PROCURA-SE AMY (Chasing Amy, 1997, View Askew Productions, 113min) Direção e roteiro: Kevin Smith. Fotografia: David Klein. Montagem: Scott Mosier, Kevin Smith. Música: David Pirner. Figurino: Christopher Del Coro. Direção de arte/cenários: Robert 'Ratface' Holtzman/John Carlucci, Susannah McCarthy. Produção executiva: John Pierson. Produção: Scott Mosier. Elenco: Ben Affleck, Jason Lee, Joey Lauren Adams, Dwight Ewell, Kevin Smith, Jason Mewes. Estreia: 04/4/97
Não se deixe enganar pela singeleza da frase de efeito do cartaz, que diz "Não importa quem ama, mas sim como você ama." Apesar de levantar questões bastante interessantes e ser claramente simpático à causa gay, "Procura-se Amy" não tenta dar lições de moral ou soar como dono da verdade. A comédia romântica do diretor independente Kevin Smith - realizada com uns trocados e relativamente bem-sucedida comercialmente - tem como objetivo simplesmente contar uma história de amor diferente e, de quebra, tentar jogar uma luz nos relacionamentos homem/mulher dos anos 90. Utilizando-se de sua característica ironia e de seu humor calcado nitidamente na cultura pop, o cineasta de Nova Jersey conseguiu criar seu melhor e mais bem acabado filme antes de ingressar de vez no mainstream com o polêmico "Dogma", de 1997.
Conhecido como diretor dos cultuados "O balconista" e "Barrados no shopping", Kevin Smith - uma figura bizarra, tipicamente nerd e também ator em seus projetos - caiu nas graças da crítica justamente por conseguir fazer filmes ridiculamente baratos e donos de uma personalidade própria. Em "Procura-se Amy" ele atinge o perfeito equilíbrio entre seus diálogos engraçadíssimos, suas referências culturais (quadrinhos, filmes e música) e sua alma de cineasta independente. Deixando de lado sua tendência a piadas escatológicas, ele criou um retrato acurado sobre as relações amorosas da juventude classe média anos 90, com todas a sua diversidade sexual. Longe de ser um filme cujo público-alvo seja a plateia gay, "Amy" é a prova perfeita de que um bom roteiro pode fazer milagres. Até mesmo arrancar uma atuação decente de Ben Affleck.
Ainda antes de tornar-se um astro conhecido, vencedor do Oscar - de roteiro, por "Gênio indomável" - e cineasta, Affleck até convencia como ator. Pelo menos em "Procura-se Amy" ele dá o melhor de si, em uma interpretação senão espetacular, ao menos bastante convincente. Ele vive Holden McNeil, autor de uma popular revista em quadrinhos chamada "Bluntman and Chronic" que tem uma relação de amizade e confiança há mais de vinte anos com seu sócio Banky Edwards (Jason Lee). A estreita relação entre os dois sofre um abalo quando ele se apaixona por outra quadrinista, Alyssa Jones (Joey Lauren Adams), que além de jovem, bela e talentosa, é lésbica. Banky não acredita que a relação entre o novo casal vai dar certo - por pelo menos uma boa razão - e isso acaba atrapalhando inclusive o equilíbrio profissional entre os dois. As coisas se complicam quando seu medo de ver Holden machucado torna-se real: compreensivo a respeito das aventuras gays da namorada, o rapaz tem a incapacidade de aceitar seu passado heterossexual.
Kevin Smith tem um rasgo de inteligência ao colocar como maior empecilho à felicidade entre Holden e Alyssa não sua preferência sexual, e sim seu passado. É como se ele dissesse que em toda relação sempre existe algo imperdoável, seja essa relação hetero ou homossexual, e que cabe aos maiores interessados a decisão de relevar ou não tais "erros". O roteiro, recheado de diálogos saborosos a respeito de sexo (alguns até mesmo bastante contundentes) consegue manter-se neutro, sem julgar Holden e seus preconceitos, levando a plateia a entender suas dúvidas - mesmo que provavelmente vá achá-las um tanto exageradas. São nessas horas que Ben Affleck demonstra que, quando bem dirigido, pode ser um ator razoável. É exemplar a cena em que seu Holden declara-se à Alyssa, quando fica claro até ao mais otimista espectador que relacionamentos não são exatamente fáceis e que seres humanos são mais do que simplesmente gays ou heteros. Aliás, é preciso destacar também o trabalho do ótimo Dwight Ewell, que, em suas poucas interferências na trama, dispara as melhores e mais cáusticas piadas, normalmente a respeito de homossexualidade e racismo, citando inclusive a saga "Star Wars" (o que trai a influência nerd na carreira de Smith).
De certa forma valorizado pelo ótimo timing cômico de Jason Lee e prejudicado pela voz irritante de sua protagonista Joey Laurel Adams - namorada do cineasta à época das filmagens - "Procura-se Amy" é, no entanto, uma pérola a ser descoberta. Hilariante e romântico, é recomendável a qualquer público que estiver disposto a fugir dos lugares-comuns das comédias românticas e dar boas risadas. Ao quebrar a certeza de que "gay é gay e hetero é hetero", o diretor embaralha as cartas da sexualidade humana sem pretender dar nenhuma palavra final. O que ele quer dizer mesmo é que todos, independente de quem leva para a cama, procura sua cara-metade (e a longa e brilhante fala de Alyssa a respeito disso reitera essa afirmação). De quebra, tem uma discreta profundidade que seu diretor nunca mais conseguiu atingir - com a possível exceção do já citado "Dogma". Um filme com aura de cult!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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3 comentários:
Amei o filme. Adoro Smith, apesar dele ser nerd e uma figura bizarra (se bem que seus últimos trabalhos tem um lado meio comum).
Das obras dele, um dos meus prediletos.
Belo texto.
Concordo, é o melhor e mais bem acabado filme de Kevin Smith, além de ser o mais simpático também.
Abraço
É o melhor do "mestre" Smith. Muito bom mesmo. Tem um texto das antigas lá no Cinema Detalhado, da uma conferida depois.
Abraços!
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