PARA
O RESTO DE NOSSAS VIDAS (Peter's friends, 1992, BBC/Channel Four
Films/Renaissance Films, 104min) Direção: Kenneth Branagh. Roteiro: Rita
Rudner, Martin Bergman. Fotografia: Roger Lanser. Montagem: Andrew
Marcus. Figurino: Susan Coates, Stephanie Collie. Direção de
arte/cenários: Tim Harvey/Martin Childs. Produção executiva: Stephen
Evans. Produção: Kenneth Branagh. Elenco: Kenneth Branagh, Emma
Thompson, Stephen Fry, Hugh Laurie, Imelda Staunton, Alphonsia Emmanuel,
Richard Briers, Phyllida Law. Estreia: 18/9/92 (Festival de Toronto)
Depois
que chamou a atenção do público, da crítica e da Academia de Hollywood
com sua visão quase melancólica de "Henry V", de 1988 - pelo qual
concorreu aos Oscar de ator e diretor - o irlandês Kenneth Branagh
mudou-se de mala e cuia para a terra do cinema e foi brincar de
Hitchcock. Seu estiloso "Voltar a morrer" (91) não obteve a mesma
receptividade generosa, apesar das inúmeras qualidades, e ele fez então o
que lhe pareceu mais sensato: deixou de lado qualquer projeto mais
ambicioso, correu para sua amada Inglaterra, chamou um grupo de
talentosos amigos e lançou "Para o resto de nossas vidas", um pequeno
grande filme sobre amizade, companheirismo e os efeitos do tempo.
Injetando uma bem-vinda dose do típico humor britânico em uma trama que
poderia soar repetitiva ao público acostumado com histórias semelhantes -
desde, no mínimo, "O reencontro" (83), de Lawrence Kasdan - Branagh
contou com um brilhante roteiro e um elenco excepcional (que inclui
atores que posteriormente ficariam mais conhecidos da audiência, como
Hugh Laurie e Imelda Staunton) para mostrar que sua versatilidade não
tinha tamanho.
O próprio Branagh e sua então esposa
Emma Thompson estão no elenco do filme, que começa no Reveillon de 1982,
quando um grupo de teatro amador de Londres tenta sem muito sucesso
chamar a atenção dos milionários convidados da festa. Dez anos mais
tarde - com o país transformado política e socialmente pelo governo de
Margaret Tatcher - a companhia se desfez, cada um seguiu seu caminho na
vida e um encontro entre eles é fato raríssimo. Por isso, nenhum deles é
capaz de dizer não quando Peter Morton (Stephen Fry), que acaba de
perder os pais, os convida para romper o ano em sua espetacular mansão.
Solitário, introspectivo - e com um segredo que pretende revelar ao
final do feriado - Peter nem percebe que é o alvo das atenções de Maggie
(Emma Thompson), solteirona que trabalha no mercado editorial e que
decide que é a mulher certa para ele. Quem também tem problemas em
encontrar a alma gêmea é Sarah (Alphonsia Emmanuel), cujo namorado
atual, Brian (Tony Slattery), com quem mantém uma relação recente e
sexualmente insaciável, é casado e pai de um menino. Sarah já namorou
Andrew (Branagh), que abandonou a Inglaterra para tentar a sorte na
Califórnia e casou-se com Carol (Rita Rudner, co-autora do espirituoso
roteiro), uma perua vaidosa que é conhecida pelo papel em uma telenovela
diurna sem maiores qualidades artísticas. Completam o círculo de amigos
o casal formado por Roger (Hugh Laurie) e Mary (Imelda Staunton), que
trabalham compondo jingles publicitários e convivem com o drama de ter
perdido um de seus gêmeos ainda bebê.
"Para
o resto de nossas vidas" tinha tudo para ser um festival de clichês,
mas, milagre dos milagres, funciona maravilhosamente bem, principalmente
por sua acertada opção em salientar o humor das situações propostas
pela trama. Mesmo dramas mais densos, como o vivido pelo casal obrigado a
suportar a morte de um filho - e a revelação final de Peter, que dá
sentido à reunião proposta no argumento - são tratados com leveza e
discrição, o que impede o filme de descambar para o dramalhão lacrimoso.
Os diálogos afiados soam orgânicos e naturais, com críticas pouco
disfarçadas, por exemplo, à comunidade do entretenimento americano, à
cultura exagerada da beleza e às diferenças culturais existentes entre
EUA e Inglaterra. E é preciso dizer que tais diálogos, que assumem quase
a estrutura de uma peça de teatro (o que é condizente, de certa forma,
com a origem dos personagens), encontram um elenco à altura. Em meio a
tantos bons atores - todos beneficiados com ao menos uma grande cena -
destacam-se Emma Thompson e Imelda Staunton. Enquanto Imelda brilha como
a neurótica Mary (que põe seu casamento em risco com a obsessão de
cuidar do único filho que ainda tem) sem precisar nem ao menos falar
muito, Thompson quase rouba o filme na pele da divertida Maggie.
Conhecida até então por desempenhos mais sérios - sendo que um deles,
"Retorno a Howards End", lhe daria um Oscar já em 1993 - ela deixa
vislumbrar um delicioso senso de humor que Hollywood tentaria explorar
sem muito sucesso (mais por culpa do filme do que por dela) em "Junior"
(94).
Pontuado por uma vibrante trilha sonora que
inclui sucessos de Cyndi Lauper, The Pretenders, Al Green, Tina Turner e
Tears for Fears, "Para o resto de nossas vidas" cumpre com louvor tudo
que promete. Faz rir, pode emocionar, envolve com personagens
verossímeis e repletos de falhas de caráter (e ainda assim encantadores)
e, de quebra, dá a sensação de estar acontecendo na casa ao lado.
Poucas vezes Kenneth Branagh foi tão despretensioso. E poucas vezes
acertou tão em cheio.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
quarta-feira
terça-feira
BOB ROBERTS
BOB
ROBERTS (Bob Roberts, 1992, Miramax Films, 102min) Direção e roteiro:
Tim Robbins. Fotografia: Jean Lépine. Montagem: Lisa Zeno Churgin.
Música: David Robbins. Figurino: Bridget Kelly. Direção de
arte/cenários: Richard Hoover/Brian Kasch. Produção executiva: Tim
Bevan, Ronna B. Wallace, Paul Webster. Produção: Forrest Murray. Elenco:
Tim Robbins, Giancarlo Esposito, Alan Rickman, Ray Wise, Gore Vidal,
David Straithairn. Estreia: 04/9/92
Imagine um Bolsonaro sem a cara de insano e dotado de carisma. Imagine também que, antes de candidatar-se a qualquer cargo político, ele tenha iniciado uma carreira de cantor, espalhando suas ideias neofascistas e ridiculamente racistas pelas emissoras de rádio e televisão a ponto de conquistar um público apaixonado (se bem que essa parte do público bovino aplaudindo barbaridades nem é preciso imaginar). E por fim, imagine que ele estivesse envolvido em escândalos relacionados a tráfico de drogas e manobras sujas para denegrir a honra de seu adversário direto. Pois é exatamente assim que é Bob Roberts, personagem criado por Tim Robbins para sua estreia na direção. Republicano arraigado, cantor folk de canções que defendem a pena de morte e o extermínio de moradores de rua entre outras barbaridades, demagogo e ídolo de uma parcela da sociedade americana tão podre quanto ele, Roberts é candidato ao Senado e, disputando voto a voto com Brickley Paiste (o escritor Gore Vidal), não hesita em apelar para os mais golpes baixos para alavancar sua campanha. Interpretado na medida certa de ironia pelo próprio Tim Robbins - que concorreu ao Golden Globe por seu desempenho - o venal político é a prova cabal de que não é só no Brasil que o povo tem os representantes que merece. As situações absurdas mostradas no filme seriam cômicas se não fossem trágicas. Mas divertem e fazem massagem no cérebro, o que pode ser dito de pouquíssimos filmes americanos.
Robbins, que foi comparado a Orson Welles por sua estreia - por ter dirigido, escrito e produzido o filme, além de interpretar o papel-título, cantar e compor as canções da trilha sonora ao lado do irmão David - fez de seu primeiro trabalho uma espécie de "O jogador" da política (com a diferença de ter alcançado menos sucesso comercial e ser superior ao filme de Robert Altman que ele coincidentemente estrelou). Não apenas escancara o lado sujo dos bastidores políticos - ainda que pouca gente tenha se surpreendido com tal podridão - como conta com um numeroso elenco de astros convidados em pequenas pontas. Até mesmo como forma de posicionar-se diante das atrocidades do governo Bush (o pai, não o filho igualmente boçal) estão em cena, em papéis diminutos, Susan Sarandon (esposa de Robbins à época), Peter Gallagher, Helen Hunt, James Spader, Fred Ward e John Cusack, além de um estreante Jack Black e, em papéis mais importantes, Alan Rickman e David Straithairn. Juntos, eles compõem um painel divertido e por vezes assustador do tamanho das mentiras e manipulações de que são capazes os homens e mulheres que almejam chegar ao poder nos EUA. Narrada em estilo semi-documental (o filme em si é um documentário que está sendo feito sobre a carreira e a ascensão de Roberts), é uma estreia genial de um ator que sempre esteve abertamente ligado à causas políticas (e por isso mesmo sempre comprou brigas, juntamente com Sarandon, principalmente com os produtores do Oscar, que os baniram da cerimônia por anos depois que eles se manifestaram, ao vivo, contra a política do governo em barrar haitianos portadores do vírus HIV).
Utilizando-se da ironia como ferramenta central de seu roteiro, Robbins leva o público a acompanhar a meteórica ascensão de Bob Roberts de cantor pouco conhecido a ídolo de uma geração de eleitores que compartilham, como ele, de ideias dramaticamente contra a democracia. Roberts renega o legado dos anos 60 e dos jovens que lutavam contra a Guerra do Vietnã, prega a utilização de um orçamento ainda maior para a segurança do país em detrimento de ajudar aos mais necessitados (parasitas, segundo ele, que tiram o lugar de trabalhadores mais dispostos) e é abertamente racista. Suas ideias são transmitidas em suas músicas e videoclipes (todos eles realizados de maneira séria mas decididamente hilariantes em sua crítica), além de discursos inflamados e entrevistas que invariavelmente acabam com a fúria dos apresentadores - é especialmente divertida a sequência em que ele vai participar de um programa ao estilo "Saturday night live" e pé francamente hostilizado pelo elenco. Sua máscara, no entanto, não engana a um homem em especial: o repórter independente Bugs Raplin (Giancarlo Esposito, irreconhecível e excepcional), que tem como principal objetivo de vida mostrar ao público quem é de verdade o almofadinha que, por trás de um homem preocupado com o bem-estar das crianças, esconde alguém capaz de usar dinheiro de casas populares para traficar drogas.
"Bob Roberts" é um rasgo de sarcasmo e mordacidade na bem-comportada comédia americana. Politicamente ousado e sem medo de tocar em feridas bem abertas no imaginário ianque - tais como a guerra inventada por George Bush e a manipulação da opinião pública através da mídia - o filme de Tim Robbins também é cruel por expor uma juventude desinformada e manobrável, capaz dos atos mais insanos para defender seus pontos de vista tortuosos. Mesmo que o roteiro trate os eleitores de Roberts como um bando de idiotas (como o são aqueles que assinam embaixo dos absurdos da bancada evangélica da nossa câmara de deputados e do já citado Bolsonaro), isso não transforma a obra em um produto maniqueísta: não interessa ao diretor discutir o que não deve ser discutido. Bob Roberts - o candidato - é um câncer no sistema político. "Bob Roberts" - o filme - é uma das comédias mais inteligentes da década de 90.
Imagine um Bolsonaro sem a cara de insano e dotado de carisma. Imagine também que, antes de candidatar-se a qualquer cargo político, ele tenha iniciado uma carreira de cantor, espalhando suas ideias neofascistas e ridiculamente racistas pelas emissoras de rádio e televisão a ponto de conquistar um público apaixonado (se bem que essa parte do público bovino aplaudindo barbaridades nem é preciso imaginar). E por fim, imagine que ele estivesse envolvido em escândalos relacionados a tráfico de drogas e manobras sujas para denegrir a honra de seu adversário direto. Pois é exatamente assim que é Bob Roberts, personagem criado por Tim Robbins para sua estreia na direção. Republicano arraigado, cantor folk de canções que defendem a pena de morte e o extermínio de moradores de rua entre outras barbaridades, demagogo e ídolo de uma parcela da sociedade americana tão podre quanto ele, Roberts é candidato ao Senado e, disputando voto a voto com Brickley Paiste (o escritor Gore Vidal), não hesita em apelar para os mais golpes baixos para alavancar sua campanha. Interpretado na medida certa de ironia pelo próprio Tim Robbins - que concorreu ao Golden Globe por seu desempenho - o venal político é a prova cabal de que não é só no Brasil que o povo tem os representantes que merece. As situações absurdas mostradas no filme seriam cômicas se não fossem trágicas. Mas divertem e fazem massagem no cérebro, o que pode ser dito de pouquíssimos filmes americanos.
Robbins, que foi comparado a Orson Welles por sua estreia - por ter dirigido, escrito e produzido o filme, além de interpretar o papel-título, cantar e compor as canções da trilha sonora ao lado do irmão David - fez de seu primeiro trabalho uma espécie de "O jogador" da política (com a diferença de ter alcançado menos sucesso comercial e ser superior ao filme de Robert Altman que ele coincidentemente estrelou). Não apenas escancara o lado sujo dos bastidores políticos - ainda que pouca gente tenha se surpreendido com tal podridão - como conta com um numeroso elenco de astros convidados em pequenas pontas. Até mesmo como forma de posicionar-se diante das atrocidades do governo Bush (o pai, não o filho igualmente boçal) estão em cena, em papéis diminutos, Susan Sarandon (esposa de Robbins à época), Peter Gallagher, Helen Hunt, James Spader, Fred Ward e John Cusack, além de um estreante Jack Black e, em papéis mais importantes, Alan Rickman e David Straithairn. Juntos, eles compõem um painel divertido e por vezes assustador do tamanho das mentiras e manipulações de que são capazes os homens e mulheres que almejam chegar ao poder nos EUA. Narrada em estilo semi-documental (o filme em si é um documentário que está sendo feito sobre a carreira e a ascensão de Roberts), é uma estreia genial de um ator que sempre esteve abertamente ligado à causas políticas (e por isso mesmo sempre comprou brigas, juntamente com Sarandon, principalmente com os produtores do Oscar, que os baniram da cerimônia por anos depois que eles se manifestaram, ao vivo, contra a política do governo em barrar haitianos portadores do vírus HIV).
Utilizando-se da ironia como ferramenta central de seu roteiro, Robbins leva o público a acompanhar a meteórica ascensão de Bob Roberts de cantor pouco conhecido a ídolo de uma geração de eleitores que compartilham, como ele, de ideias dramaticamente contra a democracia. Roberts renega o legado dos anos 60 e dos jovens que lutavam contra a Guerra do Vietnã, prega a utilização de um orçamento ainda maior para a segurança do país em detrimento de ajudar aos mais necessitados (parasitas, segundo ele, que tiram o lugar de trabalhadores mais dispostos) e é abertamente racista. Suas ideias são transmitidas em suas músicas e videoclipes (todos eles realizados de maneira séria mas decididamente hilariantes em sua crítica), além de discursos inflamados e entrevistas que invariavelmente acabam com a fúria dos apresentadores - é especialmente divertida a sequência em que ele vai participar de um programa ao estilo "Saturday night live" e pé francamente hostilizado pelo elenco. Sua máscara, no entanto, não engana a um homem em especial: o repórter independente Bugs Raplin (Giancarlo Esposito, irreconhecível e excepcional), que tem como principal objetivo de vida mostrar ao público quem é de verdade o almofadinha que, por trás de um homem preocupado com o bem-estar das crianças, esconde alguém capaz de usar dinheiro de casas populares para traficar drogas.
"Bob Roberts" é um rasgo de sarcasmo e mordacidade na bem-comportada comédia americana. Politicamente ousado e sem medo de tocar em feridas bem abertas no imaginário ianque - tais como a guerra inventada por George Bush e a manipulação da opinião pública através da mídia - o filme de Tim Robbins também é cruel por expor uma juventude desinformada e manobrável, capaz dos atos mais insanos para defender seus pontos de vista tortuosos. Mesmo que o roteiro trate os eleitores de Roberts como um bando de idiotas (como o são aqueles que assinam embaixo dos absurdos da bancada evangélica da nossa câmara de deputados e do já citado Bolsonaro), isso não transforma a obra em um produto maniqueísta: não interessa ao diretor discutir o que não deve ser discutido. Bob Roberts - o candidato - é um câncer no sistema político. "Bob Roberts" - o filme - é uma das comédias mais inteligentes da década de 90.
segunda-feira
UMA EQUIPE MUITO ESPECIAL
UMA
EQUIPE MUITO ESPECIAL (A league of their own, 1992, Columbia Pictures,
128min) Direção: Penny Marshall. Roteiro: Lowell Ganz, Babaloo Mandel,
estória de Kim Wilson, Kelly Kandaele. Fotografia: Miroslav Ondricek.
Montagem: Adam Bernardi, George Bowers. Música: Hans Zimmer. Figurino:
Cynthia Flynt. Direção de arte/cenários: Bill Groom/George DeTitta Jr..
Produção executiva: Penny Marshall. Produção: Elliot Abbot, Robert
Greenhut. Elenco: Tom Hanks, Geena Davis, Lori Petty, Madonna, Rosie
O'Donnell, Bill Pullman, David Straithairn, Jon Lovitz, Garry Marshall.
Estreia: 01/7/92
No auge da II Guerra, enquanto a maioria dos homens americanos estavam defendendo o país nas trincheiras inimigas, restava às mulheres manter os EUA, até mesmo em funções até então consideradas masculinas. E se nessa época havia fazendeiras, caminhoneiras e empresárias, por que não jogadoras de baseball? Um dos esportes mais amados pelo público ianque, ele estava em sérias dificuldades com o êxodo de seus mais populares jogadores, que estavam jogando por suas vidas nas mais distantes plagas. Com medo de perder as generosas bilheterias que o jogo lhes proporcionava, os empresários tiveram então uma ideia brilhante: criar uma liga feminina de baseball, com o objetivo de manter acesa a chama até o retorno dos (esperava-se) vencedores soldados. Assim começa "Uma equipe muito especial", a divertida comédia que Penny Marshall - diretora dos sucessos "Quero ser grande" (88) e "Tempo de despertar" (90) - fez alcançar mais de 100 milhões de dólares de arrecadação somente no mercado doméstico no verão de 1992. Sucesso de público e crítica, o filme cria uma história de ficção em cima de uma situação verídica (a criação de tal liga) que até então era desconhecida da maior parte dos americanos e faz rir e emociona com um roteiro enxuto escrito pela dupla mais quente da época, Baballo Mandel e Lowell Ganz.
A trama criada pelos roteiristas começa em 1943, no Oregon, quando o descobridor de talentos Ernie Capadino (Jon Lovitz) propõe à talentosa Dotti Hinson (Geena Davis em momento especialíssimo da carreira, acumulando sucesso atrás de sucesso) que o acompanhe para um teste em Chicago: se aprovada, ela entraria em um time de baseball profissional com um salário tentador (ao menos para uma fazendeira cujos dias se resumem a ordenhar vacas, cuidar da casa, esperar que o marido retorne da guerra e ocasionalmente jogar com um grupo de amigas). Dottie a princípio recusa o convite, mas acaba aceitando a proposta, desde que possa levar junto sua irmã caçula, Kit (Lori Petty), com quem mantém uma relação carinhosa porém de certa rivalidade. Em pouco tempo, ambas estão escaladas para serem treinadas por Jimmy Dugan (Tom Hanks, divertidíssimo), que, de uma lenda do esporte acabou por tornar-se um pária por seu vício em álcool. Juntamente com outras mulheres igualmente talentosas, elas encaram o machismo do mundo esportivo - antes de jogadoras elas são tratadas como fêmeas, que precisam saber comportar-se socialmente e manter-se atraentes fisicamente - e iniciam uma bem-sucedida carreira.
O fio condutor da história de "Uma equipe muito especial" - a amizade e a competitividade entre Dotti e Kit - é apenas desculpa para Penny Marshall divertir o público com piadas sutis e ácidas sobre o comportamento feminino da década de 40 e o universo machista e ganancioso do baseball. Enquanto Dotti está vivenciando apenas uma fase de sua vida, que ela pretende que volte aos eixos quando seu marido (Bill Pullman) retornar do conflito, suas colegas tem no jogo e no campeonato o centro de suas existências. É somente ao lado das demais jogadoras que Doris Murphy (Rosie O'Donnell) sente-se enturmada, que a desbocada e liberal Mae Mordabito (Madonna) pode ser quem ela realmente é, que a feiosa Marla (Megan Cavanagh) sente-se valorizada (mesmo que nos documentários sobre o time ela seja sempre filmada de longe para não atrapalhar a ideia de que todas as atletas da liga são bonitas e sensuais). Essa espécie de família que é criada a partir da união entre todas elas é o que dá ao filme seu sabor especial, mesclando momentos de humor com cenas quase comoventes - em especial quando uma das jogadoras recebe a triste notícia da morte de seu marido. Buscando um humor simples e familiar, ela atinge o espectador aos poucos, até mesmo aquele que entende de baseball tanto quanto de física quântica.
"Uma equipe muito especial" talvez seja apenas mais um filme de esportes americanos feito para americanos, mas é impossível negar as qualidades que o fazem conquistar também o público internacional. O timing cômico do roteiro é invejável (todas as cenas com o filho obeso de uma das jogadoras é sensacional), a direção é convencional mas eficaz, a trilha sonora de Hans Zimmer cumpre sua função com louvor (e tem direito até a uma canção feita especialmente por Madonna, "This used to be my playground", que concorreu ao Golden Globe) e o elenco está em dias inspirados. Tom Hanks engordou para o papel e construiu um Jimmy Dugan irascível e ao mesmo encantador; Geena Davis pegou o papel de Debra Winger dias antes do início das filmagens e tornou-se exímia jogadora; e até Madonna sai-se bem como a sexy Mae Topa Tudo (o que dá origem a uma ótima piada). No final das contas, é uma comédia acima da média, capaz de arrancar sorrisos até do mais exigente espectador.
No auge da II Guerra, enquanto a maioria dos homens americanos estavam defendendo o país nas trincheiras inimigas, restava às mulheres manter os EUA, até mesmo em funções até então consideradas masculinas. E se nessa época havia fazendeiras, caminhoneiras e empresárias, por que não jogadoras de baseball? Um dos esportes mais amados pelo público ianque, ele estava em sérias dificuldades com o êxodo de seus mais populares jogadores, que estavam jogando por suas vidas nas mais distantes plagas. Com medo de perder as generosas bilheterias que o jogo lhes proporcionava, os empresários tiveram então uma ideia brilhante: criar uma liga feminina de baseball, com o objetivo de manter acesa a chama até o retorno dos (esperava-se) vencedores soldados. Assim começa "Uma equipe muito especial", a divertida comédia que Penny Marshall - diretora dos sucessos "Quero ser grande" (88) e "Tempo de despertar" (90) - fez alcançar mais de 100 milhões de dólares de arrecadação somente no mercado doméstico no verão de 1992. Sucesso de público e crítica, o filme cria uma história de ficção em cima de uma situação verídica (a criação de tal liga) que até então era desconhecida da maior parte dos americanos e faz rir e emociona com um roteiro enxuto escrito pela dupla mais quente da época, Baballo Mandel e Lowell Ganz.
A trama criada pelos roteiristas começa em 1943, no Oregon, quando o descobridor de talentos Ernie Capadino (Jon Lovitz) propõe à talentosa Dotti Hinson (Geena Davis em momento especialíssimo da carreira, acumulando sucesso atrás de sucesso) que o acompanhe para um teste em Chicago: se aprovada, ela entraria em um time de baseball profissional com um salário tentador (ao menos para uma fazendeira cujos dias se resumem a ordenhar vacas, cuidar da casa, esperar que o marido retorne da guerra e ocasionalmente jogar com um grupo de amigas). Dottie a princípio recusa o convite, mas acaba aceitando a proposta, desde que possa levar junto sua irmã caçula, Kit (Lori Petty), com quem mantém uma relação carinhosa porém de certa rivalidade. Em pouco tempo, ambas estão escaladas para serem treinadas por Jimmy Dugan (Tom Hanks, divertidíssimo), que, de uma lenda do esporte acabou por tornar-se um pária por seu vício em álcool. Juntamente com outras mulheres igualmente talentosas, elas encaram o machismo do mundo esportivo - antes de jogadoras elas são tratadas como fêmeas, que precisam saber comportar-se socialmente e manter-se atraentes fisicamente - e iniciam uma bem-sucedida carreira.
O fio condutor da história de "Uma equipe muito especial" - a amizade e a competitividade entre Dotti e Kit - é apenas desculpa para Penny Marshall divertir o público com piadas sutis e ácidas sobre o comportamento feminino da década de 40 e o universo machista e ganancioso do baseball. Enquanto Dotti está vivenciando apenas uma fase de sua vida, que ela pretende que volte aos eixos quando seu marido (Bill Pullman) retornar do conflito, suas colegas tem no jogo e no campeonato o centro de suas existências. É somente ao lado das demais jogadoras que Doris Murphy (Rosie O'Donnell) sente-se enturmada, que a desbocada e liberal Mae Mordabito (Madonna) pode ser quem ela realmente é, que a feiosa Marla (Megan Cavanagh) sente-se valorizada (mesmo que nos documentários sobre o time ela seja sempre filmada de longe para não atrapalhar a ideia de que todas as atletas da liga são bonitas e sensuais). Essa espécie de família que é criada a partir da união entre todas elas é o que dá ao filme seu sabor especial, mesclando momentos de humor com cenas quase comoventes - em especial quando uma das jogadoras recebe a triste notícia da morte de seu marido. Buscando um humor simples e familiar, ela atinge o espectador aos poucos, até mesmo aquele que entende de baseball tanto quanto de física quântica.
"Uma equipe muito especial" talvez seja apenas mais um filme de esportes americanos feito para americanos, mas é impossível negar as qualidades que o fazem conquistar também o público internacional. O timing cômico do roteiro é invejável (todas as cenas com o filho obeso de uma das jogadoras é sensacional), a direção é convencional mas eficaz, a trilha sonora de Hans Zimmer cumpre sua função com louvor (e tem direito até a uma canção feita especialmente por Madonna, "This used to be my playground", que concorreu ao Golden Globe) e o elenco está em dias inspirados. Tom Hanks engordou para o papel e construiu um Jimmy Dugan irascível e ao mesmo encantador; Geena Davis pegou o papel de Debra Winger dias antes do início das filmagens e tornou-se exímia jogadora; e até Madonna sai-se bem como a sexy Mae Topa Tudo (o que dá origem a uma ótima piada). No final das contas, é uma comédia acima da média, capaz de arrancar sorrisos até do mais exigente espectador.
domingo
A MORTE LHE CAI BEM
A
MORTE LHE CAI BEM (Death becomes her, 1992, Universal Pictures, 104min)
Direção: Robert Zemeckis. Roteiro: Martin Donovan, David Koepp.
Fotografia: Dean Cundey. Montagem: Arthur Schmidt. Música: Alan
Silvestri. Figurino: Joanna Johnston. Direção de arte/cenários: Rick
Carter/Jackie Carr. Produção: Steve Starkey, Robert Zemeckis. Elenco:
Meryl Streep, Goldie Hawn, Bruce Willis, Isabella Rossellini, Sydney
Pollack. Estreia: 31/7/92
Vencedor do Oscar de Efeitos Visuais
Depois que mostrou que desenhos animados e atores poderiam conviver pacificamente em uma tela de cinema com o incrível sucesso de crítica e bilheteria de "Uma cilada para Roger Rabbit" (88) e que viagens no tempo poderiam ser incrivelmente divertidas com a trilogia "De volta para o futuro", encerrada em 1989, quase tudo era esperado do diretor Robert Zemeckis. Quase tudo, menos que ele partisse sem pestanejar pelo pantanoso terreno do humor negro - em especial com um filme que criticasse sem o menor pudor a busca desesperada pela eterna juventude que tanto alimenta a fogueira das vaidades do mundo artístico. De posse de efeitos visuais impecáveis que acabariam levando o Oscar do ano seguinte e um trio de atores respeitados e populares, Zemeckis, no entanto, encarou um banho de água fria quando seu "A morte lhe cai bem" estancou nas bilheterias ianques pouco abaixo dos 60 milhões de dólares - praticamente o orçamento final do projeto. Um dos típicos fracassos injustos de que a história de Hollywood está repleta, a história de inveja, vingança e competição entre duas inimigas que disputam o amor do mesmo homem - não por acaso um cirurgião plástico - às raias do absurdo é um primor de ironia, sarcasmo e mordacidade, interpretado como um filme de terror das antigas mas revestido de uma modernidade de que somente o cinemão mainstream americano seria capaz sem cair no ridículo.
A trama é puro nonsense: começa quando o bem-sucedido cirurgião Ernest Menville (Bruce Willis se divertindo em papel que seria de Kevin Kline) troca sua então noiva, Helen Sharp (Goldie Hawn), pela estrela dos palcos Madeline Ashton (Meryl Streep), mais interessada em seus talentos médicos do que exatamente por seu amor. Revoltada, Helen, que sempre manteve uma relação tumultuada com Madeline, a quem acusa de roubar sistematicamente seus namorados, se entrega à comida, engordando alucinadamente. Anos se passam e justamente quando o casamento entre Madeline e Ernest está em frangalhos - ele parou de clinicar por causa do álcool e trabalha maquiando cadáveres e ela está se sentindo cada vez mais velha, sendo desprezada até pelo amante mais jovem - Helen dá sinais de vida, mandando o convite para o lançamento de seu livro. Glamourosa, carismática, magra - e melhor ainda, dotada de uma jovialidade espantosa - ela acaba por seduzir novamente Ernest e planeja, com ele, a morte de sua maior rival. O que ela não esperava, no entanto, é o fato de Madeline ter encontrado uma nova fonte da juventude através da misteriosa Lisle Von Rhuman (Isabella Rossellini, linda). Dotada de uma nova força, ela se descobre imortal - mas também verá que tal benefício também tem seus pequenos problemas.
O tom gótico da brincadeira de Zemeckis está presente em cada minuto de celulóide - desde a chuva incessante, com direito a relâmpagos, que emoldura os momentos em que as duas rivais imortais se digladiam com espingardas, pás e agressões físicas das mais variadas, até nos mirabolantes cenários, que reconstituem mansões pra lá de sinistras. O roteiro brinca com a obsessão pela juventude e pela beleza na forma de uma fábula grotesca, sem heróis ou vilões e recheada de citações à cultura popular (entre os convidados da festa de Lisle, por exemplo, estão alguns de seus mais famosos clientes, facilmente reconhecíveis pelo público, mas que não convém revelar sob pena de estragar a surpresa aos ainda não-iniciados ao filme). Os efeitos especiais de primeira linha também chamam a atenção por se integrarem organicamente à história, divertindo o público pelo inusitado de seu visual: de repente, Meryl Streep, uma atriz respeitada e então vencedora de dois Oscar, está com o pescoço torcido ao contrário ou com a cabeça enterrada no corpo, e Goldie Hawn levanta da piscina com um rombo gigantesco no estômago, resultado de um tiro. Tais truques, realizados com perfeição, acabaram levando o Oscar da categoria, batendo filmes bem mais afeitos a tais artifícios, como "Alien 3" e "Batman, o retorno".
É lógico que o público acostumado com besteiras inconsequentes e filmes de ação descerebrados não gostou de "A morte lhe cai bem". Apesar de tudo, a obra de Zemeckis é sutil e inteligente, passando longe do humor fácil e previsível. É uma crítica pesada ao culto à beleza e à juventude, disfarçada de comédia gótica e repleta de piadas visuais e verbais que podem facilmente passar despercebidas ao espectador menos atento e informado dos bastidores da indústria do entretenimento. Para aqueles que buscam uma diversão menos superficial, porém, o filme é deliciosamente perverso, algo como uma versão high-tech de um filme estrelado por Bette Davis e Joan Crawford. Impagável!
Vencedor do Oscar de Efeitos Visuais
Depois que mostrou que desenhos animados e atores poderiam conviver pacificamente em uma tela de cinema com o incrível sucesso de crítica e bilheteria de "Uma cilada para Roger Rabbit" (88) e que viagens no tempo poderiam ser incrivelmente divertidas com a trilogia "De volta para o futuro", encerrada em 1989, quase tudo era esperado do diretor Robert Zemeckis. Quase tudo, menos que ele partisse sem pestanejar pelo pantanoso terreno do humor negro - em especial com um filme que criticasse sem o menor pudor a busca desesperada pela eterna juventude que tanto alimenta a fogueira das vaidades do mundo artístico. De posse de efeitos visuais impecáveis que acabariam levando o Oscar do ano seguinte e um trio de atores respeitados e populares, Zemeckis, no entanto, encarou um banho de água fria quando seu "A morte lhe cai bem" estancou nas bilheterias ianques pouco abaixo dos 60 milhões de dólares - praticamente o orçamento final do projeto. Um dos típicos fracassos injustos de que a história de Hollywood está repleta, a história de inveja, vingança e competição entre duas inimigas que disputam o amor do mesmo homem - não por acaso um cirurgião plástico - às raias do absurdo é um primor de ironia, sarcasmo e mordacidade, interpretado como um filme de terror das antigas mas revestido de uma modernidade de que somente o cinemão mainstream americano seria capaz sem cair no ridículo.
A trama é puro nonsense: começa quando o bem-sucedido cirurgião Ernest Menville (Bruce Willis se divertindo em papel que seria de Kevin Kline) troca sua então noiva, Helen Sharp (Goldie Hawn), pela estrela dos palcos Madeline Ashton (Meryl Streep), mais interessada em seus talentos médicos do que exatamente por seu amor. Revoltada, Helen, que sempre manteve uma relação tumultuada com Madeline, a quem acusa de roubar sistematicamente seus namorados, se entrega à comida, engordando alucinadamente. Anos se passam e justamente quando o casamento entre Madeline e Ernest está em frangalhos - ele parou de clinicar por causa do álcool e trabalha maquiando cadáveres e ela está se sentindo cada vez mais velha, sendo desprezada até pelo amante mais jovem - Helen dá sinais de vida, mandando o convite para o lançamento de seu livro. Glamourosa, carismática, magra - e melhor ainda, dotada de uma jovialidade espantosa - ela acaba por seduzir novamente Ernest e planeja, com ele, a morte de sua maior rival. O que ela não esperava, no entanto, é o fato de Madeline ter encontrado uma nova fonte da juventude através da misteriosa Lisle Von Rhuman (Isabella Rossellini, linda). Dotada de uma nova força, ela se descobre imortal - mas também verá que tal benefício também tem seus pequenos problemas.
O tom gótico da brincadeira de Zemeckis está presente em cada minuto de celulóide - desde a chuva incessante, com direito a relâmpagos, que emoldura os momentos em que as duas rivais imortais se digladiam com espingardas, pás e agressões físicas das mais variadas, até nos mirabolantes cenários, que reconstituem mansões pra lá de sinistras. O roteiro brinca com a obsessão pela juventude e pela beleza na forma de uma fábula grotesca, sem heróis ou vilões e recheada de citações à cultura popular (entre os convidados da festa de Lisle, por exemplo, estão alguns de seus mais famosos clientes, facilmente reconhecíveis pelo público, mas que não convém revelar sob pena de estragar a surpresa aos ainda não-iniciados ao filme). Os efeitos especiais de primeira linha também chamam a atenção por se integrarem organicamente à história, divertindo o público pelo inusitado de seu visual: de repente, Meryl Streep, uma atriz respeitada e então vencedora de dois Oscar, está com o pescoço torcido ao contrário ou com a cabeça enterrada no corpo, e Goldie Hawn levanta da piscina com um rombo gigantesco no estômago, resultado de um tiro. Tais truques, realizados com perfeição, acabaram levando o Oscar da categoria, batendo filmes bem mais afeitos a tais artifícios, como "Alien 3" e "Batman, o retorno".
É lógico que o público acostumado com besteiras inconsequentes e filmes de ação descerebrados não gostou de "A morte lhe cai bem". Apesar de tudo, a obra de Zemeckis é sutil e inteligente, passando longe do humor fácil e previsível. É uma crítica pesada ao culto à beleza e à juventude, disfarçada de comédia gótica e repleta de piadas visuais e verbais que podem facilmente passar despercebidas ao espectador menos atento e informado dos bastidores da indústria do entretenimento. Para aqueles que buscam uma diversão menos superficial, porém, o filme é deliciosamente perverso, algo como uma versão high-tech de um filme estrelado por Bette Davis e Joan Crawford. Impagável!
sábado
UM SONHO DISTANTE
UM
SONHO DISTANTE (Far and away, 1992, Universal Pictures/Imagine
Entertainment, 140min) Direção: Ron Howard. Roteiro: Bob Dolman, estória
de Bob Dolman, Ron Howard. Fotografia: Mikael Salomon. Montagem: Daniel
Hanley, Michael Hill. Música: John Williams. Figurino: Joanna Johnston.
Direção de arte/cenários: Allan Cameron, Jack T. Collins/Richard
Goddard. Produção executiva: Todd Hallowell. Produção: Brian Grazer, Ron
Howard. Elenco: Tom Cruise, Nicole Kidman, Thomas Gibson, Robert
Prosky, Barbara Babcock, Colm Meaney, Brendan Gleeson. Estreia: 18/5/92
(Festival de Cannes)
Tudo está no lugar: a fotografia espetacular, a trama que honra a superação de limites de classe e possibilidades de ascensão social, a dupla romântica bela e carismática, a reconstituição caprichada de época e o roteiro equilibrado entre cenas dramáticas, cômicas e de ação - além do orçamento nada desprezível (dentro dos padrões do início dos anos 90) de 60 milhões de dólares. Por que, então, "Um sonho distante", a ambição de Ron Howard em criar um épico de grandes proporções, naufragou tão solenemente nos EUA, a ponto de sequer ter conseguido o retorno de seu investimento? Lançado com toda pompa e circunstância no Festival de Cannes de 1992, o filme nem ao menos empolgou a crítica, os jurados do festival ou os membros da Academia de Hollywood, passando em brancas nuvens em todas as cerimônias de premiação do ano. Primeiro filme de Tom Cruise e Nicole Kidman como um casal - eles já haviam contracenado antes em "Dias de trovão" (90), mas ainda não eram casados - a história de amor entre dois jovens irlandeses - diferentes como a água e o vinho - em meio à busca pelo tão sonhado pedaço de chão na América do final do século XVIII pode ser uma festa para os olhos, mas carece, para atingir plenamente seus objetivos artísticos e comerciais, de personalidade.
Criado em meio à indústria do entretenimento - quando criança ficou conhecido como um dos atores da popular telessérie "Happy days" - o cineasta Ron Howard sempre esteve ciente dos meandros do sistema e, por conseguinte, das exigências do mercado. Tal característica o norteou, portanto, desde seus primeiros passos atrás das câmeras e foi a responsável tanto pelo sucesso de bilheteria de filmes como "Splash, uma sereia em minha vida" (84) - primeiro grande êxito de Tom Hanks - e "O tiro que não saiu pela culatra" (89) - delicado e carinhoso retrato da paternidade - como de fracassos ambiciosos - "Willow, na terra da magia" (88), um projeto pessoal que não encontrou seu público. Seguindo à risca a regra que ensina que uma bilheteria polpuda só será possível se determinado filme conquistar os quatro quadrantes - homens, mulheres, adultos e adolescentes - Howard construiu uma obra que se esforça perceptivelmente a atingí-los: há o romance emoldurado por belas paisagens para os suspiros femininos, cenas de luta e ação para agradar àqueles sedentos por adrenalina, um humor ingênuo (que quase nunca funciona, diga-se de passagem) e até mesmo o maniqueísmo típico desse tipo de produção, que coloca em lados muito bem definidos os mocinhos dos bandidos. No entanto, nessa tentativa de abraçar o mundo, "Um sonho distante" acaba falhando justamente pela previsibilidade.
A trama de "Um sonho distante" se passa no final da década de 1890, quando chegou à Irlanda a notícia - um tanto quanto incompleta em relação aos fatos, mas ainda assim promissora - de que os EUA estavam distribuindo terras aos imigrantes dispostos ao árduo trabalho de cultivá-las. A possibilidade de uma nova vida imediatamente chama a atenção do jovem Joseph Donnelly (Tom Cruise), que acaba de perder o pai, não vê futuro em manter-se em sua terra natal e ambiciona tornar-se dono de uma propriedade onde possa criar uma família. Seu caminho em direção à sua terra prometida cruza-se com o de Shannon Christie (Nicole Kidman), uma moça da alta sociedade que se recusa a cumprir as regras pré-estabelecidas por sua classe social (e tampouco casar-se com o homem escolhido para ela) e também deseja chegar à Oklahoma e estabelecer-se. Passando-se por irmãos, eles chegam aos EUA e lutam para manter-se: ela arruma emprego depenando galinhas e ele passa a ganhar dinheiro envolvendo-se em lutas organizadas pelo aparentemente simpático Kelly (Colm Meaney). Sem perceber que estão apaixonados um por outro, eles terão que passar por grandes dificuldades financeiras e uma separação traumática para notarem que dividem o mesmo sonho.
Não é difícil gostar de "Um sonho distante", já que Ron Howard cuida minuciosamente de cada detalhe para agradar a todos os tipos de audiência. A fotografia grandiosa de Mikael Salomon, a música grandiloquente de John Williams e os figurinos de Joanna Johnston estão todos alinhados ao desejo do diretor em criar um filme inesquecível. Uma pena, no entanto, que sua opção em tratá-lo como um produto "para a família" - com o romance entre Cruise e Kidman e até mesmo as cenas mais violentas amenizadas com esse propósito - tenha lhe tirado a oportunidade de fazer o filme definitivo sobre um dos momentos essenciais da história norte-americana - e do qual seus próprios antepassados tomaram parte. É um filme visualmente belíssimo, mas frio e sem empatia com a mesma audiência que queria tanto conquistar. Está longe de ser uma bomba, mas Howard com certeza sai-se muito melhor quando é intimista.
Tudo está no lugar: a fotografia espetacular, a trama que honra a superação de limites de classe e possibilidades de ascensão social, a dupla romântica bela e carismática, a reconstituição caprichada de época e o roteiro equilibrado entre cenas dramáticas, cômicas e de ação - além do orçamento nada desprezível (dentro dos padrões do início dos anos 90) de 60 milhões de dólares. Por que, então, "Um sonho distante", a ambição de Ron Howard em criar um épico de grandes proporções, naufragou tão solenemente nos EUA, a ponto de sequer ter conseguido o retorno de seu investimento? Lançado com toda pompa e circunstância no Festival de Cannes de 1992, o filme nem ao menos empolgou a crítica, os jurados do festival ou os membros da Academia de Hollywood, passando em brancas nuvens em todas as cerimônias de premiação do ano. Primeiro filme de Tom Cruise e Nicole Kidman como um casal - eles já haviam contracenado antes em "Dias de trovão" (90), mas ainda não eram casados - a história de amor entre dois jovens irlandeses - diferentes como a água e o vinho - em meio à busca pelo tão sonhado pedaço de chão na América do final do século XVIII pode ser uma festa para os olhos, mas carece, para atingir plenamente seus objetivos artísticos e comerciais, de personalidade.
Criado em meio à indústria do entretenimento - quando criança ficou conhecido como um dos atores da popular telessérie "Happy days" - o cineasta Ron Howard sempre esteve ciente dos meandros do sistema e, por conseguinte, das exigências do mercado. Tal característica o norteou, portanto, desde seus primeiros passos atrás das câmeras e foi a responsável tanto pelo sucesso de bilheteria de filmes como "Splash, uma sereia em minha vida" (84) - primeiro grande êxito de Tom Hanks - e "O tiro que não saiu pela culatra" (89) - delicado e carinhoso retrato da paternidade - como de fracassos ambiciosos - "Willow, na terra da magia" (88), um projeto pessoal que não encontrou seu público. Seguindo à risca a regra que ensina que uma bilheteria polpuda só será possível se determinado filme conquistar os quatro quadrantes - homens, mulheres, adultos e adolescentes - Howard construiu uma obra que se esforça perceptivelmente a atingí-los: há o romance emoldurado por belas paisagens para os suspiros femininos, cenas de luta e ação para agradar àqueles sedentos por adrenalina, um humor ingênuo (que quase nunca funciona, diga-se de passagem) e até mesmo o maniqueísmo típico desse tipo de produção, que coloca em lados muito bem definidos os mocinhos dos bandidos. No entanto, nessa tentativa de abraçar o mundo, "Um sonho distante" acaba falhando justamente pela previsibilidade.
A trama de "Um sonho distante" se passa no final da década de 1890, quando chegou à Irlanda a notícia - um tanto quanto incompleta em relação aos fatos, mas ainda assim promissora - de que os EUA estavam distribuindo terras aos imigrantes dispostos ao árduo trabalho de cultivá-las. A possibilidade de uma nova vida imediatamente chama a atenção do jovem Joseph Donnelly (Tom Cruise), que acaba de perder o pai, não vê futuro em manter-se em sua terra natal e ambiciona tornar-se dono de uma propriedade onde possa criar uma família. Seu caminho em direção à sua terra prometida cruza-se com o de Shannon Christie (Nicole Kidman), uma moça da alta sociedade que se recusa a cumprir as regras pré-estabelecidas por sua classe social (e tampouco casar-se com o homem escolhido para ela) e também deseja chegar à Oklahoma e estabelecer-se. Passando-se por irmãos, eles chegam aos EUA e lutam para manter-se: ela arruma emprego depenando galinhas e ele passa a ganhar dinheiro envolvendo-se em lutas organizadas pelo aparentemente simpático Kelly (Colm Meaney). Sem perceber que estão apaixonados um por outro, eles terão que passar por grandes dificuldades financeiras e uma separação traumática para notarem que dividem o mesmo sonho.
Não é difícil gostar de "Um sonho distante", já que Ron Howard cuida minuciosamente de cada detalhe para agradar a todos os tipos de audiência. A fotografia grandiosa de Mikael Salomon, a música grandiloquente de John Williams e os figurinos de Joanna Johnston estão todos alinhados ao desejo do diretor em criar um filme inesquecível. Uma pena, no entanto, que sua opção em tratá-lo como um produto "para a família" - com o romance entre Cruise e Kidman e até mesmo as cenas mais violentas amenizadas com esse propósito - tenha lhe tirado a oportunidade de fazer o filme definitivo sobre um dos momentos essenciais da história norte-americana - e do qual seus próprios antepassados tomaram parte. É um filme visualmente belíssimo, mas frio e sem empatia com a mesma audiência que queria tanto conquistar. Está longe de ser uma bomba, mas Howard com certeza sai-se muito melhor quando é intimista.
sexta-feira
O JOGADOR
O
JOGADOR (The player, 1992, Avenue Pictures Productions/ Spelling Entertainment/Addis Weschler Pictures, 124min) Direção: Robert Altman.
Roteiro: Michael Tolkin, romance de sua autoria. Fotografia: Jean
Lépine. Montagem: Maysie Hoy, Geraldine Peroni. Música: Thomas Newman.
Figurino: Alexander Julian. Direção de arte/cenários: Stephen
Altman/Susan Emshwiller. Produção executiva: Cary Brokaw. Produção:
David Brown, Michael Tolkin, Nick Weschler. Elenco: Tim Robbins, Greta
Schacchi, Fred Ward, Whoopi Goldberg, Peter Gallagher, Brion James,
Cynthia Stevenson, Vincent D'Onofrio, Dean Stockwell, Sydney Pollack,
Lyle Lovett, Jeremy Piven, Gina Gershon. Estreia: 03/4/92 (Festival de
Cleveland)
3 indicações ao Oscar: Diretor (Robert Altman), Roteiro Adaptado, Montagem
Vencedor de 2 Golden Globes: Melhor Filme Comédia/Musical, Ator Comédia/Musical (Tim Robbins)
Vencedor do Festival de Cannes: Diretor (Robert Altman), Ator (Tim Robbins)
Apesar de algumas vezes acertar direto no alvo - ao menos em relação à bilheteria e à crítica - o cineasta Robert Altman dificilmente pode ser considerado um filho exemplar da indústria cinematográfica norte-americana. Quase como um estranho no ninho, ele construiu uma carreira atípica, onde sucessos comerciais e artísticos como "M.A.S.H" (70) e "Nashville" (76) conviviam com furos n'água gigantescos, como "Quando os homens são homens" (71) e a tenebrosa versão para o cinema de "Popeye" (80), estrelada por Robin Williams. Tendo conhecido os dois lados da moeda - e visto as mesmas mãos que lhe davam tapinhas nas costas diante do sucesso se recusando a assinar os cheques para a realização de novos filmes quando deparavam com o fracasso - foi a pessoa certa para comandar "O jogador", uma comédia - ainda que disfarçada de thriller policial - ácida, cínica e iconoclasta sobre os bastidores de Hollywood. O que Altman oferece ao espectador, porém, não são os bastidores glamourosos de tapetes vermelhos e festas badaladas (ainda que elas inevitavelmente apareçam) mas sim o que se esconde por trás dos sorrisos falsos e das negociações frequentemente sujas que fazem parte do mundo aparentemente maravilhoso da sétima arte. Ironia suprema, esse "retorno" de Altman ao primeiro time dos realizadores americanos saiu ovacionado do Festival de Cannes de 1992 - onde conquistou os prêmios de direção e ator (Tim Robbins) - e o colocou na disputa pelo Oscar ao lado de Clint Eastwood.
No melhor ano de sua carreira até então, Tim Robbins - que ainda em 1992 lançou sua estreia como diretor, a sátira política "Bob Roberts" e ganhou ainda o Golden Globe de melhor ator em comédia/musical - interpreta Griffin Mill, executivo de um estúdio de Hollywood que tem o poder de decidir quais, dentre as dezenas que chegam a seu escritório, quais as ideias de histórias serão ou não transformadas em filme. Um tanto arrogante e autocentrado, Mill começa a receber ameaçadores cartões-postais de um suposto roteirista que não teve a sorte de ser aprovado por ele, justamente em um momento crucial de sua carreira: com a chegada de um novo executivo, Larry Levy (Peter Gallagher), seu cargo pode estar a perigo - e com ele, todas as bajulações, luxos e poder que vem atrelados. Sentindo-se acuado, ele procura David Kahane (Vincent D'Onofrio), a quem julga ser o autor das ameaças e, por acidente, acaba matando-o. Atraído por June (a fraca Greta Scaachi), namorada do morto, ele passa também a ser investigado pela polícia, na figura da detetive Avery (Whoopi Goldberg).
A espinha dorsal de "O jogador" é bastante frágil, servindo apenas como desculpa para Altman criticar de forma mordaz o jogo de aparências e interesses que está por trás da produção de um filme. O roteiro de Michael Tolkin - também autor do romance que lhe deu origem - sublinha com sarcasmo alguns dos mais tradicionais rituais da terra do cinema, como os almoços de negócios (onde por trás de cumprimentos cordiais são disparados comentários maldosos e rancorosos) e os famosos "pitchs", onde roteiristas tentam vender suas estórias para gente como Mill, que não tem o menor interesse em realizar obras de arte e sim vender ingressos. É particularmente engraçada a trajetória de um desses roteiristas, o inglês Tom Oakley (Richard E. Grant), que se recusa a ver seu genial argumento - com conotações sociais fortes e que dispensa astros milionários, diz ele - vendido como puro entretenimento, até que se vê obrigado a mudar de ideia quando percebe como se movimentam as engrenagens escondidas do sistema. Essas finas ironias - e a participação de dezenas de astros hollywoodianos em aparições-relâmpago - acabaram por fazer de "O jogador" o filme mais comentado de 1992 dentro da comunidade cinematográfica (e fora dela, também, afinal que fã de cinema não tem curiosidade de penetrar nas entranhas da sétima arte? Mas, afora esse nocaute de Altman em seus detratores - que foram obrigados a vê-lo indicado ao Oscar também no ano seguinte, com "Short cuts, cenas da vida" - o filme é tão bom quanto foi alardeado?
Sim e não. Robert Altman é um cineasta veterano que sabe exatamente o que faz quando pega uma câmera na mão, e seu brilhante plano-sequência de abertura já seria justificativa o bastante para conferir o filme. Além do mais, como outsider da indústria, ele tem conhecimento de causa para sustentar as afirmações um tanto quanto cínicas da trama de Tolkin a ponto de brincar com elas sem ranço de despeito. Porém, seu estilo aparentemente desleixado de filmar pode incomodar àqueles que procuram um produto mais convencional. Altman frequentemente parece deixar sua câmera bisbilhotar invisível pelos cenários sem maiores preocupações estéticas e sem foco dramático - uma maneira de filmar que lhe é característica e não agrada a todos. Mas mesmo que talvez não seja a obra-prima tão incensada à época de seu lançamento, "O jogador" tem uma inteligência acima da média, diverte com suas surpreendentes participações especiais e mostrou que Tim Robbins merecia mais atenção de Hollywood. Missão mais do que cumprida!
3 indicações ao Oscar: Diretor (Robert Altman), Roteiro Adaptado, Montagem
Vencedor de 2 Golden Globes: Melhor Filme Comédia/Musical, Ator Comédia/Musical (Tim Robbins)
Vencedor do Festival de Cannes: Diretor (Robert Altman), Ator (Tim Robbins)
Apesar de algumas vezes acertar direto no alvo - ao menos em relação à bilheteria e à crítica - o cineasta Robert Altman dificilmente pode ser considerado um filho exemplar da indústria cinematográfica norte-americana. Quase como um estranho no ninho, ele construiu uma carreira atípica, onde sucessos comerciais e artísticos como "M.A.S.H" (70) e "Nashville" (76) conviviam com furos n'água gigantescos, como "Quando os homens são homens" (71) e a tenebrosa versão para o cinema de "Popeye" (80), estrelada por Robin Williams. Tendo conhecido os dois lados da moeda - e visto as mesmas mãos que lhe davam tapinhas nas costas diante do sucesso se recusando a assinar os cheques para a realização de novos filmes quando deparavam com o fracasso - foi a pessoa certa para comandar "O jogador", uma comédia - ainda que disfarçada de thriller policial - ácida, cínica e iconoclasta sobre os bastidores de Hollywood. O que Altman oferece ao espectador, porém, não são os bastidores glamourosos de tapetes vermelhos e festas badaladas (ainda que elas inevitavelmente apareçam) mas sim o que se esconde por trás dos sorrisos falsos e das negociações frequentemente sujas que fazem parte do mundo aparentemente maravilhoso da sétima arte. Ironia suprema, esse "retorno" de Altman ao primeiro time dos realizadores americanos saiu ovacionado do Festival de Cannes de 1992 - onde conquistou os prêmios de direção e ator (Tim Robbins) - e o colocou na disputa pelo Oscar ao lado de Clint Eastwood.
No melhor ano de sua carreira até então, Tim Robbins - que ainda em 1992 lançou sua estreia como diretor, a sátira política "Bob Roberts" e ganhou ainda o Golden Globe de melhor ator em comédia/musical - interpreta Griffin Mill, executivo de um estúdio de Hollywood que tem o poder de decidir quais, dentre as dezenas que chegam a seu escritório, quais as ideias de histórias serão ou não transformadas em filme. Um tanto arrogante e autocentrado, Mill começa a receber ameaçadores cartões-postais de um suposto roteirista que não teve a sorte de ser aprovado por ele, justamente em um momento crucial de sua carreira: com a chegada de um novo executivo, Larry Levy (Peter Gallagher), seu cargo pode estar a perigo - e com ele, todas as bajulações, luxos e poder que vem atrelados. Sentindo-se acuado, ele procura David Kahane (Vincent D'Onofrio), a quem julga ser o autor das ameaças e, por acidente, acaba matando-o. Atraído por June (a fraca Greta Scaachi), namorada do morto, ele passa também a ser investigado pela polícia, na figura da detetive Avery (Whoopi Goldberg).
A espinha dorsal de "O jogador" é bastante frágil, servindo apenas como desculpa para Altman criticar de forma mordaz o jogo de aparências e interesses que está por trás da produção de um filme. O roteiro de Michael Tolkin - também autor do romance que lhe deu origem - sublinha com sarcasmo alguns dos mais tradicionais rituais da terra do cinema, como os almoços de negócios (onde por trás de cumprimentos cordiais são disparados comentários maldosos e rancorosos) e os famosos "pitchs", onde roteiristas tentam vender suas estórias para gente como Mill, que não tem o menor interesse em realizar obras de arte e sim vender ingressos. É particularmente engraçada a trajetória de um desses roteiristas, o inglês Tom Oakley (Richard E. Grant), que se recusa a ver seu genial argumento - com conotações sociais fortes e que dispensa astros milionários, diz ele - vendido como puro entretenimento, até que se vê obrigado a mudar de ideia quando percebe como se movimentam as engrenagens escondidas do sistema. Essas finas ironias - e a participação de dezenas de astros hollywoodianos em aparições-relâmpago - acabaram por fazer de "O jogador" o filme mais comentado de 1992 dentro da comunidade cinematográfica (e fora dela, também, afinal que fã de cinema não tem curiosidade de penetrar nas entranhas da sétima arte? Mas, afora esse nocaute de Altman em seus detratores - que foram obrigados a vê-lo indicado ao Oscar também no ano seguinte, com "Short cuts, cenas da vida" - o filme é tão bom quanto foi alardeado?
Sim e não. Robert Altman é um cineasta veterano que sabe exatamente o que faz quando pega uma câmera na mão, e seu brilhante plano-sequência de abertura já seria justificativa o bastante para conferir o filme. Além do mais, como outsider da indústria, ele tem conhecimento de causa para sustentar as afirmações um tanto quanto cínicas da trama de Tolkin a ponto de brincar com elas sem ranço de despeito. Porém, seu estilo aparentemente desleixado de filmar pode incomodar àqueles que procuram um produto mais convencional. Altman frequentemente parece deixar sua câmera bisbilhotar invisível pelos cenários sem maiores preocupações estéticas e sem foco dramático - uma maneira de filmar que lhe é característica e não agrada a todos. Mas mesmo que talvez não seja a obra-prima tão incensada à época de seu lançamento, "O jogador" tem uma inteligência acima da média, diverte com suas surpreendentes participações especiais e mostrou que Tim Robbins merecia mais atenção de Hollywood. Missão mais do que cumprida!
quinta-feira
O AMANTE
O
AMANTE (L'amant/The lover, 1992, Films A2, 115min) Direção:
Jean-Jacques Annaud. Roteiro: Gérard Brach, Jean-Jacques Annaud, romance
de Marguerite Duras. Fotografia: Robert Fraisse. Montagem: Noelle
Boisson. Música: Gabriel Yared. Figurino: Yvonne Sassinot de Nesle.
Direção de arte/cenários: Hoang Thanh At. Produção: Claude Berri.
Elenco: Tony Leung, Jane March, Fréderique Meininger. Estreia: 22/01/92
(França)
Indicado ao Oscar de Fotografia
Nada como um bom escândalo movido a sexo para fazer com que um filme de interesse restrito - a saber, sem cenas de ação, sem astros milionários, desatrelado a qualquer personagem facilmente reconhecível nos cartazes ou orçamentos anabolizados - se torne manchete e, consequentemente, encha as salas de exibição (e posteriormente saia à procura do vídeo para locação). Sabendo dessa verdade absoluta, o veterano cineasta Jean-Jacques Annaud não brincou em serviço: espalhou aos quatro ventos que as tórridas cenas de sexo de seu novo filme, a adaptação de um romance autobiográfico da escritora Marguerite Duras, foram levadas às últimas consequências em pleno set de filmagens. Não demorou para que tal afirmação se tornasse o centro das discussões a respeito do filme, que, graças à polêmica, fez mais sucesso do que teria feito sem o apelo de um boato bem divulgado. Boato, sim, afinal de contas. O próprio Annaud - que tinha no currículo filmes como "O nome da rosa" (85) e "O urso" (89) - desmentiu o que havia dito logo depois, para alívio de sua protagonista, a adolescente Jane March, que sofreu na pele as consequências de uma estreia tão alvissareira.
Segundo lendas que corriam nos bastidores - todas devidamente divulgadas à imprensa, com o objetivo lógico de atiçar a curiosidade dos espectadores - March, à época do começo da produção, ainda era virgem e, para dar conta das cenas com o ator Tony Leung, precisou recorrer a um namorado para estar apta a tais sequências. Tão logo as fofocas começaram a pipocar, no entanto, a jovem percebeu que vida de estrela de cinema tem muitos deméritos e fugiu do assédio, em companhia da família, tão perturbada quanto ela com a dimensão dos acontecimentos - pelo menos até estrear no cinemão comercial americano com o fraquíssimo thriller "A cor da noite", cujo maior atrativo eram (pasmem!!) cenas de sexo com Bruce Willis.... Mas, afinal de contas, apesar de todo o bafafá e todo os boatos, "O amante" é um bom filme ou apenas mais uma produção que pegou carona na controvérsia para lucrar? Felizmente para o público que gosta de bom cinema, a resposta é positiva: além das cenas eróticas (bastante quentes, mas jamais vulgares ou apelativas), o filme de Annaud tem muito mais a oferecer, tanto em termos visuais quanto emocionais.
A cargo do experiente Robert Fraisse - que arrebatou a única indicação ao Oscar do filme - a fotografia de "O amante" emoldura uma história de amor e lascívia que envolve o espectador gradualmente, como um romance bem escrito. Não à toa, Marguerite Duras, a autora do livro que lhe deu origem, também escreveu os poéticos diálogos do clássico "Hiroshima, meu amor", de Alain Resnais: em ambos a descrição dos atos de amor se sobrepõem a imagens delicadas, sensuais e românticas na medida certa. A narração em off de Jeanne Moureau (um trunfo bem utilizado pelo cineasta) acrescenta camadas distintas à história contada, sublinhando a dubiedade da relação entre os protagonistas, sempre caminhando na tênue linha entre a paixão e o interesse (financeiro por parte dela, físico por parte dele). Para isso conta muito o rosto impassível de Jane March, uma tábula rasa onde o diretor pode pintar diferentes emoções sem que seja preciso apelar para longas conversas explicativas. Sua personagem - cujo nome nunca é citado - é uma adolescente de quinze anos que mora em um pensionato de Saigon (no Vietnã de 1929, colonizado pela França) e tem uma relação problemática com a família, em especial com o irmão mais velho, viciado em ópio. De origem humilde, ela conhece, durante a travessia de barco que a leva da casa da mãe para sua escola, um chinês mais velho e rico (Tony Leung), que acaba se tornando seu amante - em tardes passadas em uma casa no centro da cidade.
O relacionamento entre os protagonistas não é fácil: além das diferenças sociais e monetárias (ele chega a pagar por seus encontros com a jovem, o que também dá à relação um caráter um tanto ambíguo que cheira à prostituição de luxo) existe o fato do rapaz ter um casamento arranjado com outra mulher, o que os impede, mesmo que quisessem, de levar adiante o que havia começado como um romance casual. O preconceito racial também entra no pacote dos problemas, já que se trata de um casal formado por um chinês e uma branca, o que, na época, era algo impensável para uma sociedade tão racista. Esse painel de empecilhos, mais as personalidades difíceis dos protagonistas (ele chega a batê-la em um acesso de ciúmes, antes de levá-la pra cama) constituem o teor do filme de Annaud, uma análise séria e - por que não? - romântica de um caso de amor muito mais repleto de nuances do que simplesmente sexo e dinheiro. É uma história adulta, contada sem pressa, com delicadeza e um bela trilha sonora de Gabriel Yared. O sexo é apenas um detalhe.
Indicado ao Oscar de Fotografia
Nada como um bom escândalo movido a sexo para fazer com que um filme de interesse restrito - a saber, sem cenas de ação, sem astros milionários, desatrelado a qualquer personagem facilmente reconhecível nos cartazes ou orçamentos anabolizados - se torne manchete e, consequentemente, encha as salas de exibição (e posteriormente saia à procura do vídeo para locação). Sabendo dessa verdade absoluta, o veterano cineasta Jean-Jacques Annaud não brincou em serviço: espalhou aos quatro ventos que as tórridas cenas de sexo de seu novo filme, a adaptação de um romance autobiográfico da escritora Marguerite Duras, foram levadas às últimas consequências em pleno set de filmagens. Não demorou para que tal afirmação se tornasse o centro das discussões a respeito do filme, que, graças à polêmica, fez mais sucesso do que teria feito sem o apelo de um boato bem divulgado. Boato, sim, afinal de contas. O próprio Annaud - que tinha no currículo filmes como "O nome da rosa" (85) e "O urso" (89) - desmentiu o que havia dito logo depois, para alívio de sua protagonista, a adolescente Jane March, que sofreu na pele as consequências de uma estreia tão alvissareira.
Segundo lendas que corriam nos bastidores - todas devidamente divulgadas à imprensa, com o objetivo lógico de atiçar a curiosidade dos espectadores - March, à época do começo da produção, ainda era virgem e, para dar conta das cenas com o ator Tony Leung, precisou recorrer a um namorado para estar apta a tais sequências. Tão logo as fofocas começaram a pipocar, no entanto, a jovem percebeu que vida de estrela de cinema tem muitos deméritos e fugiu do assédio, em companhia da família, tão perturbada quanto ela com a dimensão dos acontecimentos - pelo menos até estrear no cinemão comercial americano com o fraquíssimo thriller "A cor da noite", cujo maior atrativo eram (pasmem!!) cenas de sexo com Bruce Willis.... Mas, afinal de contas, apesar de todo o bafafá e todo os boatos, "O amante" é um bom filme ou apenas mais uma produção que pegou carona na controvérsia para lucrar? Felizmente para o público que gosta de bom cinema, a resposta é positiva: além das cenas eróticas (bastante quentes, mas jamais vulgares ou apelativas), o filme de Annaud tem muito mais a oferecer, tanto em termos visuais quanto emocionais.
A cargo do experiente Robert Fraisse - que arrebatou a única indicação ao Oscar do filme - a fotografia de "O amante" emoldura uma história de amor e lascívia que envolve o espectador gradualmente, como um romance bem escrito. Não à toa, Marguerite Duras, a autora do livro que lhe deu origem, também escreveu os poéticos diálogos do clássico "Hiroshima, meu amor", de Alain Resnais: em ambos a descrição dos atos de amor se sobrepõem a imagens delicadas, sensuais e românticas na medida certa. A narração em off de Jeanne Moureau (um trunfo bem utilizado pelo cineasta) acrescenta camadas distintas à história contada, sublinhando a dubiedade da relação entre os protagonistas, sempre caminhando na tênue linha entre a paixão e o interesse (financeiro por parte dela, físico por parte dele). Para isso conta muito o rosto impassível de Jane March, uma tábula rasa onde o diretor pode pintar diferentes emoções sem que seja preciso apelar para longas conversas explicativas. Sua personagem - cujo nome nunca é citado - é uma adolescente de quinze anos que mora em um pensionato de Saigon (no Vietnã de 1929, colonizado pela França) e tem uma relação problemática com a família, em especial com o irmão mais velho, viciado em ópio. De origem humilde, ela conhece, durante a travessia de barco que a leva da casa da mãe para sua escola, um chinês mais velho e rico (Tony Leung), que acaba se tornando seu amante - em tardes passadas em uma casa no centro da cidade.
O relacionamento entre os protagonistas não é fácil: além das diferenças sociais e monetárias (ele chega a pagar por seus encontros com a jovem, o que também dá à relação um caráter um tanto ambíguo que cheira à prostituição de luxo) existe o fato do rapaz ter um casamento arranjado com outra mulher, o que os impede, mesmo que quisessem, de levar adiante o que havia começado como um romance casual. O preconceito racial também entra no pacote dos problemas, já que se trata de um casal formado por um chinês e uma branca, o que, na época, era algo impensável para uma sociedade tão racista. Esse painel de empecilhos, mais as personalidades difíceis dos protagonistas (ele chega a batê-la em um acesso de ciúmes, antes de levá-la pra cama) constituem o teor do filme de Annaud, uma análise séria e - por que não? - romântica de um caso de amor muito mais repleto de nuances do que simplesmente sexo e dinheiro. É uma história adulta, contada sem pressa, com delicadeza e um bela trilha sonora de Gabriel Yared. O sexo é apenas um detalhe.
quarta-feira
GRAND CANYON, ANSIEDADE DE UMA GERAÇÃO
GRAND
CANYON, ANSIEDADE DE UMA GERAÇÃO (Grand Canyon, 1991, 20th Century Fox,
134min) Direção: Lawrence Kasdan. Roteiro: Lawrence Kasdan, Meg Kasdan.
Fotografia: Owen Roizman. Montagem: Carol Littleton. Música: James
Newton Howard. Figurino: Aggie Guerard Rodgers. Direção de
arte/cenários: Bo Welch/Cheryl Carasik. Produção: Michael Grillo,
Lawrence Kasdan, Charles Okun. Elenco: Kevin Kline, Steve Martin, Danny
Glover, Mary McDonnell, Mary-Louise Parker, Alfre Woodard, Jeremy Sisto,
Tina Lifford, Clifton Collins Jr.. Estreia: 25/12/91
Indicado ao Oscar de Roteiro Original
Em 2005, quando o filme "Crash, no limite" foi lançado, muita gente elogiou sua coragem em tocar no assunto do racismo efervescente da cidade de Los Angeles ao contar várias histórias paralelas que se tocavam tenuemente. O filme de Paul Haggis, repleto de clichês, preconceituoso e superficial ao extremo, conseguiu enganar até mesmo aos membros da Academia, que o escolheram como o melhor filme do ano sobre o infinitamente superior "O segredo de Brokeback Mountain" - não que enganar os vetustos da Academia seja exatamente difícil, que o digam os produtores de "Dança com lobos" (90) e mais recentemente "O discurso do rei" (10). Mas o que pouca gente sabia é que, quase quinze anos antes, um filme mais corajoso, sutil, inteligente e bem escrito também já havia mexido nessa ferida tão dolorosa das diferenças sociais e raciais que flagelam a América. "Grand Canyon, ansiedade de uma geração", dirigido e co-escrito por Lawrence Kasdan, é um sensível e esperançoso retrato de um grupo de pessoas que, a despeito de suas angústias, tentam transformar o seu mundo - e principalmente o dos outros - em um lugar melhor para se viver.
Ao contrário de "Crash", que tinha uma visão pessimista da sociedade e de seus integrantes, fossem eles quais fossem, a visão de Kasdan é repleta de carinho e calor humano, retratando seus personagens como pessoas e não estereótipos rasos. Embora nenhum deles seja perfeito, existe neles um tom de humanismo comovente, que impede tanto o sentimentalismo quanto a generalização rasteira. E até mesmo a metáfora pertinente e esperta utilizada pelo roteiro - e que dá título ao filme - soa poética e como uma lufada de ar fresco diante de um mundo tão atribulado e povoado de mesquinharias. Segundo a visão otimista de Kasdan, o Grand Canyon mostra a real dimensão dos problemas humanos e da própria natureza insignificante de qualquer um diante da imensidão do universo. E é por essa medida que os personagens de seu filme irão avaliar o que o destino põe diante de seus olhos, seja na forma de uma mão que impedem um deles de ser estraçalhado por um ônibus ou do dono de um guincho que salva o mesmo personagem de ser vítima de uma gangue. Sim, existe gangues no universo criado por Kasdan e sua mulher, Meg, mas elas não estão no roteiro apenas para justificar uma teoria racista, e sim para evitar o maniqueísmo que poderia impor-se em uma trama tão, digamos assim, inspiradora.
Se existe um protagonista em "Grand Canyon" pode-se dizer que é Mack (Kevin Kline, ótimo como sempre), um advogado de imigração bem-sucedido, bem-casado com a analista Claire (Mary McDonnell) e pai de um adolescente ajustado e saudável. Uma noite, voltando de um jogo de basquete, ele resolve pegar um atalho para fugir do congestionamento e acaba vendo seu carro - moderno, bem equipado e caro - pifar no meio da rua deserta de um subúrbio nada afável. Quando está em vias de ser assaltado por um grupo de jovens agressivos, ele é salvo pelo gongo, na pele de Simon (Danny Glover), o dono do guincho que o resgata do perigo. De uma conversa casual entre eles surge a vontade irrefreável em Mack de ajudá-lo, seja arrumando uma moradia mais segura para sua irmã - que cria sozinha dois filhos, sendo o mais velho um projeto de marginal graças ao grupo que frequenta - ou apresentando-lhe uma colega de trabalho, Jane (Alfre Woodard). Enquanto isso, sua esposa, durante o tradicional cooper matinal encontra um bebê abandonado em um grupo de arbustos e resolve adotá-lo - mesmo enfrentando a hesitação do marido, que a questiona a respeito de tal vontade por julgar que não passa de uma tentativa de repor na casa o filho que está em vias de ir para a faculdade. Fechando o círculo, está Davis (Steve Martin), amigo de Mack que, produtor de filmes violentos, vê seu próprio mundo voltando-se contra ele depois que é assaltado e ferido gravemente e Dee (Mary-Louise Parker), secretária de Mack que, depois de uma noite com o patrão, se descobre perdidamente apaixonada.
Esse grupo de personagens, ligados por um roteiro compassado e discreto, que não abusa das emoções e nem enfatiza desnecessariamente as tragédias (maiores ou menores) que os acometem, é o centro de "Grand Canyon". Através deles - e das inspiradas atuações, em especial as de Kline e Mary McDonnell - o filme de Kasdan apresenta ao espectador um panorama de emoções discretas mas profundamente pertinentes à sua época, discutindo sem lugares-comuns temas como a violência urbana, a diferença de classes, a solidão e o vazio existencial. Pode-se dizer que seus personagens principais - Mack, Claire e Davis - pertencem a um nicho restrito de Los Angeles (aqueles que possuem bons empregos, carros e propriedades) e que suas ações soam como paternalistas, mas é inegável que existe neles uma boa vontade e um caráter admiráveis (com a possível exceção de Davis, em uma interpretação contida de Steve Martin), que deixam essa afirmação com um tom bastante cínico. Lawrence Kasdan quis mostrar em seu filme que o calor humano e os laços formados a partir deles são as únicas formas de comunicação em um mundo frio e frequentemente hostil a sentimentos mais nobres. Conseguiu com louvor, apesar do filme estender-se um pouquinho em seu terço final. É um belo filme - seu roteiro foi indicado ao Oscar e perdeu para o genial "Thelma & Louise" - que merecia ter tido mais sorte em seu lançamento.
Indicado ao Oscar de Roteiro Original
Em 2005, quando o filme "Crash, no limite" foi lançado, muita gente elogiou sua coragem em tocar no assunto do racismo efervescente da cidade de Los Angeles ao contar várias histórias paralelas que se tocavam tenuemente. O filme de Paul Haggis, repleto de clichês, preconceituoso e superficial ao extremo, conseguiu enganar até mesmo aos membros da Academia, que o escolheram como o melhor filme do ano sobre o infinitamente superior "O segredo de Brokeback Mountain" - não que enganar os vetustos da Academia seja exatamente difícil, que o digam os produtores de "Dança com lobos" (90) e mais recentemente "O discurso do rei" (10). Mas o que pouca gente sabia é que, quase quinze anos antes, um filme mais corajoso, sutil, inteligente e bem escrito também já havia mexido nessa ferida tão dolorosa das diferenças sociais e raciais que flagelam a América. "Grand Canyon, ansiedade de uma geração", dirigido e co-escrito por Lawrence Kasdan, é um sensível e esperançoso retrato de um grupo de pessoas que, a despeito de suas angústias, tentam transformar o seu mundo - e principalmente o dos outros - em um lugar melhor para se viver.
Ao contrário de "Crash", que tinha uma visão pessimista da sociedade e de seus integrantes, fossem eles quais fossem, a visão de Kasdan é repleta de carinho e calor humano, retratando seus personagens como pessoas e não estereótipos rasos. Embora nenhum deles seja perfeito, existe neles um tom de humanismo comovente, que impede tanto o sentimentalismo quanto a generalização rasteira. E até mesmo a metáfora pertinente e esperta utilizada pelo roteiro - e que dá título ao filme - soa poética e como uma lufada de ar fresco diante de um mundo tão atribulado e povoado de mesquinharias. Segundo a visão otimista de Kasdan, o Grand Canyon mostra a real dimensão dos problemas humanos e da própria natureza insignificante de qualquer um diante da imensidão do universo. E é por essa medida que os personagens de seu filme irão avaliar o que o destino põe diante de seus olhos, seja na forma de uma mão que impedem um deles de ser estraçalhado por um ônibus ou do dono de um guincho que salva o mesmo personagem de ser vítima de uma gangue. Sim, existe gangues no universo criado por Kasdan e sua mulher, Meg, mas elas não estão no roteiro apenas para justificar uma teoria racista, e sim para evitar o maniqueísmo que poderia impor-se em uma trama tão, digamos assim, inspiradora.
Se existe um protagonista em "Grand Canyon" pode-se dizer que é Mack (Kevin Kline, ótimo como sempre), um advogado de imigração bem-sucedido, bem-casado com a analista Claire (Mary McDonnell) e pai de um adolescente ajustado e saudável. Uma noite, voltando de um jogo de basquete, ele resolve pegar um atalho para fugir do congestionamento e acaba vendo seu carro - moderno, bem equipado e caro - pifar no meio da rua deserta de um subúrbio nada afável. Quando está em vias de ser assaltado por um grupo de jovens agressivos, ele é salvo pelo gongo, na pele de Simon (Danny Glover), o dono do guincho que o resgata do perigo. De uma conversa casual entre eles surge a vontade irrefreável em Mack de ajudá-lo, seja arrumando uma moradia mais segura para sua irmã - que cria sozinha dois filhos, sendo o mais velho um projeto de marginal graças ao grupo que frequenta - ou apresentando-lhe uma colega de trabalho, Jane (Alfre Woodard). Enquanto isso, sua esposa, durante o tradicional cooper matinal encontra um bebê abandonado em um grupo de arbustos e resolve adotá-lo - mesmo enfrentando a hesitação do marido, que a questiona a respeito de tal vontade por julgar que não passa de uma tentativa de repor na casa o filho que está em vias de ir para a faculdade. Fechando o círculo, está Davis (Steve Martin), amigo de Mack que, produtor de filmes violentos, vê seu próprio mundo voltando-se contra ele depois que é assaltado e ferido gravemente e Dee (Mary-Louise Parker), secretária de Mack que, depois de uma noite com o patrão, se descobre perdidamente apaixonada.
Esse grupo de personagens, ligados por um roteiro compassado e discreto, que não abusa das emoções e nem enfatiza desnecessariamente as tragédias (maiores ou menores) que os acometem, é o centro de "Grand Canyon". Através deles - e das inspiradas atuações, em especial as de Kline e Mary McDonnell - o filme de Kasdan apresenta ao espectador um panorama de emoções discretas mas profundamente pertinentes à sua época, discutindo sem lugares-comuns temas como a violência urbana, a diferença de classes, a solidão e o vazio existencial. Pode-se dizer que seus personagens principais - Mack, Claire e Davis - pertencem a um nicho restrito de Los Angeles (aqueles que possuem bons empregos, carros e propriedades) e que suas ações soam como paternalistas, mas é inegável que existe neles uma boa vontade e um caráter admiráveis (com a possível exceção de Davis, em uma interpretação contida de Steve Martin), que deixam essa afirmação com um tom bastante cínico. Lawrence Kasdan quis mostrar em seu filme que o calor humano e os laços formados a partir deles são as únicas formas de comunicação em um mundo frio e frequentemente hostil a sentimentos mais nobres. Conseguiu com louvor, apesar do filme estender-se um pouquinho em seu terço final. É um belo filme - seu roteiro foi indicado ao Oscar e perdeu para o genial "Thelma & Louise" - que merecia ter tido mais sorte em seu lançamento.
terça-feira
DE SALTO ALTO
DE
SALTO ALTO (Tacones lejanos, 1991, El Deseo S/A, 112min) Direção e
roteiro: Pedro Almodovar. Fotografia: Alfredo Mayo. Montagem: José
Salcedo. Música: Ryuichi Sakamoto. Figurino: José Maria de Cossío.
Direção de arte/cenários: Pierre Thevenet/Julian Mateos. Produção
executiva: Agustin Almodovar. Elenco: Victoria Abril, Marisa Paredes,
Miguel Bosé, Ana Lizaran, Feodor Atkine. Estreia: 23/10/91
Quando estava na fase final de filmagens de "Ata-me" (90), filme seguinte ao imenso sucesso de "Mulheres à beira de um ataque de nervos" (88), que chegou a lhe dar uma inédita indicação ao Oscar de melhor produção estrangeira, o espanhol Pedro Almodovar já tinha em mente o argumento de seu novo projeto. A trama, que contaria a estória de duas irmãs precisando lidar com o reaparecimento de sua mãe tida como morta, acabou não vingando - pelo menos até 2006 quando o cineasta retomou o tema de forma mais burilada no excelente "Volver" - mas o diretor manteve na cabeça a ideia de falar sobre o relacionamento entre mãe e filha, assim como utilizar uma cena que adorava, onde uma apresentadora de telejornal confessava um crime em rede nacional. Surgia assim, a partir de uma ideia vaga e uma cena aparentemente aleatória, o roteiro de "De salto alto", o primeiro de seus filmes a mergulhar sem medo no melodrama rasgado - gênero com que ele ainda flertaria em "A flor do meu segredo" (96) e que lhe daria a consagração mundial com "Tudo sobre minha mãe" (99).
Quem estava acostumado com o estilo iconoclasta de Almodovar - e com seu humor todo particular - deve ter levado um susto ao deparar-se com seu novo filme, uma história de amor e solidão com tom sério e pouco afeito a brincadeiras (e mesmo quando elas aparecem soam dotadas de um cinismo que somente ele poderia apresentar sem parecer amargurado). Mesmo que mantenha algumas de suas maiores características bem explícitas - a desinibida cena de sexo entre Victoria Abril e Miguel Bosé é um exemplo, assim como o uso exemplar das cores e da trilha sonora - o diretor não hesita em conduzir o espectador a um outro nível emocional e sensorial, que superficialmente lembra a estrutura de uma telenovela mas que, em suas diversas camdas, fica entre a profundidade psicológica de Ingmar Bergman (citado em um belo diálogo) e a exuberância visual de Douglas Sirk (referência maior do diretor quando se fala em melodrama).
A protagonista de "De salto alto" é Becky Del Páramo (Marisa Paredes), cantora pop do passado e hoje grande dama da canção espanhola, cujo retorno a Madri depois de quinze anos serve como catalisador de profundas transformações na vida de sua filha única, Rebeca (Victoria Abril), a quem não vê desde criança, quando mudou-se para o México em busca de novos desafios profissionais. O relacionamento distante entre as duas está ainda mais complicado desde que Rebeca, apresentadora de um popular telejornal do país, casou-se com Manuel (Feodor Atkine), antigo amante de sua mãe. O casamento entre eles vai de mal a pior, principalmente porque Manuel ainda sente-se atraído por Becky - uma situação que acaba, mesmo sem querer, aproximando a jovem de Hugo (Miguel Bosé), um conhecido que faz shows vestido como uma drag queen em que imita sua mãe. O imbroglio familiar fica ainda mais complicado, porém, quando Manuel é assassinado com um tiro, o juiz encarregado do caso descobre que ele ainda mantinha um caso com a famosa cantora - e Rebeca assume a autoria do crime em rede nacional.
Desafiando as convenções do gênero policial - o "quem matou" acaba sendo um tema apenas incidental da narrativa - em favor de um viés melodramático, Pedro Almodovar costura sua trama através de dolorosas reminiscências familiares (através de flashbacks que elucidam a dúbia relação entre mãe e filha) que resultam em um presente opressivo e conflituoso. Poucas vezes até então seu cinema se permitiu mergulhar tão fundo na psicologia de seus personagens, seja através de diálogos brilhantes (recitados por Victoria Abril e Marisa Paredes em momento fundamental de suas carreiras), do figurino caprichado (que se utiliza da sofisticação das roupas Chanel para comentar a personalidade das protagonistas) e da música, escolhida a dedo - apesar da trilha sonora ter sido composta pelo veterano Ryuchi Sakamoto, o diretor optou por coalhar a estória com canções populares regravadas especialmente para o filme, como forma de sublinhar as emoções da trama. Até mesmo algumas ousadias como usar o mesmo ator - Miguel Bosé - para interpretar dois personagens (ou três, dependendo do ponto de vista) soa, mais do que um artíficio, como um golpe de mestre do cineasta, que embaralha suas cartas de forma a surpreender a plateia - coisa que também faz em um momento inusitado no meio do filme, quando um grupo de presidiárias, do nada, começa uma coreografia.
"De salto alto" foi, sem dúvida, o primeiro grande passo de Pedro Almodovar rumo à sofisticação narrativa com a qual seria reconhecido mundialmente em poucos anos. Substituindo o humor corrosivo e absurdo com que salpicava suas obras por um tom menos debochado mas ainda assim não totalmente desprovido de ironia e sarcasmo (mesmo que bem disfarçado por metáforas visuais e conceituais), o cineasta provou que tinha talento de sobra para sair de sua zona de conforto e buscar mais alcance com as estórias recheadas de personagens deliciosos que habitavam sua mente. O resultado dividiu a crítica, mas hoje, mais de duas décadas depois de seu lançamento, pode ser considerado, sem dúvida, um de seus filmes mais importantes.
Quando estava na fase final de filmagens de "Ata-me" (90), filme seguinte ao imenso sucesso de "Mulheres à beira de um ataque de nervos" (88), que chegou a lhe dar uma inédita indicação ao Oscar de melhor produção estrangeira, o espanhol Pedro Almodovar já tinha em mente o argumento de seu novo projeto. A trama, que contaria a estória de duas irmãs precisando lidar com o reaparecimento de sua mãe tida como morta, acabou não vingando - pelo menos até 2006 quando o cineasta retomou o tema de forma mais burilada no excelente "Volver" - mas o diretor manteve na cabeça a ideia de falar sobre o relacionamento entre mãe e filha, assim como utilizar uma cena que adorava, onde uma apresentadora de telejornal confessava um crime em rede nacional. Surgia assim, a partir de uma ideia vaga e uma cena aparentemente aleatória, o roteiro de "De salto alto", o primeiro de seus filmes a mergulhar sem medo no melodrama rasgado - gênero com que ele ainda flertaria em "A flor do meu segredo" (96) e que lhe daria a consagração mundial com "Tudo sobre minha mãe" (99).
Quem estava acostumado com o estilo iconoclasta de Almodovar - e com seu humor todo particular - deve ter levado um susto ao deparar-se com seu novo filme, uma história de amor e solidão com tom sério e pouco afeito a brincadeiras (e mesmo quando elas aparecem soam dotadas de um cinismo que somente ele poderia apresentar sem parecer amargurado). Mesmo que mantenha algumas de suas maiores características bem explícitas - a desinibida cena de sexo entre Victoria Abril e Miguel Bosé é um exemplo, assim como o uso exemplar das cores e da trilha sonora - o diretor não hesita em conduzir o espectador a um outro nível emocional e sensorial, que superficialmente lembra a estrutura de uma telenovela mas que, em suas diversas camdas, fica entre a profundidade psicológica de Ingmar Bergman (citado em um belo diálogo) e a exuberância visual de Douglas Sirk (referência maior do diretor quando se fala em melodrama).
A protagonista de "De salto alto" é Becky Del Páramo (Marisa Paredes), cantora pop do passado e hoje grande dama da canção espanhola, cujo retorno a Madri depois de quinze anos serve como catalisador de profundas transformações na vida de sua filha única, Rebeca (Victoria Abril), a quem não vê desde criança, quando mudou-se para o México em busca de novos desafios profissionais. O relacionamento distante entre as duas está ainda mais complicado desde que Rebeca, apresentadora de um popular telejornal do país, casou-se com Manuel (Feodor Atkine), antigo amante de sua mãe. O casamento entre eles vai de mal a pior, principalmente porque Manuel ainda sente-se atraído por Becky - uma situação que acaba, mesmo sem querer, aproximando a jovem de Hugo (Miguel Bosé), um conhecido que faz shows vestido como uma drag queen em que imita sua mãe. O imbroglio familiar fica ainda mais complicado, porém, quando Manuel é assassinado com um tiro, o juiz encarregado do caso descobre que ele ainda mantinha um caso com a famosa cantora - e Rebeca assume a autoria do crime em rede nacional.
Desafiando as convenções do gênero policial - o "quem matou" acaba sendo um tema apenas incidental da narrativa - em favor de um viés melodramático, Pedro Almodovar costura sua trama através de dolorosas reminiscências familiares (através de flashbacks que elucidam a dúbia relação entre mãe e filha) que resultam em um presente opressivo e conflituoso. Poucas vezes até então seu cinema se permitiu mergulhar tão fundo na psicologia de seus personagens, seja através de diálogos brilhantes (recitados por Victoria Abril e Marisa Paredes em momento fundamental de suas carreiras), do figurino caprichado (que se utiliza da sofisticação das roupas Chanel para comentar a personalidade das protagonistas) e da música, escolhida a dedo - apesar da trilha sonora ter sido composta pelo veterano Ryuchi Sakamoto, o diretor optou por coalhar a estória com canções populares regravadas especialmente para o filme, como forma de sublinhar as emoções da trama. Até mesmo algumas ousadias como usar o mesmo ator - Miguel Bosé - para interpretar dois personagens (ou três, dependendo do ponto de vista) soa, mais do que um artíficio, como um golpe de mestre do cineasta, que embaralha suas cartas de forma a surpreender a plateia - coisa que também faz em um momento inusitado no meio do filme, quando um grupo de presidiárias, do nada, começa uma coreografia.
"De salto alto" foi, sem dúvida, o primeiro grande passo de Pedro Almodovar rumo à sofisticação narrativa com a qual seria reconhecido mundialmente em poucos anos. Substituindo o humor corrosivo e absurdo com que salpicava suas obras por um tom menos debochado mas ainda assim não totalmente desprovido de ironia e sarcasmo (mesmo que bem disfarçado por metáforas visuais e conceituais), o cineasta provou que tinha talento de sobra para sair de sua zona de conforto e buscar mais alcance com as estórias recheadas de personagens deliciosos que habitavam sua mente. O resultado dividiu a crítica, mas hoje, mais de duas décadas depois de seu lançamento, pode ser considerado, sem dúvida, um de seus filmes mais importantes.
segunda-feira
NO MUNDO DA LUA
NO
MUNDO DA LUA (The man in the moon, 1991, MGM Pictures, 99min) Direção:
Robert Mulligan. Roteiro: Jenny Wingfield. Fotografia: Freddie Francis.
Montagem: Trudy Ship. Música: James Newton Howard. Figurino: Dawni
Saldutti, Peter Saldutti. Direção de arte/cenários: Gene Callahan/Daril
Alder. Produção executiva: William S. Gilmore, Shari Rhodes. Produção:
Mark Rydell. Elenco: Sam Waterston, Tess Harper, Gail Strickland, Reese
Witherspoon, Jason London. Estreia: 30/8/91 (Festival de Deauville)
Em 1971, o cineasta Robert Mulligan conquistou a plateia com a sensível história do primeiro amor de um adolescente dos anos 40 no belo e etéreo "Houve uma vez um verão" - cuja música-tema marcou uma geração inteira. Vinte anos depois, ele novamente voltou seu olhar poético para a descoberta da paixão em "No mundo da lua", um drama simples e delicado que, se não obteve o mesmo resultado nas bilheterias e na crítica, ao menos serviu para lançar uma atriz que se tornaria extremamente popular alguns anos depois: Reese Witherspoon. Com 14 anos de idade à época das filmagens, Witherspoon tomou para si sem medo a responsabilidade de ser o centro de uma história de amor e sofrimento juvenil e acabou se tornando o maior destaque do filme, embalado por uma trilha sonora na voz de Elvis Presley e um tom melancólico que dialoga com delicadeza com o clássico de Mulligan.
De uma cidadezinha litorânea em 1942 a história se desloca para uma região agrária da Louisianna no final da década de 50. Sai um adolescente tímido sedento por perder a virgindade e entra uma menina de 14 anos, Dani Trant, fã de Elvis e curiosa a respeito dos fatos da vida. Seu cotidiano, formado pela escola dominical, ajuda doméstica à mãe grávida pela quarta vez e brincadeiras pelos arredores que incluem mergulhos na propriedade vizinha, é chacoalhado com a chegada da família Foster, amiga de seus pais, que retorna à cidade depois da morte do patriarca. Dani imediatamente se sente atraída pelo filho mais velho dos rapazes, Court (Jason London), de 17 anos, com quem inicia uma amizade hesitante - ela está disposta a experimentar com ele todas as sensações amorosas possíveis, mas ele a considera jovem demais para ele. O relacionamento entre eles - idílico para ela, inconsequente para ele - sofre um baque quando Court se apaixona pela irmã mais velha de Dina, a responsável Maureen (Emily Warfield), que vê nele um rapaz totalmente diferente daqueles machistas e aventureiros com quem vem convivendo desde sempre.
Não há nada em "No mundo da lua" que seja diferente do já visto, mas Robert Mulligan consegue, mais uma vez, transmitir, através de seus personagens e ambientação um estilo de vida e uma época distantes do espectador. A música de James Newton Howard é um dos principais elementos responsáveis por tal êxito, mergulhando o público em um universo bucólico e nostálgico, cercado de natureza e liberdade. O roteiro de certa forma surpreende por deixar de lado assuntos polêmicos como a sexualidade na adolescência, concentrando-se basicamente nas relações familiares da protagonista - carinhosas e até mesmo libertárias, levando-se em conta a situação feminina nos anos 50, especialmente no interior dos EUA. Defendidos por atores de respeito - Sam Waterston e Tess Harper - os pais de Dani servem como um contraponto pacífico em meio ao turbilhão efervescente de hormônios de suas filhas mais velhas, cuja amizade e união são postas a prova quando uma tragédia se anuncia no horizonte.
É difícil não simpatizar com "No mundo da lua", apesar (ou exatamente por causa) de sua falta de grandes ambições. Sua história quase adocicada é contada de maneira sossegada e sem pressa, por um elenco discreto mas bastante eficaz. Jason London constroi um Court Foster encantador, um rapaz obrigado a lidar inesperadamente com as dificuldades da vida depois da morte do pai e Waterston (que fez alguns filmes com Woody Allen) e Harper (que chegou a ser indicada ao Oscar de coadjuvante por "Crimes do coração" (86)) pontuam com discrição o show particular de Reese Witherspoon, que já demonstrava seu carisma em um papel difícil e desafiador. Se nenhum motivo é o suficiente para arriscar uma sessão, só a possibilidade de vê-la em início de carreira - e talvez derramar algumas lágrimas - já seria um bom começo.
Em 1971, o cineasta Robert Mulligan conquistou a plateia com a sensível história do primeiro amor de um adolescente dos anos 40 no belo e etéreo "Houve uma vez um verão" - cuja música-tema marcou uma geração inteira. Vinte anos depois, ele novamente voltou seu olhar poético para a descoberta da paixão em "No mundo da lua", um drama simples e delicado que, se não obteve o mesmo resultado nas bilheterias e na crítica, ao menos serviu para lançar uma atriz que se tornaria extremamente popular alguns anos depois: Reese Witherspoon. Com 14 anos de idade à época das filmagens, Witherspoon tomou para si sem medo a responsabilidade de ser o centro de uma história de amor e sofrimento juvenil e acabou se tornando o maior destaque do filme, embalado por uma trilha sonora na voz de Elvis Presley e um tom melancólico que dialoga com delicadeza com o clássico de Mulligan.
De uma cidadezinha litorânea em 1942 a história se desloca para uma região agrária da Louisianna no final da década de 50. Sai um adolescente tímido sedento por perder a virgindade e entra uma menina de 14 anos, Dani Trant, fã de Elvis e curiosa a respeito dos fatos da vida. Seu cotidiano, formado pela escola dominical, ajuda doméstica à mãe grávida pela quarta vez e brincadeiras pelos arredores que incluem mergulhos na propriedade vizinha, é chacoalhado com a chegada da família Foster, amiga de seus pais, que retorna à cidade depois da morte do patriarca. Dani imediatamente se sente atraída pelo filho mais velho dos rapazes, Court (Jason London), de 17 anos, com quem inicia uma amizade hesitante - ela está disposta a experimentar com ele todas as sensações amorosas possíveis, mas ele a considera jovem demais para ele. O relacionamento entre eles - idílico para ela, inconsequente para ele - sofre um baque quando Court se apaixona pela irmã mais velha de Dina, a responsável Maureen (Emily Warfield), que vê nele um rapaz totalmente diferente daqueles machistas e aventureiros com quem vem convivendo desde sempre.
Não há nada em "No mundo da lua" que seja diferente do já visto, mas Robert Mulligan consegue, mais uma vez, transmitir, através de seus personagens e ambientação um estilo de vida e uma época distantes do espectador. A música de James Newton Howard é um dos principais elementos responsáveis por tal êxito, mergulhando o público em um universo bucólico e nostálgico, cercado de natureza e liberdade. O roteiro de certa forma surpreende por deixar de lado assuntos polêmicos como a sexualidade na adolescência, concentrando-se basicamente nas relações familiares da protagonista - carinhosas e até mesmo libertárias, levando-se em conta a situação feminina nos anos 50, especialmente no interior dos EUA. Defendidos por atores de respeito - Sam Waterston e Tess Harper - os pais de Dani servem como um contraponto pacífico em meio ao turbilhão efervescente de hormônios de suas filhas mais velhas, cuja amizade e união são postas a prova quando uma tragédia se anuncia no horizonte.
É difícil não simpatizar com "No mundo da lua", apesar (ou exatamente por causa) de sua falta de grandes ambições. Sua história quase adocicada é contada de maneira sossegada e sem pressa, por um elenco discreto mas bastante eficaz. Jason London constroi um Court Foster encantador, um rapaz obrigado a lidar inesperadamente com as dificuldades da vida depois da morte do pai e Waterston (que fez alguns filmes com Woody Allen) e Harper (que chegou a ser indicada ao Oscar de coadjuvante por "Crimes do coração" (86)) pontuam com discrição o show particular de Reese Witherspoon, que já demonstrava seu carisma em um papel difícil e desafiador. Se nenhum motivo é o suficiente para arriscar uma sessão, só a possibilidade de vê-la em início de carreira - e talvez derramar algumas lágrimas - já seria um bom começo.
domingo
O PESCADOR DE ILUSÕES
O
PESCADOR DE ILUSÕES (The fisher king, 1991, Columbia Pictures, 137min)
Direção: Terry Gillian. Roteiro: Richard LaGravenese. Fotografia: Roger
Pratt. Montagem: Lesley Walker. Música: George Fenton. Figurino: Beatrix
Pasztor. Direção de arte/cenários: Mel Bourne/Cindy Carr. Produção:
Debra Hill, Lynda Obst. Elenco: Robin Williams, Jeff Bridges, Amanda
Plummer, Mercedes Ruhel, David Hyde Pierce. Estreia: 13/9/91 (Festival
de Toronto)
5 indicações ao Oscar: Ator (Robin Williams), Atriz Coadjuvante (Mercedes Ruehl), Roteiro Original, Trilha Sonora Original, Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Oscar de Atriz Coadjuvante (Mercedes Ruehl)
Vencedor de 2 Golden Globes: Ator Comédia/Musical (Robin Williams), Atriz Coadjuvante (Mercedes Ruehl)
Mendigos. Irresponsabilidade da mídia. Depressão. Solidão. A busca pelo Santo Graal. Não é preciso ser um analista comercial para perceber que elementos tão díspares não são exatamente o que um estúdio cioso de suas finanças procura quando deseja lançar um filme - principalmente quando o diretor escolhido é um ex-integrante de uma trupe inglesa famosa por não deixar pedra sobre pedra quando se trata de retratar a sociedade, o Monthy Python. Por que, então, já que une todos esses ingredientes tão amargos, "O pescador de ilusões" caiu tanto na graça de todo mundo, a ponto de ter sido apontado, já em sua estreia no Festival de Toronto, como um dos mais fortes candidatos ao Oscar do ano? Simplesmente porque a amizade travada entre um radialista caído em desgraça e um mendigo delirante com um passado trágico, dirigida com extrema sensibilidade por Terry Gillian - cujo trabalho anterior, "As aventuras do Barão de Munchausen" (89) deu mais trabalho do que dinheiro - é um daqueles filmes de aquecer o coração, sem que para isso precise apelar para o sentimentalismo ou os clichês. É uma pérola de poesia, uma tragicomédia enfeitada com diálogos preciosos e atuações nunca aquém de espetaculares.
Quando o filme começa, o radialista Jack Lucas (Jeff Bridges, brilhante) está no auge do sucesso com seu programa onde fala pelos cotovelos contra tudo e contra todos. Em vias de assinar um contrato milionário para estrear no cinema, ele acaba vendo seus conselhos irresponsáveis causarem uma tragédia: um de seus ouvintes, menos capacitados a filtrar o que é ironia ou não em seus discursos demagogos, invade um restaurante com uma arma, mata sete pessoas e se suicida em seguida. Três anos depois, Jack está na pior: vive de favor na casa da compreensiva e dedicada namorada, Anne (Mercedes Ruehl, ótima em todas as cenas), a dona de uma locadora de vídeo, está desempregado e passando por uma séria crise de depressão. Uma noite, bêbado e em vias de ser espancado por um grupo de jovens delinquentes (incluindo um iniciante Dan Futterman, que anos depois seria indicado ao Oscar de roteiro adaptado por "Capote"), ele é resgatado por Parry (Robin Williams), um mendigo que, conforme ele fica sabendo a seguir, tem como objetivo na vida resgatar o Santo Graal - o cálice utilizado por Cristo na Última Ceia - da casa de um milionário nova-iorquino. A perspectiva de Jack a respeito de Parry - a quem a princípio considera apenas mais um sem-teto da cidade - se transforma radicalmente, porém, quando ele descobre o passado do excêntrico novo amigo: professor de História renomado e conceituado, ele foi parar nas ruas depois de um período de catatonia provocado pelo assassinato da esposa - justamente pelo ouvinte radical de Jack. Sentindo-se responsável pelo destino de Parry, ele então decide ajudar-lhe a conquistar o coração de sua nova amada, a estranha Lydia (Amanda Plummer).
Fotografado com assustadora competência por Roger Pratt, que encontra beleza e poesia mesmo nos becos mais sujos e perigosos de Nova York, "O pescador de ilusões" tem na sensibilidade um dos seus pontos mais altos: sem preocupar-se com a lógica ou com o realismo, Terry Gillian surpreende o espectador com sequências deslumbrantes e mágicas, como o baile inusitado em meio ao burburinho da estação de metrô da cidade quando Parry vê Lydia passando ou a sui generis reconstituição, em um hospital público, da "Pietá", de Michelangelo, protagonizada por Jack e um mendigo homossexual que tem por hábito imitar números musicais pelas ruas. Esses momentos lúdicos - e aqueles em que Parry precisa enfrentar seu maior medo, um cavaleiro medieval vestido de vermelho que lança fogo pelas ruas - não deixam, no entanto, que o filme perca sua essência totalmente humana. O roteiro de Richard LaGravenese - que concorreu ao Oscar da categoria mas perdeu para o sensacional "Thelma & Louise" - é recheado de bons diálogos, sustentados por personagens sólidos, que conquistam pela veracidade com que transmitem seus sentimentos, por mais bizarros que possam parecer em um primeiro vislumbre. E é seu mérito que nenhum dos quatro protagonistas seja unidimensional, sempre pegando o espectador de surpresa com atitudes raras em uma produção comercial hollywoodiana.
E na verdade, "O pescador de ilusões" pode parecer tudo, menos uma típica produção hollywoodiana. Não fosse pela presença de nomes conhecidos no elenco, como os de Robin Williams (indicado ao Oscar por sua performance) e Jeff Bridges, poderia facilmente passar por um filme europeu, por suas escolhas pouco convencionais de narrativa, por seu visual que foge dos clichês cartões-postais e até mesmo por seu transgressor final feliz, que renega as expectativas construídas para deixar a plateia com um sorriso no rosto, feliz por ter investido pouco mais de duas horas em um dos mais satisfatórios dramas americanos dos anos 90. Um filme praticamente sem erros, é, sem dúvida, a obra-prima da carreira de Terry Gillian.
5 indicações ao Oscar: Ator (Robin Williams), Atriz Coadjuvante (Mercedes Ruehl), Roteiro Original, Trilha Sonora Original, Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Oscar de Atriz Coadjuvante (Mercedes Ruehl)
Vencedor de 2 Golden Globes: Ator Comédia/Musical (Robin Williams), Atriz Coadjuvante (Mercedes Ruehl)
Mendigos. Irresponsabilidade da mídia. Depressão. Solidão. A busca pelo Santo Graal. Não é preciso ser um analista comercial para perceber que elementos tão díspares não são exatamente o que um estúdio cioso de suas finanças procura quando deseja lançar um filme - principalmente quando o diretor escolhido é um ex-integrante de uma trupe inglesa famosa por não deixar pedra sobre pedra quando se trata de retratar a sociedade, o Monthy Python. Por que, então, já que une todos esses ingredientes tão amargos, "O pescador de ilusões" caiu tanto na graça de todo mundo, a ponto de ter sido apontado, já em sua estreia no Festival de Toronto, como um dos mais fortes candidatos ao Oscar do ano? Simplesmente porque a amizade travada entre um radialista caído em desgraça e um mendigo delirante com um passado trágico, dirigida com extrema sensibilidade por Terry Gillian - cujo trabalho anterior, "As aventuras do Barão de Munchausen" (89) deu mais trabalho do que dinheiro - é um daqueles filmes de aquecer o coração, sem que para isso precise apelar para o sentimentalismo ou os clichês. É uma pérola de poesia, uma tragicomédia enfeitada com diálogos preciosos e atuações nunca aquém de espetaculares.
Quando o filme começa, o radialista Jack Lucas (Jeff Bridges, brilhante) está no auge do sucesso com seu programa onde fala pelos cotovelos contra tudo e contra todos. Em vias de assinar um contrato milionário para estrear no cinema, ele acaba vendo seus conselhos irresponsáveis causarem uma tragédia: um de seus ouvintes, menos capacitados a filtrar o que é ironia ou não em seus discursos demagogos, invade um restaurante com uma arma, mata sete pessoas e se suicida em seguida. Três anos depois, Jack está na pior: vive de favor na casa da compreensiva e dedicada namorada, Anne (Mercedes Ruehl, ótima em todas as cenas), a dona de uma locadora de vídeo, está desempregado e passando por uma séria crise de depressão. Uma noite, bêbado e em vias de ser espancado por um grupo de jovens delinquentes (incluindo um iniciante Dan Futterman, que anos depois seria indicado ao Oscar de roteiro adaptado por "Capote"), ele é resgatado por Parry (Robin Williams), um mendigo que, conforme ele fica sabendo a seguir, tem como objetivo na vida resgatar o Santo Graal - o cálice utilizado por Cristo na Última Ceia - da casa de um milionário nova-iorquino. A perspectiva de Jack a respeito de Parry - a quem a princípio considera apenas mais um sem-teto da cidade - se transforma radicalmente, porém, quando ele descobre o passado do excêntrico novo amigo: professor de História renomado e conceituado, ele foi parar nas ruas depois de um período de catatonia provocado pelo assassinato da esposa - justamente pelo ouvinte radical de Jack. Sentindo-se responsável pelo destino de Parry, ele então decide ajudar-lhe a conquistar o coração de sua nova amada, a estranha Lydia (Amanda Plummer).
Fotografado com assustadora competência por Roger Pratt, que encontra beleza e poesia mesmo nos becos mais sujos e perigosos de Nova York, "O pescador de ilusões" tem na sensibilidade um dos seus pontos mais altos: sem preocupar-se com a lógica ou com o realismo, Terry Gillian surpreende o espectador com sequências deslumbrantes e mágicas, como o baile inusitado em meio ao burburinho da estação de metrô da cidade quando Parry vê Lydia passando ou a sui generis reconstituição, em um hospital público, da "Pietá", de Michelangelo, protagonizada por Jack e um mendigo homossexual que tem por hábito imitar números musicais pelas ruas. Esses momentos lúdicos - e aqueles em que Parry precisa enfrentar seu maior medo, um cavaleiro medieval vestido de vermelho que lança fogo pelas ruas - não deixam, no entanto, que o filme perca sua essência totalmente humana. O roteiro de Richard LaGravenese - que concorreu ao Oscar da categoria mas perdeu para o sensacional "Thelma & Louise" - é recheado de bons diálogos, sustentados por personagens sólidos, que conquistam pela veracidade com que transmitem seus sentimentos, por mais bizarros que possam parecer em um primeiro vislumbre. E é seu mérito que nenhum dos quatro protagonistas seja unidimensional, sempre pegando o espectador de surpresa com atitudes raras em uma produção comercial hollywoodiana.
E na verdade, "O pescador de ilusões" pode parecer tudo, menos uma típica produção hollywoodiana. Não fosse pela presença de nomes conhecidos no elenco, como os de Robin Williams (indicado ao Oscar por sua performance) e Jeff Bridges, poderia facilmente passar por um filme europeu, por suas escolhas pouco convencionais de narrativa, por seu visual que foge dos clichês cartões-postais e até mesmo por seu transgressor final feliz, que renega as expectativas construídas para deixar a plateia com um sorriso no rosto, feliz por ter investido pouco mais de duas horas em um dos mais satisfatórios dramas americanos dos anos 90. Um filme praticamente sem erros, é, sem dúvida, a obra-prima da carreira de Terry Gillian.
sábado
GAROTOS DE PROGRAMA
GAROTOS
DE PROGRAMA (My own private Idaho, 1991, New Line Cinema, 104min)
Direção: Gus Van Sant. Roteiro: Gus Van Sant, inspirado livremente em
"Henry IV", de William Shakespeare. Fotografia: John Campbell, Eric Alan
Edwards. Montagem: Curtiss Clayton. Música: Bill Stafford. Figurino:
Beatrix Aruna Pasztor. Direção de arte/cenários: David Brisbin/Melissa
Stewart. Produção: Laurie Parker. Elenco: River Phoenix, Keanu Reeves,
James Russo, William Richert, Chiara Caselli, Flea, Udo Kier, Grace
Zabriskie. Estreia: 12/9/91 (Festival de Toronto)
Quando "Garotos de programa" estreou, no Festival de Toronto de 1991, o diretor Gus Van Sant já era um queridinho do mundo do cinema independente, graças ao sucesso de seu filme de estreia, "Drugstore cowboy", que contava as aventuras de um grupo de jovens viciados em drogas que repunham seu estoque assaltando farmácias. Seu filme seguinte, que misturava três projetos que estavam em seu colo sem conseguir levantar voo, conquistou ainda mais a crítica especializada, levando prêmios por festivais mundo afora (Veneza, Toronto, Deauville) e dando a River Phoenix, um de seus protagonistas, o status de grande ator com que ele acenava desde os tempos de "Conta comigo" (86): na pele do prostituto juvenil e narcoléptico Mike Waters, ele foi eleito o melhor ator do Festival de Veneza e levou o prêmio da Sociedade Nacional de Críticos de Cinema, além do Independent Spirit Award do ano. Não é pouca coisa para quem tinha apenas 20 anos de idade durante as filmagens - e que infelizmente morreu tragicamente aos 23 anos, vítima de overdose.
Não é exagero afirmar que o trabalho de Phoenix - discreto, lúdico e comovente - é a maior qualidade de "Garotos de programa", e o que justifica todo o oba-oba em relação ao filme de Van Sant, um retrato mezzo poetico mezzo pé no chão do dia-a-dia de jovens que vendem o corpo para sobreviver nas ruas de Portland, Oregon. Centrando sua trama em dois personagens com passados bastante distintos mas com realidades muito semelhantes, o roteiro do diretor (livremente inspirado em "Henry IV", de Shakespeare) passeia por cenários diversos (Portland, Idaho e até Roma) para contar a história de busca e tentativa de redenção do jovem Mike (papel de Phoenix, que, inspirado, chegou a reescrever uma cena crucial do filme, com o apoio do diretor), rapaz abandonado pela família, narcoléptico (tem crises irrefreáveis de sono em momentos de stress), gay e apaixonado pelo melhor amigo, que acredita que o reencontro com a mãe mudará seu destino. Ele conta com o apoio de Scott Favor (Keanu Reeves), filho de família influente que tornou-se michê como forma de afrontar ao pai - afronta esta que tem data limite para expirar - e insiste em declarar-se heterossexual. Os dois partem em uma odisseia passional, sem lenço nem documento, contando apenas com sua juventude e seus corpos como forma de ganhar dinheiro.
A trama de "Garotos de programa" beira o melodrama barato, com filhos abandonados pela mãe, amores impossíveis, juventude radical contra os convencionalismos arcaicos, mas Van Sant tem o mérito de mesclar com todos esses elementos clássicos uma forma de narrativa criativa e por vezes desconcertante. Em seu universo, capas de revistas direcionadas ao público gay conversam entre si nas bancas onde estão expostas, bêbados de rua declamam Shakespeare e as cenas de sexo são estilizadas a ponto de parecer slides ou fotografias - tanto o ménage-à-trois entre os dois amigos e um milionário alemão vivido pelo sempre bizarro Udo Kier quanto a cena pretensamente tórrida entre Keanu Reeves e uma jovem italiana por quem ele se apaixona, para desespero de Mike, são propositalmente chocantes não pelo que mostram (pouco) mas pela maneira como isso acontece. Essa criatividade de Van Sant é enfatizada constantemente pelos ângulos inusitados de câmera, pelas elipses narrativas que dão ao espectador a mesma sensação de angústia de Mike e pela edição pouco convencional, que borra as fronteiras entre o cinemão comercial americano e o mais puro cinema independente - que pouco depois seria desvirtuado em função de objetivos comerciais até pelo próprio diretor (que se venderia à indústria com filmes com "Gênio indomável" (87)). Essa importância, a de dar voz a um cinema realmente desvinculado dos grandes estúdios americanos, ninguém pode tirar do filme, por mais que ele possa desagradar parte da plateia.
Sem fixar-se em assuntos polêmicos, como a prostituição masculina em si - tornada cômica em determinadas sequências, diretas em outra, mas nunca mostrada como uma condição degradante ou vitimizadora, o que por si só já é um mérito inegável - "Garotos de programa" trata seus personagens com carinho, ainda que por vezes lhes dê uma considerável carga de dramas pessoais para carregar em suas costas frágeis. A interpretação singela de River Phoenix, especialmente, imprime ao filme uma ternura e uma delicadeza que tiram o peso que o tema poderia lhe infligir, carregando-o de poesia e tristeza. O filme de Van Sant pode não ser uma unanimidade por várias razões, mas seu tom melancólico mesmo nos momentos mais leves - somado à atuação de Phoenix e sua coragem em romper com alguns padrões narrativos clássicos - merece ser louvado e respeitado.
Quando "Garotos de programa" estreou, no Festival de Toronto de 1991, o diretor Gus Van Sant já era um queridinho do mundo do cinema independente, graças ao sucesso de seu filme de estreia, "Drugstore cowboy", que contava as aventuras de um grupo de jovens viciados em drogas que repunham seu estoque assaltando farmácias. Seu filme seguinte, que misturava três projetos que estavam em seu colo sem conseguir levantar voo, conquistou ainda mais a crítica especializada, levando prêmios por festivais mundo afora (Veneza, Toronto, Deauville) e dando a River Phoenix, um de seus protagonistas, o status de grande ator com que ele acenava desde os tempos de "Conta comigo" (86): na pele do prostituto juvenil e narcoléptico Mike Waters, ele foi eleito o melhor ator do Festival de Veneza e levou o prêmio da Sociedade Nacional de Críticos de Cinema, além do Independent Spirit Award do ano. Não é pouca coisa para quem tinha apenas 20 anos de idade durante as filmagens - e que infelizmente morreu tragicamente aos 23 anos, vítima de overdose.
Não é exagero afirmar que o trabalho de Phoenix - discreto, lúdico e comovente - é a maior qualidade de "Garotos de programa", e o que justifica todo o oba-oba em relação ao filme de Van Sant, um retrato mezzo poetico mezzo pé no chão do dia-a-dia de jovens que vendem o corpo para sobreviver nas ruas de Portland, Oregon. Centrando sua trama em dois personagens com passados bastante distintos mas com realidades muito semelhantes, o roteiro do diretor (livremente inspirado em "Henry IV", de Shakespeare) passeia por cenários diversos (Portland, Idaho e até Roma) para contar a história de busca e tentativa de redenção do jovem Mike (papel de Phoenix, que, inspirado, chegou a reescrever uma cena crucial do filme, com o apoio do diretor), rapaz abandonado pela família, narcoléptico (tem crises irrefreáveis de sono em momentos de stress), gay e apaixonado pelo melhor amigo, que acredita que o reencontro com a mãe mudará seu destino. Ele conta com o apoio de Scott Favor (Keanu Reeves), filho de família influente que tornou-se michê como forma de afrontar ao pai - afronta esta que tem data limite para expirar - e insiste em declarar-se heterossexual. Os dois partem em uma odisseia passional, sem lenço nem documento, contando apenas com sua juventude e seus corpos como forma de ganhar dinheiro.
A trama de "Garotos de programa" beira o melodrama barato, com filhos abandonados pela mãe, amores impossíveis, juventude radical contra os convencionalismos arcaicos, mas Van Sant tem o mérito de mesclar com todos esses elementos clássicos uma forma de narrativa criativa e por vezes desconcertante. Em seu universo, capas de revistas direcionadas ao público gay conversam entre si nas bancas onde estão expostas, bêbados de rua declamam Shakespeare e as cenas de sexo são estilizadas a ponto de parecer slides ou fotografias - tanto o ménage-à-trois entre os dois amigos e um milionário alemão vivido pelo sempre bizarro Udo Kier quanto a cena pretensamente tórrida entre Keanu Reeves e uma jovem italiana por quem ele se apaixona, para desespero de Mike, são propositalmente chocantes não pelo que mostram (pouco) mas pela maneira como isso acontece. Essa criatividade de Van Sant é enfatizada constantemente pelos ângulos inusitados de câmera, pelas elipses narrativas que dão ao espectador a mesma sensação de angústia de Mike e pela edição pouco convencional, que borra as fronteiras entre o cinemão comercial americano e o mais puro cinema independente - que pouco depois seria desvirtuado em função de objetivos comerciais até pelo próprio diretor (que se venderia à indústria com filmes com "Gênio indomável" (87)). Essa importância, a de dar voz a um cinema realmente desvinculado dos grandes estúdios americanos, ninguém pode tirar do filme, por mais que ele possa desagradar parte da plateia.
Sem fixar-se em assuntos polêmicos, como a prostituição masculina em si - tornada cômica em determinadas sequências, diretas em outra, mas nunca mostrada como uma condição degradante ou vitimizadora, o que por si só já é um mérito inegável - "Garotos de programa" trata seus personagens com carinho, ainda que por vezes lhes dê uma considerável carga de dramas pessoais para carregar em suas costas frágeis. A interpretação singela de River Phoenix, especialmente, imprime ao filme uma ternura e uma delicadeza que tiram o peso que o tema poderia lhe infligir, carregando-o de poesia e tristeza. O filme de Van Sant pode não ser uma unanimidade por várias razões, mas seu tom melancólico mesmo nos momentos mais leves - somado à atuação de Phoenix e sua coragem em romper com alguns padrões narrativos clássicos - merece ser louvado e respeitado.
sexta-feira
MENTES QUE BRILHAM
MENTES
QUE BRILHAM (Little man Tate, 1991, Orion Pictures, 99min) Direção:
Jodie Foster. Roteiro: Scott Frank. Fotografia: Mike Southon. Montagem:
Lynzee Klingman. Música: Mark Isham. Figurino: Susan Lyall. Direção de
arte/cenários: Jon Hutman/Sam Schaffer. Produção executiva: Randy Stone.
Produção: Peggy Rajski, Scott Rudin. Elenco: Jodie Foster, Dianne
Wiest, Adam Hann-Byrd, Harry Connick Jr., David Hyde Pierce, Debi Mazar,
Celia Weston. Estreia: 06/9/91 (Festival de Toronto)
Sendo uma atriz que desde a mais tenra infância foi obrigada a lidar com as benesses e os malefícios da genialidade, Jodie Foster deve ter encontrado especial ressonância na estória do pequeno Fred Tate, criada pelo roteirista Scott Frank. Superdotado mentalmente mas renegado à solidão inerente à sua condição, o pequeno Fred é o protagonista do primeiro filme de Jodie como diretora, o delicado e sensível "Mentes que brilham" - que ela assumiu, aliás, depois que Joe Dante abandonou o barco alegando as famosas diferenças artísticas. Provando que seu talento não se resume a atuar - fato que seus dois Oscar confirmam além de qualquer dúvida - Foster construiu uma pequena história familiar, discreta e sem excessos que reflete com perfeição sua personalidade e inteligência.
Deixando de lado a vaidade que normalmente acompanha a decisão de atores em se tornarem cineastas, Foster não põe o ponto de vista de sua personagem como foco central da trama, preferindo - acertadamente - manter a história em torno de seu pequeno protagonista, interpretado com frescor pelo encantador Adam Hann-Byrd. Aos sete anos de idade, Fred Tate é capaz de escrever poesias, pintar a óleo, tocar piano como um adulto profissional e realizar complicadíssimas equações matemáticas. Como não poderia deixar de ser, tais dons o afastam dos colegas (que o veem como um alienígena) e fazem dele um menino solitário e carente, apesar de manter uma relação calorosa e de extremo amor e afeto com a mãe, a garçonete Dede (vivida pela própria Jodie), que o criou sozinha desde seu nascimento. Sua inteligência acima da média acaba chamando a atenção de Jane Grierson (Dianne Wiest), uma médica que convida o garotinho para conviver com outras crianças semelhantes a ele em um programa direcionado à crianças superdotadas. Sabendo que é incapaz de prover ao filho um ambiente que lhe faça crescer ainda mais intelectualmente, Dede acaba cedendo, mas o menino percebe que o que sobra em sua mãe - amor, carinho, dedicação - falta em Jane, que, apesar de brilhante, não construiu à sua volta uma rede saudável de relacionamentos emocionais.
Sem querer impor nenhum tipo de verdade absoluta, o roteiro de "Mentes que brilham" expõe todas as dificuldades enfrentadas por Tate em sua trajetória de maneira lúdica, quase carinhosa. O olhar tristonho de Hann-Byrd fala mais do que páginas inteiras de diálogo, e Foster o capta com delicadeza, levando a plateia para dentro de sua alma torturada pelo desejo de ser uma criança normal, com amigos, uma festa de aniversário bem-sucedida, brincadeiras tolas e conversas prosaicas. Essa dualidade é bem representada pela construção sólida das protagonistas adultas do filme, interpretadas com a maestria de sempre por Jodie e Dianne Wiest. Enquanto Dede não sabe nem ao menos o número de teclas de um piano e prefere dançar com o filho ao invés de ler um livro, ao menos ela consegue lhe dar conforto e a sensação de segurança emocional de que ele precisa. Já Jane, sóbria em roupas elegantes e modos polidos, sabia tocar violino desde a infância, escreveu vários livros e dedica seus dias a exercitar em jovens os dons que eles possuem, mas é mutilada emocionalmente, tendo tido uma relação distante com os pais e uma incapacidade flagrante de ser espontânea e verdadeira.
Tendo estreado em meio a uma grave crise da Orion Pictures - que o escolheu em detrimento de "Céu azul", de Tony Richardson, uma vez que era impossível lançar os dois no mesmo ano e o estúdio estava em meio à sua bem-sucedida campanha para dar a Jodie Foster seu segundo Oscar, por "O silêncio dos inocentes" - "Mentes que brilham" colecionou críticas extremamente positivas, uma bilheteria nada desprezível em se tratando de uma obra com poucas ambições comerciais e um prestígio que poucos diretores conseguem alcançar em um primeiro trabalho (e prestígio dura bem mais do que meia dúzia de Oscar, que o diga Kevin "Dança com lobos" Costner). Uma pena que, mesmo com tanto sucesso, a diretora Jodie Foster seja ainda tão bissexta - depois deste, ela voltou para trás das câmeras apenas com "Feriados em família" (95) e o estranho e não tão bom "Um novo despertar" (2011). Que seu retorno seja rápido.
Sendo uma atriz que desde a mais tenra infância foi obrigada a lidar com as benesses e os malefícios da genialidade, Jodie Foster deve ter encontrado especial ressonância na estória do pequeno Fred Tate, criada pelo roteirista Scott Frank. Superdotado mentalmente mas renegado à solidão inerente à sua condição, o pequeno Fred é o protagonista do primeiro filme de Jodie como diretora, o delicado e sensível "Mentes que brilham" - que ela assumiu, aliás, depois que Joe Dante abandonou o barco alegando as famosas diferenças artísticas. Provando que seu talento não se resume a atuar - fato que seus dois Oscar confirmam além de qualquer dúvida - Foster construiu uma pequena história familiar, discreta e sem excessos que reflete com perfeição sua personalidade e inteligência.
Deixando de lado a vaidade que normalmente acompanha a decisão de atores em se tornarem cineastas, Foster não põe o ponto de vista de sua personagem como foco central da trama, preferindo - acertadamente - manter a história em torno de seu pequeno protagonista, interpretado com frescor pelo encantador Adam Hann-Byrd. Aos sete anos de idade, Fred Tate é capaz de escrever poesias, pintar a óleo, tocar piano como um adulto profissional e realizar complicadíssimas equações matemáticas. Como não poderia deixar de ser, tais dons o afastam dos colegas (que o veem como um alienígena) e fazem dele um menino solitário e carente, apesar de manter uma relação calorosa e de extremo amor e afeto com a mãe, a garçonete Dede (vivida pela própria Jodie), que o criou sozinha desde seu nascimento. Sua inteligência acima da média acaba chamando a atenção de Jane Grierson (Dianne Wiest), uma médica que convida o garotinho para conviver com outras crianças semelhantes a ele em um programa direcionado à crianças superdotadas. Sabendo que é incapaz de prover ao filho um ambiente que lhe faça crescer ainda mais intelectualmente, Dede acaba cedendo, mas o menino percebe que o que sobra em sua mãe - amor, carinho, dedicação - falta em Jane, que, apesar de brilhante, não construiu à sua volta uma rede saudável de relacionamentos emocionais.
Sem querer impor nenhum tipo de verdade absoluta, o roteiro de "Mentes que brilham" expõe todas as dificuldades enfrentadas por Tate em sua trajetória de maneira lúdica, quase carinhosa. O olhar tristonho de Hann-Byrd fala mais do que páginas inteiras de diálogo, e Foster o capta com delicadeza, levando a plateia para dentro de sua alma torturada pelo desejo de ser uma criança normal, com amigos, uma festa de aniversário bem-sucedida, brincadeiras tolas e conversas prosaicas. Essa dualidade é bem representada pela construção sólida das protagonistas adultas do filme, interpretadas com a maestria de sempre por Jodie e Dianne Wiest. Enquanto Dede não sabe nem ao menos o número de teclas de um piano e prefere dançar com o filho ao invés de ler um livro, ao menos ela consegue lhe dar conforto e a sensação de segurança emocional de que ele precisa. Já Jane, sóbria em roupas elegantes e modos polidos, sabia tocar violino desde a infância, escreveu vários livros e dedica seus dias a exercitar em jovens os dons que eles possuem, mas é mutilada emocionalmente, tendo tido uma relação distante com os pais e uma incapacidade flagrante de ser espontânea e verdadeira.
Tendo estreado em meio a uma grave crise da Orion Pictures - que o escolheu em detrimento de "Céu azul", de Tony Richardson, uma vez que era impossível lançar os dois no mesmo ano e o estúdio estava em meio à sua bem-sucedida campanha para dar a Jodie Foster seu segundo Oscar, por "O silêncio dos inocentes" - "Mentes que brilham" colecionou críticas extremamente positivas, uma bilheteria nada desprezível em se tratando de uma obra com poucas ambições comerciais e um prestígio que poucos diretores conseguem alcançar em um primeiro trabalho (e prestígio dura bem mais do que meia dúzia de Oscar, que o diga Kevin "Dança com lobos" Costner). Uma pena que, mesmo com tanto sucesso, a diretora Jodie Foster seja ainda tão bissexta - depois deste, ela voltou para trás das câmeras apenas com "Feriados em família" (95) e o estranho e não tão bom "Um novo despertar" (2011). Que seu retorno seja rápido.
quinta-feira
VOLTAR A MORRER
VOLTAR
A MORRER (Dead again, 1991, Paramount Pictures, 107min) Direção:
Kenneth Branagh. Roteiro: Scott Frank. Fotografia: Matthew F. Leonetti.
Montagem: Peter E. Berger. Música: Patrick Doyle. Figurino: Phyllis
Dalton. Direção de arte/cenários: Tim Harvey/Jerry Adams. Produção
executiva: Sydney Pollack. Produção: Lindsay Doran, Charles H. Maguire.
Elenco: Kenneth Branagh, Emma Thompson, Derek Jacobi, Andy Garcia, Robin
Williams, Hanna Schygulla, Campbel Scott, Wayne Knight. Estreia:
30/8/91
Em 1990 o cineasta irlandês Kenneth Branagh pegou o mundo de surpresa com sua visceral adaptação cinematográfica de "Henry V", de Shakespeare, pela qual foi indicado aos Oscar de ator e direção. Sua estreia nos auspícios do cinema hollywoodiano, então, surpreendeu ainda mais: quando todos esperavam uma nova versão para as telas da obra do bardo - coisa que ele faria posteriormente com o solar "Muito barulho por nada" (93) e o sublime "Hamlet" (96) - o jovem cineasta, então com meros 30 anos de idade resolveu brincar de Hitchcock. Com base em um roteiro do também jovem Scott Frank, Branagh apresentou à audiência o intrigante "Voltar a morrer", um suspense clássico com pitadas de espiritualidade - em voga desde o impressionante êxito de "Ghost, do outro lado da vida" (90), coincidentemente ou não produzido pela mesma Paramount Pictures - e um tom de seriedade sublinhado pela trilha sonora de Patrick Doyle e pelo genial elenco, que mesclava grandes atores ingleses (como a então sra. Branagh, Emma Thompson e o veterano Derek Jacobi), a musa alemã Hannah Schygulla e os hollywoodianos Robin Williams e Andy Garcia.
Não é preciso acreditar em vidas passadas e reencarnação para se envolver com a trama de "Voltar a morrer", mas é bom que se mantenha a mente aberta para melhor usufruir de todas as surpresas do filme, que começa como um policial típico dos anos 90 para depois seguir uma trilha com ecos metafísicos que funcionam com perfeição à trama - e lhe dão o molho especial que o destaca entre seus congêneres: tudo se passa em Los Angeles, quando o detetive Mike Church (Branagh com um convincente sotaque americano) é procurado pelo orfanato onde foi criado para investigar a identidade de uma mulher encontrada vagando muda pelas ruas da cidade (Emma Thompson). A contragosto - mas de certa forma atraído pela desconhecida, Church acaba postando um anúncio de jornal em busca de informações a seu respeito. Quem chega até seu apartamento é o misterioso Franklyn Madson (Derek Jacobi), dono de um antiquário que também trabalha como hipnotista e se oferece para, através de sessões em sua casa, tentar descobrir a identidade da desmemoriada. Durante uma dessas sessões, ele descobre que ela é a reencarnação de Margaret Strauss (também Thompson), música que, quarenta anos antes, foi assassinada a tesouradas pelo marido, o maestro europeu Roman (novamente Branagh).
Convencidos por Cozy Carlisle (Robin Williams) - um psiquiatra que teve seus direitos de exercer a profissão cassados por dormir com suas pacientes - de que seu reencontro na década de 90 tem a ver com as teorias de reencarnação, Church e Grace (o nome real da artista plástica, que tem a identidade recuperada através de investigações mais profundas do detetive) chegam à conclusão de que são, na verdade, a nova vida do casal Strauss, que, no final da década de 40, estampou as manchetes dos jornais com seu sangrento final - ela assassinada, ele condenado à morte. Certa de que Church está disposto a matá-la como forma de reviver o passado, Grace se afasta dele, mas uma reviravolta muda todo o jogo quando novas cartas são postas na mesa - e Church consegue localizar Gray Baker (Andy Garcia), o jornalista que de certa forma foi o pivô da tragédia e testemunhou os últimos momentos do maestro.
Mesmo que não fique tão à vontade dirigindo um thriller quanto o faz no comando de uma obra shakespereana, não dá para negar que Branagh acertou na maior parte de suas escolhas. Ainda que o roteiro por vezes o obrigue a apelar para os mais deslavados clichês - o clímax do final, por exemplo, incomoda por fugir do registro discreto e elegante que o filme vinha adotando - o cineasta consegue impor seu bom-gosto em sequências recheadas de um suspense que surge da sugestão e do clima enfatizado pela bela fotografia de Matthew F. Leonetti - sensual e sinistra no preto-e-branco do passado e quente e luminosa no colorido do presente. Ao contar duas histórias em tempos distintos que se cruzam pela força do destino - ou carma, ou talento do roteirista - Branagh conduz a plateia por um labirinto de lembranças sufocadas, por antiquários claustrofóbicos e por mistérios que deveriam manter-se sepultados, explorando, para isso, todos os artifícios que o bom cinema pode proporcionar.
Hitchcock teria orgulho, por exemplo, de todas as cenas (desprovidas de cores) que mostram os antecedentes do violento assassinato na mansão Strauss: a câmera passeia pelo suntuoso cenário, onde festas e reuniões escondem segredos e possíveis adultérios por trás de seu véu de sofisticação. São nesses momentos que Branagh mostra o requinte de sua direção, acompanhando lentamente seus personagens rumo ao abismo - é sensacional, por exemplo, a cena em que Strauss e Gray Baker conversam, antes da morte do maestro, sob um clima construído delicadamente com música, fotografia e atuações excepcionais. Tal cuidado se reflete também na escalação do elenco coadjuvante: não existe um único personagem da trama que não mereça do cineasta a atenção necessária, deixando claro que Branagh é um grande diretor de atores mesmo quando não está diante do material ideal. Sua brincadeira de Hichcock pode não ter sido perfeita, mas alcançou notas muito superiores a gente bem mais experiente no assunto. Um ótimo jogo de gato-e-rato, que, descontando-se alguns pecadilhos, é muito superior à média.
Em 1990 o cineasta irlandês Kenneth Branagh pegou o mundo de surpresa com sua visceral adaptação cinematográfica de "Henry V", de Shakespeare, pela qual foi indicado aos Oscar de ator e direção. Sua estreia nos auspícios do cinema hollywoodiano, então, surpreendeu ainda mais: quando todos esperavam uma nova versão para as telas da obra do bardo - coisa que ele faria posteriormente com o solar "Muito barulho por nada" (93) e o sublime "Hamlet" (96) - o jovem cineasta, então com meros 30 anos de idade resolveu brincar de Hitchcock. Com base em um roteiro do também jovem Scott Frank, Branagh apresentou à audiência o intrigante "Voltar a morrer", um suspense clássico com pitadas de espiritualidade - em voga desde o impressionante êxito de "Ghost, do outro lado da vida" (90), coincidentemente ou não produzido pela mesma Paramount Pictures - e um tom de seriedade sublinhado pela trilha sonora de Patrick Doyle e pelo genial elenco, que mesclava grandes atores ingleses (como a então sra. Branagh, Emma Thompson e o veterano Derek Jacobi), a musa alemã Hannah Schygulla e os hollywoodianos Robin Williams e Andy Garcia.
Não é preciso acreditar em vidas passadas e reencarnação para se envolver com a trama de "Voltar a morrer", mas é bom que se mantenha a mente aberta para melhor usufruir de todas as surpresas do filme, que começa como um policial típico dos anos 90 para depois seguir uma trilha com ecos metafísicos que funcionam com perfeição à trama - e lhe dão o molho especial que o destaca entre seus congêneres: tudo se passa em Los Angeles, quando o detetive Mike Church (Branagh com um convincente sotaque americano) é procurado pelo orfanato onde foi criado para investigar a identidade de uma mulher encontrada vagando muda pelas ruas da cidade (Emma Thompson). A contragosto - mas de certa forma atraído pela desconhecida, Church acaba postando um anúncio de jornal em busca de informações a seu respeito. Quem chega até seu apartamento é o misterioso Franklyn Madson (Derek Jacobi), dono de um antiquário que também trabalha como hipnotista e se oferece para, através de sessões em sua casa, tentar descobrir a identidade da desmemoriada. Durante uma dessas sessões, ele descobre que ela é a reencarnação de Margaret Strauss (também Thompson), música que, quarenta anos antes, foi assassinada a tesouradas pelo marido, o maestro europeu Roman (novamente Branagh).
Convencidos por Cozy Carlisle (Robin Williams) - um psiquiatra que teve seus direitos de exercer a profissão cassados por dormir com suas pacientes - de que seu reencontro na década de 90 tem a ver com as teorias de reencarnação, Church e Grace (o nome real da artista plástica, que tem a identidade recuperada através de investigações mais profundas do detetive) chegam à conclusão de que são, na verdade, a nova vida do casal Strauss, que, no final da década de 40, estampou as manchetes dos jornais com seu sangrento final - ela assassinada, ele condenado à morte. Certa de que Church está disposto a matá-la como forma de reviver o passado, Grace se afasta dele, mas uma reviravolta muda todo o jogo quando novas cartas são postas na mesa - e Church consegue localizar Gray Baker (Andy Garcia), o jornalista que de certa forma foi o pivô da tragédia e testemunhou os últimos momentos do maestro.
Mesmo que não fique tão à vontade dirigindo um thriller quanto o faz no comando de uma obra shakespereana, não dá para negar que Branagh acertou na maior parte de suas escolhas. Ainda que o roteiro por vezes o obrigue a apelar para os mais deslavados clichês - o clímax do final, por exemplo, incomoda por fugir do registro discreto e elegante que o filme vinha adotando - o cineasta consegue impor seu bom-gosto em sequências recheadas de um suspense que surge da sugestão e do clima enfatizado pela bela fotografia de Matthew F. Leonetti - sensual e sinistra no preto-e-branco do passado e quente e luminosa no colorido do presente. Ao contar duas histórias em tempos distintos que se cruzam pela força do destino - ou carma, ou talento do roteirista - Branagh conduz a plateia por um labirinto de lembranças sufocadas, por antiquários claustrofóbicos e por mistérios que deveriam manter-se sepultados, explorando, para isso, todos os artifícios que o bom cinema pode proporcionar.
Hitchcock teria orgulho, por exemplo, de todas as cenas (desprovidas de cores) que mostram os antecedentes do violento assassinato na mansão Strauss: a câmera passeia pelo suntuoso cenário, onde festas e reuniões escondem segredos e possíveis adultérios por trás de seu véu de sofisticação. São nesses momentos que Branagh mostra o requinte de sua direção, acompanhando lentamente seus personagens rumo ao abismo - é sensacional, por exemplo, a cena em que Strauss e Gray Baker conversam, antes da morte do maestro, sob um clima construído delicadamente com música, fotografia e atuações excepcionais. Tal cuidado se reflete também na escalação do elenco coadjuvante: não existe um único personagem da trama que não mereça do cineasta a atenção necessária, deixando claro que Branagh é um grande diretor de atores mesmo quando não está diante do material ideal. Sua brincadeira de Hichcock pode não ter sido perfeita, mas alcançou notas muito superiores a gente bem mais experiente no assunto. Um ótimo jogo de gato-e-rato, que, descontando-se alguns pecadilhos, é muito superior à média.
quarta-feira
NOSSO QUERIDO BOB
NOSSO
QUERIDO BOB (What about Bob?, 1991, Touchstone Pictures, 99min )
Direção: Frank Oz. Roteiro: Tom Schulman. Fotografia: Michael Ballhaus.
Montagem: Anne V. Coates. Música: Miles Goodman. Figurino: Bernie
Pollack. Direção de arte/cenários: Les Dilley/Anne Kuljian. Produção:
Laura Ziskin. Elenco: Bill Murray, Richard Dreyfuss, Julie Hagerty,
Charlie Korsmo, Kathryn Erbe, Tom Aldredge, Susan Willis. Estreia:
15/5/91
Um homem com sérios problemas psicológicos, incapaz de tomar a mais simples das decisões e abandonado até pelo próprio analista, começa um tratamento com um novo psiquiatra, reconhecido nacionalmente e autor de um livro em vias de tornar-se um best-seller. Quando toma conhecimento que o médico está saindo de férias, ele resolve perseguí-lo até sua casa de campo, utilizando-se de mentiras e artifícios nem sempre honestos para descobrí-lo e sua família. Sua intenção é uma só: obrigar-lhe a manter o tratamento a qualquer custo. Essa sinopse, lida a frio, pode servir a um belo suspense (lembra até o apavorante "Cabo do medo", de Martin Scorsese) ou a um drama comovente. Estrelado por Bill Murray na pele do dependente e psicótico paciente, porém, não chega a ser surpresa que "Nosso querido Bob" seja uma comédia. E, dirigida por um especialista do gênero, Frank Oz, uma das boas. Sucesso de bilheteria (rendeu mais de 60 milhões somente no mercado doméstico), marcou um período de grande popularidade para Murray nos EUA - que chegaria ao auge com o mega êxito de "Feitiço do tempo", em 1993.
Um dos grandes golpes de mestre do filme foi a escalação de Richard Dreyfuss para viver o ególatra Leo Marvin, o psiquiatra arrogante que tem sua vida virada pelo avesso pelo carente Bob Wiley, em uma brilhante atuação de Bill Murray. Ficando com o papel que esteve entre Patrick Stewart e Woody Allen, Dreyfuss faz uso de sua persona de ator sério - ainda que seu ápice, o Oscar por "A garota do adeus" (77), tenha sido por um papel cômico - para contrabalançar os exageros histriônicos de Murray. Tão engraçados quanto os surtos de Bob são as tentativas de Marvin de manter a integridade de sua família de comercial de margarina enquanto o mundo à sua volta praticamente desmorona. Rejeitado até mesmo pelos vizinhos - em especial um casal idoso que tinha esperanças de comprar a propriedade adquirida por ele - Marvin é o protótipo do analista judeu com olhos apenas para o próprio umbigo, e o ator tira de letra a missão, com um timing cômico equivalente ao de Murray, que, como era de se esperar, rouba cada cena como o irritante Bob.
Aliás, o trabalho de Murray como Bob é tão conectado à persona do ator que fica difícil de acreditar que a primeira escolha para o papel era Robin Williams, que saiu fora do projeto por estar terminando as filmagens de "O pescador de ilusões", que lhe renderia uma justa indicação ao Oscar: cada movimento de Murray parece ao mesmo tempo milimetricamente calculado e orgânico, mesmo quando não é o centro da cena. Seu talento valoriza cada diálogo do roteirista Tom Schulman - oscarizado pelo belo "Sociedade dos poetas mortos" (89) - que, por sua vez, não deixa pedra sobre pedra em sua crítica mordaz aos excessos da terapia. O livro de Leo Marvin, "Baby steps", por exemplo, é um deboche claríssimo às dezenas de obras de autoajuda que desde então são o flagelo da literatura médica séria e o próprio médico é uma sátira aos psiquiatras que se acham acima de todo e qualquer mortal. O contraste entre a seriedade de Richard Dreyfuss e o eterno ar aparvalhado de Bill Murray é a pedra fundamental do sucesso da comédia de Oz.
Mesmo que não tenha mudado a história do cinema e não seja um favorito na lista de qualquer cinéfilo, "Nosso querido Bob" tem a seu favor o deboche inteligente do roteiro, o elenco escalado com perfeição, a direção segura de Frank Oz e o senso de oportunidade impecável. Para quem quer rir sem compromisso, é o programa ideal - até mesmo porque as possibilidades de identificação (com o médico ou com o paciente) são bastante grandes.
Um homem com sérios problemas psicológicos, incapaz de tomar a mais simples das decisões e abandonado até pelo próprio analista, começa um tratamento com um novo psiquiatra, reconhecido nacionalmente e autor de um livro em vias de tornar-se um best-seller. Quando toma conhecimento que o médico está saindo de férias, ele resolve perseguí-lo até sua casa de campo, utilizando-se de mentiras e artifícios nem sempre honestos para descobrí-lo e sua família. Sua intenção é uma só: obrigar-lhe a manter o tratamento a qualquer custo. Essa sinopse, lida a frio, pode servir a um belo suspense (lembra até o apavorante "Cabo do medo", de Martin Scorsese) ou a um drama comovente. Estrelado por Bill Murray na pele do dependente e psicótico paciente, porém, não chega a ser surpresa que "Nosso querido Bob" seja uma comédia. E, dirigida por um especialista do gênero, Frank Oz, uma das boas. Sucesso de bilheteria (rendeu mais de 60 milhões somente no mercado doméstico), marcou um período de grande popularidade para Murray nos EUA - que chegaria ao auge com o mega êxito de "Feitiço do tempo", em 1993.
Um dos grandes golpes de mestre do filme foi a escalação de Richard Dreyfuss para viver o ególatra Leo Marvin, o psiquiatra arrogante que tem sua vida virada pelo avesso pelo carente Bob Wiley, em uma brilhante atuação de Bill Murray. Ficando com o papel que esteve entre Patrick Stewart e Woody Allen, Dreyfuss faz uso de sua persona de ator sério - ainda que seu ápice, o Oscar por "A garota do adeus" (77), tenha sido por um papel cômico - para contrabalançar os exageros histriônicos de Murray. Tão engraçados quanto os surtos de Bob são as tentativas de Marvin de manter a integridade de sua família de comercial de margarina enquanto o mundo à sua volta praticamente desmorona. Rejeitado até mesmo pelos vizinhos - em especial um casal idoso que tinha esperanças de comprar a propriedade adquirida por ele - Marvin é o protótipo do analista judeu com olhos apenas para o próprio umbigo, e o ator tira de letra a missão, com um timing cômico equivalente ao de Murray, que, como era de se esperar, rouba cada cena como o irritante Bob.
Aliás, o trabalho de Murray como Bob é tão conectado à persona do ator que fica difícil de acreditar que a primeira escolha para o papel era Robin Williams, que saiu fora do projeto por estar terminando as filmagens de "O pescador de ilusões", que lhe renderia uma justa indicação ao Oscar: cada movimento de Murray parece ao mesmo tempo milimetricamente calculado e orgânico, mesmo quando não é o centro da cena. Seu talento valoriza cada diálogo do roteirista Tom Schulman - oscarizado pelo belo "Sociedade dos poetas mortos" (89) - que, por sua vez, não deixa pedra sobre pedra em sua crítica mordaz aos excessos da terapia. O livro de Leo Marvin, "Baby steps", por exemplo, é um deboche claríssimo às dezenas de obras de autoajuda que desde então são o flagelo da literatura médica séria e o próprio médico é uma sátira aos psiquiatras que se acham acima de todo e qualquer mortal. O contraste entre a seriedade de Richard Dreyfuss e o eterno ar aparvalhado de Bill Murray é a pedra fundamental do sucesso da comédia de Oz.
Mesmo que não tenha mudado a história do cinema e não seja um favorito na lista de qualquer cinéfilo, "Nosso querido Bob" tem a seu favor o deboche inteligente do roteiro, o elenco escalado com perfeição, a direção segura de Frank Oz e o senso de oportunidade impecável. Para quem quer rir sem compromisso, é o programa ideal - até mesmo porque as possibilidades de identificação (com o médico ou com o paciente) são bastante grandes.
terça-feira
ALUCINAÇÕES DO PASSADO
ALUCINAÇÕES
DO PASSADO (Jacob's ladder, 1990, Carolco Films, 113min) Direção:
Adrian Lyne. Roteiro: Bruce Joel Rubin. Fotografia: Jeffrey L. Kimball.
Montagem: Tom Rolfe. Música: Maurice Jarre. Figurino: Ellen Mirojnick.
Direção de arte/cenários: Brian Morris/Kathleen Dolan. Produção
executiva: Mario Kassar, Andrew Vajna. Produção: Alan Marshall. Elenco:
Tim Robbins, Elizabeth Peña, Danny Aiello, Matt Craven, Pruitt Taylor
Vince, Jason Alexander, Patricia Kalember, Eriq La Salle, Ving Rhames.
Estreia: 02/11/90
Não deixa de ser interessante que um dos filmes mais corajosos, assustadores e surpreendentes de 1990 - e por consequência totalmente ignorado pelas cerimônias de premiação e até pelo público que lotava as salas de cinema para assistir a produções leves como "Esqueceram de mim" e "Uma linda mulher" - tenha sido dirigido por um cineasta até então massacrado e desacreditado quase unanimemente pela crítica, o inglês Adrian Lyne. Autor de filmes tão populares quanto desprezados pelos especialistas como "Flashdance" (84), "9 1/2 semanas de amor" (86) e "Atração fatal" (87) - pelo qual foi surpreendentemente indicado a um Oscar - Lyne saiu da publicidade para transformar-se em sinônimo de filmes rápidos, de estética moderna e pouco afeitos a detalhes como roteiro. Por isso, quando "Alucinações do passado" - escrito pelo mesmo Bruce Joel Rubin que viu seu "Ghost, do outro lado da vida" ganhar milhares de espectadores e uma estatueta da Academia - estreou, no final do ano, todo mundo que havia virado a cara para suas produções anteriores teve que repensar suas convicções. Denso, cruel, poético e intrigante, o conto de horror estrelado por Tim Robbins mistura paranoia militar, suspense e espiritualidade em um conjunto hipnotizante que é - e provavelmente sempre será - o melhor trabalho de seu diretor.
As primeiras tomadas, de uma emboscada na Guerra do Vietnã, podem dar a impressão de tratar-se de mais um capítulo da leva de filmes sobre o assunto tornados moda desde que Oliver Stone levou seus Oscar por "Platoon" (86) e "Nascido em 4 de julho" (89), mas esse é apenas o primeiro erro dos espectadores menos pacientes: é esse episódio no conflito oriental que está o cerne de toda a torturante trajetória posterior do protagonista, Jacob Singer (Tim Robbins em atuação espetacular), que já na cena seguinte está em Nova York, anos mais tarde, trabalhando em uma agência de correios. Separado da primeira mulher e ainda lamentando a morte do filho pequeno - ocorrida ainda antes de sua viagem para a guerra - Jacob vive no apartamento da nova namorada, Jezzie (Elizabeth Peña) e, quando o filme começa, está sofrendo de violentas e angustiantes visões que remetem aos piores pesadelos kafkianos. Pessoas sem rosto, humanos com características de répteis e até sonhos constantes com sua antiga vida passam a ser parte de sua rotina. Desesperado, ele é procurado por um grupo de soldados que lhe sugerem a ideia de que todos fizeram parte de um experimento do governo americano durante o Vietnã. Ele parte em busca da verdade, mas será que as coisas são assim tão simples?
Outro fator que surpreende bastante em "Alucinações do passado" é o roteiro de Bruce Joel Rubin, que abdica de toda a delicadeza e o senso de humor presentes em seu "Ghost" para oferecer um banquete de sensações desagradáveis e desconfortáveis que perpassam o caminho de Jacob em direção a seu desfecho. Se no filme estrelado por Patrick Swayze e Demi Moore o plano espiritual parecia pacífico e etéreo - exceto para os vilões, como convém a um produto com ambições mercadológicas - aqui a coisa é bem diferente. Somado à direção firme de Lyne - que se inspirou na obra mórbida de Francis Bacon, William Blake e da fotógrafa Diane Arbus para compor suas cenas mais impactantes - o roteiro de Rubin constroi uma nova faceta para os filmes a respeito de experiências sensoriais. É impressionante como é negada ao público, até seus minutos finais, a possibilidade de um completo entendimento de tudo que se passa em seus 113 minutos. Afinal, o que está se passando com Jacob? É alucinação, como diz o título nacional? São resquícios do experimento do governo? Ele está simplesmente embarcando na loucura tão comum aos soldados veteranos? Ou a explicação é outra, mais corriqueira... e ainda mais apavorante?
"Alucinações do passado" é um triunfo. Tecnicamente é impecável, contando com a fotografia em tons escuros de Jeffrey L. Kimball, a edição ágil de Tom Rolfe e a música nunca invasora de Maurice Jarre. Como suspense é admirável, tanto por seu roteiro corajoso e inteligente quanto pela direção nunca aquém de surpreendente de Adrian Lyne. E seu elenco, liderado pelo ótimo Tim Robbins (que ficou com um papel que por pouco não esteve nas mãos de Tom Hanks, Don Johnson, Mickey Rourke ou Richard Gere), mantém o nível de tensão nas alturas - em especial a participação do sempre estranho e eficaz Pruitt Taylor Vince, como um colega de batalhas do protagonista. Também é louvável seu final, coerente, emocionante e poético, dando ao espectador o alívio buscado durante toda a projeção. Grande filme, que merece ser conhecido. Por causa dele, Lyne pode ser perdoado pelas (muitas) bobagens que já fez na carreira.
Não deixa de ser interessante que um dos filmes mais corajosos, assustadores e surpreendentes de 1990 - e por consequência totalmente ignorado pelas cerimônias de premiação e até pelo público que lotava as salas de cinema para assistir a produções leves como "Esqueceram de mim" e "Uma linda mulher" - tenha sido dirigido por um cineasta até então massacrado e desacreditado quase unanimemente pela crítica, o inglês Adrian Lyne. Autor de filmes tão populares quanto desprezados pelos especialistas como "Flashdance" (84), "9 1/2 semanas de amor" (86) e "Atração fatal" (87) - pelo qual foi surpreendentemente indicado a um Oscar - Lyne saiu da publicidade para transformar-se em sinônimo de filmes rápidos, de estética moderna e pouco afeitos a detalhes como roteiro. Por isso, quando "Alucinações do passado" - escrito pelo mesmo Bruce Joel Rubin que viu seu "Ghost, do outro lado da vida" ganhar milhares de espectadores e uma estatueta da Academia - estreou, no final do ano, todo mundo que havia virado a cara para suas produções anteriores teve que repensar suas convicções. Denso, cruel, poético e intrigante, o conto de horror estrelado por Tim Robbins mistura paranoia militar, suspense e espiritualidade em um conjunto hipnotizante que é - e provavelmente sempre será - o melhor trabalho de seu diretor.
As primeiras tomadas, de uma emboscada na Guerra do Vietnã, podem dar a impressão de tratar-se de mais um capítulo da leva de filmes sobre o assunto tornados moda desde que Oliver Stone levou seus Oscar por "Platoon" (86) e "Nascido em 4 de julho" (89), mas esse é apenas o primeiro erro dos espectadores menos pacientes: é esse episódio no conflito oriental que está o cerne de toda a torturante trajetória posterior do protagonista, Jacob Singer (Tim Robbins em atuação espetacular), que já na cena seguinte está em Nova York, anos mais tarde, trabalhando em uma agência de correios. Separado da primeira mulher e ainda lamentando a morte do filho pequeno - ocorrida ainda antes de sua viagem para a guerra - Jacob vive no apartamento da nova namorada, Jezzie (Elizabeth Peña) e, quando o filme começa, está sofrendo de violentas e angustiantes visões que remetem aos piores pesadelos kafkianos. Pessoas sem rosto, humanos com características de répteis e até sonhos constantes com sua antiga vida passam a ser parte de sua rotina. Desesperado, ele é procurado por um grupo de soldados que lhe sugerem a ideia de que todos fizeram parte de um experimento do governo americano durante o Vietnã. Ele parte em busca da verdade, mas será que as coisas são assim tão simples?
Outro fator que surpreende bastante em "Alucinações do passado" é o roteiro de Bruce Joel Rubin, que abdica de toda a delicadeza e o senso de humor presentes em seu "Ghost" para oferecer um banquete de sensações desagradáveis e desconfortáveis que perpassam o caminho de Jacob em direção a seu desfecho. Se no filme estrelado por Patrick Swayze e Demi Moore o plano espiritual parecia pacífico e etéreo - exceto para os vilões, como convém a um produto com ambições mercadológicas - aqui a coisa é bem diferente. Somado à direção firme de Lyne - que se inspirou na obra mórbida de Francis Bacon, William Blake e da fotógrafa Diane Arbus para compor suas cenas mais impactantes - o roteiro de Rubin constroi uma nova faceta para os filmes a respeito de experiências sensoriais. É impressionante como é negada ao público, até seus minutos finais, a possibilidade de um completo entendimento de tudo que se passa em seus 113 minutos. Afinal, o que está se passando com Jacob? É alucinação, como diz o título nacional? São resquícios do experimento do governo? Ele está simplesmente embarcando na loucura tão comum aos soldados veteranos? Ou a explicação é outra, mais corriqueira... e ainda mais apavorante?
"Alucinações do passado" é um triunfo. Tecnicamente é impecável, contando com a fotografia em tons escuros de Jeffrey L. Kimball, a edição ágil de Tom Rolfe e a música nunca invasora de Maurice Jarre. Como suspense é admirável, tanto por seu roteiro corajoso e inteligente quanto pela direção nunca aquém de surpreendente de Adrian Lyne. E seu elenco, liderado pelo ótimo Tim Robbins (que ficou com um papel que por pouco não esteve nas mãos de Tom Hanks, Don Johnson, Mickey Rourke ou Richard Gere), mantém o nível de tensão nas alturas - em especial a participação do sempre estranho e eficaz Pruitt Taylor Vince, como um colega de batalhas do protagonista. Também é louvável seu final, coerente, emocionante e poético, dando ao espectador o alívio buscado durante toda a projeção. Grande filme, que merece ser conhecido. Por causa dele, Lyne pode ser perdoado pelas (muitas) bobagens que já fez na carreira.
segunda-feira
AJUSTE FINAL
AJUSTE
FINAL (Miller's crossing, 1990, 20th Century Fox, 115min) Direção: Joel
Coen. Roteiro: Joel Coen, Ethan Coen. Fotografia: Barry Sonnenfeld.
Montagem: Michael R. Miller. Música: Carter Burwell. Figurino: Richard
Hornung. Direção de arte/cenários: Dennis Gassner/Nancy Haigh. Produção
executiva: Ben Barenholtz. Produção: Ethan Coen. Elenco: Gabriel Byrne,
Marcia Gay Harden, Albert Finney, John Turturro, J.E. Freeman, Jon
Polito. Estreia: 21/9/90
Durante o processo de escrita do roteiro de "Ajuste final", que viria após de sua auspiciosa estreia com "Gosto de sangue" (84) e da visita à comédia amalucada em "Arizona nunca mais" (87), os irmãos Coen - Joel, o diretor, e Ethan, o produtor - experimentaram uma situação insólita: em determinado ponto, a estória do gângster Tom Regan - regada a tiroteios, traições e a dose sempre presente de humor negro - chegava a um impasse aparentemente insolúvel. Cansados, confusos e com uma falta de ideias até então desconhecido, eles deram um tempo e escreveram um outro filme, justamente sobre um roteirista de Hollywood paralisado por um bloqueio criativo. O filme, "Barton Fink, delírios de Hollywood" (92), acabou saindo-se vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes e recebeu rasgados elogios da crítica. E "Ajuste final", apesar de ter sido praticamente ignorado pelas cerimônias de premiação, conseguiu, em seu resultado final, superar os problemas de falta de inspiração se tornando um espetacular filme de gângster, que mistura o estilo inconfundível dos cineastas com os elementos tradicionais de um dos gêneros mais queridos dos espectadores.
A primeira cena já remete ao mais clássico dos clássicos, "O poderoso chefão" (72), quando um gângster dos anos 30, Johnny Caspar (Jon Polito), pede permissão a outro, Leo (Albert Finney), para matar Bernie Bernbaum (John Turturro), um judeu falastrão e desonesto que anda atrapalhando seus negócios. A sequência, filmada com elegância, dá a partida para a complexa trama: testemunhado por seu lacônico conselheiro Tom Regan (um silencioso e eficiente Gabriel Byrne), Leo se recusa a apoiar Caspar, mas por motivos que nada tem a ver com o submundo do crime: Bernie é irmão da amante de Leo, a sedutora Verna (Marcia Gay Harden), uma mulher pouco confiável, já que, além de Leo, também frequenta a cama de Tom. Esse perigoso triângulo amoroso, incendiado pela presença nociva de Bernie e pelo tom de constante ameaça de Caspar e seu violento capanga, Eddie Dane (J.E. Freeman), vai sofrer constantes reviravoltas, já que confiança é um artigo raro dentro do submundo criminal dos anos 30.
Esplendidamente fotografado pelo futuro cineasta Barry Sonnenfeld, "Ajuste final" é um típico produto em que a aparência chama mais a atenção do que o conteúdo. A trama complexa - por vezes em demasia - é emoldurada por uma reconstituição de época caprichadíssima e uma técnica impressionante, característica que os cineastas levariam como constante em sua vitoriosa carreira. O roteiro (não é de surpreender que tenha confundido os próprios autores) ousa em sua originalidade, misturando sexo, poder e violência em um caldeirão de referências visuais e temáticas, mas acaba, em determinado momento, deixando o espectador perdido com tantos nomes e situações. Esse pequeno detalhe, porém, não basta para anular as inúmeras qualidades do filme, uma extraordinária realização que surpreende por ser recém o terceiro trabalho dos Coen. Sua inexperiência não os impede de alcançar níveis inacreditáveis de excelência, tanto pictoriamente quanto em termos de direção de atores.
Gabriel Byrne nunca esteve tão bem antes, construindo um Tom Regan discreto, cuja raiva vai se acumulando até o limite, em sequências arrepiantes. Albert Finney surpreende como o gângster Leo, que intercala momentos de ternura apaixonada com outros de raiva extrema, e Marcia Gay Harden jamais deixa sua Verna tornar-se previsível aos olhos da plateia. No entanto, é John Turturro, na pele do venal Bernie Bernbaum, quem rouba a cena: sempre que está diante do público, ele monopoliza a atenção, com seus olhos expressivos e seu trabalho milimetricamente detalhado (não foi à toa que ele foi escolhido pelos diretores para viver o protagonista de "Barton Fink", que lhe valeu o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes). Suas sequências - em especial o fantástico duelo com Byrne em uma floresta - são a alma do filme, a prova de que, por trás da intrincada história contada pelos Coen e por seu hipnotizante visual, existe gente que sabe falar de gente. Mesmo que seja uma gente tão distante - em todos os sentidos - do espectador comum.
Durante o processo de escrita do roteiro de "Ajuste final", que viria após de sua auspiciosa estreia com "Gosto de sangue" (84) e da visita à comédia amalucada em "Arizona nunca mais" (87), os irmãos Coen - Joel, o diretor, e Ethan, o produtor - experimentaram uma situação insólita: em determinado ponto, a estória do gângster Tom Regan - regada a tiroteios, traições e a dose sempre presente de humor negro - chegava a um impasse aparentemente insolúvel. Cansados, confusos e com uma falta de ideias até então desconhecido, eles deram um tempo e escreveram um outro filme, justamente sobre um roteirista de Hollywood paralisado por um bloqueio criativo. O filme, "Barton Fink, delírios de Hollywood" (92), acabou saindo-se vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes e recebeu rasgados elogios da crítica. E "Ajuste final", apesar de ter sido praticamente ignorado pelas cerimônias de premiação, conseguiu, em seu resultado final, superar os problemas de falta de inspiração se tornando um espetacular filme de gângster, que mistura o estilo inconfundível dos cineastas com os elementos tradicionais de um dos gêneros mais queridos dos espectadores.
A primeira cena já remete ao mais clássico dos clássicos, "O poderoso chefão" (72), quando um gângster dos anos 30, Johnny Caspar (Jon Polito), pede permissão a outro, Leo (Albert Finney), para matar Bernie Bernbaum (John Turturro), um judeu falastrão e desonesto que anda atrapalhando seus negócios. A sequência, filmada com elegância, dá a partida para a complexa trama: testemunhado por seu lacônico conselheiro Tom Regan (um silencioso e eficiente Gabriel Byrne), Leo se recusa a apoiar Caspar, mas por motivos que nada tem a ver com o submundo do crime: Bernie é irmão da amante de Leo, a sedutora Verna (Marcia Gay Harden), uma mulher pouco confiável, já que, além de Leo, também frequenta a cama de Tom. Esse perigoso triângulo amoroso, incendiado pela presença nociva de Bernie e pelo tom de constante ameaça de Caspar e seu violento capanga, Eddie Dane (J.E. Freeman), vai sofrer constantes reviravoltas, já que confiança é um artigo raro dentro do submundo criminal dos anos 30.
Esplendidamente fotografado pelo futuro cineasta Barry Sonnenfeld, "Ajuste final" é um típico produto em que a aparência chama mais a atenção do que o conteúdo. A trama complexa - por vezes em demasia - é emoldurada por uma reconstituição de época caprichadíssima e uma técnica impressionante, característica que os cineastas levariam como constante em sua vitoriosa carreira. O roteiro (não é de surpreender que tenha confundido os próprios autores) ousa em sua originalidade, misturando sexo, poder e violência em um caldeirão de referências visuais e temáticas, mas acaba, em determinado momento, deixando o espectador perdido com tantos nomes e situações. Esse pequeno detalhe, porém, não basta para anular as inúmeras qualidades do filme, uma extraordinária realização que surpreende por ser recém o terceiro trabalho dos Coen. Sua inexperiência não os impede de alcançar níveis inacreditáveis de excelência, tanto pictoriamente quanto em termos de direção de atores.
Gabriel Byrne nunca esteve tão bem antes, construindo um Tom Regan discreto, cuja raiva vai se acumulando até o limite, em sequências arrepiantes. Albert Finney surpreende como o gângster Leo, que intercala momentos de ternura apaixonada com outros de raiva extrema, e Marcia Gay Harden jamais deixa sua Verna tornar-se previsível aos olhos da plateia. No entanto, é John Turturro, na pele do venal Bernie Bernbaum, quem rouba a cena: sempre que está diante do público, ele monopoliza a atenção, com seus olhos expressivos e seu trabalho milimetricamente detalhado (não foi à toa que ele foi escolhido pelos diretores para viver o protagonista de "Barton Fink", que lhe valeu o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes). Suas sequências - em especial o fantástico duelo com Byrne em uma floresta - são a alma do filme, a prova de que, por trás da intrincada história contada pelos Coen e por seu hipnotizante visual, existe gente que sabe falar de gente. Mesmo que seja uma gente tão distante - em todos os sentidos - do espectador comum.
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