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segunda-feira

FRAGMENTADO

FRAGMENTADO (Split, 2016, Universal Pictures, 117min) Direção e roteiro: M. Night Shyamalan. Fotografia: Michael Gioulakis. Montagem: Luke Ciarrocchi. Música: West Dylan Thordson. Figurino: Paco Delgado. Direção de arte/cenários: Mara LePere-Schloop/Jennifer Engel,Dennis Madigan. Produção executiva: Kevin Frakes, Buddy Patrick, Ashwin Rajan, Steven Schneider. Produção: Marc Bienstock, Jason Blum, M. Night Shyamalan. Elenco: James McAvoy, Anya Taylor-Joy, Betty Buckley, Haley Lu Richardson, Jessica Sula. Estreia: 26/9/16

Poucos cineastas conheceram o céu e o inferno da indústria hollywoodiana tão de perto quanto M. Night Shyamalan: em 1999, seu "O sexto sentido" tornou-se um dos maiores sucessos de bilheteria da história e lhe rendeu indicações ao Oscar de diretor e roteiro (além de ter concorrido também à estatueta de melhor filme). Tido como uma das maiores promessas para o cinema do século XXI, ele conseguiu o que muitos diretores querem mas demoram anos para conquistar (quando conquistam): controle artístico absoluto de suas obras. Foi assim que construiu uma carreira de personalidade e características próprias, cujos filmes nem sempre confirmavam as expectativas (do público, da crítica e dos estúdios), como "Corpo fechado" (2000), "Sinais" (2002) e "A vila" (2004) . Foi somente a partir de "A dama na água" (2006), porém, que seus detratores finalmente começaram a encontrar motivos para comemorar: fracasso comercial e crítico, o conto de fadas estrelado por Paul Giamatti deu início a uma série de fiascos que, por motivos diversos, transformaram o talentoso diretor em piada no meio cinematográfico. Trabalhando por encomenda em produções fraquíssimas - como "O último mestre do ar" (2010) e "Depois da Terra" (2013), Shyamalan tomou uma decisão acertadíssima: voltou às origens e, sem pretensões, lançou o subestimado "A visita" (2015), que, sem atores conhecidos no elenco e com um orçamento de apenas 5 milhões de dólares, rendeu quase 100 milhões pelo mundo. Com a autoconfiança reestabelecida, ele pode, então, voltar seus olhos a um projeto muito querido: surgia assim "Fragmentado", mais um trabalho feito com trocados (9 milhões de orçamento) e que, graças à propaganda boca-a-boca, não apenas chegou perto de 300 milhões de arrecadação mundial como devolveu ao cineasta o respeito perdido no meio do caminho.

Perto do imenso sucesso de "O sexto sentido", a bilheteria e o impacto de "Fragmentado" pode até parecer discreto, mas pela primeira vez em anos, Shyamalan voltou a ser assunto, comentado e elogiado pelos fãs de cinema, pela imprensa e até mesmo por executivos dos grandes estúdios. E o mais empolgante: fazendo justamente aquilo que sabe fazer de melhor, construindo climas, prendendo o interesse da plateia por seus personagens e manipulando com maestria todos os elementos de um filme de suspense - apenas para entregar, em seus segundos finais, uma surpresa aos antigos entusiastas, um fecho de ouro que amplia o alcance da história e a empurra a direções inimagináveis até então. Mais uma vez evitando o horror explícito e se dedicando a dar consistência à sua narrativa através do cuidado com o roteiro e o elenco escolhido, o cineasta faz um gol de placa ao misturar fatos comprovados cientificamente com uma alta dose de imaginação e tensão.


Novamente a história se passa na Filadélfia, cenário de seus filmes anteriores, e começa com o rapto de três adolescentes, sequestradas no estacionamento de um shopping-center. O raptor, como elas descobrem assim que acordam em um pequeno quarto sem janelas e com isolamento acústico, é o calado Dennis (James McAvoy), um homem quieto, reservado e que, aparentemente tem planos bem específicos para suas reféns. Conforme o tempo vai passando, porém, as meninas descobrem que há algo de muito errado em Dennis: sofrendo de um transtorno que lhe faz ter múltiplas personalidades, ele se apresenta a elas com variadas identidades, que vão desde Hedwig, um menino de nove anos, até Patricia, uma mulher que parece ter uma convivência tranquila com Dennis. Tentando encontrar uma maneira de escapar do cativeiro, a tímida Casey (Anya Taylor-Joy, do sucesso independente "A bruxa") lembra de sua infância, quando aprendia a caçar com seu pai - e faz amizade com Hedwig, acreditando que ele pode ajudá-la. Enquanto isso, outra personalidade do criminoso, Barry, frequenta sessões de terapia com a doutora Karen Fletcher (Betty Buckley), que percebe que algo de muito errado está acontecendo com seu paciente - que tem, na verdade, 23 personalidades dentro dele.

Se o roteiro de "Fragmentado" demonstra o poder de Shyamalan em envolver o público com histórias elaboradas e inteligentes, é preciso aplaudir de pé o trabalho de seu ator principal. Sem medo de cair na caricatura e oferecendo nuances sutis e assustadoras a todos os personagens criados pelo cineasta, o inglês James McAvoy faz um dos melhores trabalhos de sua carreira, já pontuada por grandes atuações, em filmes tão díspares quanto "O último rei da Escócia" (2006), "Desejo e reparação" (2007) e a série "X-Men", onde vive a versão jovem do Professor Xavier. Substituindo Joaquin Phoenix - que já havia trabalhado com o diretor em "Sinais" e "A vila" -, McAvoy engole tudo à sua volta, com uma interpretação impecável que torna críveis até mesmo os momentos mais bizarros da trama. Aposta certeira de Shyamalan, ele foge do óbvio e do exagero na criação de cada uma das personalidades do protagonista, sempre deixando o espectador perceber que existe uma unidade que as interliga. Um dos trabalhos de atuação mais empolgantes da temporada, o desempenho de McAvoy é, juntamente com a coragem do diretor em dar vários passos atrás na carreira para poder retomá-la, o maior e mais recompensador atrativo de "Fragmentado", um suspense de primeira linha - e que termina de forma a deixar qualquer um roendo as unhas de expectativa.

sexta-feira

A VISITA

A VISITA (The visit, 2015, Blinding Edge Pictures/Blumhouse Produtions, 94min) Direção e roteiro: M. Night Shyamalan. Fotografia: Maryse Alberti. Montagem: Luke Ciarrocchi. Figurino: Amy Westcott. Direção de arte/cenários: Naaman Marshall/Dennis Madigan, Christine Wick. Produção executiva: Ashwin Rajan, Steven Schneider. Produção: Marc Bienstock, Jason Blum, M. Night Shyamalan. Elenco: Olivia DeJonge, Ed Oxenbuld, Deanna Dunagan, Peter McRobbie, Kathryn Hahn. Estreia: 30/8/15 (Dublin)

Nada como um reboot na própria carreira para recuperar o prestígio perdido. Que o diga M. Night Shyamalan, que depois de tornar-se diretor de um dos maiores sucessos da história do cinema, "O sexto sentido" (99) - e de ter sido indicado ao Oscar por ele - entrou em uma curva descendente das mais violentas de que se tem notícia em Hollywood, culminando em produções massacradas impiedosamente por crítica e público, como "O último mestre do ar"  (2010) e "Depois da Terra" (2013). Sabendo que a única forma de retomar as rédeas da carreira seria voltando a assumir o controle artístico total de sua obra, Shyamalan respirou fundo, bancou sozinho o orçamento de meros cinco milhões de dólares e, com liberdade irrestrita, voltou às boas graças com a imprensa e a plateia. "A visita" pode não chegar aos pés de seu filme mais famoso - tanto em qualidade quanto em bilheteria - mas prova, sem sombra de dúvida, que seu talento em provocar tensão e arrepios ainda se mantém intacto, assim como sua incrível capacidade de arrancar performances memoráveis de seus atores juvenis.

Se em "O sexto sentido" o diretor revelou Haley Joel Osment, que chegou a ser indicado ao Oscar de coadjuvante para depois desaparecer do radar de Hollywood como mais uma criança-prodígio que não soube superar a adolescência, em "A visita" ele multiplica a equação por dois, ainda que sem a mesma potência. A ótima Olivia DeJonge e o carismático Ed Oxenbuld vivem os irmãos Becca e Tyler, os protagonistas de uma trama bizarra e assustadora justamente por estar seriamente calcada na verossimilhança, assim como os demais filmes de Shyamalan, capaz de transformar um filme de super-herói em um drama psicológico dos mais atraentes, como fez em "Corpo fechado" (2000). Becca e Tyler são dois pré-adolescentes criados pela mãe (Kathryn Hahn), depois que seu pai os abandonou por outra mulher. Ainda não totalmente recuperados da perda, eles recebem o convite dos avós maternos para que passem uma semana em sua fazenda enquanto sua mãe viaja com o novo namorado. O convite não seria nada demais se não fosse por um detalhe importantíssimo: eles não conhecem os avós, que cortaram relações com a filha por não concordarem com seu namoro, anos antes. A tentativa de reaproximação é vista com bons olhos por Becca - que resolve filmar tudo para transformar em um documentário - e o encontro finalmente acontece. Mas então coisas estranhas começam a acontecer.


A princípio carinhosos e atenciosos, os avós (Deanna Dunagan e Peter MacRobbie) passam a demonstrar um comportamento no mínimo assustador depois que a noite cai e os netos são obrigados a permanecerem em seu quarto: ela anda nua pela casa, arranha paredes e solta ruídos apavorantes. Ele mantém algo escondido em um quarto de ferramentas. E aos poucos outras atitudes disparam o sinal de alerta em Tyler, muito mais disposto a acreditar que há algo sinistro acontecendo. Ele resolve, então, deixar uma câmera escondida na sala de estar - e a partir daí, outras revelações irão transformar uma inocente semana em família em um pesadelo de que só a mente criativa de M. Night Shyamalan é capaz, com direito a sustos, momentos de pura tensão e respiros de um humor quase inocente, que impede a trama de descambar para o terror explícito. Conduzido com mão firme pelo diretor, que abdica de trilha sonora original e aposta no já quase clichê found footage (câmera na mão, como um documentário), "A visita" acaba por conquistar o público exatamente por não ter ambições de revolucionar o gênero, e sim de enfatizar suas maiores qualidades e inclusive abraçar seus lugares-comuns. Seu ritmo é cadenciado, sem pressa de revelar antecipadamente todos os seus trunfos, e seu elenco de atores desconhecidos do grande público só deixa tudo ainda mais desconfortável.

Mesmo longe da genialidade de seus melhores trabalhos, "A visita" é um poderoso lembrete de M. Night Shyamalan à indústria que o elevou às alturas e depois praticamente o abandonou à própria sorte - em parte também por uma dose de presunção que o levou a cometer erros frequentes de avaliação sobre sua arte. Com orçamento enxuto, elenco sem astros e uma história envolvente, o cineasta mais celebrado do início dos anos 2000 recuperou parte do sucesso perdido. Que seja apenas o começo de uma nova e empolgante fase, em que o talento se sobreponha à ambição.

quarta-feira

FIM DOS TEMPOS

FIM DOS TEMPOS (The happening, 2008, 20th Century Fox, 91min) Direção e roteiro: M. Night Shyamalan. Fotografia: Tak Fujimoto. Montagem: Conrad Buff. Música: James Newton Howard. Figurino: Betsy Heinman. Direção de arte/cenários: Jeannine Oppewall/Jay Hart. Produção executiva: Gary Barber, Roger Birnbaum, Ronnie Screwvala, Zarina Screwvala. Produção: Barry Mendel, Sam Mercer, M. Night Shyamalan. Elenco: Mark Wahlberg, Zooey Deschanel, John Leguizamo. Estreia: 13/6/08

Em 1963, o mestre do suspense, Alfred Hitchcock, lançou um de seus mais célebres filmes, "Os pássaros", que contava a revolta sem explicação de milhares de aves de rapina em uma cidade litorânea dos EUA. A julgar pela recepção histérica da crítica e do público americanos a "Fim dos tempos" - thriller dirigido por M. Night Shyamalan que investiga uma catástrofe natural de proporções nacionais - é de se imaginar a quantidade de pedras que seriam jogadas ao velho Hitch caso seu filme estreasse quarenta anos depois de seu lançamento original. Massacrado sem dó nem piedade, "Fim dos tempos" seguiu-se às péssimas críticas que o cineasta havia colecionado com seu "A dama na água", e serviu para, no mínimo, confirmar a extrema má-vontade geral contra os trabalhos do diretor que transformou-se em fenômeno graças a "O sexto sentido". Mesmo longe de ser uma obra-prima - e com alguns defeitos claramente perceptíveis até ao mais distraido espectador - o filme estrelado por Mark Wahlberg é um suspense acima da média, que comprova o talento de um dos poucos cineastas ainda donos de um estilo próprio.

A primeira sequência já é arrepiante e dá uma mostra da capacidade de Shyamalan de sugerir o horror contando apenas com a música (mais uma vez a cargo de James Newton Howard) e a edição de som: em uma bela e tranquila manhã de sol no Central Park nova-iorquino, dezenas de pessoas começam a agir estranhamente. Primeiro, perdem a noção de direção. Depois, falam coisas sem sentido. Por fim, cometem suicídio sem razão aparente. Em pouco tempo, operários de uma construção agem da mesma forma. Não demora para que o acontecimento chegue à imprensa, que de cara pensa tratar-se de um atentado terrorista em forma de arma química. Pouco depois, na Filadélfia, o professor de química Elliot Moore (Mark Wahlberg, um tanto deslocado no papel) descobre que sua cidade também está na rota do misterioso fenômeno e resolve, assim como centenas de conterrâneos, fugir para um local mais seguro. Acompanhado da esposa Alma (Zooey Deschanel) - cujo relacionamento está em crise - e da filha pequena de um amigo que foi procurar a mulher, o rapaz se vê diante de uma catástrofe sem explicações fáceis, que está dizimando a população pelas próprias mãos.


Uma das maiores críticas feitas a "Fim dos tempos" refere-se à explicação dada pelo roteiro ao trágico acontecimento - e que tem nuances ecológicas e de defesa ao meio-ambiente. As reclamações sobre tal opção de Shyamalan apenas mostram o quão engessado está o público de cinema, que provavelmente aceitariam com mais bom grado resoluções fáceis e clichês como conspirações governamentais e alienígenas malvados com sede de destruição. Ao contrariar o esperado, o cineasta apostou na inteligência da plateia e na possibilidade de um pacto com a audiência. Sua aposta não deu certo principalmente porque ele exigiu da audiência uma liberdade maior de imaginação, e contar com isso junto a um público acostumado a soluções mastigadinhas é suicídio comercial. Por outro lado, quem embarcou de verdade no filme ganhou muito mais: cenas dirigidas com extremo cuidado, tensão constante e ao menos uma personagem marcante, capaz de assombrar aos reais fãs de cinema de suspense.

Vivida pela veterana Betty Buckley - que estreou no cinema como uma das professoras de "Carrie, a estranha" (76) - a apavorante Mrs. Jones é, talvez, a melhor personagem de "Fim dos tempos". Misteriosa e paranoica, é ela quem hospeda - meio a contragosto - os protagonistas, no ato final do filme e sua entrada comprova a teoria de Shyamalan de que as pessoas mostram quem elas realmente são justamente nos momentos mais críticos. O desempenho impecável de Buckley de certa forma anula a atuação mecânica tanto de Mark Wahlberg quanto de Zooey Deschanel - que não faz mais do que desfilar caras e bocas, a despeito de seu talento. E são exatamente Wahlberg e Deschanel o calcanhar de Aquiles do filme. Com personagens centrais tão apáticos, não é de admirar que a maior qualidade do trabalho do cineasta seja a direção caprichada e a coragem de ir até o fim com suas ideias.

Primeiro filme de Shyamalan a receber a classificação R-17 (menores de 17 anos somente entram nas salas acompanhados de pais ou responsáveis), "Fim dos tempos" intercala a sugestão com o explícito, com cenas de uma violência até então não vistas na filmografia do diretor. A boa notícia é que a possibilidade de mostrar sangue e cadáveres não tirou do cineasta seu enorme talento em provocar o público. Bem mais inteligente e eficaz do que muitos fizeram crer, é um filme que terá seu valor reconhecido com o passar do tempo.

A DAMA NA ÁGUA

 
A DAMA NA ÁGUA (Lady in the water, 2006, Warner Bros, 110min) Direção e roteiro: M. Night Shyamalan. Fotografia: Christopher Doyle. Montagem: Barbara Tulliver. Música: James Newton Howard. Figurino: Betsy Heimann. Direção de arte/cenários: Martin Childs/Larry Dias. Produção: Sam Mercer, M. Night Shyamalan. Elenco: Paul Giamatti, Bryce Dallas Howard, Bob Balaban, M. Night Shyamalan, Jeffrey Wright, Freddy Rodriguez, Sarita Choudhury, Mary Beth Hurt. Estreia: 21/7/06

M. Night Shyamalan é um cineasta preso em seu próprio sucesso.  Depois que "O sexto sentido" o transformou em uma das maiores revelações de Hollywood praticamente da noite pro dia, ele se viu obrigado pela mídia e pelo público a seguir a mesma fórmula de sempre. Foi por isso que seu filmaço "Corpo fechado" não obteve o mesmo reconhecimento - erro absurdo de marketing -, que "Sinais" dividiu a crítica - apesar do êxito comercial - e que "A vila" incorreu na ira da plateia - por seu final pseudosurpresa fraco e anticlimático. E foi por isso também que seu "A dama na água" tropeçou insofismavelmente nas bilheterias. Primeiro filme do diretor na Warner - depois de um rompimento com a Disney que rendeu o livro "The man who heard voices: Or, how M. Night Shyamalan risked his career on a fairy tale" - seu conto de ninar de clima onírico e ecologicamente correto foi mal compreendido e configurou-se no primeiro fracasso de sua carreira.

Para se gostar de "A dama na água" é imprescindível que se compre a ideia e mergulhe nela (sem trocadilho) de cabeça. Diferente dos trabalhos anteriores do cineasta, que tinham o pé bem fincado na realidade mesmo quando as personagens lidavam com gente morta e invasões alienígenas, aqui a coisa é bem diferente. Apesar de seu protagonista ser extremamente humano - e um humano repleto de problemas pessoais e sem nenhum tipo de glamour hollywoodiano - tudo gira em torno de um ser mítico e criado pela imaginação de Shyamalan: uma ninfa da água, que, com seu surgimento, transforma a vida de um grupo de pessoas que mora em um condomínio de classe média baixa. O toque de gênio do diretor - e que faz dele tão diferente da maioria de seus colegas - é mesclar a fantasia com a realidade de forma tão orgânica que em pouco tempo a audiência nem está mais questionando o fato de que tudo é uma desvairada obra de ficção.



Depois de anos amargando papéis secundários - e de ter sido ignorado pelo Oscar justamente quando atingiu a protagonização em "Sideways, entre umas e outras" - o ator Paul Giamatti assume o papel de protagonista como Cleveland Heep, o zelador de um condomínio que começa a perceber que, contrariando as regras do lugar, alguém anda utilizando a piscina depois das sete da noite. Tentando descobrir qual dos moradores é o culpado, ele chega até à misteriosa Story (Bryce Dallas Howard), uma ninfa que se sente impedida de voltar a seu lar devido a ameaças de estranhas criaturas que rondam o condomínio. Intrigado com a história, Heep passa a investigar as origens de sua nova hóspede e descobre que ela está ali para incentivar a escrita de um livro que, no futuro, será essencial para a humanidade. Para evitar que o monstro mate a etérea criatura, Heep precisa descobrir, através de inúmeros símbolos descritos por Story, quais são as pessoas do condomínio que irão lhe ajudar na missão de salvá-la.

Contando em absoluto tom de fábula - ainda que não hesite em criar sequências de grande suspense - "A dama na água" surgiu das histórias que Shyamalan contava para suas filhas na hora de dormir e isso fica evidente na forma delicada com que o roteiro se desenvolve. Utilizando um senso de humor quase inexistente em seus filmes anteriores, o cineasta conduz o espectador a uma viagem que lhe exige uma temporária suspensão da realidade. Ao espalhar elementos clássicos das histórias de ninar pela narrativa, o diretor consegue, de forma exemplar, mostrar mais uma vez sua criatividade e sensibilidade raras. Mesmo que por vezes tudo fique um pouco forçado demais - o desenho da criatura que persegue Story chega perigosamente perto do fake - é impossível deixar de aplaudir sua coragem de manter a integridade de sua carreira, por pior que tenha sido o resultado em termos de dólares. "A dama na água" é um belo filme, que merece ser redescoberto e admirado.

SINAIS

SINAIS (Signs, 2002, Touchstone Pictures, 106min) Direção e roteiro: M. Night Shyamalan. Fotografia: Tak Fujimoto. Montagem: Barbara Tulliver. Música: James Newton Howard. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Larry Fulton/Douglas Mowat. Produção executiva: Kathleen Kennedy. Produção: Frank Marshall, Sam Mercer, M. Night Shyamalan. Elenco: Mel Gibson, Joaquin Phoenix, Cherry Jones, Rory Culkin, Abigail Breslin, M. Night Shyamalan. Estreia: 29/7/02

Em primeiro lugar é necessário elogiar o talento que o diretor/roteirista/produtor (e neste filme também ator) M. Night Shyamalan tem em criar climas aterradores. Desde que encantou o mundo com "O sexto sentido", o cineasta indiano (mas criado perto da Filadélfia) encontrou a fórmula para criar, através do som e de imagens cuidadosamente desenhadas, um patamar de suspense que poucos diretores conseguiram atingir. Ainda que tenha sofrido uma queda vertiginosa de qualidade em sua filmografia a partir de "A vila", de 2004, Shyamalan não pode ser acusado de trair suas referências no gênero. E elas estão claramente presentes em "Sinais", seu último filme até hoje que foi realmente capaz de empolgar os cinéfilos (ou ao menos parte deles).

Mais uma vez o clima é o principal elemento que Shyamalan utiliza para estarrecer a audiência e deixá-la grudada na poltrona. Sem apelar para sustos desnecessários (mas nunca evitando a tensão que explode em pulos do sofá) ou para monstros sanguinários, o cineasta volta a provar o grande poder da sugestão em detrimento do explícito. Ao preferir concentrar-se na complexidade dramática de suas personagens (sempre bem escritas e desenvolvidas com delicadeza) e na maneira com que elas agem em circunstâncias adversas (e "adversas" aqui é até eufemismo), o homem que revelou Haley Joel Osment ao mundo exige de sua plateia apenas a empatia necessária para que se embarque na trama sem pestanejar. E faz isso aos poucos, delicadamente, dando tempo para que todas as circunstâncias se apresentem (e façam todo o sentido do mundo nas cenas finais). Cada diálogo escrito por Shyamalan, cada detalhe visual e cada minuto de filme não estão ali à toa. Poucos cineastas conseguem ser tão enxutos sem ser apressados quanto ele. E isso faz toda a diferença.



"Sinais" começa quando os dois filhos pequenos de Graham Hess (Mel Gibson em uma das melhores atuações de sua carreira) descobrem, na plantação de milho de sua fazenda no interior da Pensilvânia, círculos misteriosos semelhantes a outros que estão sendo descobertos pelo mundo todo. A princípio descrente da ameaça que o mistério pode representar, o ex-reverendo (que abandonou a batina após o acidente de carro que matou sua mulher, seis meses antes) aos poucos se deixa convencer pela mídia e por seu irmão caçula Merrill (Joaquin Phoenix) de que tudo é a preparação para uma invasão alienígena de grande porte e violência. Sozinho na fazenda com sua família, ele tenta reencontrar a fé perdida para sobreviver à tragédia.

É interessante perceber, em "Sinais", a forma com que o roteiro se desenrola diante dos olhos do espectador sem que ele se dê conta exatamente do que está acontecendo (o grande trunfo também de "O sexto sentido"). Até perto dos créditos de encerramento tudo leva a crer que trata-se de um suspense de ficção científica que abdica de efeitos especiais exorbitantes (e é inegável que o orçamento generoso de mais de 70 milhões de dólares pagaria por um visual menos pobre dos alienígenas) para homenagear clássicos do gênero, como a primeira versão de "Invasores de corpos". Seu desfecho, porém, mostra uma ambição maior de seu diretor: ele quer questionar a fé de seu público, assim como questionou de suas personagens. Explicar a forma com que ele lança a pergunta ao público seria estragar a surpresa de quem ainda não o assistiu, mas não há problema em dizer que NADA que aconteceu na vida de Hess foi por acaso e tudo estava apenas o levando à situação extrema em que ele se encontra.

Desde sua abertura - com a trilha sonora tonitruante de James Newton Howard emulando o melhor Bernard Herrman de "Psicose" - até suas cenas finais, "Sinais" é (mais) um belo exemplo da seriedade com que M. Night Shyamalan trata o cinema e seu público. O cuidado na direção de atores - incluindo um Mel Gibson em sua melhor forma, em um papel rejuvenescido para combinar com sua idade (Paul Newman e Clint Eastwood foram pensados para o projeto), um Joaquin Phoenix bastante diferente do vilão que interpretou em "Gladiador" e dois atores mirins em ótima forma (Rory Culkin, irmão de Macaulay, e Abigail Breslin, que despontaria para a fama quatro anos depois no ótimo "Pequena Miss Sunshine") - a inteligência na utilização do som e a opção em contar toda a história pelo restrito ponto de vista de uma pequena família comprovam o enorme talento de seu criador. Torçamos para que ele volte a nos encantar novamente muito em breve!

sexta-feira

CORPO FECHADO

CORPO FECHADO (Unbreakable, 2000, Touchstone Pictures, 106min) Direção e roteiro: M. Night Shyamalan. Fotografia: Eduardo Serra. Montagem: Dylan Tichenor. Música: James Newton Howard. Figurino: Joanna Johnston. Direção de arte/cenários: Larry Fulton/Gretchen Rau. Produção executiva: Gary Barber, Roger Birnbaum. Produção: Barry Mendel, Sam Mercer, M. Night Shyamalan. Elenco: Bruce Willis, Samuel L. Jackson, Robin Wright-Penn, Spencer Treat Clark. Estreia: 14/11/00

O pior fardo que um filme pode carregar é uma expectativa errônea a seu respeito. E o pior que pode acontecer à carreira de um cineasta cujo primeiro real filme rendeu mais de 600 milhões de dólares mundo afora é justamente frustrar essas expectativas - ainda que o faça com as melhores intenções. Pois foi exatamente isso que aconteceu a M. Night Shyamalan. Depois do impressionante êxito comercial e crítico de "O sexto sentido", todos esperavam que o cineasta fosse dar continuidade a seu estilo e fazer uma réplica de seu enorme sucesso. Para surpresa de todos, porém, ele lançou "Corpo fechado", no qual ele se reinventou brilhantemente. Contando com o mesmo Bruce Willis no papel principal, o filme estreou com uma pesadíssima carga nas costas e o resultado decepcionou aos mais afoitos, em termos de bilheteria. Com menos de 100 milhões arrecadados em território americano, não chegou nem perto do impacto causado pela história do menino que via gente morta. No entanto, apesar dos pesares, "Corpo fechado" ganhou fãs incondicionais ao redor do planeta. E se não for lembrado como o melhor filme de Shyamalan é por um simples motivo comercial: um marketing equivocado.

Vendido pelo estúdio quase como se fosse uma continuação de "O sexto sentido" - o mesmo diretor, o mesmo astro, o mesmo clima de suspense - "Corpo fechado" é, na verdade, um excelente filme de super-heroi, que conta as origens do mocinho e do bandido como qualquer boa história baseada em quadrinhos. Sim, não se vê Bruce Willis voando em uniformes berrantes e nem tampouco o vilão tem planos megalomaníacos de dominar o mundo - ainda que seja doentio o bastante para tentar manipular o destino. Mas, ao gerar suas personagens sobre-humanas em um universo cotidiano, o cineasta criou uma das tramas mais instigantes e fascinantes do gênero (e de quebra imprimiu a ele seu estilo particular e intrigante). Bruce Willis (em ótima fase) vive David Dunn, um homem aparentemente normal que realiza a façanha de ser o único sobrevivente de um desastre de trem carregado de centenas de passageiros. Mais impressionante ainda é o fato de ter saído do acidente sem um arranhão sequer. Tentando reconstruir a vida ao lado da esposa Audrey (Robin Wright-Penn em papel oferecido a Julianne Moore) e do filho pequeno, ele conhece o milionário Elijah Price (mais um extraordinário desempenho de Samuel L. Jackson), um empresário fanático por histórias em quadrinhos que o procura com uma séria questão: por que somente ele sobreviveu ao acidente? Buscando a resposta em seu passado, Dunn - que trabalha como segurança em um estádio de futebol - relembra que nunca ficou doente na vida e que talvez tenha uma missão muito importante no mundo.



Apesar da premissa um tanto nerd, "Corpo fechado" é, sem dúvida, um trabalho criativo e inteligente de Shyamalan, mais uma vez utilizando seu talento para construir climas e personagens verossímeis apesar de sua natureza fora do normal. O Elijah vivido por Jackson, por exemplo, é chamado de Mr.Glass devido a uma rara doença que lhe quebra facilmente os ossos do corpo - e que dá origem a uma das cenas de abertura mais impressionantes da década e culmina com um final surpresa coerente e empolgante. A construção visual de Jackson (e do filme como um todo) reitera de forma inequívoca o cuidado do cineasta com cada detalhe do filme, o que lembra mais uma vez o refinamento e a sutileza de Alfred Hitchcock - de quem o diretor rouba inclusive a notória característica de fazer uma ponta em seus trabalhos (aqui ele aparece como um traficante de drogas).

"Corpo fechado" é um típico exemplo de filme que foi injustamente criticado por ter despertado as tais expectativas errôneas. Com o tempo fica mais fácil perceber suas inúmeras qualidades dramáticas e admirá-lo pelo que ele realmente é: um produto pop com uma inteligência muito acima da média.

segunda-feira

O SEXTO SENTIDO

O SEXTO SENTIDO (The sixth sense, 1999, Hollywood Pictures/Spyglass Entertainment, 107min) Direção e roteiro: M.Night Shyamalan. Fotografia: Tak Fujimoto. Montagem: Andrew Mondshein. Música: James Newton Howard. Figurino: Joanna Johnston. Direção de arte/cenários: Larry Fulton/Douglas Mowatt. Produção executiva: Sam Mercer. Produção: Kathleen Kennedy, Frank Marshall, Barry Mendel. Elenco: Bruce Willis, Olivia Williams, Haley Joel Osment, Toni Colette. Estreia: 06/8/99

6 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (M.Night Shyamalan), Ator Coadjuvante (Haley Joel Osment), Atriz Coadjuvante (Toni Colette), Roteiro Original, Montagem

Esqueça ectoplasmas arrastando correntes e mansões vitorianas assombradas. Depois de "O sexto sentido", os filmes de fantasmas atingiram um novo patamar de qualidade, deixando de lado os vícios perpetuados pelos filmes clássicos do gênero. Tirando a poeira do estilo e o arejando com uma modernidade que nunca lhe tira a tensão e o medo característicos, o filme de M. Night Shyamalan conquistou o mundo sem fazer muito esforço. Estreando com pouco alarde, o filme estrelado por Bruce Willis arrecadou mais de 600 milhões de dólares pelo mundo, conquistou seis indicações ao Oscar (inclusive as cobiçadas de filme, diretor e roteiro original) e de quebra revelou o garotinho Haley Joel Osment, que depois de ter protagonizado o encontro entre Steven Spielberg e Stanley Kubrick em "Inteligência artificial", desapareceu como a maioria dos atores mirins. Mas mais do que qualquer outra coisa, "O sexto sentido" devolveu ao espectador o prazer inigualável de assistir a uma história bem contada, inteligente e, o mais importante, extremamente humana, a despeito de ter algumas almas penadas como personagens.

O filme já começa com a adrenalina em alta. Voltando para casa depois de ser homenageado pela prefeitura da Filadélfia, onde mora, o psicólogo infantil Malcolm Crowe (Bruce Willis, muito eficiente) descobre que ela foi invadida por um ex-cliente, agora um jovem desequilibrado (um irreconhecível e assustador Donnie Wahlberg) que, em desespero lhe dá um tiro e se suicida em seguida. Alguns meses depois, Crowe encontra sua chance de redimir-se do fracasso em lidar com o jovem ao ter a possibilidade de tratar do pequeno Cole Sears (Haley Joel Osmente, nunca aquém de espetacular), um menino de oito anos que enfrenta problemas na escola e em casa. Isolado e solitário, Cole é criado pela mãe Lynn (Toni Colette, de "O casamento de Muriel", bem mais magra, ótima atriz e indicada ao Oscar de coadjuvante) e apresenta hematomas e comportamento arredio. Depois de algumas conversas com o garotinho, Malcolm descobre que seu problema não é doméstico: ele tem o dom (ou a maldição, dependendo do ponto de vista) de ver e falar com fantasmas, que lhe utilizam para resolver situações pendentes. Enquanto tenta ajudar Cole, o médico precisa também recuperar a relação com a esposa (Olivia Williams), abalada desde o atentado.

 

A maior inteligência do roteiro redondinho de Shyamalan - descendente de indianos cujo primeiro filme, "Olhos abertos" foi solenemente ignorado por todo mundo - é a sua opção em sugerir bem mais do que mostrar. Durante toda a sua primeira metade, "O sexto sentido" é lento, discreto, quase contemplativo, contando com uma trilha sonora impactante mas sutil de James Newton Howard. Após a revelação do dom de Cole, a trama atinge níveis de suspense e tensão capazes de arrepiar até o mais cético dos espectadores. É a partir daí que fantasmas cruzam a tela em momentos inesperados (ainda que pistas de sua aparição surjam constantemente) e que, de drama familiar, o filme passe a um terror psicológico dos melhores. A escolha por não exagerar em maquiagem e efeitos visuais também colabora para que o filme não fique datado e esteja tão fresco hoje quando de sua estreia, já há doze anos. Tudo isso somado ao talento do cineasta/roteirista em criar diálogos simples mas profundos e dirigir seus atores com maestria faz com que, mais do que um filme de terror feito para apavorar plateias, "O sexto sentido" atinja um outro nível emocional e artístico. Mesmo quem não gosta de levar sustos é capaz de se perceber chorando ao final da projeção, graças à delicadeza com que tudo se desenrola - e à cena magistral em que Cole finalmente conta seu segredo à sua mãe.

Já em "O sexto sentido" M. Night Shyamalan utilizava-se de algumas de suas marcas registradas (a importância dada à cor vermelha, a trilha sonora de James Newton Howard, a inteligência da edição de som, o cuidado com o desenvolvimento da trama). Criador ainda de uma outra obra-prima ("Corpo fechado"), um filme excelente ("Sinais") e vários filmes que dividiram crítica e público (entre eles o sofrível "A vila" e o subapreciado "A dama da água"), Shyamalan pode ser acusado de qualquer coisa, menos de ter sido elogiado à toa. "O sexto sentido" mereceu todo o sucesso que fez, por ter devolvido ao público a fé no bom cinema de suspense sem ter que apelar para a violência explícita.

JADE

  JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...