segunda-feira

JADE

 


JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem: Augie Hess. Música: James Horner. Figurino: Marilyn Vance. Direção de arte/cenários: Alex Tavoularis/Gary Fettis. Produção executiva: William J. MacDonald. Produção: Gary Adelson, Craig Baumgarten, Robert Evans, Christine Peters. Elenco: David Caruso, Linda Fiorentino, Chazz Palminteri, Richard Crenna, Michael Biehn, Donna Murphy, Angie Everhart. Estreia: 13/10/95

Vencedor do Oscar de melhor diretor por "Operação França" (1971) - que também levou a estatueta de melhor filme - e o nome por trás do estrondoso sucesso de "O exorcista" (1973), William Friedkin declarou, em uma entrevista, que dentre todos os seus trabalhos, o seu favorito era "Jade", lançado em 1995. Das duas uma: ou o veterano cineasta buscava reacender as polêmicas em torno do filme ou estava seriamente fora de seu juízo perfeito. Medíocre, quase amador e constrangedor em suas tentativas de soar sexy ou transgressor, a produção estrelada por David Caruso e Linda Fiorentino naufragou fragorosamente nas bilheterias - custou cerca de 50 milhões de dólares e rendeu menos de 10 - e praticamente enterrou a carreira de seu astro, vindo da bem-sucedida série de televisão "Nova York contra o crime" e que, com dois fracassos consecutivos (o outro foi "O beijo da morte", que estreou poucos meses antes), chegou a pensar em abandonar Hollywood. Parte de uma série de produções da primeira metade da década de 1990 que apostavam no erotismo para chamar a atenção das plateias, "Jade" demonstrou, sem espaço para dúvidas, o desgaste da fórmula - e o fato de ter um elenco sem carisma e uma história fraca ajudou (e muito) em sua pouca repercussão.

Apesar de o roteirista de "Jade" ser o mesmo Joe Eszterhas de "Instinto selvagem" (1992) - o enorme sucesso popular que deu início ao boom do gênero - e de sua estrutura ter similaridades bastante óbvias, o filme de Friedkin sofre com a apatia de seu protagonista masculino (tanto o personagem quanto o ator, David Caruso), a sensualidade pouco atraente de sua estrela feminina (Linda Fiorentino sem repetir o êxito de sua performance avassaladora em "O poder da sedução") e a direção quase preguiçosa de William Friedkin - também responsável pelas constantes alterações no roteiro, provável motivo da fragilidade do produto final. Mesmo nas sequências de ação, o cineasta fica longe de demonstrar a segurança vista, por exemplo, em "Operação França" - as perseguições automobilísticas soam repetitivas e são incapazes de empolgar o público, além de parecerem completamente deslocadas da trama (confusa, desinteressante e, pior de tudo, totalmente artificial em suas tentativas de parecer sensual).

 

Assim como em "Instinto selvagem" e "Corpo em evidência" (1992) - estrelado por Madonna e igualmente amparado em sexo e violência -, "Jade" começa com um violento assassinato relacionado a aventuras eróticas. A vítima é um proeminente empresário, morto a golpes de machado. Durante a investigação, a equipe liderada pelo procurador assistente de São Francisco, David Corelli (David Caruso), encontra uma série de fotos do governador do estado, Lew Edwards (Richard Crenna), mantendo relações com uma prostituta chamada Patrice Jacinto (Angie Everhart). Interrogada pela polícia, Patrice revela que o morto mediava encontros de garotas de programa com homens ricos da região e que a mais desejada dentre todas era uma mulher com o nome de guerra de Jade - uma profissional conhecida por realizar todos os desejos de seus clientes, por mais bizarros que possam ser. Novas pistas, porém, levam a Katrina Gavin (Linda Fiorentino), respeitada psicóloga clínica casada com o advogado Matt Gavin (Chazz Palmiteri em papel oferecido a Kenneth Branagh) - Katrina é Jade, uma personalidade que lhe permite atingir o prazer sexual, e tal revelação leva o próprio Corelli a suspeitar de sua inocência, por mais que isso lhe incomode pessoalmente: ele não apenas é amigo íntimo de Gavin como também é completamente apaixonado pela principal suspeita do caso.

A trama pouco verossímil de "Jade" - assim como seu ritmo pouco convidativo e o desenvolvimento precário de seus personagens - colabora com a sensação de filme feito às pressas, sem cuidado com questões cruciais de roteiro e pós-produção. Além de esteticamente decepcionante - nem mesmo as cenas de sexo são minimamente excitantes - e transmitir uma aura de filme B, o trabalho de Friedkin sofre com um elenco fraquíssimo, incapaz das menores nuances de realismo. Caruso - inexpressivo como poucos -, ficou com o papel recusado por Warren Beatty (!!!) e Fiorentino, vinda dos elogios unânimes por "O poder da sedução" - onde pintava e bordava com sua sexualidade franca e amoral -, é subaproveitada, sem ter seu carisma explorado a contento. Escalada para um papel em que praticamente toda Hollywood foi considerada - das óbvias Sharon Stone, Madonna e Demi Moore às mais ousadas possibilidades Nicole Kidman, Jodie Foster e Julia Roberts -, ela acabou por sofrer as consequências do fracasso da produção: de estrela promissora, passou a figurar em uma lista de coadjuvantes pouco lembrados (apesar de ainda obter sucesso como o principal nome feminino de "Homens de preto", de 1997). Já o caso de David Caruso foi quase pior: depois de dois grandes fiascos seguidos, tomou parte de algumas produções obscuras e só retornou ao relativo prestígio em 2002, quando assumiu o papel principal de "CSI: Miami".

Esquecível e quase constrangedor, "Jade" é uma mancha na carreira de William Friedkin, apesar de sua opinião contrária. Talvez sirva para madrugadas insones - mas mesmo assim só se não houver mais nenhuma opção.

sexta-feira

MUITO GELO E DOIS DEDOS D'ÁGUA

 


MUITO GELO E DOIS DEDOS D'ÁGUA (Muito gelo e dois dedos d´água, 2006, Globo Filmes/Lereby Productions, 108min) Direção: Daniel Filho. Roteiro: Alexandre Machado, Fernanda Young. Fotografia: Nonato Estrela. Montagem: Felipe Lacerda. Figurino: Marília Carneiro. Direção de arte: Cláudio Amaral Peixoto. Produção executiva: Iafa Britz. Produção: Daniel Filho. Elenco: Mariana Ximenes, Paloma Duarte, Laura Cardoso, Angelo Paes Leme, Thiago Lacerda, Carla Daniel, Aílton Graça. Estreia: 04/10/2006 

Não há quem possa negar a importância de Daniel Filho na história da televisão brasileira - é ele o responsável por alguns dos programas de maior repercussão e prestígio da Rede Globo, a quem ajudou a modernizar-se e estabelecer-se como uma das maiores emissoras do mundo. Criou e dirigiu novelas, séries, programas musicais - e marcou presença como ator em várias dessas produções. Seu talento indiscutível como homem de televisão, porém, não se repetiu no cinema - para onde investiu seu tempo com afinco desde o começo do século XXI. Apesar do sucesso de bilheteria, filmes como "A partilha" (2001) e "Se eu fosse você" (2006) - assim como sua sequência, de 2008 - ficaram muito aquém de sua capacidade artística, jamais conseguindo escapar dos vícios de produções televisivas. "Muito gelo e dois dedos d'água", lançado em 2006, é uma confirmação da regra: apesar de alguns nomes promissores na equipe, é uma comédia quase constrangedora, repleta de piadas de mau gosto e - salvo raras exceções - atuações que surpreendem  pelo exagero (mesmo que dentro da proposta de excessos impressa em cada centímetro de celuloide).

Uma mistura pouco inspirada de Pedro Almodóvar (no visual de cores berrantes e personagens à beira de um ataque de nervos) e comédia pastelão, "Muito gelo e dois dedos d'água" conta a história de uma vingança familiar com todas as probabilidades de fracasso: praticamente torturadas pela avó desde a infância, quando eram obrigadas a passar os verões sendo humilhadas, duas irmãs resolvem dar o troco na vida adulta. Suzana (Paloma Duarte, a melhor em cena) tem uma vida estável com Francisco (Thiago Lacerda) - um médico certinho e pouco afeito a sair da rotina - e um filho pequeno. Por sua vez, Roberta (Mariana Ximenes) nunca conseguiu se acertar com nenhum namorado e leva a vida em uma constante festa regada a álcool e drogas. Traumatizadas pelos abusos psicológicos sofridos quando crianças - quando sua avó, Judite (Laura Cardoso) não media esforços para ensiná-las regras inalcançáveis de etiqueta e educação -, as duas irmãs traçam um plano de revanche e sequestram a idosa, com o objetivo de levá-la (no porta-malas do carro) até o litoral de Alagoas e repetir com ela todas as pequenas torturas sofridas. No caminho, elas encontram outro desajustado não-assumido, Renato (Angelo Paes Leme), e passam a ser perseguidas pela polícia e pelo inconsolável Francisco.

 

É inacreditável que o roteiro de "Muito gelo e dois dedos d'água" seja de Alexandre Machado e Fernanda Young, autores de pequenas obras-primas do humor televisivo, como "Os normais" e "Os aspones": mesmo que seu senso de humor seja reconhecido em um momento ou outro do filme (especialmente em alguns diálogos de duplo sentido), na maior parte da produção o que se vê é uma sequência de piadas visuais que raramente funcionam, uma trama que flerta descaradamente com a escatologia (outra característica da dupla de roteiristas) e uma tentativa pouco feliz de brincar com a linguagem de animação - como os créditos de abertura deixam bastante óbvio. Tal objetivo - o de abandonar o realismo e assumir um tom de farsa - é relativamente atingido, mas o problema é que em nenhum momento o filme de Daniel consegue deixar de parecer um especial de televisão (mais ousado, é verdade, recheado de palavrões e nudez, mas ainda assim limitado artisticamente).

O que deixa a produção razoavelmente suportável é o elenco, ainda que nem todo mundo esteja em seus melhores momentos da carreira. Se Paloma Duarte surpreende com um registro cômico raro em sua trajetória, o desempenho de Thiago Lacerda, por exemplo, estaria mais adequado em programas de humor popular. Se Angelo Paes Leme encontra um caminho inteligente de mostrar uma face nova de seu talento, Mariana Ximenes sofre com uma caracterização escorada em clichês - e que atrapalha seu trabalho, por melhor atriz que ela seja. E a veterana Laura Cardoso, coitada, fica perdida em meio a um turbilhão de gritos, personagens superficiais e uma direção caótica (no mau sentido). Um passo em falso no currículo invejável de Alexandre Machado e Fernanda Young, "Muito gelo e dois dedos d'água" promete muito mais do que entrega - é uma comédia que provoca mais sorrisos amarelos e constrangedores do que risadas orgânicas e sinceras.

quinta-feira

A SUPREMA FELICIDADE

 


A SUPREMA FELICIDADE (A suprema felicidade, 2010, Ramalho Filmes, 121min) Direção: Arnaldo Jabor. Roteiro: Arnaldo Jabor, Ananda Rubinstein. Fotografia: Lauro Escorel. Montagem: Leticia Giffoni. Figurino: Valeria Stefani. Produção executiva: Andréa Ramalho. Produção: Arnaldo Jabor, Francisco Ramalho Jr., Lucia Seabra. Elenco: Jayme Matarazzo, Michel Joelsas, Marco Nanini, Dan Stulbach, Mariana Lima, Caio Manhente, Maria Flor, Elke Maravilha, João Miguel, Ary Fontoura, Maria Luísa Mendonça, Tammy Di Calafiori, Emiliano Queiroz. Estreia: 29/10/2010

Quem conhece a filmografia de Arnaldo Jabor deve ter levado um susto ao assistir a seu "A suprema felicidade": até pouco mais da metade do filme, quase nada leva a crer que o homem por trás de obras como "Eu te amo" (1980) e "Eu sei que vou te amar" (1986) - trabalhos verborrágicos, cínicos e sarcásticos - também é o autor de um olhar tão carinhoso e nostálgico sobre um Rio de Janeiro que só existe na memória e no coração de quem o conheceu. Ao deixar de lado o tom neurótico de suas produções mais celebradas e abraçar o caminho da saudade (que remete a Federico Fellini e seus mergulhos na metalinguagem), o polêmico cineasta acabou por revelar uma insuspeita simpatia à humanidade - através de sequências oníricas, personagens maiores que a vida (e paradoxalmente dotadas de grande sinceridade) e diálogos que se equilibram entre o poético e o mundano. Intercalando épocas distintas da vida de seu protagonista, o roteiro de Jabor (co-escrito por Ananda Rubinstein) apresenta um rico panorama pessoal e social das décadas de 40, 50 e 60, com um viés emocional que encontra respaldo na produção caprichada e em um elenco totalmente entregue à proposta do cineasta.

Sem filmar desde "Eu sei que vou te amar" - que deu à Fernanda Torres a Palma de Ouro no Festival de Cannes 1986 -, Arnaldo Jabor voltou ao cinema com um discurso mais suave, mais terno, mais delicado, quase radicalmente oposto a seus trabalhos anteriores, calcados em personagens à beira de constantes ataques de nervos. Seu protagonista em "A suprema felicidade" - uma espécie de alter ego pouco disfarçado - é Paulo, que, conforme vai amadurecendo, vai encontrando diversas formas de amor, desejo e solidão, em uma cidade capaz de lhe oferecer tanto momentos líricos quanto a dureza de uma civilização recém saída de uma guerra mundial. Aos oito anos de idade, Paulo é interpretado pelo carismático Caio Manhente - é 1945, o Brasil comemora o fim do conflito na Europa e o menino testemunha a relação ainda calorosa entre os pais, Marcos (Dan Stulbach) e Sofia (Mariana Lima), cuja história de amor remete a um passado mais feliz e colorido. Cinco anos mais tarde, é Michel Joelsas quem assume o posto de ator central, em uma fase onde o jovem começa a descobrir o amor ao mesmo tempo em que percebe as rachaduras na harmonia conjugal familiar. Aos dezenove (e justamente na fase mais crucial) quem interpreta Paulo é o fraco Jayme Matarazzo - e é nesse momento que a trama trai a autoria do diretor/roteirista: ao encarar a boemia carioca e seus desdobramentos, Paulo toma contato com prostitutas arriscando a vida, bêbados contumazes, uma possível amante do pai e a torturada Deise (Maria Flor) - uma típica personagem jaboriana, com traumas e neuroses que remetem diretamente a suas obras anteriores. 

 

Ao optar por uma estrutura narrativa que privilegia episódios independentes ao invés de uma trama sólida, com começo, meio e fim bem definidos, o roteiro impede o espectador de construir a conexão necessária com seu protagonista. Sua colcha de retalhos - com idas e vindas no tempo - dá vazão também à interessante ideia de homenagear (visual e tematicamente) estéticas cinematográficas nacionais, como a chanchada, musicais da Atlântida e o Cinema Novo: estão em cena os personagens caricatos da primeira, as marchas de carnaval de rua da segunda e o tom seco que acompanha a boemia trágica e crua da noite carioca que remete diretamente à influência do neorrealismo. Nem sempre todos esses elementos dialogam a contento, mas Jabor parece menos amargo do que em boa parte de sua filmografia, sendo capaz inclusive de lampejos de um otimismo quase piegas - uma sensação que só é eliminada graças à atuação impecável de Marco Nanini, que na pele do avô de Paulo, o idiossincrático Noel, rouba a cena com uma construção de personagem lúdica e comovente, capaz de minimizar os problemas do produto final.

E há problemas: o terço final de "A suprema felicidade" deixa claro a fragilidade do roteiro de Jabor e sua estrutura episódica. Paulo, seu protagonista, não tem a força necessária para angariar a simpatia incondicional do espectador, se comportando como a testemunha ocular de uma série aparentemente desconexa de acontecimentos e personagens soltos e rasos. A bem da verdade, não há uma história no filme, apenas situações que, juntas, compõem um álbum de recordações ora doces ora indigestos. Para sorte de todos - diretor e público - há um elenco que, apesar de tudo, alcança momentos de pura graça: Dan Stulbach e Mariana Lima estão soberbos como o casal que atravessa todas as fases de um casamento, e Maria Flor brilha como a neurótica Deise (talvez a única personagem que combina com o universo do cineasta). São eles (e de certa forma o acertado tom de leveza da fotografia e da edição) que impedem o último filme de Jabor (morto em 2022) de parecer anacrônico e superficial. Não deixa de ser irônico que um artista que deu ao mundo petardos como "Toda nudez será castigada" (1973) e "O casamento" (1975) - ambos baseados em obras de Nelson Rodrigues - tenha se despedido com um filme tão delicado e de bem com a vida.

quarta-feira

REVELAÇÃO

 


REVELAÇÃO (What lies beneath, 2000, 20th Century Fox/DreamWorks Pictures, 130min) Direção: Robert Zemeckis. Roteiro: Clark Gregg, história de Clark Gregg, Sarah Kernochan. Fotografia: Don Burgess. Montagem: Arthur Schmidt. Música: Alan Silvestri. Figurino: Susie DeSanto. Direção de arte/cenários: Rick Carter, Jim Teegarden/Karen O'Hara. Produção executiva: Joan Bradshaw, Mark Johnson. Produção: Jack Rapke, Steve Starkey, Robert Zemeckis. Elenco: Harrison Ford, Michelle Pfeiffer, Miranda Otto, James Remar, Diana Scarwid, Katharine Towne. Estreia: 18/7/2000

Em 2000, quando dirigiu "Revelação", o cineasta Robert Zemeckis já tinha no currículo uma comédia adolescente ("Febre de juventude"), um clássico da ficção científica juvenil ("De volta para o futuro" e suas continuações), um marco na interação entre live action e animação ("Uma cilada para Roger Rabbit"), um vencedor de múltiplos Oscar ("Forrest Gump: o contador de histórias") e uma adaptação de Carl Sagan ("Contato"). Faltava ainda exercitar seu músculo hitchcockiano e a oportunidade chegou na pausa das filmagens de "Náufrago" - enquanto Tom Hanks sofria para emagrecer o necessário para a segunda etapa dos trabalhos do filme que lhe daria mais uma indicação à estatueta, Zemeckis mergulhou em seu desejo de assustar os espectadores com uma trama que mistura fantasmas, assassinatos... e um Harrison Ford deixando de lado a persona heroica para dar vida a um personagem no mínimo dúbio. 

A um custo estimado de cem milhões de dólares - recuperado facilmente nas bilheterias ao redor do mundo, seduzido pela presença de Ford e da estrela Michelle Pfeiffer -, "Revelação" é uma exibição das técnicas de Zemeckis como diretor, um filme repleto de jogos de câmera, cortes rápidos, uso generoso da trilha sonora e exploração inteligente do som e da fotografia. Mas é, também, um filme com sérios problemas de roteiro e um desfecho atolado em clichês - problemas disfarçados por uma embalagem luxuosa proporcionada pelo orçamento milionário e por seus astros fotogênicos. Pfeiffer, linda e exuberante, brilha a maior parte do tempo - mesmo quando o roteiro apela para explicações sobrenaturais pouco críveis para uma trama que se propõe séria. Ford, por sua vez, só é devidamente aproveitado na segunda metade da história - mas não consegue fugir do tom monocórdio da maioria de seus trabalhos que não Indiana Jones. A dupla de atores - escolhas únicas do cineasta desde a concepção do projeto - apresenta uma química interessante que vai crescendo a cada sequência, mas ambos esbarram na preferência de Zemeckis em abusar de seus virtuosismos visuais em detrimento da consistência da história que deseja contar.

 

"Revelação" gira em torno do casal Spencer. Ele, Norman, é um cientista respeitado que tenta desesperadamente fugir da sombra do pai, igualmente prestigiado pela comunidade. Ela, Claire, é uma violoncelista que abandonou a carreira para cuidar do marido e da filha e que, um ano depois de um violento acidente de carro, se vê diante da solidão causada pela viagem de sua filha adolescente à universidade. Sozinha e entediada, Claire começa a acreditar que seu vizinho (James Remar) assassinou a esposa (Miranda Otto), a quem testemunhou chorando através da cerca de sua propriedade. Tal certeza coloca seu casamento em crise - agravada ainda mais quando a bela dona-de-casa passa também a ouvir vozes misteriosas e sentir presenças ameaçadoras em sua bela casa à beira de um lago de Vermont. Norman tem certeza de que sua esposa está passando por uma séria crise de nervos, mas a situação muda completamente quando tais eventos começam a remeter à identidade de uma jovem estudante desaparecida - cujo destino parece intimamente ligado à mansão dos Spencer.

A história concebida pelo também ator Clark Gregg - que coescreveu o roteiro com Sarah Kernochan - apresenta várias possibilidades para o espectador, mas infelizmente não consegue equilibrá-las a contento. Ao mesclar uma narrativa policial tradicional com elementos do mais puro terror sobrenatural, o filme parece derrapar em dois gêneros que, em mãos mais seguras, podem ser complementares - mas que sob o comando de Zemeckis nem sempre conseguem dialogar entre si. De talento mais que comprovado, o cineasta perde a mão ao enfatizar o suspense visual e deixar de lado o desenvolvimento de seus personagens - talvez mais uma homenagem a Hitchcock, que privilegiava a manipulação dos nervos do público através de artifícios narrativos visuais e sonoros. Em especial no ato final, a tensão assume um protagonismo tal que a trama em si soa ainda mais insignificante, como se servisse unicamente como vitrine das peripécias estilísticas de seu diretor. No final das contas, "Revelação" se mostra um filme de suspense acima da média, mas que fica aquém do talento de seu time - ao menos em termos de roteiro e consistência.

terça-feira

MEU PAI


MEU PAI (The father, 2020, Sony Pictures/Les Films du Cru/Film4/Orange Studio, 97min) Direção: Florian Zeller. Roteiro: Christopher Hampton, Florian Zeller, peça teatral de Florian Zeller. Fotografia: Ben Smithard. Montagem: Yorgos Lamprinos. Música: Ludovico Eunadi. Figurino: Anna Mary Scott Robins. Direção de arte/cenários: P
eeter Francis/Cathy Featherstone. Produção executiva: Daniel Battsek, Lauren Dark, Paul Grindey, Hugo Grumbar, Tim Haslam, Ollie Madden. Produção: Philippe Carcassone, Simon Friend, Jean-Louis Livi, David Parfitt, Christophe Spadone. Elenco: Anthony Hopkins, Olivia Colman, Olivia Williams, Rufus Sewell, Imogene Poots, Mark Gatiss, Ayesha Dharker. Estreia: 27/01/2020 (Sundance Film Festival)

6 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator (Anthony Hopkins), Atriz Coadjuvante (Olivia Colman), Roteiro Adaptado, Montagem, Direção de Arte/Cenários

Vencedor de 2 Oscar: Ator (Anthony Hopkins), Roteiro Adaptado

A cerimônia do Oscar 2021 - dirigida por Steven Soderbergh e realizada em plena pandemia de Covid-19 - estava programada e organizada para acabar com a vitória de Chadwick Boseman na categoria de melhor ator, por "A voz suprema do blues". Até mesmo a regra já consagrada de deixar o anúncio de melhor filme para o final do evento havia sido alterada para que Boseman - morto precocemente poucos meses antes, aos 43 anos - fosse homenageado com um prêmio póstumo. Para surpresa geral, no entanto - de Soderbergh, dos convidados e dos telespectadores ao redor do mundo -, os membros da Academia preferiram oferecer sua cobiçada estatueta a um antigo vencedor. Por seu desempenho avassalador em "Meu pai", o galês Anthony Hopkins saiu da temporada seu segundo e inesperado Oscar - que foi fazer companhia ao prêmio dos críticos de Boston e ao BAFTA. E até mesmo os fãs do protagonista de "Pantera Negra" foram obrigados a reconhecer que, apesar de seu bom trabalho, sua derrota para Hopkins foi absolutamente justa. Assim como já havia acontecido em 1992, com "O silêncio dos inocentes", basta alguns momentos para que se perceba que premiar outro intérprete seria algo inconcebível.

Um dos mais devastadores retratos do mal de Alzheimer registrados no cinema, "Meu pai" é o filme de estreia do francês Florian Zeller, também autor da peça teatral que lhe deu origem e corroteirista da adaptação - pela qual levou um Oscar, que dividiu com Christopher Hampton. Seu trabalho é minucioso e sensível: sem abandonar a origem de seu texto, Zeller se utiliza de todos os recursos cênicos do cinema como forma de potencializar a sensação de desorientação do protagonista. Não à toa seus principais destaques além do elenco - a edição e o desenho de produção - foram igualmente lembrados pela Academia, rendida à inteligência do autor em contar sua história de forma a mergulhar o espectador na mente confusa de seu personagem central: ao invés de simplesmente mostrar a fragmentação de suas memórias e pensamentos, o filme perturba a zona de conforto do público ao fazê-lo questionar, desde suas primeiras cenas, o que é realidade e o que é parte do transtorno mental de Anthony, um inglês octogenário que se vê sucumbindo rapidamente à demência que borra radicalmente as linhas divisórias entre os fatos e as armadilhas de sua mente.

 

Assistir a "Meu pai" é adentrar em um universo que impede qualquer tipo de certezas factuais. Logo na primeira cena, Anthony (em uma atuação nunca aquém de magistral de Hopkins) se vê encostado na parede por sua filha, Anne (Olivia Colman, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante), que tenta convencê-lo a aceitar os cuidados de uma enfermeira: ciente de que o pai está a cada dia mais confuso e perdendo a noção do que é real, ela também lhe informa que está em vias de sair de Londres e se mudar para Paris com o novo namorado. A partir daí, no entanto, o estado mental do octogenário entra em colapso absoluto, confundido nomes, datas, cenários, conversas e cronologias. O filme de Zeller, então, trabalha com a inconstância psicológica de seu protagonista através de uma edição primorosa, que embaralha as cenas e as situações decorrentes da premissa inicial. Em seus delírios (devidamente testemunhados por um atarantado espectador), Anthony confunde rostos e nomes, datas e situações, aposentos domésticos e até mesmo mantém como viva a memória de uma filha morta precocemente. Sua angústia atinge principalmente Anne, cuja vida não consegue progredir enquanto não resolver o problema de conviver com o mal de seu pai - uma questão que prejudica seu relacionamento com Paul (Rufus Sewell), pouco paciente com a falta de perspectivas em relação ao futuro.

"Meu pai" é uma obra-prima em todos os aspectos. Anthony Hopkins oferece ao público o maior desempenho de sua carreira - o que, se tratando do homem que legou ao cinema o apavorante Hannibal Lecter de "O silêncio dos inocentes" (1991) - e a direção segura de Florian Zeller nem de longe dá pistas de que este é seu trabalho de estreia. Sofisticado e inteligente ao mesmo tempo em que não foge da emoção mais primordial - uma das cenas finais arrancou lágrimas até mesmo da equipe, no momento da filmagem -, fica na memória do público graças à feliz confluência de elementos essenciais para um resultado dos mais sólidos do cinema recente. Uma pena que o filme seguinte do diretor, "Um filho" (2022) - que acompanha a relação entre um pai e seu filho com problemas com drogas - ficou muito abaixo das expectativas apesar da presença do esforçado Hugh Jackman.

 

segunda-feira

CORPO EM EVIDÊNCIA

 


CORPO EM EVIDÊNCIA (Body of evidence, 1992, Constantin Film/Dino De Laurentiis Company, 99min) Direção: Uli Edel. Roteiro: Brad Mirman. Fotografia: Douglas Milsome. Montagem: Thom Noble. Música: Graeme Revell. Figurino: Susan Becker. Direção de arte/cenários: Victoria Paul/Jerie Kelter. Produção executiva: Stephen Deutsch, Melinda Jason. Produção: Dino De Laurentiis, Martin Moscowicz. Elenco: Madonna, Willem Dafoe, Joe Mantegna, Jurgen Prochnow, Frank Langella, Anne Archer, Julianne Moore. Estreia: 15/01/93

Apenas noventa dias separam o lançamento do livro "Sex", do álbum "Erotica" e do filme "Corpo em evidência" e este fato não é mera coincidência. Além de girarem em torno de sexo (em suas mais complexas variações), os três produtos tem algo mais em comum: a cantora/atriz Madonna, então no auge de sua cruzada contra o conservadorismo e a hipocrisia vigente no mundo em geral e nos EUA em particular. Dirigido pelo alemão Uli Edel e produzido pelo veterano Dino De Laurentiis (que escolheu a estrela pop pessoalmente para o projeto), "Corpo em evidência" serviu como uma luva para os interesses messiânicos da artista, mas acabou se espatifando nas bilheterias. Com uma renda mundial de apenas 13 milhões de dólares - nem metade de seu custo - e críticas nem um pouco alvissareiras (em especial relacionadas ao fraco desempenho de sua atriz central), o filme acabou se tornando um dos maiores fiascos da década de 1990 e provou que, apesar do descomunal talento de Madonna em provocar e despertar polêmicas (além de suas óbvias qualidades musicais), sua trajetória no cinema ainda era um desafio a ser vencido. E nem mesmo a presença de atores respeitados como Willem Dafoe e Frank Langella conseguiu salvar o filme do desastre.

Assim como em "Instinto selvagem" - grande sucesso lançado meses antes e que também se utilizava do erotismo como chamariz de bilheteria -, "Corpo em evidência" lança mão de elementos policiais para contar uma história repleta de reviravoltas e com uma protagonista feminina de comportamento dúbio e sexualmente agressivo. Aqui a personagem central é Rebecca Carlson, a dona de uma galeria de arte que é acusada de provocar a morte de seu amante mais velho, Andrew Marsh (Michael Foster), vítima de um ataque cardíaco fulminante depois de uma agitada noite de sexo. O fato de cocaína ser encontrada no organismo da vítima - o que apressou a tragédia - e a notícia de que Rebecca é a maior beneficiária de seu testamento bastam para que a polícia a indicie e a leve a julgamento. Para defendê-la, Rebecca contrata os serviços do conservador Frank Dulaney (Willem Dafoe), que acaba sendo enredado em uma teia de sedução engendrada por sua cliente: os dois iniciam uma relação baseada em dominação e sexo violento, situação que o faz questionar a inocência de sua cliente. Conforme o relacionamento vai avançando, Dulaney parte em busca da verdade, que pode estar ligada à secretária de Marsh, a bela e discreta Joanne Braslow (Anne Archer).

 

Centrado em sequências que usam e abusam do corpo de Madonna e de sua falta de pudor em testar os limites da censura - o filme teve cenas cortadas em sua exibição nos EUA -, "Corpo em evidência" peca, no entanto, em desenvolver a contento os conflitos paralelos de sua trama. Não há profundidade alguma no roteiro de Brad Mirman, que perde preciosas oportunidades de explorar a tensa relação entre seus protagonistas - tanto em termos sexuais quanto éticos - e seus desdobramentos dramáticos (Julianne Moore interpreta a esposa de Dulaney, mas é subaproveitada em cenas quase constrangedoras). A trama policial tampouco é empolgante, caminhando em um ritmo que impede a conexão do espectador - e portanto seu interesse. Edel não consegue nem mesmo transformar as cenas eróticas em algo sexy, com uma fotografia escura que esconde os corpos de Madonna e Defoe mesmo em seus momentos mais quentes. Também não ajuda em nada o texto repleto de clichês e a atuação quase mecânica de seus atores - a começar por Madonna, incapaz de convencer como mulher fatal apesar de seus nítidos esforços. Nem particularmente bonita ela está, prejudicada por um figurino sóbrio em excesso, que apaga seu carisma de estrela - algo que ela recuperaria poucos anos depois, quando assumiu o papel-título do musical "Evita" (1996) e chegou a ganhar um Golden Globe de melhor atriz.

Para quem não exige muito de um filme policial com pitadas de erotismo, "Corpo em evidência" pode agradar, justamente por não tentar fugir dos elementos clássicos do gênero e tentar surpreender com um final tirado da manga. Como cinema é bastante problemático - desde o roteiro morno até a direção apática - e nem mesmo a oportunidade de discutir a polêmica prática do sadomasoquismo é aproveitada de forma inteligente. Não fosse a ousadia de apresentar cenas mais adultas do que a maioria das produções hollywoodianas, seria uma produção bastante esquecível - se não absolutamente medíocre. E não deixa de ser sintomático que um filme policial seja mais lembrado por uma sequência específica - Madonna queimando o peito de Willem Dafoe com cera quente - do que por sua trama.

sexta-feira

HELENO: O PRÍNCIPE MALDITO

 


HELENO: O PRÍNCIPE MALDITO (Heleno: O príncipe maldito, 2012, Downtown Filmes, 116min) Direção: José Henrique Fonseca. Roteiro: Felipe Bragança, Fernando Castets, José Henrique Fonseca, colaboração de L.G. Bayão, Roberto Ceuninck. Fotografia: Walter Carvalho. Montagem: Sérgio Mekler. Música: Berna Ceppas. Figurino: Rita Murtinho, Valeria Stefani. Direção de arte: Marlise Storchi. Produção executiva: Beto Bruno, Eliane Ferreira. Produção: José Henrique Fonseca, Eduardo Pop, Rodrigo Santoro, Rodrigo Teixeira. Elenco: Rodrigo Santoro, Alinne Moraes, Angie Cepeda, Othon Bastos, Erom Cordeiro, Herson Capri. Estreia: 30/3/2012

Décadas antes que jogadores de futebol se tornassem notícia mais por seus escândalos fora de campo do que por seu desempenho profissional - o que de certa forma já faz parte do cotidiano de quem acompanha o esporte -, um atleta talentoso e ídolo absoluto da torcida ilustrava páginas de jornais por seus ataques de estrelismo, suas rumorosas noitadas regadas a mulheres, álcool e drogas... e, nas horas vagas, por jogadas geniais que o marcaram indelevelmente no imaginário dos fãs. Heleno de Freitas, nascido em 1920 e morto em 1959 - com apenas 39 anos de idade - foi o maior ídolo alvinegro antes de Garrincha e um dos maiores artilheiros da história do Botafogo, além de formar, em 1945, junto com Zizinho, Jair da Rosa Pinto Tesourinha e Ademir de Menezes, um quinteto de ataque considerado como o melhor jamais escalado para a Seleção Brasileira. Suas façanhas profissionais, no entanto, por mais importantes, foram ofuscadas por seu comportamento errante nos bastidores - e sua luta contra os próprios demônios é o foco de "Heleno: o príncipe maldito", estupendo retrato de sua glória e decadência, sob a lente do cineasta José Henrique Fonseca e com a presença hipnotizante de Rodrigo Santoro no papel-título.

Heleno de Freitas não era um jogador de futebol comum. Filho do dono de um cafezal que também tinha negócios com papel e chapéus, tinha amigos na alta sociedade carioca, além de conviver com juristas, diplomatas e empresários. Formado em Direito pela UFRJ, foi descoberto quando jogava futebol na praia e tornou-se ídolo do Botafogo assim que chegou ao time, em 1940. Objeto de uma das maiores transações financeiras do futebol da época, chegou a jogar na Argentina antes de retornar ao Brasil - pelo Vasco da Gama - e dedicar seus últimos anos de carreira pulando de time em time (e arrumando problemas em todos eles). Casado com a bela Ilma (que no filme foi rebatizada como Sílvia e encontrou uma intérprete fabulosa em Alinne Moraes), Heleno nunca abandonou a boemia, as mulheres e os vícios em álcool e drogas como éter e lança-perfume - uma vida desregrada que cobrou um preço alto: internado em um sanatório nos últimos anos de sua vida, o ex-jogador viu a sífilis destruir completamente sua saúde física e mental, sofrendo de alucinações até seus momentos finais. 

Um dos produtores do filme, Santoro mais uma vez se entrega de corpo e alma, construindo um Heleno de Freitas sedutor e autodestrutivo na mesma medida, um homem capaz de encantar torcedores com a mesma desenvoltura com que passava as noites envolvido com todo tipo de excessos. Indo além da mera transformação física - que enfatiza o contraste entre seu auge como atleta e seu declínio como vítima de sífilis -, o ator busca a empatia do público através de uma atuação que evita ao máximo os clichês e encontra brechas emocionas mesmo tendo em mãos um personagem facilmente detestável. Poucos atores conseguiriam angariar simpatia para alguém tão arrogante e autocentrado, mas Santoro se aproveita de seu carisma e experiência para amenizar as características negativas de um anti-herói que era a cara de seu tempo. Sua química com Alinne Moraes (belíssima e sempre ótima atriz) amplia ainda mais o alcance catártico proposto pelo roteiro, que se sobressai como uma das mais dignas e bem cuidadas cinebiografias nacionais, enquanto foge da armadilha de um tema ainda pouco explorado a contento no cinema brasileiro, o futebol. E mesmo quando se propõe a investigar a maior paixão nacional, o filme de Fonseca não faz feio: graças à espetacular fotografia em preto-e-branco de Walter Carvalho e à edição precisa de Sérgio Mekler, "Heleno" é praticamente uma experiência imersiva, que simplesmente coloca o espectador no meio do gramado, acompanhando seu protagonista em decisivos momentos da carreira. São momentos em que a técnica se sobrepõe à emoção - e é impossível não se deixar conquistar pelo talento do cineasta em unir os dois extremos, especialmente quando são contrapostos de forma inteligente e elegante, com o auxílio luxuoso da maquiagem do mexicano Martin Macias Trujillo.

"Heleno" é um filme repleto de qualidades - técnicas e dramáticas. Isso não significa, porém, que não tem pequenos defeitos - que não comprometem o resultado final, mas o impedem de ser uma obra-prima. O excesso de vai-e-voltas do roteiro, por exemplo, atrapalha o ritmo - mas, ao mesmo tempo, sublinha a diferença entre o apogeu e a queda do jogador. A linha do tempo também não chega a ser exatamente clara, e quem não conhece detalhes e cronologia da história do atleta corre o risco de ficar perdido - mesmo que o roteiro tente ser o mais didático possível sem interromper o fluxo narrativo. Apesar disso, o visual deslumbrante e o elenco impecável - até mesmo nos menores papéis - comprovam o apurado senso estético e artístico de José Henrique Fonseca - filho do escritor Rubem Fonseca e com os ótimos "Traição" (1998) e "O homem do ano" (2003) no currículo. Um exemplo inequívoco das potencialidades do cinema brasileiro, "Heleno: o príncipe maldito" é também um ponto alto na carreira de Rodrigo Santoro.

JADE

  JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...