JUVENTUDE (Youth, 2015, Indigo Film/Barbary Film/Pathé, 124min) Direção e roteiro: Paolo Sorrentino. Fotografia: Luca Bigazzi. Montagem: Cristiano Travagiogli. Música: David Lang. Figurino: Carlo Poggioli. Direção de arte/cenários: Ludovica Ferrario/Noel Godfrey. Produção executiva: Viola Prestieri. Produção: Carlotta Calori, Francesca Cima, Nicola Giuliano. Elenco: Michael Caine, Harvey Keitel, Rachel Weisz, Paul Dano, Jane Fonda. Estreia: 20/5/2015 (Festival de Cannes)
Indicado ao Oscar de Melhor Canção Original ("Simple Song #3)
O músico Fred Ballinger (Michael Caine), um veterano maestro consagrado por uma série de composições chamada "Simple songs", está passando uma temporada em um sofisticado spa localizado nos alpes suíços, acompanhado da filha e empresária, Lena (Rachel Weisz) - que está passando por uma séria crise em seu casamento. Aposentado, Ballinger é procurado por um emissário da realeza britânica para que faça uma apresentação no aniversário do Príncipe Philip - uma missão que não o interessa nem um pouco. A seu lado, dividindo lembranças de seus dias de mocidade, está o cineasta Mick Boyle (Harvey Keitel), que aproveita o descanso para, junto com uma equipe de roteiristas, criar seu novo projeto, que ele julga ser seu último grande filme. Amigos há décadas, os dois guardam na lembrança não apenas de dias livres das doenças da velhice, mas também da mulher que enfeitiçou a ambos - e tem, em comum, laços de parentesco: o filho de Mick é genro de Ballinger, o responsável pelo sofrimento de Lena, uma mulher torturada pela memória do casamento turbulento dos pais. Cercados pela beleza estonteante do lugar onde descansam, Ballinger e Boyle ainda convivem com excêntricos hóspedes do spa, como o jovem ator Jimmy Tree (Paul Dano), que está pesquisando para um novo papel, e um jogador de futebol aposentado lutando contra o declínio de sua forma física.
A trama de "Juventude" - primeiro trabalho do cineasta italiano Paolo Sorrentino depois do Oscar de melhor filme estrangeiro por "A grande beleza", de 2013 - é aparentemente superficial, mas que o espectador não se iluda: por trás da simplicidade do roteiro, escrito pelo próprio diretor, há uma poesia e uma melancolia que impõem ao filme um ritmo próprio, contemplativo mas nunca pedante ou aborrecido. Pelo contrário, "Juventude" tem, ao lado de momentos dramáticos de cortar o coração, um insuspeito senso de humor que quebra a seriedade de seu desenvolvimento. Um diretor acostumado à estranheza - afinal foi ele quem vestiu Sean Penn de roqueiro oitentista decadente em "Aqui é o meu lugar" (2013), e o colocou atrás do nazista responsável pelas humilhações sofridas por seu pai em um campo de concentração -, Sorrentino não faz a menor questão de fazer de seu filme um produto de fácil assimilação, mas engana-se quem pensa que isso faz dele algo inatingível. Da forma como é apresentado, "Juventude" é um filme que demora a fazer sentido, tarda a ressoar no coração da plateia: não à toa, o próprio Michael Caine não resistiu às lágrimas ao assisti-lo pela primeira vez. Sua mensagem - uma lição sobre aproveitar as coisas boas da vida enquanto há tempo para isso - é apresentada de maneira tão delicada que passa quase despercebida. Coisa de mestre!
Plasticamente deslumbrante - cortesia das belas paisagens dos alpes suíços e da fotografia caprichada de Luca Bigazzi - e dirigido com precisão, "Juventude" é, também, um desfile de boas atuações, com um elenco de sonhos, que mistura veteranos consagrados com jovens talentos. Enquanto Michael Caine e Harvey Keitel deitam e rolam com personagens que lhes caem como uma luva (Fred Ballinger foi escrito especialmente para Caine), novas gerações de atores são representadas por Paul Dano - quase silencioso, mas eficaz como sempre - e Rachel Weisz - dona de ao menos uma cena emocionalmente brilhante, quando declara ao pai suas lembranças de infância. Não bastasse esse quarteto brilhante, Sorrentino ainda reserva ao espectador outro presente: uma pequena participação especial de Jane Fonda como uma atriz veterana que enterra de vez os planos de sucesso de Mick Boyle. Fonda chegou a ser indicada ao Golden Globe de atriz coadjuvante, sendo uma espécie de representante de seus colegas, todos eles absolutamente merecedores de indicações e prêmios. Atores capazes de transmitir muito sem que precisem de longos diálogos, Caine, Keitel, Dano e Weisz encontraram na direção minimalista de Sorrentino um caminho rico e eficiente para trabalhos de destaque em suas carreiras já vitoriosas.
E se não bastasse um elenco impecável, um visual arrebatador e um roteiro com diálogos inspirados, "Juventude" ainda oferece ao público pequenos prazeres escondidos aqui e ali, em graus distintos de dificuldade para serem decodificados. Se o jogador de futebol aposentado, com sobrepeso e problemas de vício pode ser facilmente reconhecido como uma representação do ídolo argentino Diogo Maradona, o cineasta interpretado por Harvey Keitel é, segundo o diretor, um mistura entre Roger Corman, Sidney Lumet e William Friedkin. Até mesmo o fio condutor da trama - a recusa de Ballinger em tocar em um evento para o Príncipe Philp - tem ligações com a realidade: o músico Riccardo Muti também não se acertou com a realeza britânica quando convidado para um espetáculo privado e o fato inspirou Sorrentino a ponto de o diretor escrever sobre ele em um diário e, posteriormente, transformar tal incidente em um dos pontos altos de sua (ainda) curta filmografia. Com tantos pontos positivos, "Juventude" é uma pequena obra-prima, mas que fique bem claro: não é um filme para públicos menos pacientes, que vibram com blockbusters de orçamentos inchados. É, isso sim, um biscoito fino, a ser degustado com o coração e a alma.
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