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sexta-feira

AMIGAS PARA SEMPRE

AMIGAS PARA SEMPRE (Beaches, 1988, Touchstone Pictures, 123min) Direção: Garry Marshall. Roteiro: Mary Agnes Donoghue, romance de Iris Rainer Dart. Fotografia: Dante Spinotti. Montagem: Richard Halsey. Música: Georges Delerue. Figurino: Robert De Mora. Direção de arte/cenários: Albert Brenner/Michael Bird, Garrett Lewis. Produção executiva: Teri Schwartz. Produção: Bonnie Bruckheimer-Martell, Bette Midler, Margaret Jennings South. Elenco: Bette Midler, Barbara Hershey, John Heard, Spalding Gray, Lainie Kazan, James Read. Estreia: 21/12/88

Indicado ao Oscar de Direção de Arte/Cenários

Indicada ao Oscar de melhor atriz logo em sua estreia nas telas, com o musical "A rosa" (79), biografia disfarçada de Janis Joplin dirigida por Mark Rydell, Bette Midler tornou-se, na segunda metade da década de 80, sinônimo de sucesso dentro da Touchstone Pictures. Protagonista de três êxitos incontestáveis na sequência - "Um vagabundo na alta roda" (86), "Por favor, matem minha mulher" (86) e "Cuidado com as gêmeas" (88) - ela conquistou as plateias com seu humor histriônico e frequentemente excessivo que deixava de lado seu talento dramático e seus dons musicais. Disposta a mudar esse cenário, ela encontrou no romance "Beaches", de Iris Rainer Dart, o material ideal para voltar a ser lembrada por seus dotes como intérprete séria. Assinando também como produtora, Midler escolheu uma companheira de cena acima de qualquer suspeita - Barbara Hershey, que acabara de ser vista nos cinemas como a Maria Madalena de Scorsese, em "A última tentação de Cristo" (88) - e um cineasta, Garry Marshall, que, apesar de não ter uma personalidade artística das mais marcantes, emplacaria um megasucesso dois anos depois, o romântico "Uma linda mulher" (90). De olho principalmente no público feminino, "Amigas para sempre" não repetiu o mesmo sucesso do filmes anteriores da estrela, mas para os menos exigentes funciona como um bom drama lacrimoso - e que sim, explora todos os seus talentos.

A história, como não poderia deixar de ser, é puro clichê: ainda crianças, em Atlantic City, a mimada e sofisticada Hillary Whitney e a rebelde com vocação artística CC Bloom se conhecem e se tornam amigas, apesar de suas diferenças sociais e de criação. Apesar de distantes fisicamente uma da outra, elas continuam mantendo uma assídua correspondência, até que finalmente, anos mais tarde, se reencontram quando CC (já vivida por Bette Midler) está iniciando uma bem-sucedida carreira nos palcos e Hillary (Barbara Hershey com excesso de botox) dedicando-se a trabalhar como advogada para causas sociais. Elas passam a morar juntas no apartamento decrépito de CC e é justamente seu empresário, John Pierce (John Heard), que irá detonar a primeira crise entre as amigas - que passarão as décadas seguintes em constante instabilidade emocional e profissional, brigando e fazendo as pazes enquanto passam por momentos cruciais de suas vidas. É somente depois que Hillary tem uma filha pequena, no entanto, que o maior problema surge em seu caminho: uma doença rara e incurável que irá por em xeque seu relacionamento.

Com um roteiro bastante superficial, que não explora a contento a profundidade dos sentimentos entre as protagonistas, que passam o filme basicamente brigando e se reconciliando, "Amigas para sempre" é nitidamente um veículo para o brilho de Bette Midler. É ela quem tem as melhores e mais importantes cenas, é ela quem tem a chance de equilibrar momentos dramáticos com sequências cômicas, e, para confirmar seu status de estrela maior, canta em diversos números musicais - alguns interessantes, outros bastante enfadonhos e que atrapalham o ritmo do filme, tornando-o desnecessariamente longo. Hershey, uma atriz de grande capacidade, fica relegada quase sempre a um segundo plano melancólico, sendo desperdiçada com uma personagem mal desenvolvida que serve, aparentemente, como escada para o espetáculo de Midler - que deita e rola mesmo quando sua personagem ultrapassa o limite do suportável, com um egocentrismo que só não a transforma em alguém totalmente desprezível graças ao carisma da atriz, que mesmo assim não agrada a todos. É preciso um mínimo de simpatia por ela para se gostar do filme.

Indicado ao Oscar de direção de arte, "Amigas para sempre" é uma sessão da tarde lacrimosa, mas agradável o suficiente para manter o interesse do público até seus minutos finais, embalados pela bela "Wind beneath my wings", cantada (obviamente) por Bette Midler. Com interessantes referências aos bastidores do mundo do teatro, do cinema e da música, é um filme capaz de emocionar aos mais sensíveis, mesmo que force a barra no terceiro ato, quando substitui a leveza de uma história sobre amizade pelo drama fácil de uma doença terminal. Pode levar às lágrimas, mas é longe de ser inesquecível - e pelo menos deu à Bette Midler a chance de sair um pouco das comédias escrachadas e provar a extensão de seu talento.

segunda-feira

TODAS AS NOITES ÀS NOVE

TODAS AS NOITES ÀS NOVE (Our mother's house, 1967, Filmways/Heron Film Productions, 104min) Direção: Jack Clayton. Roteiro: Jeremy Brooks, Haya Harareet, romance de Julian Gloag. Fotografia: Larry Pizer. Montagem: Tom Priestley. Música: Georges Delerue. Direção de arte/cenários: Reece Pemberton/Ian Whittaker. Produção executiva: Martin Ransohoff. Produção: Jack Clayton. Elenco: Dirk Bogarde, Margaret Lecrere, Pamela Franklin, Louis Sheldon Williams, John Gugolka. Estreia: 09/10/67

Em 1961, o cineasta britânico Jack Clayton honrou a prosa do escritor Henry James com um dos mais assustadores contos de terror da década, o impressionante "Os inocentes", baseado no conto "A volta do parafuso". Seis anos depois, mais uma vez voltou sua atenção para as possibilidades dramáticas e amedrontadoras da infância com um filme perturbador e desconfortável chamado "Todas as noites às nove". Baseado em romance de Julian Gloag e dessa vez sem apelar para o sobrenatural, Clayton construiu uma narrativa frequentemente incômoda, que mergulhava o espectador em um brutal suspense psicológico que tinha como protagonistas um grupo de órfãos excêntricos que, aos poucos, passam da inocência para a violência, catalisada pela presença inesperada de um estranho no ninho. Com uma trama sombria e imprevisível em mãos, Clayton nem precisou de grandes nomes internacionais em seu elenco - apenas Dirk Bogarde era conhecido do grande público, e mesmo assim dificilmente poderia ser considerado um astro de primeira grandeza - para prender a atenção da plateia até seus minutos finais. E boa parte desse êxito vem do elenco infantil, coeso e intenso como necessário.

A trama de "Todas as noites às nove" começa com a morte da religiosa e frágil matriarca da família Hook, que vive em uma espaçosa localizada em Londres. Sua morte, depois de um longo tempo de doença, não chega a surpreender suas sete crianças, que vivem sem a presença do pai, que as abandonou há muito tempo. Temendo que, sendo órfãos, sejam separados e levados para instituições diferentes, os irmãos resolvem, então, esconder a morte da mãe, enterrando seu corpo no jardim, demitindo a empregada, Sra. Quayle (Yootha Joyce), e fingindo levar uma vida normal. Falsificando a assinatura da responsável pela casa em seus cheques e frequentando rotineiramente as aulas, as crianças ainda conseguem comunicação com a falecida através de mensagens que ela manda por intermédio de uma das filhas mais velhas, Diana (Pamela Franklin). É lógico que algumas pessoas começam a desconfiar da situação, mas o inesperado retorno do pai da família, Charlie (Dirk Bogarde), põe tudo nos devidos lugares - ao menos externamente, já que sua volta irá acarretar ainda mais problemas e conflitos dentro do casarão. Inconsequente, beberrão e mulherengo, Charlie aos poucos passa a mandar no dia-a-dia do clã, o que passa a incomodar aos antigos líderes: os filhos mais velhos.


Competente em dirigir crianças - como bem comprovado em "Os inocentes" - Jack Clayton escolheu a dedo um elenco infanto-juvenil, sabendo que seriam os atores mirins que dariam consistência ao filme apesar da experiência e do nome de Bogarde. Dos sete atores principais, poucos seguiram uma carreira de sucesso na vida adulta, e mesmo assim, com sucesso apenas relativo - Pamela Franklin, que interpretou Diana, a irmã que conseguia comunicar-se com a mãe morta, marcou presença no elenco de produções importantes como "Primavera de uma solteirona" (69) e "A casa da noite eterna" (73), e Mark Lester, o gago Jiminee, que falsificava a assinatura da morta para descontar seus cheques, assumiu a protagonização do oscarizado "Oliver" (68), mas abandonou as telas no início da década de 80. Mesmo assim, é impressionante a coesão atingida por Clayton, que faz grandes intérpretes de todos os pequenos atores, tanto nos momentos mais emotivos quanto nas cenas de maior tensão: a primeira parte do filme, quando aparentemente as mensagens do além querem dominar a família, é repleta de uma tensão constante e sutil, e é surpreendente a entrega de todo o elenco.

Com um visual obviamente um tanto datado - desde a fotografia até o figurino deixam claro sua origem sessentista - "Todas as noites às nove" é um típico filme cult, capaz de agradar em cheio aos espectadores que procuram por obras de suspense que não se escoram em sangue ou vísceras. Mesmo que por vezes dê a impressão de parecer muito mais lento do que precisa, é uma produção inteligente e dotada de sutileza, além de abrir espaço para discussões sobre poder e submissão. Não é uma obra-prima como "Os inocentes", mas tem clima, tensão e uma dose extra de desconforto com que muitas produções atuais nem sequer pensam em transmitir, além de mais uma grande atuação de Dirk Bogarde, um dos atores mais subestimados de sua geração. Vale a pena a experiência!

domingo

SILKWOOD, O RETRATO DE UMA CORAGEM

SILKWOOD, O RETRATO DE UMA CORAGEM (Silkwood, 1983, ABC Motion Picture, 131min) Direção: Mike Nichols. Roteiro: Nora Ephron, Alice Arlen. Fotografia: Miroslav Ondricek. Montagem: Sam O'Steen. Música: Georges Delerue. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Patrizia Von Brandestein/Richard James. Produção executiva: Larry Cano, Buzz Hirsch. Produção: Michael Hausman, Mike Nichols. Elenco: Meryl Streep, Kurt Russell, Cher, Craig T. Nelson, Ron Silver, Diana Scarwid, David Strathairn, Fred Ward, Bruce McGill, Will Patton Estreia: 14/12/83

5 indicações ao Oscar: Diretor (Mike Nichols), Atriz (Meryl Streep), Atriz Coadjuvante (Cher), Roteiro Original, Montagem
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz Coadjuvante (Cher) 

Ao contrário do que acontece no Brasil, nos EUA o negócio dos sindicatos profissionais é coisa bastante séria, a ponto de nomes como Jimmy Hoffa - presidente do sindicato dos caminhoneiros - e Norma Rae - nome fictício de uma moradora do sul do país que tornou-se líder sindicalista da indústria têxtil - tenham servido de inspiração para filmes estrelados por gente graúda (Jack Nicholson no primeiro e Sally Field, no papel que lhe deu seu primeiro Oscar, no segundo). Nos anos 80, quando a paranoia nuclear estava no ar, ameaçando a população com uma tragédia invisível - e que deu origem a uma espécie de ciclo que inclui o polêmico "Síndrome da China" (79), estrelado por Michael Douglas e Jane Fonda- o cineasta Mike Nichols resolveu juntar os dois temas em um mesmo filme, baseado em um história real ocorrida meros nove anos antes. "Silkwood, o retrato de uma coragem", estrelado por Meryl Streep - e que foi o primeiro roteiro da futuramente célebre Nora Ephron a chegar às telas - concorreu a cinco Oscar, incluindo diretor e atriz (a quinta indicação de Streep, já então duplamente premiada com a estatueta), mas teve o azar de concorrer com o furacão "Laços de ternura" e saiu da festa com as mãos abanando. Isso não diminiu sua importância, sua qualidade e, melhor ainda, sua força como denúncia e drama.

Quem torce o nariz para filmes sobre coisas como sindicatos, no entanto, não precisa se preocupar. O roteiro de Ephron - co-escrito com Alice Arlen e também indicado ao Oscar - não se detém apenas na trajetória de sua protagonista Karen Silkwood rumo à conscientização política e social, mas abre bastante espaço também para seus dramas pessoais, que incluem um casamento falido, a distância que mantém dos três filhos e os relacionamentos com o colega de trabalho Drew (um jovem Kurt Russell) - com quem mantém um romance - e a amiga Dolly (a cantora Cher, começando a ser respeitada como atriz em papel que lhe rendeu um Golden Globe de coadjuvante), além de dar ênfase especial à sua luta para denunciar a maneira torpe com que a indústria de processamento de plutônio de sua cidade natal, Oklahoma, escondia de seus funcionários o enorme perigo de contaminação que eles corriam manipulando o material. Equilibrando essas duas pontas - a familiar e a profissional - é que o roteiro se torna especial, desviando-se do caminho fácil do sensacionalismo e conquistando o espectador pelo desenho de seus personagens.


Mike Nichols, um cineasta acostumado a apontar suas lentes para personagens complexos e arrancar de seus atores desempenhos nunca aquém de fabulosos, conta a história de Karen Silkwood em seu próprio ritmo, convidando aos poucos a audiência a estabelecer intimidade com sua protagonista, uma mulher comum, com um casamento fracassado no currículo, um relacionamento amoroso que é motivo de falatório entre seus colegas de trabalho e uma amizade com uma lésbica que é apaixonada por ela. Sua vida dá uma guinada quando ela é acusada de contaminar seu local de trabalho (uma usina de tratamento de plutônio) para conseguir um fim-de-semana de folga, o que desencadeia uma onda inesperada de contaminação que atinge uma funcionária mais idosa e a ela própria. Com a ajuda de um sindicato - de quem se torna líder, para desgosto de seu namorado - ela parte para o ataque, com planos de denunciar o caso. Sua nova atitude, porém, causa polêmica entre seus companheiros de trabalho, que sabem que o fechamento da indústria também os levaria ao desemprego.

"Silkwood" é um drama com a cara de sua época: engajado, relevante e realizado com paixão. Se Meryl Streep dispensa qualquer comentário com mais uma interpretação impecável, seus coadjuvantes merecem igual respeito. Kurt Russell injeta personalidade a um personagem que poderia ficar em um melancólico segundo plano em mãos menos competentes - a cena em que ele percebe que está perdendo Karen para a militância e quiçá para o líder sindical vivido por Ron Silver é um exemplo da discrição eficaz de seu desempenho. E Cher, até então conhecida como cantora, sai-se muito bem como Dolly, a amiga homossexual da protagonista, que é responsável por um dos momentos mais ternos do filme. Em pouco tempo, ela se tornaria uma atriz respeitada, a ponto de levar um Oscar pela comédia romântica "Feitiço da lua" e aqui, ela mostra que sua persona excêntrica em nada atrapalha seu talento dramático. Ela é um motivo a mais para se assistir a "Silkwood", que, além dela, apresenta uma verdadeira e revoltante história real. Merece uma conferida.

sexta-feira

JULES E JIM, UMA MULHER PARA DOIS

JULES E JIM, UMA MULHER PARA DOIS (Jules et Jim, 1962, Les Films du Carrosse, 105min) Direção: François Truffaut. Roteiro: François Truffaut, Jean Gruault, romance de Henri-Pierre Roché. Fotografia: Raoul Coutard. Montagem: Claudine Bouché. Música: Georges Delerue. Figurino/Direção de arte: Fred Capel. Produção executiva: Marcel Berbert. Produção: François Truffaut. Elenco: Jeanne Moreau, Oskar Werner, Henri Serre, Vanna Urbino, Bassiak, Sabine Haudepin. Estreia: 23/01/62

Em seu filme "Uma mulher é uma mulher", lançado em 1961, o cineasta Jean-Luc Godard - que, assim como François Truffaut era um dos críticos da prestigiosa revista "Cahiers du Cinéma" - faz com que o personagem vivido por Jean-Paul Belmondo encontre com a atriz Jeanne Moureau (no papel dela mesma) e pergunte a ela "Como está indo 'Jules e Jim'?" Essa pequena brincadeira entre amigos (frequentemente os diretores colaboravam nos projetos do outro) é a primeira menção feita no cinema àquele que se tornaria um dos mais conhecidos, amados e reverenciados filmes franceses de todos os tempos. Terceiro filme de Truffaut - depois do memorialista "Os incompreendidos" (59) e do quase experimental "Atire no pianista" (60) - o drama romântico "Jules e Jim, uma mulher para dois" se baseia no romance autobiográfico de Henri-Pierre Roché para contar a história de um triângulo amoroso libertário que encontrou na juventude revolucionária dos anos 60 sua audiência perfeita. Uma pena que o próprio Roché tenha morrido antes de ver na esplendorosa fotografia em preto-e-branco de Raoul Coutard a personificação de sua Catherine na bela e fascinante Jeanne Moreau.

A trama tem início antes da Primeira Guerra Mundial, quando o alemão Jules (Oskar Werner) e o francês Jim (Henri Serre), inseparáveis e amantes da arte, da vida boêmia e dos prazeres mundanos que Paris lhes pode oferecer, conhecem a independente Catherine (Jeanne Moreau), que logo conquista a ambos com sua vivacidade, beleza e uma certa dose de amoralidade. Sentindo-se irresistivelmente atraída a Jules, ela acaba se casando e tendo uma filha com ele. Separados pela guerra - e pelo medo paralisador de matarem um ao outro sem o saber - os dois amigos ficam anos sem encontrar-se, comunicando-se apenas por cartas. O final do conflito, porém, volta a aproximá-los apenas para que Jim perceba que o relacionamento entre Jules e Catherine não é mais o mesmo, tendo sido abalado pelo tempo, por traições e pela rotina. Apaixonando-se novamente pela mulher do amigo, Jim se surpreende quando é convidado por ele a morar com a família. A ideia de Jules é simples: sabendo que não tem mais o amor da esposa, aceita que ela se envolva com o rapaz, como forma de não perdê-la de uma vez por todas.


Tido por muitos jovens de sua época como uma espécie de ode ao amor livre, "Jules e Jim" é, no entanto, o exato oposto dessa ideia, por mais excitante que ela possa parecer. Com suas imagens icônicas e sempre lembradas pelos fãs de cinema - a corrida dos três amigos em uma ponte, Jeanne Moreau vestida de homem, com direito a bigodinho e tudo - François Truffaut traduziu, para toda uma geração, a ansiedade em relação aos próprios sentimentos. Mesmo com todo o glamour da primeira parte do filme, quando todo um universo está disponível aos personagens, fica claro, em sua metade final, de que arriscar-se no amor é um jogo de azar e que, por mais modernos e descolados que as pessoas sejam, a dor é uma possibilidade bastante grande. Apesar disso, no entanto, o cineasta tem o bom gosto de mostrar isso de maneira poética e sutil, contando para isso com a jovialidade de seu talento e seu elenco excepcional - em especial a inesquecível Jeanne Moreau.

Se Oskar Werner e Henri Serre serão eternamente lembrados como os dois amigos enfeitiçados pelos encantos de uma sereia francesa de olhar penetrante e sorriso misterioso, é Jeanne Moreau quem domina o filme com seus encantos, sua voz sedutora - que inclusive canta graciosamente em uma sequência agradável e leve que remete aos primórdios de sua relação a três, antes que ela se tornasse mais complicada do que deveria - e seu carisma. Apaixonado pela atriz à época das filmagens, Truffaut dá a ela, visualmente, o status de uma divindade, inalcançável e paradoxalmente acessível. Moreau - que ajudou inclusive a financiar o filme quando o dinheiro inicialmente disponível acabou - sorri e faz com que o espectador sorria com ela. É difícil de condenar Jules e Jim por amá-la. É difícil não se apaixonar pela Catherine de Jeanne Moreau. E esse magnetismo é impossível fingir!

HIROSHIMA, MEU AMOR


HIROSHIMA, MEU AMOR (Hiroshima, mon amour, 1959, Argos Films, 90min) Direção: Alain Resnais. Roteiro: Marguerite Duras. Fotografia: Michio Takahashi (Japão), Sacha Vierny (França). Montagem: Jasmine Chaney, Henri Colpi, Anne Sarraute. Música: Georges Delerue, Giovanni Fusco. Figurino: Gerard Collery. Direção de arte: Minoru Esaka. Produção: Anatole Dauman, Samy Halfon. Elenco: Emmanuelle Riva, Eiji Okada. Estreia: 10/6/59

Indicado ao Oscar de Roteiro Original

Tudo começou como um documentário sobre a bomba atômica lançada em Hiroshima em 1945. De repente, o cineasta Alain Resnais mudou de ideia e resolveu contar uma história de amor entrelaçada a suas impressões sobre o tema. Chamou a escritora Marguerite Duras pra escrever o roteiro e pronto: estava dado o pontapé inicial de um dos maiores clássicos do cinema francês da história, o inesquecível "Hiroshima, meu amor".

Inesquecível é, aliás, um adjetivo bem apropriado ao filme, uma vez que a obra de Resnais lida com temas como a memória e a forma como as lembranças do passado interferem no presente. A protagonista, vivida com intensidade por Emmanuelle Riva - que concorreu ao Oscar em 2013 pelo desempenho fabuloso em "Amor" - é uma atriz francesa que está no Japão fazendo um filme sobre a guerra. Durante sua estadia em Hiroshima, ela se envolve com um arquiteto local (Eiji Okada), por quem se apaixona. Porém, mesmo apaixonada, ela não consegue esquecer um amor do passado, uma relação interrompida bruscamente pelo conflito e que volta à sua mente com toda força, ameaçando sua paz de espírito.

Um cineasta obcecado pelo tema da memória - que retomaria no ainda mais inovador "O ano passado em Marienbad" - Alain Resnais cria, em "Hiroshima, meu amor", um espetáculo lírico onde se misturam imagens poderosas, um texto de grande poesia e atuações superlativas, gigantescas em seu minimalismo. É apenas um gesto do arquiteto japonês durante o sono que deflagra na atriz interpretada por Riva um torrencial de lembranças, algumas dolorosas e outras calorosas. Bastam olhares trocados entre os amantes para que o público entenda suas dúvidas e pensamentos. Não é preciso mais do que poucas palavras - sussurradas na hora certa - para que todo o horror da guerra e a imensidão do amor esteja diante do espectador. E as imagens coletadas pela câmera delicada do diretor não deixam por menos, dissecando a maior tragédia do século XX em cenas chocantes e verdadeiras, que traem sua origem como autor de documentários.

Um clássico absoluto - mas que certamente não é para qualquer audiência - "Hiroshima, meu amor" já seduz em sua abertura, com dois corpos cobertos de poeira radiativa, uma metáfora poderosa que o final dilacerante irá reiterar. A guerra pode acabar, mas não suas consequências. E cada um vê nela seus próprios dramas particulares.

domingo

FLORES DE AÇO

FLORES DE AÇO (Steel magnolias, 1989, Columbia Pictures, 117min) Direção: Herbert Ross. Roteiro: Robert Harling, peça teatral de sua autoria. Fotografia: John A. Alonzo. Montagem: Paul Hirsch. Música: Georges Delerue. Figurino: Julie Weiss. Direção de arte/cenários: Gene Callahan, Edward Pisoni/Garrett Lewis, Lee Poll. Casting: Hank McCann. Produção executiva: Victoria White. Produção: Ray Stark. Elenco: Sally Field, Dolly Parton, Julia Roberts, Daryl Hannah, Shirley MacLaine, Olympia Dukakis, Tom Skerrit, Dylan McDermot, Sam Shepard. Estreia: 15/11/89

Indicado ao Oscar de Atriz Coadjuvante (Julia Roberts)
Golden Globe de Melhor Atriz Coadjuvante (Julia Roberts) 

Em 1977, o cineasta Herbert Ross esteve em seu auge, chegando a concorrer consigo mesmo ao Oscar de Melhor Filme - graças à comédia romântica "A garota do adeus" e ao drama de balé "Momento de decisão". Depois, teve uma carreira irregular, onde sucessos de bilheteria como "Footloose" e "O segredo do meu sucesso" dividiam espaço com obras bem menos consideradas, como o fraco "Dinheiro do céu". Em 1989 ele voltou a chamar a atenção da crítica e do público com um filme cujo grandioso elenco feminino seria praticamente impossível de ignorar: "Flores de aço", um dramalhão familiar disfarçado de comédia de costumes que hoje em dia só é realmente lembrado por ter sido a primeira real oportunidade da carreira de Julia Roberts, que foi indicada ao Oscar de coadjuvante.

Apesar de ser coadjuvante (e ter ficado com o papel oferecido a Winona Ryder e Meg Ryan), é a personagem de Roberts que serve como fio condutor e ponto em comum das personagens criadas pelo roteiro de Robert Harling (que escreveu a peça teatral que deu origem ao roteiro em homenagem à irmã, morta depois de uma cirurgia mal-sucedida). Pouco antes de ser alçada à condição de mega-estrela com sua participação em "Uma linda mulher" (que estrearia nos cinemas poucos meses depois), Roberts vive Shelby, uma jovem diabética que, nas primeiras cenas do filme, se casa com seu príncipe encantado, o charmoso Jackson (Dylan McDermott) e parte para uma vida distante da pequena cidade da Louisianna, onde vive sua família, liderada pela superprotetora M'Lynn (Sally Field). O filme conta a trágica história de Shelby - que tem diabetes e arrisca uma gravidez perigosa para formar uma família - através dos olhos de um grupo de mulheres que frequentam o salão de beleza da exuberante Truvy (Dolly Parton). As reuniões femininas que tem lugar na casa da esteticista acabam sendo o mais perto que todas elas tem de reuniões familiares - ainda que algumas delas realmente tenham uma família de verdade.



"Flores de aço" é um filme para mulheres e não é sexismo ou preconceito afirmar isso. As personagens masculinas pouco aparecem ou tem participação ativa na trama (ainda que o elenco conte com nomes importantes como Tom Skerrit e Sam Shepard), deixando que o "sexo frágil" mande no jogo o tempo todo. No entanto, o resultado final, apesar das promessas, não deixa de ser insatisfatório. Ao concentrar seu foco na relação entre M'Lynn e Shelby, Ross ganha em parte - porque Sally Field e Roberts dão conta do recado lindamente - mas perde por não dar oportunidade de brilho a outros membros do seu formidável elenco. Shirley MacLaine, por exemplo, tem o ingrato papel de uma matrona desagradável e mau-humorada e nem mesmo o inegável talento da atriz consegue tirar muito da superficialidade de sua personagem. E Daryl Hannah, enfeiada propositalmente para viver a cabeleireira, tem um dos trabalhos mais pálidos de sua carreira.

"Flores de aço" é considerada uma comédia dramática. Como drama funciona muito bem - apesar de exagerar na sacarina em seu final. Como comédia, no entanto, não desperta mais do que alguns sorrisos tímidos. Vale para ver Julia Roberts antes de virar a atriz mais bem paga de Hollywood.

segunda-feira

PLATOON


PLATOON (Platoon, 1986, Orion Pictures, 120min) Direção e roteiro: Oliver Stone. Fotografia: Robert Richardson. Montagem: Claire Simpson. Música: Georges Delerue. Direção de arte: Bruno Rubeo. Casting: Pat Golden, Warren McLean, Bob Morones. Produção executiva: John Daly, Derek Gibson. Produção: Arnold Kopelson. Elenco: Charlie Sheen, Tom Berenger, Willem Dafoe, Keith David, Forest Whitaker, Kevin Dillon, Johnnny Depp. Estreia: 19/12/86

8 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Oliver Stone), Ator Coadjuvante (Tom Berenger, Willem Dafoe), Roteiro Original, Fotografia, Montagem, Som
Vencedor de 4 Oscar: Melhor Filme, Diretor (Oliver Stone), Montagem, Som
Festival de Berlim: Melhor Diretor (Oliver Stone)
Vencedor de 3 Golden Globes: Filme/Drama, Diretor (Oliver Stone), Ator Coadjuvante (Tom Berenger)


Até 1986, a visão do público americano frequentador de cinema sobre a guerra do Vietnã havia sido do teor intimista de Michael Cimino e do estilo lisérgico de Francis Ford Coppola. Foi preciso que um ex-combatente de nome Oliver Stone (vencedor de um Oscar de roteiro por "O expresso da meia-noite") comandasse um filme sobre o assunto para que finalmente a plateia tivesse uma visão realista do conflito. Os elogios rasgados da crítica, o sucesso de bilheteria e os 4 Oscar conquistados (inclusive de filme e direção) por seu "Platoon" mostraram que já estava mais do que na hora.

Utilizando de sua experiência em combate e de suas lembranças pessoais, Stone carregou "Platoon" de um humanismo e uma violência física e psicológica que, ao contrário de filmes como "O franco-atirador" e "Apocalypse now" não busca subterfúgios românticos ou psicodélicos: seu ponto de vista da guerra mais vergonhosa perdida pelos EUA é seco e contundente, ainda que não totalmente desprovido de uma espécie de sentimentalismo que fala direto ao coração do público - em especial o americano.

"Platoon" é narrado através do ponto de vista do novato Chris Taylor (Charlie Sheen em papel que ecoa o trabalho de seu pai Martin em "Apocalypse"), um jovem voluntário que, tão logo chega ao Camboja, em setembro de 1967, vê o tamanho da encrenca em que se meteu. A princípio descrevendo o tédio e os horrores que dividem seu tempo em cartas à avó, ele desiste de mantê-la informada da real face da guerra quando percebe que, mais do que um violento conflito entre dois países, ele está testemunhando um drama bem mais pessoal: uma rixa pessoal entre o beligerante Sargento Barnes (Tom Berenger) e o ético Sargento Elias (Willem Dafoe).


O mais inteligente no roteiro de "Platoon" é a sua capacidade de equilibrar a disputa entre Barnes e Elias pela "alma" de Taylor e a maneira com que o rapaz vai tomando contato com toda a truculência e inutilidade da guerra. Cenas de grande impacto visual e emocional são apresentadas por Stone sem sentimentalismo, em tom quase documental, conduzindo o espectador a uma viagem sem escalas rumo a um inferno real e, pior ainda, quase palpável, graças à fotografia de Robert Richardson. A edição, também premiada com um Oscar, dá um ritmo angustiante à narrativa, assim como a trilha sonora escolhida pelo cineasta, que dialoga magistralmente com as imagens ora úmidas ora sufocantes captadas pela câmera nervosa de Stone.

Mas é em seu elenco que "Platoon" brilha ainda mais intensamente. Espertamente, Oliver Stone embaralhou as cartas na hora de escolher seus protagonistas, oferecendo ao galã Tom Berenger o papel mais odioso - um homem raivoso, cheio de cicatrizes e impiedoso - e ao normalmente vilão Willem Dafoe a compreensiva e honrada personagem que retratava o bem. Nitidamente à vontade, os dois conquistaram indicações ao Oscar por seu trabalho, e fascinam a audiência sempre que estão em cena.

"Platoon" é um dos melhores filmes de guerra da história do cinema - e abriu a trilogia do diretor sobre o Vietnã (completada com "Nascido em 4 de julho" e "Entre o céu e a terra"). Feito com o coração mais do que com a técnica, é uma experiência que transcende o gosto da platéia pelo gênero: é cinema da mais alta qualidade.

JADE

  JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...