A COR DA NOITE (Color of night, 1994, Cinergi Pictures Entertainment/Hollywood Pictures, 121min) Direção: Richard Rush. Roteiro: Matthew Chapman, Billy Ray, estória de Billy Ray. Fotografia: Dietrich Lohmann. Montagem: Jack Hofstra. Música: Dominic Frontiere. Figurino: Jacki Arthur. Direção de arte/cenários: James L. Schoppe/Cynthia McCormack. Produção executiva: Andrew G. Vajna. Produção: Buzz Feitshans, David Matalon. Elenco: Bruce Willis, Jane March, Ruben Blades, Brad Dourif, Lesley Ann Warren, Lance Henriksen, Scott Bakula, Kevin J. O'Connor, Andrew Lowery, Eriq La Salle, Kathleen Wilhoite. Estreia: 19/8/94
Uma trama policial com direito a reviravoltas e pistas falsas; um astro de grande apelo popular; uma jovem e promissora estrela com um cult movie no currículo; e cenas ousadas o bastante para incomodar aos mais conservadores e atrair o público ávido por ver nas telas sequências capazes de falar aos mais básicos instintos. Parecia não haver erro na receita de "A cor da noite", que unia o carisma de Bruce Willis, a sensualidade de Jane March - revelada no polêmico "O amante" (1992) - e um enredo que misturava violência, psicanálise e generosas doses de sexo. Porém, as coisas não saíram conforme o esperado: apesar da bela carreira posterior, no mercado de vídeo, o filme decepcionou - e muito - nas bilheterias e não foi exatamente bem recebido pela crítica. Considerado por March como o filme que atrapalhou sua trajetória como atriz, "A cor da noite" tem, na origem de seu fracasso comercial, um vigoroso embate de bastidores, que prejudicou e tornou ainda mais frágil um projeto arriscado por si só.
Produzido pelo bem-sucedido Andrew G. Vajna - cujos créditos à época já contavam com sucessos de bilheteria como os três primeiros filmes de Sylvester Stallone como Rambo e "O vingador do futuro" (1990), com Arnold Schwarzenegger, e de prestígio, como "Coração satânico" (1986) e "Alucinações do passado" (1990) -, "A cor da noite" chegou ao diretor Richard Rush como uma espécie de pedido de desculpas de Vajna pelos problemas ocorridos durante a produção de "Air América: loucos pelo perigo" (1990), quando o veterano cineasta e roteirista teve o projeto arrancado de suas mãos depois de anos de desenvolvimento. O que deveria ter sido uma bandeira branca, no entanto, piorou ainda mais a situação: ciente de que teria direito ao corte final, Rush descobriu, talvez tarde demais, que teria sua visão sobrepujada aos interesses do produtor. Pior ainda: foi quase demitido logo depois das filmagens (o que é proibido pelo sindicato de diretores) e viu seu trabalho retalhado ao chegar às telas. Com o fiasco do filme nas bilheterias, não demorou para que um jogo de empurra-empurra chegasse à imprensa, com um culpando o outro pelo naufrágio da produção e Rush defendendo sua versão 18 minutos mais longa do que a lançada comercialmente, que, segundo ele, apelava para a nudez gratuita e sufocava o enredo. Rush provavelmente sabia o que estava dizendo: uma comparação entre as duas versões, feita por alguns críticos e uma plateia selecionada em San Francisco concordou com o cineasta de que a sua edição melhorava - e muito - o resultado final.
A questão, no entanto, é que, deixada de lado a guerra entre Vajna e Rush, "A cor da noite" é um filme que não chega a se sustentar completamente. A trama central é interessante e sua resolução é até mesmo crível - dentro de seu universo dramático e ficcional -, mas é inegável que a produção soa um tanto artificial, com personagens clichês e sim, um foco na sexualidade que só se justifica pelo sucesso financeiro de filmes como "Instinto selvagem" (1992), que lotou as salas de cinema e transformou Sharon Stone no maior símbolo sexual feminino da década. O roteiro, criado por Billy Ray e re-escrito com Matthew Chapman (que posteriormente estaria por trás do script de "Flores raras", de Bruno Barreto) não consegue escapar das armadilhas comuns ao gênero, abrindo possibilidades intrigantes mas nem sempre aprofundando-as a contento - chega a ser risível a forma com que os pacientes do protagonista são apresentados, mal oferecendo a seus (bons) intérpretes a chance de melhor desenvolvê-los. Atores talentosos como Brad Dourif, Lance Henriksen e Lesley Ann Warren são desperdiçados em diálogos rasos e uma direção pouco criativa - para não dizer preguiçosa. E clímax, que se pretendia chocante e/ou surpreendente, esbarra no tom morno da atuação de Bruce Willis - um bom ator quando bem dirigido, como bem mostraram Quentin Tarantino e M. Night Shyamalan.
A trama de "A cor da noite" é, a princípio, empolgante: Bill Capa (Bruce Willis), um psicanalista de Nova York que, traumatizado com o suicídio de uma paciente diante de seus olhos, resolve passar um tempo com um colega de Los Angeles, Bob Moore (Scott Bakula). Quando Moore é assassinado violentamente, o detetive encarregado do caso, Hector Martinez (Rubén Blades), sugere a Capa que assuma o grupo de analisados da vítima, com o objetivo de descobrir se algum deles é o culpado. Mesmo temeroso em voltar a clinicar, Capa aceita a ideia e passa a prestar atenção nos cinco problemáticos pacientes de Moore, todos eles plenamente capazes de cometer um crime. Nesse meio tempo, Capa acaba seduzido pela bela e misteriosa Rose (Jane March), que pode ou não estar ligada ao caso, ainda que indiretamente.
Para quem procura um filme policial convencional, com alguns momentos de ação e um final relativamente surpreendente, "A cor da noite" é um programa e tanto. Porém, para o público mais exigente não deixa de ser uma decepção: não apenas as cenas de sexo são pouco inventivas como a trama falha em envolver de forma satisfatória - sem falar na armadilha criada pelo próprio enredo, quando precisa esconder algo que só faz sentido quando mostrado claramente. No final das contas, pode ser considerado, como bem disse a publicação oficial dos Framboesas de Ouro, um dos 100 filmes ruins mais divertidos já feitos.
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