A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA (The last picture show, 1971, Columbia Pictures, 118min) Direção: Peter Bogdanovich. Roteiro: Peter Bogdanovich, Larry McMurtry, romance de Larry McMurtry. Fotografia: Robert Surtees. Montagem: Donn Cambern. Direção de arte/cenários: Polly Platt/Walter Scott Herndon. Produção executiva: Bert Schneider. Produção: Stephen J. Friedman. Elenco: Timothy Bottoms, Jeff Bridges, Cybill Sheperd, Ben Johnson, Cloris Leachman, Ellen Burstyn, Eillen Brennan, Sam Bottoms, Randy Quaid, Clu Gulager. Estreia: 02/10/71
8 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Peter Bogdanovich), Ator Coadjuvante (Jeff Bridges), Ator Coadjuvante (Ben Johnson), Atriz Coadjuvante (Ellen Burstyn), Atriz Coadjuvante (Cloris Leachman), Roteiro Adaptado, Fotografia
Vencedor de 2 Oscar: Ator Coadjuvante (Ben Johnson), Atriz Coadjuvante (Cloris Leachman)
Vencedor do Golden Globe de Ator Coadjuvante (Ben Johnson)
Uma bela fotografia em preto-e-branco para sublinhar o tom melancólico e decadente. Personagens perdidos entre a busca por um futuro incerto e a nostalgia de um passado cálido. Uma atmosfera carregada de sensualidade e frustrações juvenis. Um diretor com olhar apurado e sensível aos detalhes. Um elenco equilibrado entre jovens promessas e talentos já consagrados. E um roteiro delicado, quase contemplativo e carregado de uma tristeza quase palpável. Com esses ingredientes certeiros, "A última sessão de cinema" tornou-se, quase de imediato, a obra-prima mais duradoura do cineasta Peter Bogdanovich. Adaptado do romance de Larry McMurtry - que ainda veria seu "Laços de ternura" fazer a limpa no Oscar de 1983 e sairia premiado pela Academia pela versão cinematográfica do conto "O segredo de Brokeback Mountain", de Anne Proulx em 2005 -, o filme de Bogdanovich surgiu, em 1971, como uma bem-vinda lembrança de que, a despeito das novidades formais que vinham chegando à Hollywood a reboque de uma nova geração de realizadores, nada é mais importante do que contar uma boa história, repleta de humanismo e sentimentos universais. Indicado a oito Oscar (incluindo melhor filme, direção e roteiro adaptado), "A última sessão de cinema" não demorou a virar cult e encontrar o caminho para o coração do público e da crítica. Em seu retrato carinhoso do fim de um período, não deixa de ser considerado uma espécie de irmão mais velho e mais sério de "Loucuras de verão" (1973) - em que George Lucas acompanhava um grupo de amigos em sua última noite antes da partida para a faculdade, no começo dos anos 1960. Porém, se a divertida obra de Lucas prima pelo bom-humor, a adaptação do livro de McMurtry opta por um viés mais desolado e dramático - e encontra em Bogdanovich o diretor ideal.
Em seu segundo longa-metragem - para efeitos práticos é conveniente deixar de lado sua experiência em "Viagem ao planeta das mulheres", de 1968, uma produção russa que ele reeditou e lançou sob o pseudônimo de Derek Thomas - e única indicação ao Oscar de melhor diretor, Bogdanovich demonstra uma segurança ímpar, assim como um senso de nostalgia que seus trinta anos de idade poderiam apenas imaginar (ou emular do romance de Larry McMurtry, um escritor texano cujas reminiscências serviram de inspiração para a trama e que coescreveu o roteiro com o cineasta). Talvez a perda do pai durante as filmagens tenha um pouco de responsabilidade pela tristeza quase palpável das imagens fotografadas por Robert Surtees, mas o fato é que a história de amor, perda e ritos de passagem que tem lugar na empoeirada Anarene, Texas no período compreendido entre novembro de 1951 e outubro de 1952 toca fundo no coração - e fica com o espectador por um bom tempo após o fim da sessão. Poucas vezes em Hollywood uma adaptação cinematográfica encontrou correspondência tão fiel - tanto em termos de transposição da trama quanto em clima. Pode-se dizer que o ator Sal Mineo, responsável pelo encontro de cineasta e livro, fez um favor e tanto aos cinéfilos.
Mineo, apaixonado pela obra mas ciente de que não tinha mais idade para viver qualquer um dos protagonistas mais jovens, apresentou o romance a Bogdanovich, que também encantou-se pelos personagens e resolveu traduzir as palavras de McMurtry em imagens. Para isso, tomou uma decisão considerada arriscada comercialmente: filmar em preto-e-branco. Incentivado por Orson Welles em sua cruzada artística, o cineasta (quase) iniciante, desafiou as regras não escritas que condenavam à morte qualquer produção que fugisse do que se considerava um investimento seguro. Escolhendo a pequena Archer City como locação principal de seu projeto (não por acaso a cidade natal de McMurtry) e contando com um elenco de jovens atores praticamente iniciantes, o diretor cercou-se, no entanto, de talentos já consagrados na lista de coadjuvantes. Na impossibilidade de contar com James Stewart em um dos papéis cruciais da história (o veterano ator já estava comprometido com uma série de televisão), sua escolha recaiu sobre Ben Johnson, que, incentivado por John Ford, não apenas aceitou o desafio como fez uma limpa nas cerimônias de premiação da temporada: mesmo com pouco menos de 10 minutos em cena, Johnson levou o BAFTA, o Golden Globe e o Oscar. Sua colega de elenco, Cloris Leachman também conquistou a Academia e ficou com a estatueta de atriz coadjuvante por seu desempenho como Ruth Popper, uma mulher negligenciada pelo marido e que encontra consolo nos braços do jovem Sonny Crawford (Timothy Bottoms, uma grata revelação). Leachman, no entanto, contou com a sorte: seu papel seria de Ellen Burstyn, que preferiu viver Lois Farrow, uma beldade de outrora, mãe da moça mais cobiçada da cidade - interpretada pela estonteante Cybill Sheperd - e que tem nas lembranças do passado sua maior felicidade.
Mas se o elenco de veteranos é de encher os olhos, a sensação maior de "A última sessão de cinema" é grupo de jovens talentos reunidos pelo cineasta. Jeff Bridges concorreu ao Oscar de coadjuvante por seu desempenho como Duane Jackson, o namorado da desejada Jacy - papel de estreia de Cybill Sheperd, que aproveitou as filmagens para ter um rápido namoro com o colega de cena e se envolver com o diretor, levando-o ao fim de seu casamento com a designer de produção Polly Platt. Timothy Bottoms quase rouba a cena na pele de Sonny, um rapaz perdido entre o presente sonolento e um futuro nebuloso, e de quebra arrumou trabalho também para o irmão, Sam, que conquista o público mesmo sem dizer uma palavra na pele de Billy - cujo destino trágico catalisa o memorável desfecho do filme. O equilíbrio alcançado por Bogdanovich, entre juventude e maturidade, entre presente, passado e futuro e entre sonhos e frustrações é o grande trunfo de "A última sessão de cinema". O carinho com que o roteiro trata seus personagens é plenamente perceptível nas belas imagens de Surtees e não é de surpreender que o cineasta os tenha revisitado em uma continuação temporã, o pouco visto e pouco lembrado "Texasville", lançado sem sucesso em 1990: assim como acontece com boa parte dos habitantes da pequena Anarene, o filme perdeu o trem da história e serviu apenas de encerramento (desnecessário, ainda que simpático) para um dos mais importantes filmes norte-americanos do começo dos anos 1970.