quinta-feira

PRESO NA ESCURIDÃO

 


PRESO NA ESCURIDÃO (Abre los ojos, 1997, Sogetel/Las Producciones de Escorpion/Les Films Alain Sarde, 119min) Direção e roteiro: Alejandro Amenábar. Fotografia: Hans Burmann. Montagem: María Elena de Rozas. Música: Alejandro Amenábar, Mariano Marín. Figurino: Concha Solera. Direção de arte/cenários: Wolfgang Burmann/Carola Angula. Produção: Fernando Bovaira, José Luis Cuerda. Elenco: Eduardo Noriega, Penélope Cruz, Fele Martínez, Chete Lera, Najwa Nimri. Estreia: 17/12/97

Quando "Os outros" estreou, em 2001, o mundo todo ficou embasbacado com o talento de seu diretor/roteirista/produtor, o chileno Alejandro Amenábar. Porém, se boa parte do público que lotou as salas de cinema tinha a sensação de estar descobrindo um novo talento, um outro tipo de plateia já sabia o que esperar do cineasta: aqueles que conheciam suas obras anteriores, o perturbador "Morte ao vivo"- que lhe rendeu o Goya de melhor diretor estreante de 1996 - e o surpreendente "Preso na escuridão", que, lançado em 1997, colocou seu nome no mapa dos mais promissores realizadores do final do século. Ao misturar romance, suspense e ficção científica de forma orgânica e intrigante, Amenábar não apenas chamou a atenção da crítica, mas também de gente poderosa: impressionado com a trama estrelada por Eduardo Noriega e Penélope Cruz (por quem também se encantaria romanticamente), o astro Tom Cruise assumiu a produção e a protagonização de um remake americano e financiou o primeiro filme do jovem diretor em Hollywood - justamente "Os outros", com sua então esposa Nicole Kidman. O casamento de Kidman e Cruise acabou (assim como o relacionamento do ator com Penélope Cruz), o remake "Vanilla sky" (2001) foi um fiasco artístico e Amenábar ganhou um Oscar em 2005 pelo impecável "Mar adentro", mas nenhum de seus filmes posteriores teve a mesma coragem narrativa de "Preso na escuridão".

A trama, que segundo o diretor, surgiu durante pesadelos oriundos de uma gripe, é propositalmente elíptica, repleta de simbolismos e peças soltas que só fazem sentido no desfecho - quando o quebra-cabeças finalmente é revelado em sua totalidade. Tudo gira em torno de César (Eduardo Noriega), um jovem que, aos 25 anos de idade, tem tudo que qualquer um poderia ambicionar: é bonito, rico, charmoso, invejado - até mesmo pelo melhor amigo, Pelayo (Fele Martinez) - e conquista, sem muito esforço, qualquer mulher que deseja. E são justamente duas mulheres que formam o ponto de virada em sua vida sem sobressaltos. A primeira é a bela Sofía (Penélope Cruz), a quem conhece na festa de seu aniversário - e por quem se apaixona perdidamente - e a outra é Nuria (Najwa Nirmi), uma ex-namorada possessiva e obcecada que, ao sentir-se rejeitada por ele, tenta matá-lo junto com ela em um violento acidente de carro. Vivo mas desfigurado, César passa sem sucesso por uma série de cirurgias plásticas, sem nunca voltar a ter o mesmo rosto de antes, o que o deixa deprimido e revoltado. As coisas começam a mudar, no entanto, depois de uma noite em que, bêbado, ele chega a desmaiar em uma sarjeta: de uma hora para outra, César se vê novamente com a aparência antiga, ao lado de Sofia e levando a vida que sempre sonhou. Uma tragédia, porém, mais uma vez altera seu destino, e caberá a ele - preso por homicídio - tentar montar o quebra-cabeças em que se transformou sua existência.

 

O roteiro de Amenábar é um primor - assim como sua direção, que evita a previsibilidade e mergulha o espectador em uma atmosfera de pesadelo constante. Contando com a inspirada atuação de Eduardo Noriega, que transita com talento entre o playboy inconsequente e a trágica vítima de um amor obsessivo, o cineasta conduz sua trama com extrema segurança, utilizando-se, para isso, de um visual que acentua a sensação de labirinto em que se encontram seus personagens. É digno de nota, também, a forma com que o cineasta embaralha as cartas de seu jogo ao multiplicar a nuances dramáticas de cada jogador, oferecendo a seu elenco (uma jovem Penélope Cruz incluída) uma série de possibilidades, como um jogo de espelhos que reflete vários prismas sem deixar exatamente claro qual deles é o real. A trilha sonora discreta - também composta pelo diretor - pontua com precisão cada diálogo, cada sequência, cada reviravolta, e a edição - fator crucial para a manutenção do suspense - costura o enredo sem deixar pontas soltas (e, ao mesmo tempo, sem precisar recorrer a explicações óbvias, mesmo no angustiante clímax). Mesclando elementos de thriller e ficção científica, Amenábar homenageia ambos os gêneros ao mesmo tempo em que insere, dentro deles, uma personalidade moderna e uma personalidade muito bem-vinda - coisa que o remake dirigido por Cameron Crowe não soube fazer justamente por deixar de lado o fator surpresa do original.

Um belo cartão de visitas de um cineasta corajoso, com boas ideias e um raro domínio do suspense, "Preso na escuridão" recebeu dez indicações ao Goya (o Oscar espanhol), incluindo melhor filme, diretor, roteiro e ator, e demonstrou a força do cinema realizado fora de Hollywood, sem necessidade de prender-se a obrigações comerciais ao mesmo tempo em que não abandona completamente elementos clássicos de gêneros queridos pelo público. E se não bastasse tudo isso, ainda foi o filme que apresentou a beleza de Penélope Cruz para audiências internacionais - ainda demoraria para que ela deixasse de ser apenas uma linda mulher para se tornar uma atriz de prestígio e respeito, mas quando Sofía aparece diante de César, com seu sorriso irresistível, ninguém na plateia é capaz de julgar o rapaz pelos atos obsessivos que virão a seguir. Poucas atrizes tem esse poder!

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