OBSESSÃO FATAL (Unlawful entry, 1992, 20th Century Fox, 117min) Direção: Jonathan Kaplan. Roteiro: Lewis Colick, estória de George D. Putnam, John Katchmer, Lewis Colick. Fotografia: Jamie Anderson. Montagem: Curtiss Clayton. Música: James Horner. Figurino: April Ferry. Direção de arte/cenários: Lawrence G. Paull/Rick Simpson. Produção: Charles Gordon. Elenco: Kurt Russell, Ray Liotta, Madeleine Stowe, Roger E. Mosley, Ken Lerner, Deborah Offner, Carmen Argenziano. Estreia: 26/6/92
Em 3 de março de 1991, um dos acontecimentos mais infames da história da polícia de Los Angeles rodou o mundo: o espancamento violento e cruel de Rodney King, um taxista negro, acusado de dirigir em alta velocidade, por quatro agentes brancos. A indignação apenas aumentou, quando, no final de abril de 1992, os policiais foram absolvidos por um júri popular: uma onda de rebeliões por toda a Califórnia durou três dias em que confrontos, incêndios, saques e depredações mostraram a revolta da população afro-americana, causando mortes e destruição - e resultando, de forma indireta, como uma espécie de compensação, na absolvição do ex-jogador de futebol O.J. Simpson por duplo homicídio, em 1995. Não era exatamente um período apropriado para a estreia de um filme que tratava justamente de abuso policial - mas mesmo assim, a 20th Century Fox correu o risco e lançou "Obsessão fatal", um suspense dirigido pelo veterano Jonathan Kaplan que não tinha medo de eleger como vilão alguém que deveria (ao menos no imaginário do cinema popular) ser o herói. A crítica se dividiu, o público também, e o filme arrecadou quase 60 milhões de dólares nas bilheterias. Nada mal para um filme que, mesmo longe de ser memorável, ousou em mostrar o outro lado da moeda - exatamente em uma época em que este lado se revelava tão dúbio.
Lançado no mesmo ano em que o cineasta Jonathan Kaplan também estreou seu "Love field: as barreiras do amor" - que deu à Michelle Pfeiffer uma indicação ao Oscar de melhor atriz -, "Obsessão fatal" é um filme de gênero, sem ambições de revolucionar o cinema ou chegar às cerimônias de premiação (ainda que Ray Liotta tenha sido indicado ao MTV Movia Awards na categoria de Melhor Vilão). Com personagens bem definidos entre bem e mal e uma narrativa clássica e sem sobressaltos, o roteiro segue o padrão dos filmes policiais hollywoodianos, inovando apenas na inversão de papéis e questionando até que ponto o cidadão comum está realmente a salvo quando nas mãos da autoridade oficial. Um questionamento importante - e que por pouco não foi enfatizado com a presença de Kevin Costner (então a personificação do homem americano médio) no elenco: assim como Jeff Bridges e Bill Pullman (pré-sucesso de "Independence Day"), Costner foi considerado para o papel principal do filme, que acabou nas mãos bastante competentes de Kurt Russell, e é de imaginar como seria a reação do público ao ver nas telas o seu herói patriota e de dignidade ilibada enfrentando o mal fardado. Levando-se em consideração o ponto de ebulição pelo qual passavam os EUA à época, porém, foi até melhor que o namoradinho da América (recém oscarizado por "Dança com lobos") tenha preferido um outro viés para tocar no inconsciente do país, estrelando o romance interracial "O guarda-costas", ao lado da cantora Whitney Houston, e levando multidões às salas de exibição.
Ray Liotta - que também não foi a escolha inicial para o papel do vilão, já que Mel Gibson, John Travolta, Tom Berenger e Charlie Sheen recusaram a proposta - dá seguimento a sua tendência em interpretar personagens ameaçadores com uma composição exata entre gentileza e violência (ao menos até o clímax um tanto exagerado). No filme de Kaplan, ele vive o policial Pete Davis, o atencioso agente da lei que ajuda o casal Carr em um momento de angústia, quando eles tem sua casa invadida por um estranho. Prestimoso ao extremo, ele orienta Michael (Kurt Russell) na instalação de sistemas de segurança e, aos poucos, torna-se um amigo sempre disposto a colaborar em qualquer circunstância. Elogiado por Carr a seus superiores, Davis passa inclusive a frequentar os mesmos ambientes do casal - especialmente porque sente-se irremediavelmente atraído pela bela Karen (Madeleine Stowe), com quem tenta iniciar um flerte. Tal constatação e um episódio de violência testemunhado por Michael faz com que ele resolva afastar-se do policial, mas esbarra em um grande problema: como proteger-se de alguém que deveria justamente ser a sua proteção?
Apesar do tema altamente inflamável, Jonathan Kaplan não se aprofunda na questão principal a ser discutida, preferindo seguir o caminho do entretenimento. Não é uma opção inválida, uma vez que sua intenção é apenas conduzir a plateia por duas horas de tensão, e ele o faz com relativo sucesso. Liotta deita e rola com seu personagem, enquanto sobra a Russell tomar a dianteira no posto de herói e defender a frágil e bela esposa - Madeleine Stowe, que tem a incumbência de dar vida ao menos ativo dos protagonistas e não faz feio. Entre mortos e feridos, todos se salvam. Mesmo que por vezes seja um tanto previsível, "Obsessão fatal" é um bom filme de suspense, que prende a atenção até os últimos minutos e, de quebra, desmonta a imagem superior e inquebrantável de autoridade constituída tão questionável no momento de sua estreia. Um filme que é, para o bem e para o mal, um retrato de sua época.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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