CONCORRÊNCIA OFICIAL (Competencia oficial, 2021, ICAA/Orange/RTVE, 115min) Direção: Mariano Cohn, Gastón Duprat. Roteiro: Andrés Duprat, Gastón Duprat, Mariano Cohn. Fotografia: Arnaud Valls Colomer. Montagem: Alberto del Campo. Figurino: Wanda Morales. Direção de arte/cenários: Alain Bainée/Sara Natividad. Produção executiva: Antonio Banderas, Penélope Cruz, Laura Férnadez Espeso, Oscar Martínez, Javier Méndez, Javier Pons. Produção: Jaume Roures. Elenco: Penélope Cruz, Antonio Banderas, Oscar Martínez, José Luiz Gómez. Estreia: 04/9/2021
O que fazer quando se chega aos 80 anos de idade, tem dinheiro de sobra e sonha em ter o nome para a posteridade? O empresário Humberto Suárez (José Luiz Gómez), depois de pensar em inúmeras possibilidades (como uma ponte, por exemplo) chega à conclusão de que o melhor negócio que pode fazer é financiar um filme. Mas não um filme qualquer, e sim um grande filme, o melhor que o dinheiro pode comprar. E é com esse objetivo que ele contrata a premiada Lola Cuevas (Penélope Cruz) para dirigir a adaptação de um célebre romance que tem todos os ingredientes para transformar-se em sucesso. Dona de uma personalidade bastante excêntrica, Lola embarca no projeto com a condição de contar, no elenco, com dois dos maiores atores do país: o prestigiado Iván Torres (Oscar Martínez) e o popular Félix Rivero (Antonio Banderas). O que nem Humberto nem os tarimbados atores poderiam imaginar é que os métodos de Lola para atingir a perfeição fogem muito do convencional - e transformam os ensaios em um inferno, fazendo emergir ressentimentos, inseguranças e sentimentos pouco nobres de todos os envolvidos no processo.
Dirigido pelos argentinos Mariano Cohn e Gastón Duprat, "Concorrência oficial" é um deleite para os fãs de cinema em geral e artistas em particular: ao mergulhar em um universo repleto de egos inflados e talentos superestimados, a dupla de cineastas e roteiristas brinca com o próprio métier sem nunca perder, apesar do tom de deboche, o respeito pelo cinema e seus realizadores. Ao retratar diretores egóicos, atores autocentrados e produtores sem o menor tino artístico, a trama surpreende o espectador com uma narrativa imprevisível e personagens repletos de camadas, reveladas aos poucos, conforme suas barreiras vão sendo demolidas a ferro, fogo e dinâmicas bizarras criadas por Lola - interpretada com perceptível prazer por Penélipe Cruz, uma das produtoras executivas do filme, ao lado de seus colegas de elenco. Com um visual exuberante que lembra seus melhores momentos com o espanhol Pedro Almodóvar - nitidamente uma influência na paleta de cores vivas e na excentricidade dos personagens -, Cruz deita e rola com diálogos saborosos, repletos de absurdos e referências à cultura pop. De maneira inteligente, os diretores conseguem até mesmo uma auto-citação: o romance adaptado por Cuevas, "Rivalidade", é de autoria de Daniel Mantovani, personagem do filme anterior dos realizadores, "Um cidadão ilustre", vivido pelo mesmo Oscar Martínez que interpreta aqui o celebrado Iván Torres.
Iván Torres é um ator de métodos clássicos, do tipo que cria um passado para os personagens que irá interpretar e mergulha profundamente em sua criação. A forma como lida com seu ofício bate de frente com a quase irresponsabilidade de Féliz Rivero, seu colega e rival, que leva a profissão bem menos a sério - e, paradoxalmente, é bem mais popular entre o público. O confronto entre dois estilos de atuação é a faísca procurada por Lola, que os escolhe justamente por sua radical diferença, que ela julga apropriada para a história de dois irmãos rivais. Enquanto ensaia cada linha de diálogo do roteiro - para enfado de ambos, cada um por uma razão diferente - e cria dinâmicas quase humilhantes para arrancar deles interpretações viscerais (a ponto de fazê-los ler o roteiro sob uma rocha que pesa toneladas e pode vir a desabar a qualquer momento), a polêmica diretora não percebe que, em determinado momento, torna-se também vítima de suas técnicas quando passa a questionar o que é verdade ou não na relação entre seus astros - o que pode até acarretar uma tragédia inesperada.
É difícil saber o que é mais precioso em "Concorrência oficial". Do roteiro, original e mordaz, à escalação do elenco, absolutamente certeira, tudo no filme de Cohn e Duprat funciona às mil maravilhas. O estranhamento do primeiro ato - quando Lola Cuevas inicia seu processo criativo - dá lugar, gradativamente, a uma trama recheada de ironias, brilhantemente abraçadas por seus atores, todos em estado de graça. Equilibrando-se entre o humor mais fino e o suspense por vezes inesperado, o filme transita com facilidade por diversos gêneros, extraindo o melhor de cada um deles para oferecer à plateia um banquete cuidadosamente preparado. Criticando o culto à celebridade ao mesmo tempo em que não perdoa o exagerado pedantismo de certa parcela da elite artística, a produção faz rir e pensar na mesma intensidade - é um programa inteligente e leve, que mostra, mais uma vez, a inegável qualidade do cinema argentino contemporâneo.
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