O ANJO MALVADO (The good son, 1993, 20th Century Fox, 87min) Direção: Joseph Ruben. Roteiro: Ian McEwan. Fotografia: John Lindley. Montagem: George Bowers. Música: Elmer Bernstein. Figurino: Cynthia Flynt. Direção de arte/cenários: Bill Groom/George DeTitta Jr.. Produção executiva: Daniel Rogosin, Ezra Swerdlow. Elenco: Macaulay Culkin, Elijah Wood, David Morse, Wendy Crewson, Daniel Hugh Kelly, Jacqueline Brookes. Estreia: 15/9/93
Poucos astros de cinema eram tão poderosos, no começo dos anos 1990, do que Macaulay Culkin. Diminuto em tamanho mas gigante em termos comerciais desde que "Esqueceram de mim" rendeu inacreditáveis 476 milhões de dólares pelo mundo todo, o ator-mirim era um dos nomes mais quentes do mercado, capaz de tornar uma produção despretensiosa como "Meu primeiro amor" em um sucesso de bilheteria apenas por estar em seu elenco. Como nem tudo eram flores, no entanto, para contar com o garoto em seus filmes, os estúdios precisavam lidar com uma questão delicada (para dizer o mínimo) chamada Kit Culkin: pai do prodígio que encheu os cofres da 20th Century Fox (e do próprio clã) de dinheiro, Kit transformou-se, em poucos anos, em persona non grata dentro da indústria, devido a exigências descabidas, ganância e ataques de estrelismo. Para deixar que seu filho assinasse o contrato para uma sequência de "Esqueceram de mim", por exemplo, o pouco simpático pai de família exigiu que o estúdio desse a ele o papel principal de "O anjo malvado", suspense que seria dirigido por Michael Lehmann - de "Atração mortal" (1988) e "Feito cães e gatos" (1996). Ciosos de suas finanças, os executivos aceitaram a imposição, viram Lehmann abandonar o projeto por conflitos com Kit - e ser substituído por Joseph Ruben - e acabaram por não se queixar quando o filme fez uma razoável carreira nas salas de exibição graças à presença da criança mais popular da época. Na verdade, com sua estreia quase um ano depois de "Esqueceram de mim: perdido em Nova York", "O anjo malvado" tornou-se o último sucesso de Macaulay, que logo em seguida entrou em diversos projetos ambiciosos e fracassados - por obra e mérito de seu genitor, que viu sua galinha de ovos de ouro perder o brilho a cada nova polêmica.
"O anjo malvado" é uma produção corriqueira e banal, que, não fosse a presença de Culkin no auge de sua popularidade, passaria em branco e se tornaria - como mais tarde aconteceu - um sucesso nas videolocadoras e nas sessões da madrugada nas emissoras de televisão. Apesar do final instigante, é um filme que não ousa nem em sua narrativa (simples e previsível) e tampouco vai fundo no que se propõe: talvez por medo de chocar o público cativo de Macaulay Culkin, a obra de Ruben jamais ultrapassa os limites mais básicos dos filmes do gênero, entregando apenas o que agrada ao espectador médio, que rejeita a violência extrema e se contenta com um susto ou outro sustentado pela trilha sonora - algo que o próprio Ruben já havia oferecido em outro êxito comercial eficiente mas esquecível, "Dormindo com o inimigo", estrelado por uma Julia Roberts em franca ascensão, em 1991. Ao fazer de seu vilão uma criança, o roteiro até tenta mudar um pouquinho as regras do jogo, mas esbarra justamente nas limitações éticas de tal escolha (não se pode esquecer de certa caretice do cinema de Hollywood, que jamais permitiria o aprofundamento do tema em uma produção claramente comercial) e, pasmem, é prejudicado por aquele que, em tese, seria seu maior trunfo: carismático e encantador em "Esqueceram de mim", Macaulay Culkin revela, em "O anjo malvado", que nem todo o carisma do mundo é capaz de disfarçar uma atuação apática. Perto de seu colega de cena, Elijah Wood, o arrimo da família Culkin demonstra, sem espaço para dúvidas, de que nem tudo que reluz é ouro.
O filme de Ruben começa com a precoce morte da mãe do pequeno Mark (Elijah Wood), que, logo em seguida, se vê sem a presença do pai, que viaja a negócios para o Japão. Hospedado na casa dos tios e ainda abalado com a inesperada perda, o garoto não demora a fazer amizade com o primo, Henry (Macaulay Culkin), com quem regula em idade. Aos poucos, porém, Henry começa a demonstrar um comportamento violento e dissimulado, capaz de atos que vão da maldade mais banal até a extrema periculosidade. Desconfiado de que o menino pode ter sido responsável até mesmo pela morte do irmão pequeno, afogado durante o banho, Mark tenta alertar todos à sua volta, mas seus avisos passam a ser considerados parte do trauma familiar - e, se utilizando de seu poder de manipulação infantil, Henry leva os pais a acreditarem que o primo tem um lado sombrio e perigoso. As coisas ficam ainda mais complicadas quando Mark chega à conclusão de que o ciúme doentio de Henry em relação à mãe podem levar a um desenlace trágico e irreversível.
Dirigido burocraticamente por Joseph Ruben - um cineasta sem nada de espetacular no currículo mas razoavelmente capaz de manter o interesse do público menos exigente -, "O anjo malvado" carece principalmente de profundidade. Por mais que o roteiro tente acrescentar camadas psicanalíticas à personalidade do psicopata mirim vivido por Macaulay Culkin, tudo soa pasteurizado e preso às limitações daquilo que é, na verdade, um produto com ambições mais comerciais do que artísticas. O elenco adulto - cujo nome mais reconhecível é o de David Morse - pouco tem a fazer com os diálogos recheados de clichês e personagens sem nenhum desenvolvimento além do básico. É chocante, diante disso, descobrir que por trás deles está Ian McEwan, brilhante escritor britânico que faria sucesso anos depois com o sublime "Reparação": uma prova inconteste de que, em muitos casos, Hollywood sufoca grandes talentos para que melhor caibam em seus objetivos medíocres.

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