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sexta-feira

TIROS EM COLUMBINE

TIROS EM COLUMBINE (Bowling for Columbine, 2002, United Artists, 120min) Direção e roteiro: Michael Moore. Montagem: Kurt Engfehr. Música: Jeff Gibbs. Produção executiva: Wolfram Tichy. Produção: Charles Bishop, Jim Czarnecki, Michael Donovan, Kahtleen Glynn, Michael Moore. Estreia: 16/5/02 (Festival de Cannes)

Vencedor do Oscar de Melhor Documentário

Foi ao receber seu Oscar de melhor documentário, por este "Tiros em Columbine", que Michael Moore tornou-se mundialmente conhecido: diante de milhões de telespectadores que assistiam à cerimônia, o rotundo cineasta vociferou contundentemente contra George W. Bush, seu mandato - segundo ele, resultado de eleições fictícias - e a guerra do Iraque que, conforme se soube mais adiante, começou com o falso pretexto de que o país tinha um arsenal de armas de destruição em massa. Vaiado por uns, aplaudido por outros e criticado por muitos, Moore aproveitou, sem dúvida, para dar um belo empurrão em seu filme seguinte, "Fahrenheit 11/9" (2004), que tornou-se, já em sua estreia, o documentário de maior bilheteria da história, além de ganhar a Palma de Ouro em Cannes - e que falava, para surpresa de ninguém, sobre as sujeiras escondidas do presidente norte-americano. "Tiros em Columbine", no entanto, não centra seu fogo unicamente em um alvo - ainda que acuse, sem papas na língua, o governo dos EUA de colaborar com os países que posteriormente apelaram para atos terroristas - e, com extrema contundência e um mordaz senso de humor, faz uma séria análise da fascinação do povo ianque por armas de fogo a partir do massacre cometido por dois alunos adolescentes de uma escola de ensino médio chamada Columbine, no estado do Colorado, em 1999.

Sem medo de causar polêmica - e certamente procurando por uma boa dose dela - Michael Moore estende sua reflexão social e política nas mais variadas direções, confirmando sua tendência para o autopromoção, uma característica que sempre lhe causa pesadas críticas mas que invariavelmente funciona à perfeição para atingir seus objetivos. Confiante em seus argumentos e movido por uma admirável cara-de-pau, Moore faz o espectador testemunhar situações que vão do constrangedor - a já clássica entrevista com Charlton Heston, defensor ferrenho do armamento da população e presidente da malfadada NRA (National Rifle Association) - ao surpreendente - como a visita do cineasta e dois jovens sobreviventes da tragédia em Columbine (um deles preso a uma cadeira de rodas) a uma rede de lojas que vende indiscriminadamente munição para armas de fogo. Conversando com pessoas envolvidas diretamente com as consequências de uma legislação francamente favorável (e até mesmo incentivadora) ao acesso quase irrestrito do público ao municiamento, o documentarista também faz questão de mostrar absurdos inimagináveis, como um banco que oferece uma arma de brinde aos novos clientes e não vê nada de errado com isso. Assim como acontece com Charlton Heston - que fica sem argumentos diante de questões pontuais e lógicas de Moore - outros entrevistados acabam por deixar que o diretor derrube suas convicções equivocadas mesmo sem precisar empurrar muito: argumentos como o histórico de violência na história da construção do país e a influência dos meios de comunicação são jogados por terra a cada nova conversa com explicações quase didáticas e fatos inquestionáveis.


Para cada tentativa de justificar a obsessão americana por armas, Michael Moore oferece estatísticas, contradições e muita história. Como forma de não tornar seu documentário algo tedioso, ele brinca com várias linguagens, como animação e videoclipes, que esclarecem ao espectador a forma como o governo dos EUA fomentou sem clemência um estado de constante paranoia para sustentar sua indústria armamentista. É sintomático que celebridades como Marilyn Manson se defendam com tanta inteligência e lucidez: vendo suas músicas e seu visual pouco normal sendo responsabilizados pela tragédia em Columbine, ele questiona o porquê de Bill Clinton e sua política de guerra não foram tão demonizados quanto, e continua sua defesa acusando comerciais de tv e a cultura do medo pelos desastres. Moore não deixa passar a oportunidade e apresenta, logo em seguida, números que mostram que nem mesmo os mais violentos filmes produzidos em Hollywood são capazes de incentivar algo que já não está radicalmente encravado em uma mentalidade quase doentia que vem de gerações. Em uma visita ao Canadá - uma região também muito mais armada do que a média - ele mostra ao surpreendido público que, apesar de igualmente armado além do normal, o país tem uma número de crimes muito abaixo do registrado nos EUA. Por que? É a grande questão do filme.

"Tiros em Columbine" lança diversas perguntas à plateia durante suas duas horas de duração. A maior parte delas o próprio Michael Moore responde, à sua maneira - às vezes exagerada, às vezes quase agressiva, quase sempre de forma contundente e assertiva. Outras ele apenas deixa no ar, oferecendo subsídios o suficiente para que os espectadores as respondam. Muito criticado por colocar-se como estrela de seus filmes, sobressaindo-se ao tema retratado, Moore realmente é uma figura marcante e não faz a menor questão de delicadezas ou sutilezas. No entanto, bem ou mal, é isso que faz de seus filmes grandes obras de não-ficção, tão empolgantes quanto qualquer suspense ou thriller político. "Tiros em Columbine" informa, indigna, choca e emociona em doses iguais - além de mostrar em um até então respeitável astro da era clássica de Hollywood um lado fascista jamais imaginado em alguém que fez o papel de Moisés. Um clássico contemporâneo, imprescindível e fascinante!

sábado

FAHRENHEIT 11 DE SETEMBRO

FAHRENHEIT 11 DE SETEMBRO (Fahrenheit 9/11, 2004, Fellowship Adventure Group, 122min) Direção e roteiro: Michael Moore. Montagem: Kurt Engfehr, T. Woody Richman, Christopher Seward. Música: Jeff Gibbs. Produção executiva: Agnes Mentre, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Jim Czarnecki, Kathleen Glynn, Michael Moore. Estreia: 17/5/04 (Festival de Cannes)

Palma de Ouro (Melhor Filme) no Festival de Cannes

Quando subiu ao palco que premiou os vencedores do Oscar 2002 para receber sua estatueta de melhor documentário do ano por "Tiros em Columbine", o cineasta Michael Moore foi aplaudido entusiasticamente pela plateia de celebridades quando vociferou um discurso incendiário contra o então presidente George W. Bush. Em seu agradecimento, Moore declarou que fazia documentários porque gostava da verdade e tinha vergonha de viver um país governado por um presidente eleito de forma fictícia (referindo-se ao controverso pleito que derrotou Al Gore) que inventou uma guerra fictícia no Iraque apenas para saciar seus desejos gananciosos. Não é preciso dizer que tal polêmica acendeu no mundo todo uma curiosidade quase desesperada pelo trabalho seguinte do diretor, "Fahrenheit 11 de setembro", que investigava as relações econômicas de Bush com o Oriente Médio - e consequentemente com Osama Bin Laden, o terrorista que articulou o ataque às Torres Gêmeas em 2001. Feito para alertar a população sobre as reais intenções do presidente - e impedir sua reeleição - o filme acabou estreado no Festival de Cannes de 2004, seis meses antes que os eleitores americanos fossem às urnas, mas acabou, apesar de sua contundência, falhando em seu principal objetivo: Bush continuou na Casa Branca mandando jovens inocentes a guerras inúteis. Porém, o propósito do diretor em atingir o maior número possível de espectadores - a ponto de encorajar inclusive downloads ilegais - não pode ter sido atingido com mais sucesso: com uma renda de mais de 200 milhões de dólares de arrecadação mundo afora, "Fahrenheit 11 de setembro" é um dos documentários mais influentes e bem-sucedidos da história. Nada mais merecido.

Se "Tiros em Columbine" já era empolgante e chocante em seu estudo sobre a obsessão americana por armas de fogo - um tema deflagrado pelos assassinatos cometidos por dois adolescentes em uma escola de ensino médio que também inspiraram o elogiado "Elefante", de Gus Van Sant  - "Fahrenheit 11 de setembro" consegue ser ainda mais contundente, pelo fato de focar sua artilharia no dirigente do país mais poderoso do mundo sem dó nem piedade. Retratando Bush como um misto de ganancioso sanguinário e frio e um boçal apatetado e manipulado por interesseiros empresários do ramo do petróleo, Moore foi o responsável pelo ataque mais direto e agressivo jamais realizado pelo cinema a um presidente - mas o faz de forma tão direta e com tantas informações relevantes que é impossível não acabar a sessão concordando com toda a sua fúria. Manipulador? Talvez. Exagerado? Provavelmente. Mas, assim como Oliver Stone fez em "JFK" - um dos melhores filmes dos anos 90 - Michael Moore tem o dom de apresentar suas ideias de maneira tão fascinante que não é dada ao público sequer a chance de questioná-las. E, mesmo que não se conheça os detalhes da história dos EUA ou não se tenha um interesse em particular sobre o assunto, é um desafio até mesmo tirar os olhos da tela enquanto absurdos cada vez maiores desfilam por ela.


A eleição de Bush à presidência - surpreendente até mesmo para os eleitores que já haviam sido noticiados da vitória de seu rival Al Gore pelas emissoras de TV - é que dá o pontapé inicial ao filme, mostrando de cara as manobras políticas e econômicas que permitiram a ele chegar à Casa Branca e manter em pauta os interesses financeiros de sua família, mesmo que a custo da vida de milhares de americanos. Em seguida, o atentado ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001 serve como ponto de partida para um estudo detalhado e indignado sobre como o governo usou a maior tragédia do século até agora para manter a população em constante estado de tensão, medo e paranoia - e assim justificar a invasão ao Iraque e esconder toda a sujeira que envolve a relação do então presidente com empresas de petróleo que lhe rendem milhares e milhares de dólares. Ao mesmo tempo em que expõe de forma clara e didática os meandros da estrutura de poder banhada pela ganância, Moore também mostra aos espectadores o outro lado da moeda, através de depoimentos categóricos que se contradizem quando confrontados com a realidade: é o caso da ufanista dona-de-casa que diariamente iça a bandeira do país em frente à sua casa, acredita piamente nas práticas militares do governo e manda o próprio filho para a guerra - só para depois desabar ao perdê-lo em uma batalha. E também questiona o fato de nenhum congressista - com exceção de um único, democrata - ter filhos no front, já que são favoráveis à guerra.

Ilustrando suas teorias com imagens chocantes dos conflitos no Oriente Médio e sublinhando as ironias da situação com cenas que dispensam quaisquer comentários - como o próprio Bush impassível em uma escola infantil ao saber dos atentado em Nova York e Britney Spears afirmando confiar no presidente durante uma entrevista para a TV - "Fahrenheit 11 de setembro" é um petardo dos maiores já lançados pelo cinema americano contra o status quo. É triste, é inacreditável, é revoltante. E é um dos melhores documentários da história do cinema.

JADE

  JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...