terça-feira

ADAPTAÇÃO

ADAPTAÇÃO (Adaptation, 2002, Good Machine, 114min) Direção: Spike Jonze. Roteiro: Charlie Kaufman, David Kaufman, livro "O ladrão de orquídeas", de Susan Orlean. Fotografia: Lance Acord. Montagem: Eric Zumbrunnen. Música: Carter Burwell. Figurino: Casey Storm. Direção de arte/cenários: K.K. Barrett/Gene Serdena. Produção executiva: Charlie Kaufman, Peter Saraf. Produção: Jonathan Demme, Edward Saxon. Elenco: Nicolas Cage, Meryl Streep, Chris Cooper, Brian Cox, Maggie Gyllenhaal, Ron Livingstone, Tilda Swinton, Cara Seymour, Judy Greer. Estreia: 06/12/02

4 indicações ao Oscar: Ator (Nicolas Cage), Ator Coadjuvante (Chris Cooper), Atriz Coadjuvante (Meryl Streep), Roteiro Adaptado
Vencedor do Oscar de Ator Coadjuvante (Chris Cooper)
Vencedor de 2 Golden Globes: Ator Coadjuvante (Chris Cooper), Atriz Coadjuvante (Meryl Streep)

Depois de fazer sucesso como roteirista de “Quero ser John Malkovich”, pelo qual foi até mesmo indicado ao Oscar, o escritor Charlie Kaufman (Nicolas Cage) recebe a proposta de adaptar para as telas o livro “O ladrão de orquídeas”, da jornalista Susan Orlean (Meryl Streep). Ao ler a obra, no entanto, Kaufman entra em pânico: o livro, que conta a história do botânico John Laroche (Chris Cooper) não tem uma forma linear, ou pior ainda, não tem nem história. Em total crise de criatividade, Charlie ainda tem que aturar em sua própria casa as idéias de Donald (novamente Cage), seu irmão gêmeo, que também ambiciona a carreira de roteirista e está escrevendo um filme completamente sem pé nem cabeça, mas que, por ironia, agrada em cheio aos executivos de Hollywood. Sem saber que rumo tomar, Charlie chega a criar uma inexistente história de amor entre a escritora e seu objeto de estudo e, em momento de total desamparo, a procurar a ajuda de um professor de cursos de roteiro, um charlatão profissional que vive de ensinar aos sonhadores autores de cinema a fórmula do sucesso (vivido magistralmente por Brian Cox). No ápice do desespero, Charlie tenta, então, sua cartada mais absurda: pede ajuda a seu irmão, que transforma o livro de Orlean em uma trama de tráfico de drogas, violência e sexo.

Neste brilhante exercício de metalinguagem, o excepcional Charlie Kaufman conseguiu superar a si próprio. Enquanto “Quero ser John Malkovich” era um primor de criatividade e humor negro, “Adaptação” é a afinação de uma mente no mínimo enlouquecida. Ao criticar a própria indústria hollywoodiana com todas as suas idiossincrasias e incoerências, ele criou um filme que todos os roteiristas de cinema poderiam sonhaR criar: inteligente, engraçado e absolutamente inovador, pra não dizer quase esquizofrênico. Quando a agente do roteirista Kaufman, vivida no filme por Tilda Swinton diz, a certo momento que adoraria entrar na sua mente, só o que podemos pensar é que ela não é a única. Charlie Kaufman é tão louco que assina seu roteiro como se o tivesse escrito ao lado do irmão Donald, que na verdade nem existe. E pensar que a Academia indicou (a ambos) para um Oscar.

 

“Adaptação” não é um filme para qualquer público. Suas sutilezas são tantas que só mesmo aqueles que conhecem razoavelmente as engrenagens do cinema conseguem captar de imediato. Um exemplo claro: quando Donald, o irmão enlouquecido de Charlie começa a ajudar no processo de escrita do filme, a obra de Jonze muda totalmente de estilo. De uma narrativa clássica e com intenções sérias, vira um samba do crioulo doido, com direito a perseguições de carro, tiroteios e até um jacaré salvador. Erro de direção? Não, erro de percepção do público. E é aí que entra o talento do diretor Spize Jonze, que já havia trabalhado com um texto de Kaufman no supra citado “Quero ser John Malkovich”.
Egresso de videoclipes, Jonze parece não dar a mínima para as regras de se fazer cinema. Criativo, ousado, por vezes delirante, o cineasta não busca as soluções mais fáceis. Ele quer complicar, quer fazer o povo pensar e rir de si mesmo. E o faz com a ajuda inenarrável de seu elenco. Nicolas Cage nunca esteve melhor em sua carreira (nem mesmo em “Despedida em Las Vegas”, que lhe deu um Oscar), em uma atuação dupla absurdamente engraçada; Chris Cooper levou sua estatueta pelo complexo John Laroche, que dependendo do ponto de vista de cada autor, tinha uma personalidade distinta. E Meryl Streep prova mais uma vez porque é a melhor atriz americana em atividade. Na pele da sensível escritora Susan Orlean (cujo livro existe de verdade, mas não tem absolutamente nada a ver com o filme), Streep rouba todas as cenas em que aparece, fazendo uma personagem totalmente distante do que estamos acostumados a vê-la.

"Adaptação" é tão bom, mas tão bom, que até mesmo seu trailer vale a pena assistir, de tão irônico. Não é um humor de fácil assimilação, mas é uma aula de roteiro e metalinguagem como raramente se vê nesses tempos em que tudo chega ao público de forma mastigadinha e preguiçosa.

Um comentário:

renatocinema disse...

Ótimo texto para um ótimo filme.

Adoro as viagens de Adaptação e concordo quando você fala sobre as sutilezas da obra.

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