terça-feira

A OUTRA FACE


A OUTRA FACE (Face/Off, 1997, Touchstone Pictures/Paramount Pictures, 138min) Direção: John Woo. Roteiro: Mike Werb, Michael Colleary. Fotografia: Oliver Wood. Montagem: Steven Kemper, Christian Wagner. Música: John Powell. Figurino: Ellen Mirojnick. Direção de arte/cenários: Neil Spisak/Garrett Lewis. Produção executiva: Michael Douglas, Jonathan D. Krane, Steven Reuther. Produção: Terence Chang, Christopher Godsick, Barrie M. Osborne, David Permut. Elenco: John Travolta, Nicolas Cage, Joan Allen, Alessandro Nivola, Gina Gershon, Dominique Swain, Nick Cassavettes, Harve Pressnell, Colm Feore, John Carroll Lynch, CCH Pounder, Thomas Jane. Estreia: 27/6/97

Indicado ao Oscar de Efeitos Sonoros

O normal para um ator depois de ter ganho um Oscar e o respeito de seus pares é dedicar-se a uma carreira sólida, de preferência em filmes sérios e dramaticamente desafiadores. Comprovando sua aversão à normalidade, no entanto, Nicolas Cage resolveu seguir o caminho inverso. Premiado e elogiado por sua atuação no peso-pesado "Despedida em Las Vegas", o sobrinho de Francis Ford Coppola entrou de corpo e alma (mais corpo do que alma) em uma série de filmes de ação, frequentemente considerado pelos intelectuais como um gênero menor. Associando-se profissionalmente ao diretor Michael Bay e emprestando seu prestígio a filmes como o interessante "A rocha" e o óvio "Con Air, a rota da fuga", Cage completou seu ciclo de herói de filmes de ação com o melhor de todos eles, um filmaço capaz de deixar de queixo caído até o mais blasé dos espectadores: "A outra face", dirigido pelo chinês John Woo.

Considerado o mestre dos filmes de ação asiáticos, Woo chegou aos EUA pelas mãos do ator Jean-Claude Van Damme, para quem dirigiu "O alvo", um dos melhores filmes do belga que tencionava ameaçar a hegemonia de Stallone e Schwarzenegger no início dos anos 90. Admirado por nomes como Martin Scorsese e Quentin Tarantino, o cineasta já chegou à América com um respeitável currículo de nada menos que  25 filmes, dentre os quais algumas pérolas do gênero. Aqueles que assistiram a "O alvo" e gostaram não tinham nem ideia do que os esperava. Com um roteiro estupendo nas mãos - ainda que inverossímil em sua ideia central - Woo construiu uma verdadeira sinfonia onde até mesmo a extrema violência é revestida por uma poesia visual sem precedentes. Um exemplo dessa afirmação? Um longo tiroteio, perto do clímax do filme, quando, ao invés do barulho ensurdecedor de tiros e gritos, ouve-se a versão de Olivia Newton-John para "Over the rainbow". Assim é John Woo!

A trama de "A outra face" - aquela que é inverossímil mas ainda assim não incomoda o público por ser contada com sinceridade e seriedade - é rocambolesca e empolgante. Tendo seu filho assassinado em um atentado contra a sua própria vida, o policial Sean Archer (John Travolta) passa a dedicar-se obsessivamente à caça do criminoso, Castor Troy (Nicolas Cage), estudando cada movimento seu. Quando finalmente consegue alcançá-lo vê seu rival entrar em coma após uma violenta perseguição. Acontece que, antes de ir parar no hospital, Troy plantou uma bomba em um lugar cuja localização só quem sabe é seu irmão, Pollux (Alessandro Nivola). Para tentar impedir a explosão da bomba, a polícia propõe um perigoso jogo a Archer: fazer uma complexa cirurgia de transplante de rosto e, assumindo o lugar de seu inimigo, fazer com que Pollux entregue os detalhes do plano. Mesmo contra a vontade da esposa, Eve (Joan Allen), o detetive aceita a missão quase impossível e vai parar em uma prisão de segurança máxima. Enquanto está lá, porém, o impensável acontece: Troy acorda do coma e, ao saber dos planos da polícia, mata todos os envolvidos na trama e assume o lugar de Sean Archer.


O roteiro de "A outra face" é um primor de ritmo, mal deixando o público respirar entre uma sequência de ação e outra e surpreendendo-o com reviravoltas e surpresas realmente imprevisíveis. Mas o que chama a atenção daquela parcela da audiência que exige algo mais do que simplesmente injeções de adrenalina a cada quinze minutos é a maneira carinhosa com que John Woo trata suas personagens, dando a elas um senso de humanismo raro no gênero. Castor Troy, apesar de ser um criminoso sanguinário, quase pedófilo e debochado, nutre um verdadeiro afeto por Pollux e pelo filho pequeno - a maneira como amarra o cordão de seus sapatos, por exemplo, fala muito sobre sua personalidade. Sean Archer, apesar de ser um ótimo profissional e pai de família exemplar, lida de maneira quase fria e distante com a esposa e a filha Jamie (Dominique Swain, a Lolita da versão de Adrian Lyne), incapaz de lidar com o sentimento de culpa pela morte do filho pequeno. E a forma como John Woo orquestra a relação entre Eve e seu falso marido daria muito pano pra manga em discussões psicológicas. Ao contrário de frear o ritmo alucinante do roteiro, as pausas na correria apenas demonstram o cuidado com que tudo é tratado nas competentes mãos do diretor.

Idealizado como um projeto para a dupla Stallone/Schwarzenegger e posteriormente tendo o produtor Michael Douglas e Harrison Ford como prováveis protagonistas, "A outra face" encontrou em Nicolas Cage e John Travolta a dupla perfeita, especialmente Travolta. Usufruindo do respeito amealhado por seu trabalho em "Pulp fiction", o ator se diverte às pampas, principalmente quando adquire a personalidade do vilão Castor Troy e pode fazer uso de suas expressões canalhas e mau-caráter. Enquanto isso, Cage não tem medo de explorar toda a sua veia de canastrão, abusando das caras e bocas. No meio deles, sobressai mais uma vez a atuação sensível de Joan Allen e da revelação Alessandro Nivola, que constrói um Pollux cheio de sutilezas e olhares discretos. Sensível a seus atores, John Woo jamais os deixa de lado para construir ambiciosas cenas de explosões ou perseguições automobilísticas. E isso faz toda a diferença.

Mesmo com tantos filmes de aventura sendo lançados anualmente - e cada vez com uma quantidade maior de efeitos visuais e sonoros - "A outra face" se mantém como um dos seus exemplares mais perfeitos. Bem escrito, bem dirigido e com dois atores no auge de sua fama nos papéis centrais, é tão excitante em uma revisão quanto o foi em sua estreia.

7 comentários:

Equipe Cinema Detalhado disse...

Bom filme do Travolta, eu indico sempre aos amigos! Belo texto !

abs

Thomás R. Boeira disse...

Um grande filme de ação!

Abraço,
Thomás
http://www.brazilianmovieguy.blogspot.com/

renatocinema disse...

Concordo quando diz que Nicolas Cage fez o caminho inverso.

Infelizmente ele não seguiu um bom caminho, na minha visão, depois de Despedida em Las Vegas.

Cristiano Contreiras disse...

Muito bom seu texto, captou bem a essência do filme - ao meu ver, Travolta está em um momento inspirado, viu. Gosto muito da atuação dele, Cage não compromete. abs

Rafael W. disse...

Também acho ótimo, diversão de primeira!

http://cinelupinha.blogspot.com/

Silvano Vianna disse...

Muito bom esse filme. O Travolta vai muito bem, rouba a cena. Tem tempos que ele não faz uma boa atuação dessas, aliás tempos que ele não faz um bom filme....

! Marcelo Cândido ! disse...

Filme para ser revisto...

JADE

  JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...