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domingo
OS DESAJUSTADOS
OS DESAJUSTADOS (The misfits, 1961, United Artists, 124min). Direção: John Huston. Roteiro: Arthur Miller. Fotografia: Russell Metty. Montagem: George Tomasini. Música: Alex North. Produção: Frank E. Taylor. Elenco: Clark Gable, Marilyn Monroe, Montgomery Clift, Eli Wallach, Thelma Ritter. Estreia: 01/02/61
"Para que algumas coisas vivam, outras precisam morrer." Essa fala um tanto fatalista da personagem de Clark Gable em "Os desajustados", não deixa de parecer um triste presságio a respeito dos atores principais do filme de John Huston. Lançado no início de 1961, o filme, baseado em um conto que Arthur Miller escreveu em Reno enquanto aguardava seu divórcio ser finalizado para que se casasse com Marilyn Monroe, foi o último trabalho não só da atriz e de Gable, mas também uma das derradeiras atuações do seu terceiro astro, Montgomery Clift, que finalizou apenas mais dois filmes nos cinco anos seguintes, que antecederam sua morte. De certa forma a frase escrita por Miller se aplica perfeitamente ao que aconteceu com todos eles: ao morrerem como pessoas de carne e osso se transformaram em mitos.
Primeiro foi Clark Gable, que teve um ataque cardíaco no dia seguinte ao término das filmagens e morreu dez dias depois. Dizem que os constantes atrasos de Marilyn ajudaram a comprometer a saúde do ator, que declarou no final do trabalho que estava feliz pela conclusão do filme, uma vez que ela (Monroe) esteve perto de lhe causar um enfarte. Mas o fato de Gable, aos 59 anos de idade, ter dispensado os dublês em algumas das cenas que exigiam maior esforço físico certamente teve sua parcela de culpa. Gable, que ficou com o papel inicialmente oferecido a Robert Mitchum, também teve problemas em seguir o estilo de interpretação de seus colegas de elenco. Tanto Marilyn quanto Montgomery Clift e Eli Wallach, que atuava como o piloto de aviação Guido, eram adeptos do famoso Método do Actor's Studio, o que pra ele, de uma geração anterior, soava como uma música que ele não compreendia. De uma certa tortuosa forma, Gable se sentia tão deslocado no set de filmagem quanto Gay Langland, sua personagem no filme, um cowboy fora de época.
Depois foi a vez de Marilyn Monroe. Demitida da Fox por constantes atrasos e dependência química em junho de 1962, ela não terminou aquele que seria seu último filme, "Something's got to give". Sem trabalho e rejeitada por todos os estúdios devido a seu problemático currículo, o símbolo sexual mais famoso da história foi encontrada morta em seu apartamento no dia 05 de agosto, vítima de uma overdose que até hoje suscita polêmica. Como sua personagem em "Os desajustados", a recém-divorciada Roslyn Taber, Monroe também conseguia transmitir, através de seus olhos luminosos, um amor pela vida que, a julgar pelo que acontecia por trás das câmeras, era apenas uma fachada para esconder uma personalidade triste e infeliz.
E em 1966 chegou a hora de Montgomery Clift. Um dos maiores galãs dos anos 50, admirado tanto por público quanto pela crítica, Clift passou toda a carreira (e a vida) em constante angústia em relação a sua sexualidade, o que não o impediu de entregar trabalhos fascinantes, como "Um lugar ao sol" (onde aproveitou sua personalidade torturada para construir uma belíssima atuação). Dono de um dos rostos mais bonitos de Hollywood, ele teve sua beleza física seriamente avariada depois de um acidente de carro em 1956 que quase o matou. A tragédia não o impediu de seguir oferecendo ao público trabalhos brilhantes, mas o afastou do estrelato. Em 23 de julho de 1966, foi encontrado morto em sua cama. Em "Os desajustados", sua personagem, Perce Howland, é provavelmente o mais sensível dos homens que se envolvem na vida da bela Roslyn, um aspecto emocional plenamente visível na biografia do ator.
"Os desajustados" é um belíssimo western crepuscular. O clima melancólico que perpassa cada sequência é de uma pungência que se torna ainda mais palpável tendo em vista o destino dos atores que estão em cena. Tudo começa quando a bela e delicada Roslyn Taber (Marilyn Monroe no momento mais sensual e belo de sua carreira) se divorcia e, no caminho para o tribunal, conhece o simpático Guido (Eli Wallach), um piloto de aviação que ganha a vida como mecânico. Viúvo, Guido oferece a casa onde morava com a esposa para que Roslyn passe um tempo em Nevada, ao lado de Gay Langland (Clark Gable, envelhecido mas melhor ator do que nunca), um velho amigo seu, que não tem uma residência fixa, vive como cowboy e tem problemas de relacionamento com os filhos. Quando Guido percebe que entre Roslyn e Gay começa a existir um sentimento maior do que simples amizade, passa a tentar conquistá-la, o que acaba acarretando sérios conflitos entre os três. As coisas ficam ainda mais feias depois que junta-se ao grupo o cowboy de rodeios Perce Howland (Montgomery Clift) e ela descobre que eles estão indo caçar cavalos selvagens para vender a quem os transforma em ração de animais.
Tudo em "Os desajustados" pode (e merece) ser visto de forma metafórica. Os desajustados do título tanto podem ser os cavalos selvagens caçados em cenas de extrema competência técnica quanto os protagonistas do filme, tão perdidos quanto os animais. Gay leva uma vida nômade, sem ãncoras, buscando a liberdade a todo custo. Perce ganha dinheiro em rodeios mas também sonha em nunca viver de um salário fixo, assim como não consegue se envolver de verdade em nenhum relacionamento. Guido é incapaz de deixar no passado o amor que sente pela falecida mulher, o que atrapalha sua vida sentimental. E Roslyn, no meio de três homens calejados, machucados pela vida, tenta dar a eles um rumo, um porto seguro, uma chance de recomeçar a viver, mesmo que perceba que talvez a pessoa errada seja ela.
"Os desajustados" é, no fundo, uma obra sobre a solidão e o desespero que une as pessoas. Mas é também, e principalmente, um belíssimo testamento de alguns dos maiores astros produzidos pelo cinema hollywoodiano.
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Um comentário:
Um filme totalmente desconhecido para mim.
Me deu vontade de ver !!!!!
[raspante.blogspot.com cinemapublico.blogspot.com]
hehehe
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