QUERIDO MENINO (Beautiful boy, 2018, Amazon Studios/Plan B Entertainment, 120min) Direção: Felix Von Groeningen. Roteiro: Luke Davies, Felix Von Groeningen, livros "Beautiful boy", de David Sheff, e "Tweak", de Nic Sheff. Fotografia: Ruben Impens. Montagem: Nico Leunen. Figurino: Emma Potter. Direção de arte/cenários: Ethan Tobman/Jennifer Lukehart. Produção executiva: Sarah Esberg, Nan Morales. Produção: Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Brad Pitt. Elenco: Steve Carell, Timothée Chalamet, Maura Tierney, Amy Ryan, Jack Dylan Grazer. Estreia: 07/9/2018 (Festival de Toronto)
Talvez fosse difícil imaginar que o protagonista de um filme chamado "O virgem de 40 anos"(2005) pudesse, com o tempo, tornar-se um ator dramático de prestígio, capaz de emocionar o público com a mesma desenvoltura com que o fazia gargalhar. Porém, se Steve Carell levava a audiência às lágrimas de riso com a série "The office", também mostrava um lado menos solar em produções como "Pequena Miss Sunshine" (2006) - em que vivia um professor suicida, gay e fã de Proust. Dividido entre o gênero que o consagrou - e que lhe rendeu cenas memoráveis em "Agente 86" (2008), "Uma noite fora de série" (2010) e "Amor à toda prova" (2011) - e o desejo de provar-se um intérprete versátil, Carell chegou até o Oscar com o incômodo "Foxcatcher: uma história que chocou o mundo" (2014) e entrou para o rol dos atores respeitáveis. Seguindo em sua opção de intercalar humor e drama, ele marcou outro gol com "Querido menino", um avassalador drama familiar que em sua estreia, no Festival de Toronto de 2018, foi aplaudido de pé - mas que, apesar das altas expectativas, falhou em conquistar a Academia e ser lembrado pelo Oscar.
Inspirado não apenas em um, mas em dois livros - escritos por pai e filho -, "Querido menino" tem a seu favor, além do trabalho sensível de Carell e do desempenho de Timothée Chalamet, um dos mais promissores astros de sua geração, a direção inteligente do belga Felix Von Groeningen, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro pelo impressionante "Alabama Monroe" (2012). Assim como fez em seu filme mais famoso, Von Groeningen evita o sentimentalismo fácil e faz uso de flashbacks constantes para construir uma narrativa quase em fluxo de consciência, que mergulha o espectador em uma relação familiar repleta de angústias e dor, mas também ancorada em amor e afeto. Ao contrário de julgar seus personagens e limitá-los a estereótipos, o roteiro co-escrito pelo diretor e Luke Davis (um ex-viciado cujo livro de memórias, "Candy", foi filmado com Heath Ledger em 2006) apresenta ao público um núcleo familiar que, a despeito de seus problemas, ainda é capaz de manter a esperança de um futuro menos cruel. Nem sempre o estilo narrativo funciona - por vezes é um tanto cansativo -, mas a edição (que levou sete meses e só encontrou seu caminho definitivo quando o colaborador do cineasta, Nico Leunen, juntou-se à equipe) é parte fundamental da estética do filme - e uma forma eficaz de apresentar à plateia os pontos de vista de ambos os protagonistas.
Os livros "Beautiful boy", do jornalista David Sheff, e "Tweak", escrito por seu filho, Nic, são a base do roteiro de "Querido menino" - e contam a mesma história, ainda que sob diferentes perspectivas. O filme se detém principalmente no olhar de David (Steve Carell), que vê sua rotina doméstica tranquila ser repentinamente abalada pelo vício em drogas do filho mais velho, Nic (Timothée Chalamet). Até então um adolescente típico mas sem maiores crises, o rapaz passa a apresentar um comportamento errático e agressivo, o que o leva a centros de reabilitação, conflitos frequentes com os pais (separados) e a nova família (madrasta e dois irmãos pequenos) e assustadoras ameaças de overdoses. Abalado com a nova realidade, David se vê diante de um dilema: proteger o que ainda resta de sua família ou arriscar tudo na tentativa de recuperar a integridade física do jovem. Suas dúvidas passam a ameaçar seu casamento com Karen (Maura Tierney) - e nem mesmo a reaproximação com a primeira mulher, Vicki (Amy Ryan), é suficiente para consolá-lo em sua cruzada. Enquanto isso, Nic tenta, à sua maneira, lidar com o vício e suas consequências (físicas e psicológicas) - o que inclui um romance atribulado com outra viciada, Lauren (Kaitlyn Dever) e um entra-e-sai em programas de desintoxicação.
É difícil imaginar como seria o resultado se "Querido menino" não tivesse caído nas mãos talentosas e poéticas de Felix Von Groeningen - e o diretor Cameron Crowe esteve perto de assumir as rédeas do projeto, com Mark Wahlberg no papel principal. Certamente o enfoque e o tom seriam muito diferentes, sem o olhar europeu do cineasta belga e a sutileza do trabalho de Carell, que foge corajosamente de sua zona de conforto e entrega um desempenho brilhante. O mesmo pode ser dito a respeito de Timothée Chalamet, indicado ao Golden Globe, ao BAFTA e ao Screen Actors Guild Awards por sua atuação delicada e honesta. A química entre Chalamet e Carell é preciosa e eleva o filme a um patamar acima da média - sublinhada pela discrição de Von Groeningen ao tratar das emoções mais básicas do ser humano. Não há lágrimas em excesso em "Querido menino". É apenas (e isso já é o bastante) o retrato de uma família quebrada tentando juntar os pedaços e colá-los com amor e respeito. Um belo filme, que merece ser descoberto e aplaudido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário