segunda-feira

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA



ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA (Blindness, 2008, 02 Filmes, 121min) Direção: Fernando Meirelles. Roteiro: Don McKellar, romance de José Saramago. Fotografia: César Charlone. Montagem: Daniel Rezende. Música: Uakti. Figurino: Renée April. Direção de arte/cenários: Matthew Davis, Tulé Peak. Produção executiva: Simon Channing Williams, Gail Evan, Akira Ishii, Victor Loewy, Tom Yoda. Produção: Andrea Barata Ribeiro, Niv Fichman, Sanoko Sakai. Elenco: Julianne Moore, Mark Ruffalo, Danny Glover, Alice Braga, Gael Garcia Bernal. Estreia: 14/5/08 (Festival de Cannes)

Quando foi publicado em 1999, "Ensaio sobre a cegueira" encantou a crítica e deu a oportunidade ao escritor português José Saramago de ganhar o Nobel de Literatura. Logicamente, o sucesso editorial não passou despercebido aos produtores de cinema, que viram no livro uma história potencialmente forte, a despeito de sua complexidade narrativa - as personagens não tinham nome, e falar sobre uma epidemia de cegueira não é exatamente palatável ao grande público do cinema comercial. No entanto, Saramago apoiou a ideia - desde que o filme não definisse um país específico, da mesma forma que ele havia feito no romance. Com a chegada de Fernando Meirelles - em alta depois de "Cidade de Deus" e "O jardineiro fiel" - ao projeto, tudo parecia estar fadado ao sucesso. De certa forma a expectativa se cumpriu - a adaptação consegue ser o mais fiel possível ao livro - mas a plateia praticamente ignorou o lançamento, assim como a crítica. Um erro imperdoável.

Certamente a versão para o cinema de "Ensaio sobre a cegueira" não é um filme para todo tipo de público. É cru, é seco, é quase desagradável - apesar do cuidado com a produção tentar extrair o máximo de poesia de cenas tensas como um estupro coletivo ou o retorno da população à bárbarie nas ruas vazias de vida e compaixão. Não cai na tentação de explicações fáceis ou clichês visuais. E principalmente não poupa a audiência de fazer aquilo que 90% das produções comerciais poupa: fazer pensar muito tempo depois do final da sessão. Imbuídas de simbolismos e metáforas, as obras tanto de Saramago quanto de Meirelles conquistam justamente por essa coragem de fugir do banal e mostrar ao público uma face de sua personalidade que muitas vezes ele não quer ver.


A primeira sequência do filme - e do livro - já é impactante o suficiente. Um homem sadio, bem-sucedido e jovem, de repente para seu carro em uma movimentada rua de uma cidade grande nunca identificada. Sem nenhuma razão aparente, ele ficou cego, mas de uma cegueira branca, diferente da escuridão normalmente ligada à condição. Seu desespero acaba por estender-se a seu oftalmologista (Mark Ruffalo), que acorda no dia seguinte sofrendo do mesmo mal. Aos poucos, centenas de pessoas estão contaminadas e são recolhidas a um abrigo providenciado pelo governo. Não demora para que, sendo legítimos representantes da espécie humana (e personagens de Saramago, não exatamente um exemplo de otimismo em relação à espécie), os habitantes dos abrigos comecem uma guerra interna, o que deixa claro o caráter de cada um. Quem começa a bagunça é um homem que se autointitula Rei da Ala 2 (Gael García Bernal, construindo um vilão na medida exata), que, aproveitando-se da situação, envolve todos em uma escala de violência física e psicológica. Quem testemunha tudo e tenta manter-se calma é a esposa do oftalmologista (Julianne Moore), que não foi contaminada mas preferiu acompanhar o marido ao retiro forçado.

Demonstrando que seu talento está longe de ser fogo de palha, Fernando Meirelles constrói um exercício de tensão e angústia, valorizando o que o romance tem de melhor (sua investigação sobre a forma como as pessoas se comportam diante de situações extremas) sem apelar para o sentimentalismo ou o choque fácil. Sua câmera desfila pelo asilo sem interferir no desenrolar do drama e sem exagerar nas cenas mais difíceis (um estupro coletivo, por exemplo, deu muito o que falar, mas é filmado de maneira quase poética e editado com cuidado extremo). O que o roteiro deixa um pouco a desejar, no entanto, é no fato de quase ignorar a história de amor nascente entre a jovem prostituta vivida por Alice Braga e o idoso afro-americano interpretado por Danny Glover, que percebem o amor surgindo sem que seja preciso que se vejam. A trama é ligeiramente citada no terço final do filme, mas sem o impacto que poderia apresentar.

Definitivamente, "Ensaio sobre a cegueira" não é para qualquer um. Nem mesmo entre os fãs do livro existe a unanimidade. Mas é forte, inteligente e não subestima o bom gosto do espectador. Ainda não foi dessa vez que Meirelles decepcionou.

2 comentários:

Marcelo Keiser disse...

Excelente trabalho de Meirelles. Mas precisa ter estômago, senão...você acaba perdendo o melhor do filme.

abraço

Anônimo disse...

Esperava bem mais do filme, o que salva é a irretocável atuação de Julianne Moore

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