhos. O que nem um nem outro sabem é que ambos são assassinos profissionais (competentes) de agências rivais, o que em breve os fará ficar frente a frente: depois de uma missão fracassada, eles recebem a ordem de dar cabo um do outro. O que em tese seria o trágico fim do relacionamento, no entanto, acaba por reacender em ambos o desejo adormecido por anos de tédio matrimonial e, juntos e novamente apaixonados, eles resolvem lutar contra seus algozes.
Tudo bem, a trama é rasa. Ok, as personagens não tem profundidade. E sim, o roteiro se preocupa muito mais com as cenas repletas de explosões e tiros do que com o desenvolvimento psicológico dos protagonistas. Mas tudo corre tão redondinho e agradavelmente engraçado que fica difícil implicar com esses defeitinhos - que a maioria dos filmes do gênero tem, diga-se de passagem, e sem metade do sex-appeal que escorre a cada fotograma aqui. Da metade pro final, "Sr. & Sra. Smith" torna-se uma comédia rasgada, equilibrando tiroteios e pancadaria de mentira com um timing cômico invejável da parte de Brad Pitt e uma sensualidade avassaladora de Angelina Jolie. Nesse caso, é exemplar a longa sequência em que o casal simplesmente destrói a bela mansão que dividem - em uma cena que remete ao ótimo "A guerra dos Roses", estrelado por Michael Douglas e Kathleen Turner em 1989 - para depois cairem nos respectivos braços. E também é difícil ficar sem um sorriso nos lábios depois de ver a dupla dançando um belo "Por una cabeza" em um restaurante lotado.
Depois que se assiste a "Sr. & Sra. Smith" fica complicado imaginar outros atores nos papéis centrais. E olha que muita gente foi cotada para isso. Quando Pitt abandonou o projeto - depois da desistência de Nicole Kidman - Johnny Depp foi seriamente cogitado para estrelar o filme, assim como Will Smith. E na lista de atrizes que estiveram atreladas ao projeto por um tempo constam nomes como Cate Blanchett, Catherine Zeta-Jones, Eva Green e, pasmem, até mesmo da cantora Gwen Stefani. Mas é justamente a química espetacular entre Pitt e Jolie a maior qualidade do filme de Liman. No meio de tanto barulho e tanta correria é a beleza do casal - em cenas que exploram toda o seu físico - que fica grudada na memória do espectador. Para os mais exigentes é muito pouco. Para aqueles que procuram o cinema para duas horas de entretenimento sem compromisso é mais do que bastante. Escolha seu lado e se divirta.
Quando um filme tem suas possíveis qualidades suplantadas por acontecimentos em seus bastidores é sempre um mau sinal. Foi assim, por exemplo, que "Prova de vida" - a despeito da fragilidade de seu produto final - ficou mais marcado pelo romance entre seus astros Russell Crowe e Meg Ryan (que largou o casamento de anos com Dennis Quaid para ficar com o parceiro de cena) do que por seus números nas bilheterias. E era exatamente esse naufrágio que muita gente previa para "Sr. & Sra. Smith", comédia de ação dirigida por Doug Liman que virou manchete meses antes de sua estreia graças ao bombástico relacionamento entre seus protagonistas. Em pouco tempo o explosivo caso amoroso entre Angelina Jolie - que substituiu Nicole Kidman no papel central - e Brad Pitt - que separou-se da atriz Jennifer Aniston na sequência - tornou-se o assunto preferido dos tabloides e isso, ao contrário do que a maioria dos pessimistas gostaria que acontecesse, rendeu muito dinheiro aos produtores. Para alívio dos espectadores, porém, o filme de Liman - que tinha em seu currículo obras tão díspares quanto as comédias "Vamos nessa" e o filme de ação "A identidade Bourne" - é divertido, charmoso e repleto de adrenalina.
Os protagonistas são John e Jane Smith (vividos por Pitt e Jolie no auge de sua beleza e carisma), um casal lindo, sexy e rico que vivem um relacionamento de sonhos. O que nem um nem outro sabem é que ambos são assassinos profissionais (competentes) de agências rivais, o que em breve os fará ficar frente a frente: depois de uma missão fracassada, eles recebem a ordem de dar cabo um do outro. O que em tese seria o trágico fim do relacionamento, no entanto, acaba por reacender em ambos o desejo adormecido por anos de tédio matrimonial e, juntos e novamente apaixonados, eles resolvem lutar contra seus algozes.
Tudo bem, a trama é rasa. Ok, as personagens não tem profundidade. E sim, o roteiro se preocupa muito mais com as cenas repletas de explosões e tiros do que com o desenvolvimento psicológico dos protagonistas. Mas tudo corre tão redondinho e agradavelmente engraçado que fica difícil implicar com esses defeitinhos - que a maioria dos filmes do gênero tem, diga-se de passagem, e sem metade do sex-appeal que escorre a cada fotograma aqui. Da metade pro final, "Sr. & Sra. Smith" torna-se uma comédia rasgada, equilibrando tiroteios e pancadaria de mentira com um timing cômico invejável da parte de Brad Pitt e uma sensualidade avassaladora de Angelina Jolie. Nesse caso, é exemplar a longa sequência em que o casal simplesmente destrói a bela mansão que dividem - em uma cena que remete ao ótimo "A guerra dos Roses", estrelado por Michael Douglas e Kathleen Turner em 1989 - para depois cairem nos respectivos braços. E também é difícil ficar sem um sorriso nos lábios depois de ver a dupla dançando um belo "Por una cabeza" em um restaurante lotado.
Depois que se assiste a "Sr. & Sra. Smith" fica complicado imaginar outros atores nos papéis centrais. E olha que muita gente foi cotada para isso. Quando Pitt abandonou o projeto - depois da desistência de Nicole Kidman - Johnny Depp foi seriamente cogitado para estrelar o filme, assim como Will Smith. E na lista de atrizes que estiveram atreladas ao projeto por um tempo constam nomes como Cate Blanchett, Catherine Zeta-Jones, Eva Green e, pasmem, até mesmo da cantora Gwen Stefani. Mas é justamente a química espetacular entre Pitt e Jolie a maior qualidade do filme de Liman. No meio de tanto barulho e tanta correria é a beleza do casal - em cenas que exploram toda o seu físico - que fica grudada na memória do espectador. Para os mais exigentes é muito pouco. Para aqueles que procuram o cinema para duas horas de entretenimento sem compromisso é mais do que bastante. Escolha seu lado e se divirta.
quarta-feira
A LUTA PELA ESPERANÇA
A LUTA PELA ESPERANÇA (Cinderella man, 2005, Universal Pictures/Miramax Films, 144min) Direção: Ron Howard. Roteiro: Cliff Hollingsworth, Akiva Goldsman, estória de Cliff Hollingsworth. Fotografia: Salvatore Totino. Montagem: Dan Hanley, Mike Hill. Música: Thomas Newman. Figurino: Daniel Orlandi. Direção de arte/cenários: Wynn Thomas/Gordon Sim. Produção executiva: Todd Hallowell. Produção: Brian Grazer, Ron Howard, Penny Marshall. Elenco: Russell Crowe, Renée Zellweger, Paul Giamatti, Bruce McGill, Craig Bierko, Paddy Considine. Estreia: 23/5/05
3 indicações ao Oscar: Ator Coadjuvante (Paul Giamatti), Montagem, Maquiagem
Depois dos merecidos Oscar por "Uma mente brilhante" o diretor Ron Howard, o ator Russell Crowe, o roteirista Akiva Goldsman e o produtor Brian Grazer tinham a mais plena certeza de que um bicampeonato estava despontando com seu filme seguinte, mais uma poderosa história de superação, repleta de lances melodramáticos e um protagonista capaz de emocionar os espectadores. Sua ambições, no entanto, começaram a parecer impossíveis quando "A luta pela esperança" - a história real de um boxeador nos difíceis anos pós-Depressão americana - naufragou solenemente nas bilheterias. Tendo custado cerca de 80 milhões de dólares, o filme estacionou em pouco mais de 60 milhões em território ianque e só conseguiu passar dos 100 milhões depois de estrear no resto do mundo - no Brasil, mesmo, só chegou às telas quatro meses depois de seu lançamento doméstico. O fracasso comercial, porém, não faz justiça a um espetáculo que, apesar de quadradinho e sem maiores arroubos de criatividade é comovente ao extremo e visualmente deslumbrante.
Fotografado com precisão por Salvatore Totino - que dá a textura de desânimo e desesperança às imagens - e editado com coesão por Dan Hanley e Mike Hill (também herança de "Uma mente brilhante"), "A luta pela esperança" talvez não tenha encontrado seu público justamente por um visual próximo demais da realidade dos anos 30, ou seja, triste e doloroso demais para uma audiência muito mais interessada em filmes de ação escapistas e efeitos visuais. Também não colaborou para sua tentativa de sucesso o fato de que seu protagonista, Jim Braddock, é um boxeador e é sabido que filmes com qualquer relação com esportes - com raras exceções - tendem a bombar nas bilheterias. Somado ao fato de ter estreado bem longe da data tida como mais favorável aos possíveis indicados ao Oscar - a saber, o final do ano - as chances da obra de Howard chegar aos finalistas da estatueta dourada foram minguando com o passar do tempo. Resultado: apenas três indicações menores, incluindo uma de ator coadjuvante para Paul Giamatti.
Giamatti - sendo lembrado pela Academia depois de ter sido ignorado por seu protagonista em "Sideways, entre umas e outras" - interpreta Joe Gould, o treinador de Braddock, um boxeador que teve seus dias de glória deixados para trás com a crise financeira causada pela quebra da bolsa em 1929 e que tenta desesperadamente arrumar trabalho nas docas de Nova York para sustentar a mulher, Mae (Renée Zellweger) e os três filhos pequenos. Sua luta pela sobrevivência - cada dia mais difícil e sofrida - recebe um alento quando seu antigo empresário lhe oferece uma série de lutas. Mesmo contra a vontade da esposa, Braddock aos poucos começa a recuperar seu status e passa a ser chamado pela imprensa de "Cinderella man". Sua grande chance, porém, ainda está por vir: ele aceita lutar contra o arrogante e talentoso Max Baer (Craig Bierko, irreconhecível), em uma luta que será seu tudo ou nada.
Quanto menos se souber a respeito da história de Jim Braddock - sim, é uma história real - melhor para o aproveitamento do drama proposto por Howard e companhia. O suspense a respeito da luta final é realmente bem desenhado pelo cineasta, que faz com que a audiência sofra cada soco em seu protagonista como se fosse em si mesmo. As cenas de luta - mesmo que passem longe da excelência de "Touro indomável" - são filmadas com realismo e extrema competência pelo cineasta. E Russell Crowe mais uma vez entrega uma performance invejável, que o levou a emagrecer e sofrer com uma prótese dentária. Seu esforço injustamente não foi recompensado com uma indicação ao Oscar, mas é digna de figurar entre os grandes momentos de sua carreira.
3 indicações ao Oscar: Ator Coadjuvante (Paul Giamatti), Montagem, Maquiagem
Depois dos merecidos Oscar por "Uma mente brilhante" o diretor Ron Howard, o ator Russell Crowe, o roteirista Akiva Goldsman e o produtor Brian Grazer tinham a mais plena certeza de que um bicampeonato estava despontando com seu filme seguinte, mais uma poderosa história de superação, repleta de lances melodramáticos e um protagonista capaz de emocionar os espectadores. Sua ambições, no entanto, começaram a parecer impossíveis quando "A luta pela esperança" - a história real de um boxeador nos difíceis anos pós-Depressão americana - naufragou solenemente nas bilheterias. Tendo custado cerca de 80 milhões de dólares, o filme estacionou em pouco mais de 60 milhões em território ianque e só conseguiu passar dos 100 milhões depois de estrear no resto do mundo - no Brasil, mesmo, só chegou às telas quatro meses depois de seu lançamento doméstico. O fracasso comercial, porém, não faz justiça a um espetáculo que, apesar de quadradinho e sem maiores arroubos de criatividade é comovente ao extremo e visualmente deslumbrante.
Fotografado com precisão por Salvatore Totino - que dá a textura de desânimo e desesperança às imagens - e editado com coesão por Dan Hanley e Mike Hill (também herança de "Uma mente brilhante"), "A luta pela esperança" talvez não tenha encontrado seu público justamente por um visual próximo demais da realidade dos anos 30, ou seja, triste e doloroso demais para uma audiência muito mais interessada em filmes de ação escapistas e efeitos visuais. Também não colaborou para sua tentativa de sucesso o fato de que seu protagonista, Jim Braddock, é um boxeador e é sabido que filmes com qualquer relação com esportes - com raras exceções - tendem a bombar nas bilheterias. Somado ao fato de ter estreado bem longe da data tida como mais favorável aos possíveis indicados ao Oscar - a saber, o final do ano - as chances da obra de Howard chegar aos finalistas da estatueta dourada foram minguando com o passar do tempo. Resultado: apenas três indicações menores, incluindo uma de ator coadjuvante para Paul Giamatti.
Giamatti - sendo lembrado pela Academia depois de ter sido ignorado por seu protagonista em "Sideways, entre umas e outras" - interpreta Joe Gould, o treinador de Braddock, um boxeador que teve seus dias de glória deixados para trás com a crise financeira causada pela quebra da bolsa em 1929 e que tenta desesperadamente arrumar trabalho nas docas de Nova York para sustentar a mulher, Mae (Renée Zellweger) e os três filhos pequenos. Sua luta pela sobrevivência - cada dia mais difícil e sofrida - recebe um alento quando seu antigo empresário lhe oferece uma série de lutas. Mesmo contra a vontade da esposa, Braddock aos poucos começa a recuperar seu status e passa a ser chamado pela imprensa de "Cinderella man". Sua grande chance, porém, ainda está por vir: ele aceita lutar contra o arrogante e talentoso Max Baer (Craig Bierko, irreconhecível), em uma luta que será seu tudo ou nada.
Quanto menos se souber a respeito da história de Jim Braddock - sim, é uma história real - melhor para o aproveitamento do drama proposto por Howard e companhia. O suspense a respeito da luta final é realmente bem desenhado pelo cineasta, que faz com que a audiência sofra cada soco em seu protagonista como se fosse em si mesmo. As cenas de luta - mesmo que passem longe da excelência de "Touro indomável" - são filmadas com realismo e extrema competência pelo cineasta. E Russell Crowe mais uma vez entrega uma performance invejável, que o levou a emagrecer e sofrer com uma prótese dentária. Seu esforço injustamente não foi recompensado com uma indicação ao Oscar, mas é digna de figurar entre os grandes momentos de sua carreira.
terça-feira
A INTÉRPRETE
A INTÉRPRETE (The interpreter, 2005, Universal Pictures, 128min) Direção: Sydney Pollack. Roteiro: Charles Randolph, Scott Frank, Steven Zaillina, estória de Martin Stellman, Brian Ward. Fotografia: Darius Khondji. Montagem: William Steinkamp. Música: James Newton Howard. Figurino: Sarah Edwards. Direção de arte/cenários: Jon Hutman/Beth A. Rubino. Produção executiva: G. Mac Brown, Anthony Minghella. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Kevin Misher. Elenco: Sean Penn, Nicole Kidman, Catherine Keener, Jesper Christensen, Yvan Attal. Estreia: 04/4/05
Depois dos sucessos comerciais de "Moulin Rouge" e "Os outros", do Oscar por "As horas" e do sucesso crítico do difícil "Dogville", a bela Nicole Kidman nem precisava provar mais nada pra ninguém. Saindo direto do set de filmagens do tenebroso "Mulheres perfeitas", ela chegou até "A intérprete", que viria a ser o último filme dirigido pelo prestigiado Sydney Pollack - e o primeiro a ser filmado dentro das dependências da sede das Nações Unidas, em Nova York. Um thriller político com inteligência acima da média, "A intérprete" também não fez feio nas bilheterias mundiais, chegando a mais de 160 milhões de dólares - contra seu custo relativamente alto de 80 milhões. Mas se consegue prender a atenção do público também não chega a ser tão brilhante quanto poderia, escorregando em uma correção política típica de sua época.
Linda como sempre, Kidman - que assinou o contrato mesmo sem ler o roteiro, depois que sua amiga Naomi Watts abriu mão dele em seu nome - vive Silvia Broome, uma talentosa intérprete das Nações Unidas que passa a correr perigo de morte depois de ouvir (sem querer) que um chefe de estado africano que está prestes a visitar os EUA em um congresso será alvo de um atentado. Posta sob a proteção do agente federal Tobin Keller (Sean Penn em um papel atípico em sua carreira), porém, Silvia passa de possível vítima a possível suspeita de estar envolvida na conspiração, uma vez que mistérios sobre seu passado vêem à tona. Recuperando-se de uma tragédia pessoal, Keller começa a se aproximar de sua protegida, mesmo sabendo que ela pode não ser tão inocente quanto alega.
O roteiro de "A intérprete" - que tem o dedo do oscarizado Steven Zaillian e do competente Scott Frank - peca principalmente por não ir mais fundo na suas possibilidades de suspense, preferindo focar sua atenção nos problemas pessoais de Keller e na sua relação com Silvia, privando o público de uma história que poderia render bem mais se tivesse se concentrado na trama política e no suspense - algo que "O pacificador", também estrelado por Kidman, fez com maestria. Sempre que Pollack dirige sua atenção para cenas de tensão - o que felizmente acontece algumas vezes - seu filme cresce, dando ao espectador momentos de grande impacto emocional. É o que acontece, por exemplo, quando Silvia embarca em um ônibus onde o potencial alvo dos terroristas se encontra: são minutos construídos com inteligência singular que faz lembrar o Pollack do conceituado "Três dias de Condor", filme de 1975 estrelado por Robert Redford e Faye Dunaway que virou referência no gênero.
Mas é preciso, acima de tudo, louvar "A intérprete" por sua coragem em ser discreto, elegante e inteligente, ao rejeitar a receita cenas de ação + sangue + efeitos visuais. Com sua sutileza característica, Pollack oferece à audiência um espetáculo que mexe mais com o cérebro do que a maioria dos filmes do gênero, onde a violência é tanta que nem chega a incomodar. Se a química entre Kidman e Penn é quase inexistente a despeito de seu enorme talento isso não se torna um problema maior porque a história contada independe de sua relação. São os segredos e angústias de Silvia Broome que interessam ao espectador e Kidman sai-se muito bem mais uma vez em conquistar o público. No final das contas, o último filme de Pollack cumpre seu papel com louvor e deixa saudade de um cineasta que legou ao mundo grandes obras.
Depois dos sucessos comerciais de "Moulin Rouge" e "Os outros", do Oscar por "As horas" e do sucesso crítico do difícil "Dogville", a bela Nicole Kidman nem precisava provar mais nada pra ninguém. Saindo direto do set de filmagens do tenebroso "Mulheres perfeitas", ela chegou até "A intérprete", que viria a ser o último filme dirigido pelo prestigiado Sydney Pollack - e o primeiro a ser filmado dentro das dependências da sede das Nações Unidas, em Nova York. Um thriller político com inteligência acima da média, "A intérprete" também não fez feio nas bilheterias mundiais, chegando a mais de 160 milhões de dólares - contra seu custo relativamente alto de 80 milhões. Mas se consegue prender a atenção do público também não chega a ser tão brilhante quanto poderia, escorregando em uma correção política típica de sua época.
Linda como sempre, Kidman - que assinou o contrato mesmo sem ler o roteiro, depois que sua amiga Naomi Watts abriu mão dele em seu nome - vive Silvia Broome, uma talentosa intérprete das Nações Unidas que passa a correr perigo de morte depois de ouvir (sem querer) que um chefe de estado africano que está prestes a visitar os EUA em um congresso será alvo de um atentado. Posta sob a proteção do agente federal Tobin Keller (Sean Penn em um papel atípico em sua carreira), porém, Silvia passa de possível vítima a possível suspeita de estar envolvida na conspiração, uma vez que mistérios sobre seu passado vêem à tona. Recuperando-se de uma tragédia pessoal, Keller começa a se aproximar de sua protegida, mesmo sabendo que ela pode não ser tão inocente quanto alega.
O roteiro de "A intérprete" - que tem o dedo do oscarizado Steven Zaillian e do competente Scott Frank - peca principalmente por não ir mais fundo na suas possibilidades de suspense, preferindo focar sua atenção nos problemas pessoais de Keller e na sua relação com Silvia, privando o público de uma história que poderia render bem mais se tivesse se concentrado na trama política e no suspense - algo que "O pacificador", também estrelado por Kidman, fez com maestria. Sempre que Pollack dirige sua atenção para cenas de tensão - o que felizmente acontece algumas vezes - seu filme cresce, dando ao espectador momentos de grande impacto emocional. É o que acontece, por exemplo, quando Silvia embarca em um ônibus onde o potencial alvo dos terroristas se encontra: são minutos construídos com inteligência singular que faz lembrar o Pollack do conceituado "Três dias de Condor", filme de 1975 estrelado por Robert Redford e Faye Dunaway que virou referência no gênero.
Mas é preciso, acima de tudo, louvar "A intérprete" por sua coragem em ser discreto, elegante e inteligente, ao rejeitar a receita cenas de ação + sangue + efeitos visuais. Com sua sutileza característica, Pollack oferece à audiência um espetáculo que mexe mais com o cérebro do que a maioria dos filmes do gênero, onde a violência é tanta que nem chega a incomodar. Se a química entre Kidman e Penn é quase inexistente a despeito de seu enorme talento isso não se torna um problema maior porque a história contada independe de sua relação. São os segredos e angústias de Silvia Broome que interessam ao espectador e Kidman sai-se muito bem mais uma vez em conquistar o público. No final das contas, o último filme de Pollack cumpre seu papel com louvor e deixa saudade de um cineasta que legou ao mundo grandes obras.
segunda-feira
SIN CITY, A CIDADE DO PECADO
SIN CITY, A CIDADE DO PECADO (Sin City, 2005, Dimenson Films, 124min) Direção: Frank Miller, Robert Rodriguez, Quentin Tarantino. Roteiro: HQ de Frank Miller. Fotografia e montagem: Robert Rodriguez. Música: John Debney, Graeme Revell, Robert Rodriguez. Direção de arte/cenários: Steve Joyner,Jeanette Scott/David Hack, Jeannette Scott. Produção executiva: Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Elizabeth Avellan. Elenco: Bruce Willis, Mickey Rourke, Benicio Del Toro, Clive Owen, Brittany Murphy, Michael Madsen, Rutger Hauer, Elijah Wood, Nick Stahl, Michael Clarke Duncan, Powers Boothe, Josh Hartnett, Jessica Alba, Rosario Dawson. Estreia: 28/3/05
Depois do sucesso estrondoso de "X-Men" e "Homem-aranha" as adaptações de histórias em quadrinhos para as telas de cinema viraram moeda corrente em Hollywood, com resultados os mais diversos, tanto em termos de qualidade quanto de bilheteria. Mas ninguém em sã consciência poderia imaginar que uma adaptação fosse tão longe em fidelidade quanto "Sin City, a cidade do pecado", dirigida, produzida, fotografada, editada e musicada (ufa!) por Robert Rodriguez, que, de posse de praticamente todo e qualquer controle sobre a obra, ainda teve a ousadia de co-assinar a direção com o criador das histórias em papel, Frank Miller. O sindicato de diretores não gostou e expulsou Rodriguez de seu quadro. A plateia náo se deu ao trabalho de se interessar por isso, encantada que estava com o resultado final do trabalho dos co-diretores (que ainda contaram com a luxuosa ajuda de Quentin Tarantino em uma cena). Mais do que a transição de uma história em quadrinhos para a tela de cinema, "Sin City, a cidade do pecado" - subtítulo absolutamente desnecessário - é uma pequena obra-prima dentro de um subgênero do qual provavelmente é o mais bem acabado produto.
Assim como nas publicações editadas, o filme "Sin City" é dividido em histórias independentes que vez ou outra se cruzam sutilmente. O primeiro segmento - que serviu como uma espécie de teste visual para o sinal verde dos produtores - é uma pequena cena estrelada pelo sempre péssimo Josh Hartnett, e nem ele consegue estragar o impacto que esses poucos minutos causam no espectador. A partir daí, o que se segue é um festival de violência, clima noir e uma sensação de ineditismo que faz das duas horas seguintes uma experiência rica e empolgante.
A trama começa pra valer quando o policial Hartigan (Bruce Willis, talvez um pouco novo demais para o papel) consegue impedir um jovem psicopata (vivido por um irreconhecível Nick Stahl) de matar uma garotinha e com isso ganha sua afeição eterna, que se revelará quase vinte anos depois, quando ela, já adulta (e interpretada com inegável sensualiade por Jessica Alba), parte com ele em busca de vingança por seus anos passados na cadeia por um crime que não cometeu. Outro que precisa provar sua inocência e encontrar os culpados por um violento assassinato é Marv (Mickey Rourke em impressionante caracterização), que busca vingar a morte de uma prostituta com quem passou a noite mais carinhosa de sua vida. O que ele sequer desconfia, porém, é que gente muito importante - em altos níveis de poder - não deseja que ele descubra a verdade. E Clive Owen - vindo do sucesso crítico de "Closer, perto demais" - vive Dwight, um homem disposto a qualquer coisa para proteger sua namorada, a garçonete Shellie (Brittany Murphy), de seu antigo amante, o truculento policial Jackie (Benicio Del Toro em um papel que despertou a cobiça de Adrien Brody), que tem uma perigosa relação com as prostitutas lideradas por Gail (Rosario Dawson).
Se fosse um filme policial comum, ainda assim "Sin City" seria imperdível, tão interessante é sua gama de personagens marginalizadas e suas histórias repletas de sangue e suor. Mas a obra de Robert Rodriguez é muito mais do que simples cinema. Visualmente impactante e dono de um roteiro com diálogos brilhantes - cortesia do texto enxuto e visceral de Frank Miller - o filme passa por cima do politicamente correto e do medo de mostrar a violência como ela é para, com a licença de ser literalmente quadrinhos no cinema, explicitar situações chocantes - pedofilia, cães comendo seres humanos - sem soar gratuito e/ou apelativo.
É difícil ficar indiferente a "Sin City". Seja por suas qualidades visuais - a fotografia belíssima lembra os clássicos do cinema noir e a maquiagem deixa os atores irreconhecíveis -, por suas histórias violentas ou por seu elenco de peso (em que até mesmo Mickey Rourke e Bruce Willis conseguem brilhar sem fazer esforço), o filme de Robert Rodriguez é, com certeza, um gigantesco passo à frente na tecnologia de unir - com talento e parcimônia - quadrinhos e cinema. Bravíssimo!
Depois do sucesso estrondoso de "X-Men" e "Homem-aranha" as adaptações de histórias em quadrinhos para as telas de cinema viraram moeda corrente em Hollywood, com resultados os mais diversos, tanto em termos de qualidade quanto de bilheteria. Mas ninguém em sã consciência poderia imaginar que uma adaptação fosse tão longe em fidelidade quanto "Sin City, a cidade do pecado", dirigida, produzida, fotografada, editada e musicada (ufa!) por Robert Rodriguez, que, de posse de praticamente todo e qualquer controle sobre a obra, ainda teve a ousadia de co-assinar a direção com o criador das histórias em papel, Frank Miller. O sindicato de diretores não gostou e expulsou Rodriguez de seu quadro. A plateia náo se deu ao trabalho de se interessar por isso, encantada que estava com o resultado final do trabalho dos co-diretores (que ainda contaram com a luxuosa ajuda de Quentin Tarantino em uma cena). Mais do que a transição de uma história em quadrinhos para a tela de cinema, "Sin City, a cidade do pecado" - subtítulo absolutamente desnecessário - é uma pequena obra-prima dentro de um subgênero do qual provavelmente é o mais bem acabado produto.
Assim como nas publicações editadas, o filme "Sin City" é dividido em histórias independentes que vez ou outra se cruzam sutilmente. O primeiro segmento - que serviu como uma espécie de teste visual para o sinal verde dos produtores - é uma pequena cena estrelada pelo sempre péssimo Josh Hartnett, e nem ele consegue estragar o impacto que esses poucos minutos causam no espectador. A partir daí, o que se segue é um festival de violência, clima noir e uma sensação de ineditismo que faz das duas horas seguintes uma experiência rica e empolgante.
A trama começa pra valer quando o policial Hartigan (Bruce Willis, talvez um pouco novo demais para o papel) consegue impedir um jovem psicopata (vivido por um irreconhecível Nick Stahl) de matar uma garotinha e com isso ganha sua afeição eterna, que se revelará quase vinte anos depois, quando ela, já adulta (e interpretada com inegável sensualiade por Jessica Alba), parte com ele em busca de vingança por seus anos passados na cadeia por um crime que não cometeu. Outro que precisa provar sua inocência e encontrar os culpados por um violento assassinato é Marv (Mickey Rourke em impressionante caracterização), que busca vingar a morte de uma prostituta com quem passou a noite mais carinhosa de sua vida. O que ele sequer desconfia, porém, é que gente muito importante - em altos níveis de poder - não deseja que ele descubra a verdade. E Clive Owen - vindo do sucesso crítico de "Closer, perto demais" - vive Dwight, um homem disposto a qualquer coisa para proteger sua namorada, a garçonete Shellie (Brittany Murphy), de seu antigo amante, o truculento policial Jackie (Benicio Del Toro em um papel que despertou a cobiça de Adrien Brody), que tem uma perigosa relação com as prostitutas lideradas por Gail (Rosario Dawson).
Se fosse um filme policial comum, ainda assim "Sin City" seria imperdível, tão interessante é sua gama de personagens marginalizadas e suas histórias repletas de sangue e suor. Mas a obra de Robert Rodriguez é muito mais do que simples cinema. Visualmente impactante e dono de um roteiro com diálogos brilhantes - cortesia do texto enxuto e visceral de Frank Miller - o filme passa por cima do politicamente correto e do medo de mostrar a violência como ela é para, com a licença de ser literalmente quadrinhos no cinema, explicitar situações chocantes - pedofilia, cães comendo seres humanos - sem soar gratuito e/ou apelativo.
É difícil ficar indiferente a "Sin City". Seja por suas qualidades visuais - a fotografia belíssima lembra os clássicos do cinema noir e a maquiagem deixa os atores irreconhecíveis -, por suas histórias violentas ou por seu elenco de peso (em que até mesmo Mickey Rourke e Bruce Willis conseguem brilhar sem fazer esforço), o filme de Robert Rodriguez é, com certeza, um gigantesco passo à frente na tecnologia de unir - com talento e parcimônia - quadrinhos e cinema. Bravíssimo!
sábado
CONSTANTINE
CONSTANTINE (Constantine, 2005, Warner Bros, 121min) Direção: Francis Lawrence. Roteiro: Kevin Brodbin, Frank A. Cappello, estória de Kevin Brodbin, HQ de Jamie Delano, Garth Ennis. Fotografia: Phillippe Rousselot. Montagem: Wayne Wahrman. Música: Klaus Badelt, Brian Tyler. Figurino: Louise Frogley. Direção de arte/cenários: Naomi Shohan/Douglas A. Mowat. Produção executiva: Gilbert Adler, Michael Aguilar. Produção: Lorenzo Di Bonaventura, Akiva Goldsman, Benjamin Melniker, Lauren Shuler Donner, Erwin Stoff, Michael E. Uslan. Elenco: Keanu Reeves, Rachel Weisz, Tilda Swinton, Dijmon Houson, Gavin Rossdale, Shia LeBeouf, Pruitt Taylor Vince, Peter Stormare. Estreia: 16/02/05
Depois do acachapante sucesso de "X-Men" e "Homem-aranha" qualquer herói de HQ que se preze começou a sonhar em virar protagonista de um filme bem-sucedido. Até mesmo personagens mais cultuados que populares entraram na fila e o resultado é "Constantine", adaptação de um comic book inglês que já chegou às telas debaixo de uma saraivada de críticas dos fãs, que foram principalmente contra a escalação do americano e moreno Keanu Reeves para encarnar a personagem principal, que na versão em papel é britânico e louro. No entanto, como boa parte do público nem sabia que existia a personagem antes que o filme estreasse, a obra de Francis Lawrence não ligou para esses detalhes e acabou se tornando apenas mais um produto de entretenimento bem embalado por efeitos visuais e um orçamento generoso que serve como um eficiente passatempo.
Depois do acachapante sucesso de "X-Men" e "Homem-aranha" qualquer herói de HQ que se preze começou a sonhar em virar protagonista de um filme bem-sucedido. Até mesmo personagens mais cultuados que populares entraram na fila e o resultado é "Constantine", adaptação de um comic book inglês que já chegou às telas debaixo de uma saraivada de críticas dos fãs, que foram principalmente contra a escalação do americano e moreno Keanu Reeves para encarnar a personagem principal, que na versão em papel é britânico e louro. No entanto, como boa parte do público nem sabia que existia a personagem antes que o filme estreasse, a obra de Francis Lawrence não ligou para esses detalhes e acabou se tornando apenas mais um produto de entretenimento bem embalado por efeitos visuais e um orçamento generoso que serve como um eficiente passatempo.
E é como um
passatempo que “Constantine” deve ser encarado. Keanu Reeves continua o mesmo
apático de sempre na pele do protagonista John Constantine, que segundo o
roteiro, tem o dom de se comunicar com seres de outro mundo – no caso, anjos,
demônios e afins. Sabendo que está com os dias contados devido a um câncer de
pulmão, ele é procurado pela policial Ângela Doodson (Rachel Weisz, menos
canastra do que o normal), cuja irmã gêmea acaba de cometer suicídio. Ela pede
sua ajuda para provar que algo mais complexo do que o corriqueiro empurrou sua
irmã para a morte e os dois acabam se envolvendo em uma trama que envolve a
tentativa do filho do próprio demônio de subir à Terra.
Apesar de algumas ideias bastante interessantes – como a
escalação de Tilda Swinton como o anjo Gabriel – e um visual sujo o bastante
para transmitir a sensação de desesperança dos protagonistas, o filme de
Lawrence carece principalmente de empatia. Da forma que é interpretado por
Keanu Reeves, o herói John Constantine nunca chega a convencer plenamente, seja
como detetiva seja com ser humano, mostrando mais uma vez as flagrantes falhas
de Reeves como ator. É de se pensar se com outro ator mais talentoso em seu
lugar o resultado não teria sido bem mais forte e marcante. Até mesmo o senso
de humor negro que o roteiro tenta apresentar sofre com a apatia de seu
protagonista.
“Constantine” funciona – e bem – como entretenimento. É bem
realizado, tem uma história suficientemente interessante e uma fotografia
caprichada – cortesia do veterano oscarizado Phillippe Rousselot. Mas perde a
oportunidade tanto de ser um filme inesquecível quanto de começar uma franquia
de grandes possibilidades financeiras. Talvez os fãs dos quadrinhos realmente
tenham razão quanto à ira despertada pela escalação de Keanu Reeves.
quinta-feira
A OUTRA FACE DA RAIVA
A OUTRA FACE DA RAIVA (The upside of anger, 2005, New Line Cinema, 118min) Direção e roteiro: Mike Binder. Fotografia: Richard Greatrex. Montagem: Steve Edwards, Robin Sales. Música: Alexandre Desplat. Figurino: Deborah Scott. Direção de arte/cenários: Chris Roope/Neesh Ruben. Produção executiva: Mark Damon, Andreas Grosch, Stewart Hall, Andreas Schmid. Produção: Jack Binder, Alex Gartner, Sammy Lee. Elenco: Joan Allen, Kevin Costner, Evan Rachel Wood, Erika Christensen, Mike Binder, Keri Russell, Alicia Witt. Estreia: 23/01/05 (Festival de Sundance)
Uma das atrizes mais interessantes do cinema americano a aparecer ao grande público na segunda metade dos anos 90, Joan Allen já havia sido reconhecida com algumas indicações ao Oscar - como coadjuvante por "Nixon" e "As bruxas de Salem" e como protagonista por "A conspiração" - mas, apesar de sempre ser a melhor coisa dos filmes dos quais participava demorou a ter um filme que lhe desse a oportunidade de mostrar toda a sua capacidade. Foi preciso um filme pequeno e despretensioso - dirigido pelo também ator Mike Binder, que escreveu o papel especialmente para ela - para que ela finalmente pudesse deitar e rolar, em uma atuação tão fabulosa que consegue contagiar até mesmo o normalmente apático Kevin Costner.
Sem tentar comover apelando às lágrimas fáceis, o equilibrado roteiro de Binder é um prato cheio para Allen, que brilha em cada cena, sendo a megera amarga, a sensível abandonada, a mãe cruel e a mulher com medo de entregar-se a uma nova paixão. Cercada por um elenco que nunca deixa a peteca cair, ela prova, sem espaço para dúvidas, de que é uma das atrizes mais completas de sua geração e transforma o que poderia ser apenas mais um filme sobre problemas familiares em uma experiência acima da média. E encontra em Kevin Costner um parceiro à altura, por incrível que pareça.
Um dos maiores ídolos do começo da década de 90 - com sucessos de bilheteria e um aplauso quase unânime a respeito de sua estreia na direção com o multioscarizado "Dança com lobos" - Kevin Costner deixou que sua megalomania freasse bruscamente a sua ascensão. Os fracassos mastodônticos dos igualmente imensos "Waterworld" e "O mensageiro" o transformaram rapidamente de "o grande astro americano" em "a promessa que não se cumpriu". Até mesmo sua imagem de bom moço foi pro ralo com o fim de seu casamento aparentemente indissolúvel e tudo parecia ter ido água abaixo quando o que restava de sua humildade o jogou em filmes elogiados como "13 dias que abalaram o mundo" - sobre a crise dos mísseis de Cuba em 1963 - e este "A outra face da raiva", onde injetou humanidade a uma personagem que, de certa forma, reflete o ocaso de sua carreira. Ao lado de Joan Allen ele é a principal razão para se assistir à bela estreia de Mike Binder como diretor.
Uma das atrizes mais interessantes do cinema americano a aparecer ao grande público na segunda metade dos anos 90, Joan Allen já havia sido reconhecida com algumas indicações ao Oscar - como coadjuvante por "Nixon" e "As bruxas de Salem" e como protagonista por "A conspiração" - mas, apesar de sempre ser a melhor coisa dos filmes dos quais participava demorou a ter um filme que lhe desse a oportunidade de mostrar toda a sua capacidade. Foi preciso um filme pequeno e despretensioso - dirigido pelo também ator Mike Binder, que escreveu o papel especialmente para ela - para que ela finalmente pudesse deitar e rolar, em uma atuação tão fabulosa que consegue contagiar até mesmo o normalmente apático Kevin Costner.
Realizado com
delicadeza, simplicidade e sensibilidade, “A outra face da raiva” conta a
história de Terry Wolfmeyer, uma dona de casa que tem a vida transformada
quando é repentinamente abandonada pelo marido e fica às voltas com as quatro
filhas: a mais velha, Hadley (Alicia Witt) estuda em outra cidade e está grávida do
namorado; a segunda, Emily (Keri Russell) sonha em ser bailarina mas descobre estar
seriamente doente; a terceira, Andy (Érika Christensen) quer ser jornalista e
se envolve com o patrão alguns anos mais velho (o diretor do filme, Mike
Binder) e a caçula, Popeye (Evan Rachel Wood) se apaixona por um colega de
classe com dúvidas sobre sua sexualidade. Entregando-se à amargura e à bebida,
Terry acaba encontrando amparo e companheirismo em Denny (Kevin Costner), amigo
de seu marido que teve seus dias de glória como jogador de beisebol e no
momento apresenta um programa de rádio e vive da fama de seu passado.
Sem tentar comover apelando às lágrimas fáceis, o equilibrado roteiro de Binder é um prato cheio para Allen, que brilha em cada cena, sendo a megera amarga, a sensível abandonada, a mãe cruel e a mulher com medo de entregar-se a uma nova paixão. Cercada por um elenco que nunca deixa a peteca cair, ela prova, sem espaço para dúvidas, de que é uma das atrizes mais completas de sua geração e transforma o que poderia ser apenas mais um filme sobre problemas familiares em uma experiência acima da média. E encontra em Kevin Costner um parceiro à altura, por incrível que pareça.
Um dos maiores ídolos do começo da década de 90 - com sucessos de bilheteria e um aplauso quase unânime a respeito de sua estreia na direção com o multioscarizado "Dança com lobos" - Kevin Costner deixou que sua megalomania freasse bruscamente a sua ascensão. Os fracassos mastodônticos dos igualmente imensos "Waterworld" e "O mensageiro" o transformaram rapidamente de "o grande astro americano" em "a promessa que não se cumpriu". Até mesmo sua imagem de bom moço foi pro ralo com o fim de seu casamento aparentemente indissolúvel e tudo parecia ter ido água abaixo quando o que restava de sua humildade o jogou em filmes elogiados como "13 dias que abalaram o mundo" - sobre a crise dos mísseis de Cuba em 1963 - e este "A outra face da raiva", onde injetou humanidade a uma personagem que, de certa forma, reflete o ocaso de sua carreira. Ao lado de Joan Allen ele é a principal razão para se assistir à bela estreia de Mike Binder como diretor.
quarta-feira
FINAIS FELIZES
FINAIS FELIZES (Happy endings, 2005, Lions GateFilms, 128min) Direção e roteiro: Don Roos. Fotografia: Clark Mathis. Montagem: David Codron. Figurino: Peggy Anita Schnitzer. Direção de arte/cenários: Richard Sherman/Matthew Flood Ferguson. Produção executiva: Mike Elliott, Nick Meyer, Tom Ortenberg. Produção: Michael Paseornek, Holly Wiersma. Elenco: Lisa Kudrow, Maggie Gyllenhaal, Tom Arnold, Steve Coogan, Jesse Bradford, Bobby Cannavale, Jason Ritter, David Sutcliffe, Sarah Clarke, Laura Dern. Estreia: 20/01/05 (Festival de Sundance)
Quando ainda não havia estreado como cineasta, Don Roos assinou os roteiros de filmes tão díspares quanto o suspense "Mulher solteira procura..." - que contava com uma Bridget Fonda no auge de uma carreira ascendente que posteriormente desapareceu -, o drama "Armadilhas do amor" - que deu à Michelle Pfeiffer uma indicação ao Oscar -, o tragicômico "Somente elas" - último papel decente de Whoopi Goldberg no cinema - e o tenebroso "Diabolique", refilmagem de um clássico francês que quase sepultou a carreira de Sharon Stone. Foi somente em 1998 que ele assinou um filme como diretor, e não foi um filme qualquer: ainda que relativamente pouco conhecido, "O oposto do sexo" oferecia ao público um tipo de humor que encantava pelo cinismo e pelo politicamente incorreto. Em seu segundo longa, a comédia dramática "Finais felizes", ele mais uma vez utiliza de seu sarcasmo e de seu modo quase cínico de ver a vida
para contar a história de uma dezena de personagens que buscam a felicidade mesmo que por meios às vezes bastante questionáveis. E, se por um lado perde pontos por não contar com uma personagem tão formidável quanto Dede, a protagonista de seu trabalho anterior - vivida por uma Christina Ricci exuberante e impecável - ganha bastante ao apresentar um painel rico o suficiente de personagens bem diferentes entre si.
Se "Finais felizes" tem alguém que merece ser chamada de protagonista, ela provavelmente é Mamie (vivida pela sempre ótima Lisa Kudrow, da série "Friends" e que também arrasava como coadjuvante em "O oposto do sexo"). Mamie é uma psicóloga que aconselha mulheres que pretendem interromper a gravidez. Na verdade ela tem um telhado de vidro, uma vez que, ainda adolescente, desistiu de abortar o filho que esperava de Charley (Steve Coogan na maturidade), filho inglês de sua madrasta - e jamais contou o acontecido a ninguém. Quase vinte anos depois, porém, ela é procurada por Nicky (Jesse Bradford), um misterioso filmaker que sabe de seu segredo e pretende filmar um documentário apresentando o reencontro entre mãe e filho. Para evitar o encontro e fugir da chantagem que o rapaz faz, Mamie sugere que o tema de seu filme seja a luta do namorado mexicano Javier (Bobby Cannavale) para manter-se nos EUA. Enquanto os dois trabalham na edição, outras histórias paralelas acontecem, misturando-se aos poucos. Charley, o pai do filho de Mamie, por exemplo, desconfia que seu namorado, Gil (David Sutcliffe), é o pai do filho pequeno de um casal de lésbicas (Laura Dern e Sarah Clarke) e resolve tirar a história a limpo. Ele nem desconfia que o jovem músico Otis (Jason Ritter), que trabalha em seu restaurante, é apaixonado por ele, enquanto tenta impedir que a ambiciosa Jude (Maggie Gyllenhaal) - com quem teve uma forçada noite de sexo - seduza seu pai milionário, Frank (Tom Arnold).
Quando ainda não havia estreado como cineasta, Don Roos assinou os roteiros de filmes tão díspares quanto o suspense "Mulher solteira procura..." - que contava com uma Bridget Fonda no auge de uma carreira ascendente que posteriormente desapareceu -, o drama "Armadilhas do amor" - que deu à Michelle Pfeiffer uma indicação ao Oscar -, o tragicômico "Somente elas" - último papel decente de Whoopi Goldberg no cinema - e o tenebroso "Diabolique", refilmagem de um clássico francês que quase sepultou a carreira de Sharon Stone. Foi somente em 1998 que ele assinou um filme como diretor, e não foi um filme qualquer: ainda que relativamente pouco conhecido, "O oposto do sexo" oferecia ao público um tipo de humor que encantava pelo cinismo e pelo politicamente incorreto. Em seu segundo longa, a comédia dramática "Finais felizes", ele mais uma vez utiliza de seu sarcasmo e de seu modo quase cínico de ver a vida
para contar a história de uma dezena de personagens que buscam a felicidade mesmo que por meios às vezes bastante questionáveis. E, se por um lado perde pontos por não contar com uma personagem tão formidável quanto Dede, a protagonista de seu trabalho anterior - vivida por uma Christina Ricci exuberante e impecável - ganha bastante ao apresentar um painel rico o suficiente de personagens bem diferentes entre si.
Se "Finais felizes" tem alguém que merece ser chamada de protagonista, ela provavelmente é Mamie (vivida pela sempre ótima Lisa Kudrow, da série "Friends" e que também arrasava como coadjuvante em "O oposto do sexo"). Mamie é uma psicóloga que aconselha mulheres que pretendem interromper a gravidez. Na verdade ela tem um telhado de vidro, uma vez que, ainda adolescente, desistiu de abortar o filho que esperava de Charley (Steve Coogan na maturidade), filho inglês de sua madrasta - e jamais contou o acontecido a ninguém. Quase vinte anos depois, porém, ela é procurada por Nicky (Jesse Bradford), um misterioso filmaker que sabe de seu segredo e pretende filmar um documentário apresentando o reencontro entre mãe e filho. Para evitar o encontro e fugir da chantagem que o rapaz faz, Mamie sugere que o tema de seu filme seja a luta do namorado mexicano Javier (Bobby Cannavale) para manter-se nos EUA. Enquanto os dois trabalham na edição, outras histórias paralelas acontecem, misturando-se aos poucos. Charley, o pai do filho de Mamie, por exemplo, desconfia que seu namorado, Gil (David Sutcliffe), é o pai do filho pequeno de um casal de lésbicas (Laura Dern e Sarah Clarke) e resolve tirar a história a limpo. Ele nem desconfia que o jovem músico Otis (Jason Ritter), que trabalha em seu restaurante, é apaixonado por ele, enquanto tenta impedir que a ambiciosa Jude (Maggie Gyllenhaal) - com quem teve uma forçada noite de sexo - seduza seu pai milionário, Frank (Tom Arnold).
"Finais felizes" usa e abusa de textos explicativos - alguns bastante irônicos e engraçados - para ajudar a contar suas histórias, que em momento algum seguem o caminho do previsível. Uma das maiores qualidades do texto de Don Roos - não apenas este, mas quase todos - é a simplicidade com que trata de temas espinhosos (homossexualidade, aborto, imigração ilegal) e os conduz com levaza, mesmo quando cria cenas bastante sérias, defendidas por um elenco perceptivelmente adequado e à vontade em seus papéis. A própria Lisa Kudrow deixa de lado a marcante Phoebe Buffay da série de TV que fez por dez anos para entregar uma interpretação comovente mas que nunca deixa de lembrar o público que faz parte de uma comédia.
Pouco visto e pouco conhecido, "Finais felizes" merece ser descoberto pelo público que procura diversão inteligente, descolada e moderna. E é mais uma mostra inconteste do talento de seu diretor/roteirista, que depois comandaria o belo "Mais que o acaso" e o chatinho "As coisas impossíveis do amor".
Pouco visto e pouco conhecido, "Finais felizes" merece ser descoberto pelo público que procura diversão inteligente, descolada e moderna. E é mais uma mostra inconteste do talento de seu diretor/roteirista, que depois comandaria o belo "Mais que o acaso" e o chatinho "As coisas impossíveis do amor".
terça-feira
EDUKATORS, OS EDUCADORES
EDUKATORS, OS EDUCADORES (Die fetten Jahre sind vorbei, 2005, Alemanha, 127min) Direção: Hans Weingartner. Roteiro: Hans Weingartner, Katharina Held. Fotografia: Daniela Knapp, Matthias Schellenberg. Montagem: Dirk Oetelshoven, Andreas Wodraschke. Música: Andreas Wodraschke. Figurino: Silvia Pernegger. Direção de arte/cenários: Christian M. Goldbeck. Produção: Antonin Svoboda, Hans Weingartner. Elenco: Daniel Bruhl, Julia Jentsch, Stipe Erceg, Burghart Klaubner. Estreia: 17/5/04 (Festival de Cannes)
"Seus dias de fartura estão contados." Com essa afirmação ameaçadora - e que também é seu título original - o filme alemão "Edukators, os educadores" já demonstra claramente a que veio. Dirigido por Hans Weingartner e estrelado por Daniel Bruhl (astro do bem sucedido "Adeus, Lenin"), o filme é um elogio rasgado à juventude idealista e politicamente ativa da Alemanha de sua época, banhado de certa ingenuidade, mas capaz de, felizmente, ser inteligente o bastante para demonstrar um senso de realismo que o eleva facilmente a um dos mais interessantes produtos do cinema germânico do século XXI.
Até mesmo aqueles que nutrem certo preconceito contra qualquer tipo de cinema realizado longe dos domínios de Hollywood tem vários motivos para se encantar com "Edukators". A começar pelo ritmo ágil, tudo no filme de Weingartner aponta para um rumo bem diferente de clássicos modernos do país, como o cultuado "Asas do desejo". Cinema popular sem ser condescendente, inteligente sem ser arrogante e socialmente relevante sem ser panfletário, "Edukators" conquista o público aos poucos, para, em seu final, mostrar que contou várias histórias em uma só de maneira sutil e envolvente.
Os Educadores do título são Jan (Daniel Bruhl) e Peter (Stipe Erceg), dois amigos inseparáveis que, militantes contra a má distribuição de renda em seu país, invadem as residências dos milionários com o objetivo de mandar seu recado: eles não roubam nada, apenas mudam a mobília de lugar (de maneira bizarra) e deixam um bilhete com os dizeres do início deste texto. Sua rotina é alterada quando, durante uma viagem de Peter, sua namorada Jule (Julia Jentsch) fica sabendo das aventuras noturnas de seu amado e convence Jan a invadir a casa de um industrial que a obrigou, depois de um acidente de carro, a lhe pagar o conserto de sua Mercedez. Os dois entram na casa - Jan é apaixonado pela garota - mas um imprevisto muda completamente o rumo dos acontecimentos e leva os quatro - os amigos e o industrial - a uma situação de vida ou morte.
Quanto menos se souber dos rumos de "Edukators" em uma primeira sessão, melhor. O roteiro esperto do diretor - co-escrito por Katharina Held - se equilibra com perfeição entre o triângulo amoroso dos amigos, o suspense da situação desencadeada pela invasão na casa do milionário e o discurso mal-disfarçado (mas puro o bastante para não incomodar) a respeito da desigualdade social. Aliás, talvez essa pureza de objetivos seja a maior qualidade do filme de Weingartner. Tudo bem que a trama é bem desenvolvida, os atores são carismáticos - em especial Daniel Bruhl - e a utilização da bela "Hallelujah", de Leonard Cohen é exemplar. Mas é o respiro de uma ideologia poucas vezes retratada no cinema com tanta doçura que faz com que tudo soe ainda mais belo e empolgante. Um pequeno grande filme!
"Seus dias de fartura estão contados." Com essa afirmação ameaçadora - e que também é seu título original - o filme alemão "Edukators, os educadores" já demonstra claramente a que veio. Dirigido por Hans Weingartner e estrelado por Daniel Bruhl (astro do bem sucedido "Adeus, Lenin"), o filme é um elogio rasgado à juventude idealista e politicamente ativa da Alemanha de sua época, banhado de certa ingenuidade, mas capaz de, felizmente, ser inteligente o bastante para demonstrar um senso de realismo que o eleva facilmente a um dos mais interessantes produtos do cinema germânico do século XXI.
Até mesmo aqueles que nutrem certo preconceito contra qualquer tipo de cinema realizado longe dos domínios de Hollywood tem vários motivos para se encantar com "Edukators". A começar pelo ritmo ágil, tudo no filme de Weingartner aponta para um rumo bem diferente de clássicos modernos do país, como o cultuado "Asas do desejo". Cinema popular sem ser condescendente, inteligente sem ser arrogante e socialmente relevante sem ser panfletário, "Edukators" conquista o público aos poucos, para, em seu final, mostrar que contou várias histórias em uma só de maneira sutil e envolvente.
Os Educadores do título são Jan (Daniel Bruhl) e Peter (Stipe Erceg), dois amigos inseparáveis que, militantes contra a má distribuição de renda em seu país, invadem as residências dos milionários com o objetivo de mandar seu recado: eles não roubam nada, apenas mudam a mobília de lugar (de maneira bizarra) e deixam um bilhete com os dizeres do início deste texto. Sua rotina é alterada quando, durante uma viagem de Peter, sua namorada Jule (Julia Jentsch) fica sabendo das aventuras noturnas de seu amado e convence Jan a invadir a casa de um industrial que a obrigou, depois de um acidente de carro, a lhe pagar o conserto de sua Mercedez. Os dois entram na casa - Jan é apaixonado pela garota - mas um imprevisto muda completamente o rumo dos acontecimentos e leva os quatro - os amigos e o industrial - a uma situação de vida ou morte.
Quanto menos se souber dos rumos de "Edukators" em uma primeira sessão, melhor. O roteiro esperto do diretor - co-escrito por Katharina Held - se equilibra com perfeição entre o triângulo amoroso dos amigos, o suspense da situação desencadeada pela invasão na casa do milionário e o discurso mal-disfarçado (mas puro o bastante para não incomodar) a respeito da desigualdade social. Aliás, talvez essa pureza de objetivos seja a maior qualidade do filme de Weingartner. Tudo bem que a trama é bem desenvolvida, os atores são carismáticos - em especial Daniel Bruhl - e a utilização da bela "Hallelujah", de Leonard Cohen é exemplar. Mas é o respiro de uma ideologia poucas vezes retratada no cinema com tanta doçura que faz com que tudo soe ainda mais belo e empolgante. Um pequeno grande filme!
segunda-feira
CRASH, NO LIMITE
CRASH, NO LIMITE (Crash, 2004, LionsGate Films, 112min) Direção: Paul Haggis. Roteiro Paul Haggis, Bobby Moresco. Fotografia: J. Michael Munro. Montagem: Hughes Winborne. Música: Mark Isham. Figurino: Linda Bass. Direção de arte/cenários: Laurence Bennett/Linda Sutton-Doll. Produção executiva: Marina Grasic, Jan Korbelin, Tom Nunan, Andrew Reimer. Produção: Don Cheadle, Paul Haggis, Mark R. Harris, Bobby Moresco, Cathy Schulman, Bob Yari. Elenco: Sandra Bullock, Brendan Fraser, Don Cheadle, Matt Dillon, Ryan Phillipe, Terrence Howard, Thandie Newton, Michael Peña, Loretta Devine, Jennifer Esposito, William Fichtner. Estreia: 21/4/05
6 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Paul Haggis), Ator Coadjuvante (Matt Dillon), Roteiro Original, Montagem, Canção ("In the deep")
Vencedor de 3 Oscar: Melhor Filme, Roteiro Original, Montagem
Era uma vez um filme convencional, repleto de clichês, com um elenco pretendendo ser levado a sério e com vontade de parecer profundo que, por causa da hipocrisia dos membros de mentalidade fechada da Academia de Hollywood ganhou o Oscar de Melhor Filme no mesmo ano em que a história de amor e preconceito entre dois cowboys gays levou todos os prêmios confiáveis distribuídos pelo mundo graças a sua qualidade e sensibilidade. Esse filme - o que em tese era corajoso por tratar de racismo e diferenças sociais em uma Los Angeles que servia de microcosmo do país - se chama "Crash, no limite" e, a despeito de algumas qualidades, não passa de um telefilme com grande elenco e roteiro superficial.
Co-escrito e dirigido por Paul Haggis - que despontou para a fama quando escreveu o roteiro do premiadíssimo "Menina de ouro", de Clint Eastwood - "Crash" é mais um filme que se utiliza da velha estrutura de histórias paralelas para disfarçar a falta de profundidade de suas personagens, todas elas construídas de forma mais a servir à narrativa do que qualquer outra coisa. Em comédias românticas o artifício funciona; em um filme que se propõe a discussões sérias é um pecado bastante grave, especialmente quando o assunto é palpitante e polêmico quanto aqui. No final, tudo se resume a uma tese ambiciosa, mas sem maiores fundamentos que a possam sustentar. Felizmente, nem tudo são pedras. Existem flores no meio do caminho e - apesar de não justificarem os elogios rasgados e tampouco o Oscar de melhor filme - elas conseguem ao menos tornar a missão de assistir ao filme de Haggis um passatempo no mínimo fluente.
Seguindo o estilo que Robert Altman consagrou em filmes como "Nashville" e "Short Cuts" - e com o qual não teve a mesma sorte em "Pret-à-porter" - "Crash" narra várias histórias que tem em comum os fatos de se passarem em Los Angeles e serem focadas no racismo (em várias nuances). Aos poucos o público é apresentado aos policiais Tom Hansen (Ryan Phillipe) - que está em vias de perder parte de sua inocência profissional - e John Ryan (Matt Dillon, inexplicavelmente indicado a um Oscar de coadjuvante) - que em menos de 24 horas tem a chance de se redimir diante da esposa (Thandie Newton) de um produtor de TV (Terrence Howard, excelente) com quem teve um comportamento reprovável. Também é apresentado à audiência o casal de ricaços Jean e Rick Cabot (Sandra Bullock e Brendan Fraser) - que depois de um assalto passam a desconfiar de qualquer um que não seja branco, anglo-saxão e protestante -, o trabalhador latino Daniel (Michael Peña) - que encontra dificuldades por ser de uma raça considerada "inferior" pelos moradores de sua cidade - e o detetive Graham Waters (Don Cheadle no melhor papel do filme), que precisa lidar com o irmão marginal e a mãe doente. Ao redor deles, outras personagens compõem um mosaico de preconceito e hipocrisia.
O roteiro de Haggis e Bobby Moresco apresenta suas personagens e tramas de maneira ágil e direta, mas
pecam por ter medo de ir até os limites do drama. Não há nenhum momento catártico em sua história, nenhum choque que tire o espectador de sua zona de conforto - como o faz "A outra história americana", por exemplo. Quando isso está perto de acontecer - em uma cena tensa entre Daniel, sua filha pequena e um cliente insatisfeito - os roteiristas preferem o caminho da espiritualidade e frustram a expectativa do público em testemunhar o que poderia ser um grande momento dramático. E quando tem a coragem de matar uma personagem fazem uma escolha pouco ousada - ainda que isso dê a Don Cheadle a chance de explorar o papel menos superficial de toda a trama.
Não é que "Crash, no limite" seja absurdamente ruim ou algo que o valha. É que levanta questões importantes sem discutí-las a contento e promete muito mais do que cumpre. Condena o que é realmente condenável mas não passa de um mero observador quase covarde. E nem é tão brilhantemente dirigido a ponto de fazer de Sandra Bullock e Ryan Phillipe atores convincentes. Sua falta de contundência é seu maior - e fatal - pecado. E, convenhamos, talvez tenha sido essa militância rasa que tanto encantou aos obtusos (para não dizer tacanhos) e os fez abraçar um filme apenas ok como melhor do que o extremamente superior "O segredo de Brokeback Mountain".
6 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Paul Haggis), Ator Coadjuvante (Matt Dillon), Roteiro Original, Montagem, Canção ("In the deep")
Vencedor de 3 Oscar: Melhor Filme, Roteiro Original, Montagem
Era uma vez um filme convencional, repleto de clichês, com um elenco pretendendo ser levado a sério e com vontade de parecer profundo que, por causa da hipocrisia dos membros de mentalidade fechada da Academia de Hollywood ganhou o Oscar de Melhor Filme no mesmo ano em que a história de amor e preconceito entre dois cowboys gays levou todos os prêmios confiáveis distribuídos pelo mundo graças a sua qualidade e sensibilidade. Esse filme - o que em tese era corajoso por tratar de racismo e diferenças sociais em uma Los Angeles que servia de microcosmo do país - se chama "Crash, no limite" e, a despeito de algumas qualidades, não passa de um telefilme com grande elenco e roteiro superficial.
Co-escrito e dirigido por Paul Haggis - que despontou para a fama quando escreveu o roteiro do premiadíssimo "Menina de ouro", de Clint Eastwood - "Crash" é mais um filme que se utiliza da velha estrutura de histórias paralelas para disfarçar a falta de profundidade de suas personagens, todas elas construídas de forma mais a servir à narrativa do que qualquer outra coisa. Em comédias românticas o artifício funciona; em um filme que se propõe a discussões sérias é um pecado bastante grave, especialmente quando o assunto é palpitante e polêmico quanto aqui. No final, tudo se resume a uma tese ambiciosa, mas sem maiores fundamentos que a possam sustentar. Felizmente, nem tudo são pedras. Existem flores no meio do caminho e - apesar de não justificarem os elogios rasgados e tampouco o Oscar de melhor filme - elas conseguem ao menos tornar a missão de assistir ao filme de Haggis um passatempo no mínimo fluente.
Seguindo o estilo que Robert Altman consagrou em filmes como "Nashville" e "Short Cuts" - e com o qual não teve a mesma sorte em "Pret-à-porter" - "Crash" narra várias histórias que tem em comum os fatos de se passarem em Los Angeles e serem focadas no racismo (em várias nuances). Aos poucos o público é apresentado aos policiais Tom Hansen (Ryan Phillipe) - que está em vias de perder parte de sua inocência profissional - e John Ryan (Matt Dillon, inexplicavelmente indicado a um Oscar de coadjuvante) - que em menos de 24 horas tem a chance de se redimir diante da esposa (Thandie Newton) de um produtor de TV (Terrence Howard, excelente) com quem teve um comportamento reprovável. Também é apresentado à audiência o casal de ricaços Jean e Rick Cabot (Sandra Bullock e Brendan Fraser) - que depois de um assalto passam a desconfiar de qualquer um que não seja branco, anglo-saxão e protestante -, o trabalhador latino Daniel (Michael Peña) - que encontra dificuldades por ser de uma raça considerada "inferior" pelos moradores de sua cidade - e o detetive Graham Waters (Don Cheadle no melhor papel do filme), que precisa lidar com o irmão marginal e a mãe doente. Ao redor deles, outras personagens compõem um mosaico de preconceito e hipocrisia.
O roteiro de Haggis e Bobby Moresco apresenta suas personagens e tramas de maneira ágil e direta, mas
pecam por ter medo de ir até os limites do drama. Não há nenhum momento catártico em sua história, nenhum choque que tire o espectador de sua zona de conforto - como o faz "A outra história americana", por exemplo. Quando isso está perto de acontecer - em uma cena tensa entre Daniel, sua filha pequena e um cliente insatisfeito - os roteiristas preferem o caminho da espiritualidade e frustram a expectativa do público em testemunhar o que poderia ser um grande momento dramático. E quando tem a coragem de matar uma personagem fazem uma escolha pouco ousada - ainda que isso dê a Don Cheadle a chance de explorar o papel menos superficial de toda a trama.
Não é que "Crash, no limite" seja absurdamente ruim ou algo que o valha. É que levanta questões importantes sem discutí-las a contento e promete muito mais do que cumpre. Condena o que é realmente condenável mas não passa de um mero observador quase covarde. E nem é tão brilhantemente dirigido a ponto de fazer de Sandra Bullock e Ryan Phillipe atores convincentes. Sua falta de contundência é seu maior - e fatal - pecado. E, convenhamos, talvez tenha sido essa militância rasa que tanto encantou aos obtusos (para não dizer tacanhos) e os fez abraçar um filme apenas ok como melhor do que o extremamente superior "O segredo de Brokeback Mountain".
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