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O FRANCO-ATIRADOR


O FRANCO-ATIRADOR (The deer hunter, 1978, Universal Pictures, 182min) Direção: Michael Cimino. Roteiro: Deric Washburn, baseado em uma história de Michael Cimino, Deric Washburn, Louis Garfinkle, Quinn K. Redeker. Fotografia: Vilmos Zsigmond. Montagem: Peter Zinner. Música: Stanley Myers. Casting: Cis Corman. Produção: Michael Cimino, Michael Deeley, John Peverall, Barry Spikings. Elenco: Robert DeNiro, John Savage, John Cazale, Christopher Walken, Meryl Streep, George Dzunza, Chuck Aspegren. Estreia: 08/12/78

9 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Michael Cimino), Ator (Robert DeNiro), Ator Coadjuvante (Christopher Walken), Atriz Coadjuvante (Meryl Streep), Roteiro Original, Fotografia, Montagem, Som
Vencedor de 5 Oscar: Melhor Filme, Diretor (Michael Cimino), Ator Coadjuvante (Christopher Walken), Montagem, Som
Vencedor do Golden Globe de Melhor Diretor (Michael Cimino)


A guerra do Vietnã acabou em 1975 e não demorou muito para que alguns - corajosos - cineastas resolvessem mexer nas feridas ainda abertas do povo americano em relação à tragédia. Em 1978, nada menos do que dois filmes bastante interessantes e bem-sucedidos deram voz aos veteranos de um dos mais absurdos conflitos bélicos da história (se é que algum conflito bélico é menos do que absurdo...) Dirigido por Hal Ashby, "Amargo regresso" deu Oscars a Jane Fonda e Jon Voight, mas "O franco-atirador", de Michael Cimino, saiu-se ainda melhor, levando pra casa 5 estatuetas concedidas pela Academia, entre as quais as de Melhor Filme, Direção e Ator Coadjuvante. Em comum, os dois filmes tem, além da temática, uma visão humanista e a preocupação com as consequências psicológicas da guerra, tanto em quem lutou nela quanto nas pessoas que os rodeiam.

A trama de "O franco-atirador" passa-se basicamente em uma pequena cidade da Pensilvânia, que tem a indústria do aço como principal meio de subsistência. É lá que moram três amigos que estão às vésperas de embarcar para o Vietnã. Mike (Robert DeNiro), Nick (Christopher Walken) e Steven(John Savage) aproveitam o casamento do último para realizar uma espécie de festa de despedida antes do embarque - que só acontecerá depois de uma última caçada de cervos, um de seus hobbies e, talvez, um de seus últimos encontros com os amigos. Já na guerra, os amigos são feitos reféns, sofrem torturas físicas e psicológicas - em especial uma roleta-russa apavorante que virou marca registrada do filme. Depois de conseguirem fugir, no entanto, eles não mais parecem unidos. Steven volta pra casa sem as duas pernas e praticamente abandona a esposa e o filho pequeno. E ao chegar em sua cidade natal, Mike descobre que Nick não retornou do conflito e resolve buscá-lo, mesmo sendo apaixonado pela noiva dele, Linda (Meryl Streep). Chegando novamente no Vietnã, ele encontra seu melhor amigo em total desequilíbrio emocional.


O melhor em "O franco-atirador" não são suas cenas de guerra - ainda que sejam extremamente bem-feitas e realistas. O que mais chama atenção no filme de Cimino (que desfrutou de alguns momentos de glória antes de ver sua carreira afundar com o megalomaníaco "O portal do paraíso") é sua profunda compreensão humana, sua sensibilidade em lidar com as relações interpessoais traumáticas das personagens sem soar piegas ou exagerado. E para isso conta com um elenco nunca aquém do espetacular. Na pele de Mike, Robert DeNiro mais uma vez demonstra seu talento além do normal. Todas as suas cenas dramáticas são dignas de figurar entre os momentos de maior destaque na sua carreira: seu romance hesitante com Linda, sua relação de culpa com Steven e sua busca de redenção com Nick fecham um círculo de sentimentos que só mesmo alguém com o cacife de DeNiro poderia encarar com tal segurança. E cercado dos atores que ele está, não há como ter erro.

Meryl Streep (com sua primeira indicação ao Oscar) improvisou a maioria de suas falas, com o incentivo do diretor e transmite a intensidade de seus sentimentos contraditórios com a segurança de uma veterana - além de ter ameaçado abandonar o filme caso se concretizasse a ameaça de demissão do ator John Cazale, que estava morrendo de câncer durante a produção e de quem era noiva. Cazale terminou o filme (suas cenas foram as primeiras a ser filmadas) e morreu em seguida, deixando um legado de grandes filmes (os dois primeiros "O poderoso chefão" e "Um dia de cão" entre eles) e atuações intensas. John Savage, como Steven, passa a exata noção do desespero de um homem ao sentir-se privado de sua integridade física devido a uma violência sem razão e Christopher Walken levou sua estatueta de ator coadjuvante por seu trabalho impressionante como Nick, protagonista das duas cenas mais conhecidas do filme (e que foram responsáveis por uma onda de suicídios com roleta-russa nos anos subsequentes).

A longa sequência inicial de "O franco-atirador" não deixa de evocar as primeiras cenas de "O poderoso chefão" (que também começa com um casamento), mas ao contrário do filme de Copolla, aqui a violência que cobre o céu das personagens é menos glamourosa e mais crua e verdadeira. A guerra, em "O franco-atirador" é uma personagem a mais, um pesadelo constante na memória de seus veteranos e de seus familiares. Assim como o tiro único que deve matar o cervo do título original, ela é capaz de aniquilar a essência de felicidade dos seres humanos. A melancólica cena final, no bar em que os amigos costumavam se reunir, é de partir o coração. Não é de surpreender que tenha sido tão bem recebido na ocasião de seu lançamento: é um testamento vivo de um inconsciente coletivo em uma época marcada pela desilusão e pela tristeza.

Mais que um filme de guerra, "O franco-atirador" é um filme de pessoas lidando com ela e, como tal, um precioso estudo sobre a dor e a (falta de) esperança.

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