terça-feira

SAÍDA À FRANCESA

 


SAÍDA À FRANCESA (French exit, 2020, Blinder Films/Elevation Pictures/Rocket Sciense/Sony Pictures, 113min) Direção: Azazel Jacobs. Roteiro: Patrick DeWitt, romance homônico de sua autoria. Fotografia: Tobias Datum. Montagem: Hilda Rasula. Música: Nicholas DeWitt. Figurino: Jane Petrie. Direção de arte/cenários: Jean-Andre Carriere/Manon Lemay, Joelle Péloquin. Produção executiva: Matt Aselton, Ian Cooper, Patrick DeWitt, Azazel Jacobs, Adrian Love, Stuart Manashil, Vincent Maraval, Marc Marrie, Laurie May, Darrin Navarro, Thorsten Schumacher, Lars Sylvest. Produção: Trish Dolman, Olivier Glaas, Christine Haebler, Katie Holly, Christina Piovesan, Noah Segal. Elenco: Michelle Pfeiffer, Lucas Hedges, Tracy Letts, Valerie Mahaffey, Susan Coine, Imogene Poots, Danielle Macdonald. Estreia: 10/10/2020 (New York Festival)

Frances Price é viúva há mais de dez anos – mais de uma década em que convive com a desconfiança das pessoas em relação ao fato de ter demorado muito mais que o conveniente para tomar qualquer atitude diante do marido morto. Mais de uma década vivendo de uma herança que, como quase tudo, tem prazo para acabar. Sabendo que sua imagem de socialite está com os dias contados – sua vida perdulária e irresponsável finalmente cobra o preço depois de excentricidades irresponsáveis -, Frances resolve esconder sua nova situação e, passando a mão em seus últimos bens e no único filho, Malcolm, viaja para morar em Paris, no apartamento da única amiga que ainda lhe resta. Lá, ela pretende fugir do olhar crítico da alta sociedade a que um dia pertenceu – e viver discretamente seus derradeiros anos de vida.

Talvez a sinopse de “Saída à francesa” não seja exatamente entusiasmante. Porém, por mais paradoxal que isso pareça quando se trata de uma produção cinematográfica made in Hollywood, a intenção do diretor Azazel Jacobs seja justamente esta: demonstrar que nem sempre são necessárias ideias mirabolantes para se criar um filme interessante. E “Saída à francesa”, a despeito da simplicidade de sua trama, É um filme interessante. Por trás da história banal de uma mulher incapaz de abandonar seu status social mesmo quando já não há onde se amparar, há um roteiro repleto de ironias, peculiaridades e personagens complexos, capazes de surpreender ao espectador que se permitir embarcar em sua estranha narrativa.

 

Não que Jacobs aposte em uma atmosfera bizarra ou escorada em um realismo fantástico para contar sua história. O roteiro, porém, escrito pelo mesmo Patrick DeWitt autor do livro que lhe deu origem, brinca com o público ao intercalar, com uma séria crítica à decadência da burguesia norte-americana, um tom quase surreal que mistura espíritos que falam através de gatos (ou tudo não passa de fraude?), pessoas cuja solidão desesperada gritam por ajuda e as belíssimas paisagens parisienses. Paris, aliás, não é apenas um cenário gratuito: com seu ar sofisticado, é o destino ideal para que Frances desfile sua classe e suas idiossincrasias, e, de forma discreta, saia de cena sem chamar atenção demais – nem mesmo de seu dileto e passivo rebento, um rapaz cuja falta de atitude contrasta com os rompantes da mãe. Sem forças nem mesmo para desafiar os desejos maternos e assumir o noivado com a namorada, Malcolm soa, na vida de Frances, mais como um percalço do que um filho – uma relação cuja placidez da superfície guarda cicatrizes bem mais profundas e que remetem a um passado bem menos atribulado.

E se o roteiro de “Saída à francesa” trabalha bem em deixar escondidos os sentimentos de seus personagens, é um acerto gigantesco que seu elenco seja tão bem escalado. Se Lucas Hedges mais uma vez aposta em uma atuação quase invisível e os atores de apoio entregam exatamente o que se espera deles – com destaque para a ótima Valerie Mahaffey, como uma insuspeita amizade que surge no período francês da protagonista e que é dona de algumas das cenas mais engraçadas -, é inegável que o show aqui é de Michelle Pfeiffer. Indicada ao Golden Globe por seu trabalho (e seriamente cotada para concorrer ao Oscar, em previsões da crítica), Pfeiffer está em um dos melhores momentos da carreira, com um desempenho sutil, que deixa antever um subtexto rico e complexo. Mesmo quando se vê diante de situações em que uma atriz menos experiente poderia escorregar, a eterna Mulher-gato surpreende ao optar sempre pelo menos óbvio. Sua interpretação é o apoio mais que perfeito para uma obra que, evitando os clichês e a crítica fácil, faz uma caricatura sensível e carinhosa de uma geração cuja decadência nem sempre aconteceu com elegância.

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