sexta-feira

HAIR


HAIR (Hair, 1979, United Artists, 121min) Direção: Milos Forman. Roteiro: Michael Weller, peça musical de Gerome Ragni, James Rado. Fotografia: Richard Kratina, Miroslav Ondricek, Jean Talvin. Música: Galt MacDermot. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Stuart Wurtzel/George DeTita. Produção: Michael Butler, Lester Perksy. Elenco: John Savage, Treat Williams, Beverly D'Angelo, Annie Golden, Dorsey Wrigth. Estreia: 14/5/79

De sua estreia nos palcos off-Broadway, em outubro de 1967, até o lançamento de sua adaptação para o cinema, em maio de 1979, o musical "Hair" passou, de celebração da contracultura e do movimento hippie, a um espetáculo nostálgico que servia mais como lembrança de um período histórico relativamente recente do que como uma obra transgressora sobre um estilo de vida alternativo. Montado em diversos países, incluindo o Brasil, "Hair" até esteve na mira de Hollywood em seus primeiros anos em cartaz - George Lucas chegou a ser convidado para dirigir uma versão, mas preferiu dedicar-se a "Loucuras de verão" (1973) -, mas demorou até que realmente encontrasse um caminho para as telas. E quando o fez, desagradou profundamente seus autores, Gerome Ragni e James Rado. Com uma trama diferente do original, canções apresentadas fora da ordem estabelecida pela peça e personagens com personalidades alteradas pelo roteiro de Michael Weller, "Hair" ficou quase irreconhecível como filme - e isso que o diretor Milos Forman já sonhava com sua adaptação para o cinema desde os primeiros meses de sua exibição nos teatros.

Primeiro filme de Forman desde a chuva de Oscar para seu "Um estranho no ninho" (1975), "Hair" não chegou a ser um sucesso de bilheteria, mas agradou à crítica, a chegou a ser indicado ao Golden Globe de melhor comédia/musical. Forman, fã do original - que estava tentando montar em sua terra natal , Prag,  quando a Rússia invadiu a Tchecoslováquia - assumiu as rédeas do projeto com que sonhava desde que assistiu à montagem antes da Broadway, e fez o severo crítico Roger Ebert compará-lo favoravelmente ao clássico "Amor, sublime amor" (1960). Segundo Ebert, a versão do espetáculo conseguia ressuscitar os musicais da mesma forma que o filme de Jerome Robbins e Robert Wise. Boa parte da responsabilidade do entusiasmo da imprensa deve ser creditada à trilha sonora de Galt MacDermot, que inclui a antológica "Age of Aquarius", que abre o filme e imediatamente mergulha o espectador em um universo em que hippies e pacifistas convivem - nem sempre tranquilamente - com uma sociedade que envia seus filhos à guerra do Vietnã enquanto organizam jantares sofisticados e cheios de normas de etiqueta: não à toa, um dos momentos-chave do filme acontece em uma dessas reuniões, quando um dos protagonistas, George (Treat Williams) lidera uma invasão que choca os "cidadãos de bem" e seduz a elegante Sheila (Beverly D'Angelo) para seu grupo de manifestantes contra o sistema.

A trama de "Hair" - ao menos em sua versão cinematográfica - apresenta dois protagonistas de personalidades opostas que acabam por ter seus destinos misturados durante o efervescente período em que os EUA estão em um momento crítico de luta pelos direitos civis e no auge da famigerada guerra no Vietnã. Vindo de Oklahoma e alistado no exército está Claude Bukowski (John Savage). Liderando um grupo de hippies que transitam por Nova York está George Berger (Treat Williams). Aparentemente incompatíveis, os dois rapazes se tornam amigos e o ingênuo Claude conta com a ajuda dos novos companheiros para encontrar um meio de conquistar a - à primeira vista - inalcançável Sheila Franklin (Beverly D'Angelo), por quem se apaixonou ao vê-la cavalgando no Central Park. Nesse meio-tempo, o inocente rapaz do interior passa a comungar com os ideais do grupo de George, jovem que pregam a liberdade e a paz a qualquer custo. Quando ele finalmente sai da cidade e junta-se a seus colegas soldados, a diferença entre os dois grupos fica ainda mais explícita - e o discurso anti-guerra de seus novos amigos torna-se ainda mais certeira.

 

Filme de abertura do Festival de Cannes 1979 - apresentado fora de competição -, "Hair" é um musical no sentido exato do termo. Seus números de música, com coreografias de Twyla Tharp, comentam a ação e empurram a trama adiante de forma orgânica, apesar da diferença da ordem em que eram apresentadas no original dos palcos. O roteiro de Michael Weller também enfatiza a divergência entre George e Claude ao transformar o segundo em um jovem do interior que entra na guerra como voluntário - e não o líder do grupo hippie que tenta evitar sua participação no conflito. A mudança na personalidade de Claude é, provavelmente, a mais inquietante do filme, e o que provocou a maior parte das críticas em relação à adaptação. É inegável, porém, que as artimanhas de Weller para conquistar a simpatia do público a seus personagens, funciona muito bem no filme. A transformação de Claude é crível, especialmente porque Milos Forman faz questão de retratar George e seus seguidores sob luzes bem mais simpáticas do que aquelas reservadas para os milionários que servem de vilões. Ok, é tudo um bocado maniqueísta, mas a ingenuidade da obra original também o era, e tal característica acaba por ser muito útil para a felicidade do produto final - mesmo que ele seja quase uma obra nova para quem assistiu à peça.

"Hair" é, ainda, o retrato de uma época cuja inocência caminhava lado a lado com a violência, e na qual a juventude ainda tinha ideais próprios para servir de munição para suas batalhas. A direção de Milos Forman - que, a julgar por "Um estranho no ninho", tinha sua dose de inconformismo - conduz a narrativa sem percalços e em determinados momentos chega a ser quase brilhante. O carisma dos dois atores centrais, Treat Williams e John Savage (que também estava no elenco de outro filme sobre o Vietnã, o premiado "O franco-atirador"), segura o interesse do espectador, e o final, dono de uma ironia comovente, fecha a história com chave de ouro. É de se imaginar, porém, como seria o filme se duas celebridades musicais tivessem sido aprovadas em seus testes: Madonna e Bruce Springsteen tentaram vagas no elenco e não há dúvidas de que suas presenças acrescentariam um motivo a mais para se conferir um dos musicais obrigatórios da história do cinema.

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