segunda-feira

VIAGENS ALUCINANTES

 


VIAGENS ALUCINANTES (Altered states, 1980, Warner Bros, 102min) Direção: Ken Russell. Roteiro: Paddy Chayefsky (como Sidney Aaron), romance de sua autoria. Fotografia: Jordan Cronenweth. Montagem: Eric Jenkins. Música: John Corigliano. Figurino: Ruth Myers. Direção de arte/cenários: Richard McDonald/Thomas Roysden. Produção executiva: Daniel Melnick. Produção: Howard Gottfried. Elenco: William Hurt, Bob Balaban, Blair Brown, Charles Haid, Drew Barrymore. Estreia: 25/12/80

2 indicações ao Oscar: Trilha Sonora Original, Som

Só mesmo quem não conhecia a obra pregressa do cineasta britânico Ken Russell poderia esperar que seu primeiro filme em Hollywood poderia ser algo diferente de "Viagens alucinantes": baseado em romance de Paddy Chayefsky publicado em 1978, sua estreia no cinema norte-americano é um mergulho sem freios em experiências lisérgicas, obsessão e, surpreendentemente, uma história de amor - que muitos interpretaram com uma releitura do mito de Orfeu e Eurídice, uma atualização de Dr. Jekyll e Mr. Hyde ou até com intenções religiosas. O fato é que, independente de qualquer ponto de vista, o filme fracassou nas bilheterias - nenhum choque, haja visto seu tema e o nome de Russell nos créditos - e, com o tempo, tornou-se uma espécie de cult movie, valorizado pela presença de William Hurt (em seu primeiro trabalho no cinema) e pela coragem do cineasta em explorar, com um visual exuberante e incômodo, um assunto que nem as mais radicais produções de ficção científica ousaram.

O roteiro - adaptado pelo próprio Chayefsky, que renegou o resultado final apesar de sua fidelidade ao material original - não era exatamente do agrado de Ken Russell, que embarcou no projeto após a desistência de Arthur Penn. Segundo Russell, o script era pesado, pretensioso e rebuscado demais, e o trabalho entre os dois profissionais esteve longe do ideal durante as filmagens, a ponto de o roteirista ser banido do set e ter tentado a demissão do diretor. Quando Chayefsky preferiu desligar-se do projeto (e assinar o roteiro com o pseudônimo de Sidney Aaron), o filme parecia já estar condenado, e o péssimo resultado nas bilheterias ajudou a relegar Ken Russell (que, segundo dizem, passou boa parte da produção sob o efeito de álcool) a uma espécie de limbo na indústria hollywoodiana. A morte de Chayefsky - que ganhou um Oscar pelo roteiro de "Hospital" (1971) -, poucos meses da estreia (e do fracasso) de "Viagens alucinantes" também não colaborou para o histórico do filme, apesar dos elogios da revista Time, que o elegeu um dos dez melhores do ano, e das duas indicações (técnicas) ao Oscar.


 

A trama concebida por Chayefsky já é, em si, bastante ousada: seu protagonista é o cientista e professor de psicologia Edward Jessup (William Hurt), um profissional brilhante mas pouco afeito às convenções impostas pela Medicina tradicional. Ambicioso em suas pesquisas alucinógenas, ele resolve, à revelia de seus superiores, fazer de si mesmo uma cobaia no uso de drogas em uma câmara de isolamento. Logo no começo ele consegue atingir regiões profundas da mente. Anos depois, já separado da também cientista Emily (Blair Brown) - que não consegue lidar com a obsessão do marido -, Jessup tem contato com rituais sagrados no México e com a utilização de drogas xamânicas. Tal novidade faz com que suas novas experiências fiquem ainda mais intensas: a cada sessão o audacioso professor vai ainda mais longe em suas viagens, chegando a formas progressivamente mais primárias de vida. O que muitos consideravam então simples alucinações começa a assustar seus colegas e familiares.

Produzido pela Warner depois que a Columbia Pictures desistiu do projeto por seu custo acima do esperado, "Viagens alucinantes" é, provavelmente, um dos melhores trabalhos de Ken Russell, mais conhecido pelo musical "Tommy" (1975) e por suas cinebiografias dos compositores Liszt, Mahler e Tchaicovsky. Com seu visual exuberante - influenciado por Magritte e Salvador Dalí - e uma trama consistente e frequentemente aflitiva, seu filme não apenas demonstra uma maturidade temática, mas confirma seu talento na direção de atores, que seria confirmado em sua produção seguinte, "Crimes do coração" (1984), estrelado por Anthony Perkins e Kathleen Turner: com um desempenho brilhante de William Hurt, que deixa verossímeis as teorias mais intrincadas, Russell ainda encontra espaço para trabalhar com efeitos visuais impressionantes que, ao contrário de atrapalhar, servem à história com uma inteligência ímpar. Injustamente esquecido pelo grande público, "Viagens alucinantes" é uma pequena obra-prima da ficção científica - e merece ser redescoberto e alçado à sua condição de clássico do gênero.

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