O ÚLTIMO DUELO (The last duel, 2021, 20th Century Studios/Pearl Street Films/Scott Free Productions, 152min) Direção: Ridley Scott. Roteiro: Ben Affleck, Matt Damon, Nicole Holofcener, livro de Eric Jager. Fotografia: Darius Wolszki. Montagem: Claire Simpson. Música: Harry Gregson-Williams. Figurino: Janty Yates. Direção de arte/cenários: Arthur Max/Judy Farr. Produção executiva: Madison Ainley, Kevin Halloran, Drew Vinton. Produção: Ben Affleck, Matt Damon, James Flynn, Jennifer Fox, Nicole Holofcener, Morgan O'Sullivan, Ridley Scott. Kevin J. Walsh. Elenco: Matt Damon, Adam Driver, Jodie Comer, Ben Affleck. Estreia: 10/9/2021 (Festival de Veneza)
Pode parecer estranho que
um filme sobre duelos medievais– via de regra um terreno fértil para
demonstrações de virilidade e violência – possa caber tão confortavelmente em
discussões contemporâneas, mas é impossível chegar ao final da sessão de "O último duelo" sem a sensação de que, apesar de estarmos seis séculos separados
cronologicamente das desditas de sua protagonista feminina, Marguerite de
Thibouville, nunca estivemos tão perto delas em termos comportamentais. Ao
acrescentar um assunto tão premente como o machismo estrutural em uma trama que
do contrário poderia inserir-se como apenas mais uma produção fadada ao
esquecimento, a adaptação do livro de Eric Jager – anunciada pela primeira vez
em 2015 mas só aprovada pela 20th Century Fox quatro anos mais tarde – acabou
por tornar-se um dos filmes mais interessantes de 2021. Tal mérito, no entanto,
não impediu o fracasso retumbante nas bilheterias e a polêmica criada por seu
diretor, Ridley Scott, ao creditar seu insucesso à preferência do público por
filmes de super-heróis (sem deixar de fazer, com tal declaração, uma crítica
feroz à inteligência das plateias mundo afora).
O que Scott não levou em consideração em suas declarações foi o fato de que o filme estava fadado a não ter o sucesso que merecia – e que seu orçamento acima de 100 milhões de dólares precisava – graças também ao pouco caso da Disney, que tinha "O último duelo" entre os títulos herdados em sua fusão com a Fox e falhou fragorosamente em sua divulgação. Sem o marketing agressivo que é fator indispensável para o êxito comercial de grandes produções, "O último duelo" estreou sem alarde e teve uma carreira das mais melancólicas, com público escasso e repercussão quase nula. Ignorado pela Academia e pelas cerimônias de premiação mais importantes (apenas o National Board of Review o incluiu em sua lista dos dez melhores filmes do ano), o primeiro filme de Scott a ser lançado em 2021 (o segundo foi o bem mais comentado "A Casa Gucci") pode não estar entre seus melhores trabalhos – afinal estamos falando do homem que deu ao mundo obras-primas como "Alien: o oitavo passageiro" (1979), "Blade Runner: o caçador de androides" (1982), "Thelma & Louise" (1991) e "Gladiador" (2000) – mas merecia mais atenção. Se não por seus méritos cinematográficos (é um filme sem grandes ousadias narrativas e até mesmo bastante lento em seu desenvolvimento), ao menos pela importância temática e pela inteligência em inserir um surpreendente feminismo em um gênero predominantemente masculino.
Mas, afora as discussões que levanta e o trabalho irretocável de Jodie Comer, o quão bom "O último duelo" é como cinema? Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que Ridley Scott não está em seus melhores momentos como realizador – "A Casa Gucci" chega a constranger, em alguns momentos -, mas mesmo no piloto automático ele é capaz de contar sua história sem maiores sobressaltos. O roteiro, escrito por Matt Damon e Ben Affleck (em sua primeira reunião na função desde o Oscar por "Gênio indomável", de 1997), tem a colaboração preciosa de Nicole Holofcener para dar o necessário toque feminino à trama, mas sofre com a pouca profundidade de seus protagonistas (com a exceção gloriosa de Marguerite) e com o ritmo lento em excesso em sua primeira hora de projeção – algo que a edição poderia ter resolvido com poucas perdas no desenvolvimento da história. O desenho de produção é caprichado e a fotografia de Darius Wolsky sublinha o tom opressivo do enredo – algo para o qual a trilha sonora de Harry Gregson-Williams também colabora com precisão. E se o elenco masculino sofre com personagens pouco simpáticos para defender (Matt Damon e Adam Driver empalidecem diante de Comer), a técnica de contar várias versões do mesmo fato – importada do clássico japonês "Rashomon" (1950) – lhes dá a possibilidade de buscar nuances diferentes a cada novo depoimento.
"O último duelo" não é a obra-prima que Ridley Scott merece apresentar em sua maturidade – ele completou 84 anos em novembro passado e está prolífico como nunca -, mas merece ser descoberto e tratado como o ótimo filme que é. Em um momento com tantas produções inócuas e sem muito a dizer, é uma produção capaz de fazer pensar mesmo depois de seus letreiros finais.
Um comentário:
Esse é, sem dúvida, o filme mais injustiçado do século XXI. Como um filme como esse não tem nenhuma indicação para o Oscar?
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