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A MALVADA


A MALVADA (All about Eve, 1950, 20th Century Fox, 138min) Direção e roteiro: Joseph L. Manckiewicz. Fotografia: Milton Krasner. Montagem: Barbara McLean. Música: Alfred Newman. Figurino: Edith Head, Charles LeMaire. Produção: Darryl F. Zanuck. Elenco: Bette Davis, Anne Baxter, George Sanders, Celeste Holm, Gary Merrill, Thelma Ritter, Hugh Marlowe, Marilyn Monroe. Estreia: 13/10/50

14 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Joseph L. Manckiewicz), Atriz (Bette Davis e Anne Baxter), Ator Coadjuvante (George Sanders), Atriz Coadjuvante (Celeste Holm e Thelma Ritter), Roteiro Original, Fotografia, Montagem, Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte, Som
Vencedor de 6 Oscar: Melhor Filme, Diretor (Joseph L. Manciewicz), Ator Coadjuvante (George Sanders), Roteiro Original, Figurino, Som

Vencedor do Golden Globe de Melhor Roteiro

É fácil entender porque Kim Carnes compôs "Bette Davis eyes", canção de sucesso dos anos 80. Basta assistir a uma única cena de "A malvada" - mesmo porque não querer assistir as demais é tarefa inglória - para compreender o fascínio que o olhar da atriz Bette Davis desperta em sua audiência. Um arquear de sobrancelhas de Davis fala mais do que páginas e páginas de diálogos e já seria argumento suficiente para justificar a influência que o cinema hollywoodiano tem sobre todo o planeta.

Bette Davis fez mais de 100 filmes em sua brilhante carreira, mas não há como negar que, se tivesse feito apenas "A malvada" já teria seu nome marcado de forma indelével no coração dos cinéfilos. Ela pode ter perdido o Oscar para Judy Holiday (o motivo é até hoje um mistério) mas sua Margo Channing é, sem sombra de dúvida, uma de suas mais fortes atuações.

Margo Channing (Bette Davis) é uma diva dos palcos da Broadway. Admirada pelo público e respeitada pela crítica, ela vive cercada por amigos fiéis, como Karen (Celeste Holm), esposa do dramaturgo Lloyd Richards (Hugh Marlowe), a camareira Birdie (Thelma Ritter) e seu noivo, o diretor Bill Simpson (Gary Merrill). Sua vida começa a mudar quando ela dá o emprego de assistente pessoal à jovem e dedicada Eve Harrington (Anne Baxter). Fã confessa da atriz, Eve começa a viver em função de Margo até que, aos poucos a estrela começa a perceber que suas intenções não são exatamente nobres – na verdade, Eve tem o objetivo de tomar o lugar de Margo nos palcos, no coração dos fãs e, pior ainda, na cama de Bill.

A primeira cena de "A malvada" é a entrega de um troféu de interpretação teatral para Eve. Seus fiéis "amigos" estão todos na cerimônia e o cínico crítico vivido por George Sanders (vencedor do Oscar de coadjuvante) começa a contar "tudo sobre Eve"... E esta primeira cena já deveria figurar em qualquer antologia. Em pouquíssimos minutos está estabelecida a história, as personagens e os conflitos. Em poucos momentos a atenção do público já está presa. E a partir daí é aproveitar cada cena, cada fala, cada gesto de Bette Davis e cada ironia e sarcasmo do roteiro.


Aliás, talvez a melhor qualidade de "A malvada" seja o seu frescor. Ao contrário de muitos filmes clássicos, em nenhum momento o roteiro de Joseph L. Manciewickz (considerado um déspota cruel por todos que trabalharam com ele) soa datado, ou empolado ou até mesmo anacrônico. É escrito com uma leveza, uma coloquialidade e uma inteligência ímpares, que o destaca entre seus congêneres. Aliás, não deixa de ser uma feliz coincidência o fato de que o melhor filme sobre os bastidores do cinema da história ("Crepúsculo dos deuses") tenha sido lançado no mesmo ano do melhor filme sobre os bastidores do teatro. No entanto, enquanto o filme de Billy Wilder conta de maneira melancólica a derrocada de um ícone do cinema mudo, a obra de Manciewickz narra a ascensão de um possível mito dos palcos. Enquanto Norma Desmond (a protagonista de "Crepúsculo...") perde a sanidade ao confrontar-se com sua decadência, Eve Harrington ganha fama e prestígio, mesmo sendo obrigada a abdicar de sua alma - algo que ela não parece se importar em perder. É um filme sobre teatro, mas poderia se passar em qualquer outro campo de trabalho que faria o mesmo sentido. Se alguém duvida desta afirmação basta lembrar a sinopse da novela "Celebridade", de Gilberto Braga, onde Cláudia Abreu fazia tudo a seu alcance para conquistar tudo que era da personagem de Malu Mader.

Apesar de Anne Baxter ser, de certa forma, a protagonista de "A malvada" - afinal é a partir dela que a história anda - , é a presença de Bette Davis que domina cada fotograma. Margo Channing não é exatamente uma flor de simpatia - tem momentos de arrogância explícita - mas não deixamos em nenhum momento de admirá-la e torcer para que consiga dar o troco na malévola Eve. Margo é uma mulher dona de si, ciente de seu talento e de seu carisma, mas que vê em Eve - depois de um certo tempo - a ameaça da juventude e da beleza. Margo é acima de tudo, uma mulher, que tem medo de perder tudo que conquistou - inclusive o amor de um homem e admiração dos fãs que até então ela considerava uma "raça inferior" - para alguém que tem a oferecer talvez menos do que ela - mas em uma edição mais fresca. De certa forma tem similaridades com a Norma Desmond criada por Gloria Swanson, mas tem, a seu favor, uma sanidade mental e uma capacidade de raciocínio invejáveis.

Assistir a "A malvada" é como assistir a um duelo de gigantes. Quem sai vitorioso, no entanto, é o público, que tem o privilégio de ver, rever e trever um dos maiores filmes sobre o mundo do teatro. E se existe mais uma razão para se assistir ela se chama Marilyn Monroe, em um papel pequeno que seria o início de sua carreira.

PS - "Tudo sobre minha mãe", a obra-prima do espanhol Pedro Almodovar, tem este título (Todo sobre mi madre) em homenagem a "A malvada". Em uma de suas primeiras cenas, mãe e filho estão assistindo ao filme de Manciewickz e no decorrer da trama a personagem de Cecilia Roth assume no palco o papel da atriz vivida por Marisa Paredes. Uma homenagem triunfante e merecida!

2 comentários:

Luis Fabiano Teixeira disse...

Oi Clênio, td bem? O assunto é delicado mesmo e até para escrever aquele post tive o cuidado de não relatar nada muito "apaixonadamente" e me ater mais ao fato de propor uma reflexão do que lançar uma luz sobre. Ficaríamos aqui horas só para falar de escritores e artistas que se mataram, que sucumbiram diante da ausência de sentido em suas vidas... Não quero dizer que criadores sejam pessoas especiais, mas talvez, por serem mais sensíveis, a ideia de morrer esteja mais presente, até pelo fato de cruzar o desconhecido, de "brincar de Deus", etc. Nesse aspecto, fico com Drummond mesmo: "Tudo somado, devias / precipitar-te, de vez, nas águas. / Estás nu na areia, no vento... / Dorme, meu filho". Mas obrigado por compartilhar desse fragmento de intimidade, lá no blog. Sobre o seu post; ótima escolha, aliás, ótimas, tanto "A Malvada" quanto "Crepúsculo... dos Deuses" são icônicos. Abração!

Santiago. disse...

Nesse filme sobra até para o Oscar... rapidamente discute-se a credibilidade do prêmio.

Mas, o mais importante do longa, é ver a Margo Channing. Bette Davis tinha acabado de sair da Warner Bros., e parecia que ia ficar sem trabalho por um bom tempo. Mero engano, pouco depois aparece o Manckiewicz com esse novo personagem. Falando nele, apesar da sua fama, só tinha elogios para a Miss Davis. Ainda nos anos 70, em razão da homenagem da AFI, ainda relembrava a excelência do seu trabalho.

Enfim, eu sou suspeito para falar dela, e desse papel, em especial. Esse é um filme obrigatório para qualquer um, inclusive, o primeiro que vi dela. E tal como "A Carta" e "O que terá acontecido a Baby Jane?" são alguns dos longas essenciais da sua filmografia.

Abraço!

JADE

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