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AS CONFISSÕES DE SCHMIDT


AS CONFISSÕES DE SCHMIDT (About Schmidt, 2002, New Line Cinema, 125min) Direção: Alexander Payne. Roteiro: Alexander Payne, Jim Taylor, romance de Louis Begley. Fotografia: James Glennon. Montagem: Kevin Tent. Música: Rolfe Kent. Figurino: Wendy Chuck. Direção de arte/cenários: Jane Ann Stewart/Teresa Visinare. Produção executiva: Bill Badalato, Rachel Horovitz. Produção: Michael Besman, Harry Gittes. Elenco: Jack Nicholson, Hope Davis, Dermot Mulroney, Kathy Bates, June Squibb. Estreia: 22/5/2002 (Festival de Cannes)

2 indicações ao Oscar: Ator (Jack Nicholson), Atriz Coadjuvante (Kathy Bates)

Vencedor de 2 Golden Globes: Ator/Drama (Jack Nicholson), Roteiro 

Quando Jack Nicholson subiu ao palco na cerimônia de entrega dos Golden Globes 2003 para receber sua estatueta não conseguiu esconder certa surpresa: segundo ele, foi inesperado ser eleito o melhor ator dramático do ano por um filme que ele considerava uma comédia. Parte da responsabilidade de tal confusão, na verdade, é do diretor Alexander Payne: assim como acontece em toda a sua filmografia, o cineasta não hesita, em "As confissões de Schmidt", em borrar as fronteiras que separam o riso das lágrimas, criando um adorável híbrido que aproxima, como raramente acontece, o espectador de seus personagens - quase todos críveis e humanos apesar de suas idiossincrasias. É um bálsamo para seus elencos - não à toa seus intérpretes chegam à corrida do Oscar - e um oásis para seu público, exposto a tramas e situações que, corriqueiras ou não, soam refrescantes diante de uma dieta abarrotada de blockbusters com personagens rasos e enredos indigentes. Frequentemente encontrando material na literatura, Payne é, também, um roteirista excepcional, capaz de extrair o melhor de suas fontes originais - ou, em alguns casos, alterá-las para que melhor caibam em seu universo. Baseado no primeiro livro de uma trilogia de Louis Begley, "As confissões de Schmidt" tem mudanças substanciais em sua história - feitas com o objetivo de encaixá-las em um argumento original do diretor e aliviar um pouco a personalidade talvez polêmica em excesso do personagem principal -, mas mantém o tom irônico do autor do romance e permite a Nicholson que exercite uma persona quase rara em sua carreira: um homem comum.

Primeira e única opção de Payne para o papel de Warren Schmidt, um homem confrontado com a solidão e a relação difícil com a filha única, Nicholson apresenta à plateia um lado frágil que lhe permite exercitar a comédia e o drama com iguais medidas. Enquanto o roteiro não se furta a apelar para momentos de humor - a briga com um colchão d'água e um encontro inesperado em uma jacuzzi, por exemplo, são sensacionais - tampouco foge de revelar os sentimentos mais sinceros do personagem em cenas cruciais. À vontade como há muito não conseguia estar, Nicholson encontra em Kathy Bates a parceira ideal para um embate dos mais fascinantes - não por acaso Bates arrebatou uma indicação ao Oscar de coadjuvante e protagoniza uma das cenas mais memoráveis do filme (aquela que conta com a jacuzzi). Construindo seu Schmidt com detalhes sutis e sem implorar pela empatia do público - pelo contrário, o personagem soa até desagradável em algumas situações -, o ator volta a encantar aos fãs com um desempenho irretocável, em que disfarça até mesmo os tiques que colecionou em sua longa carreira. No fim das contas, apesar de todos os defeitos - e principalmente por causa do carisma de Nicholson - é fácil simpatizar com o protagonista, um homem com quem se pode cruzar em qualquer supermercado.

 

Funcionário dedicado de uma seguradora, Warren Schmidt não sabe exatamente o que fazer com a chegada da aposentadoria. Sua vida tediosa consiste em trabalhar e conviver com a esposa, Helen (June Squibb) - em quem, segundo confessa, não reconhece a mulher com que se casou quase quarenta anos antes. Sua filha, Jeannie (Hope Davis) há muito não mora com os pais e está de casamento marcado com Randall Hertzel (Dermot Mulroney), de quem Warren não tem a melhor opinião. Quando Helen morre subitamente, Schmidt precisa lidar não apenas com a solidão inesperada e com o descaso da filha - ele precisa encontrar um novo motivo para seguir seus dias, algo além da adoção à distância de um pequeno órfão africano, com quem se corresponde com surpreendente sinceridade. Viajando do Nebraska até o Colorado para o casamento de Jeannie, ele vai encontrar no caminho pessoas que vão lhe abrir os olhos em relação a tudo que o cerca - especialmente Roberta (Kathy Bates), a personalíssima mãe de Randall, uma mulher cuja independência chega a assustar seu conservadorismo.

Ignorando os dois últimos livros da trilogia de Louis Begley, Alexander Payne faz de "As confissões de Schmidt" um filme coerente com sua obra, tanto em termos temáticos quanto visuais. Explorando personagens distantes de qualquer glamour e demonstrando por eles um carinho disfarçado de ironia, o cineasta convida o espectador a uma visita à vida de gente comum, com problemas ordinários e nem sempre com soluções perfeitas para eles. O final agridoce sublinha o tom melancólico da narrativa, mas jamais força o público à emoção barata. Seu estilo distante pode soar seco, mas no fundo Payne é um humanista, um autor que consegue enxergar a beleza e a generosidade até mesmo no mais impenitente misantropo. Os fãs de histórias sobre gente como a gente só podem agradecer seus presentes ao cinema.

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