UM GRANDE GAROTO (About a boy, 2002, Universal Pictures, 101min) Direção: Chris Weitz, Paul Weitz. Roteiro: Peter Hedges, Chris Weitz, Paul Weitz, romance de Nick Hornby. Fotografia: Remi Adefarasin. Montagem: Nick Moore. Música: Badly Drawn Boy. Figurino: Joanna Johnston. Direção de arte/cenários: Jim Clay/John Bush. Produção executiva: Lynn Harris, Nick Hornby. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Robert De Niro, Brad Epstein,Jane Rosenthal. Elenco: Hugh Grant, Toni Colette, Nicholas Hoult, Rachel Weisz, Natalia Tena. Estreia: 08/5/02
Indicado ao Oscar de Roteiro Adaptado
"Todo homem é uma ilha. Eu sou Ibiza!" Assim se descreve Will Freeman, protagonista de "Um grande garoto", mais uma obra de Nick Hornby adaptada para o cinema, depois do pouco visto "Febre de bola" e do (merecidamente) cultuado "Alta fidelidade". Levado para as telas pelas mãos dos irmãos Chris e Paul Weitz - cujo passado inclui o infame mas imensamente popular "American pie" - o romance que fala da amizade inesperada entre Freeman - um solteirão convicto, rico e superficial - e o pré-adolescente Marcus Brewer- deslocado, solitário e desajustado - transformou-se em um filme legitimamente engraçado, surpreendentemente delicado e melhor ainda, palatável a todos os tipos de plateia.
Will Freeman é um bon-vivant que passa seus dias dedicando-se à pessoa que mais ama no mundo: ele mesmo. Vivendo dos direitos autorais de uma canção natalina composta por seu falecido pai, Freeman é também um mulherengo incorrigível, incapaz de envolver-se em um relacionamento sério (mais por opção do que por qualquer outro motivo). Quando o filme começa, ele tem a brilhante ideia de frequentar clubes de mães solteiras (ou abandonadas), com o objetivo de encontrar sexo fácil. O que poderia ser divertido, porém, torna-se mais complicado quando, durante um passeio dominical, ele trava conhecimento com Marcus (Nicholas Hoult), o filho da amiga de uma paquera. A mãe de Marcus, Fiona (Toni Colette, sempre competente), é depressiva com tendências suicidas e o jovem vê em Freeman a figura paterna que nunca teve. Chantageando-o após descobrir suas mentiras para conquistar as mulheres do clube, Marcus passa a frequentar o apartamento descolado de Will, que aos poucos inicia um processo de amadurecimento e conexão com o menino e sua mãe. Quando se apaixona por Rachel (Rachel Weisz), o eterno solitário percebe de vez que "ilhas fazem parte de arquipélagos".
É surpreendente que "Um grande garoto" tenha sido dirigido pelos irmãos Weitz: sua sutileza e elegância estão a anos-luz do humor vulgar e escatológico de "American pie", que a despeito de seu sucesso comercial não passa de uma chanchada adolescente. Nessa adaptação do livro de Hornby os cineastas demonstram uma mão leve ao tratar de assuntos espinhosos - depressão, suicídio, bulliyng - e um sofisticado timing cômico (o que deve ser muito legado ao trabalho extraordinário do escritor inglês ao tratar de relações humanas de maneira pop). Nada em "Um grande garoto" é exagerado ou de mau-gosto e, se as piadas podem não ser engraçadíssimas de um ponto de vista mais raso, elas são esplendidamente adequadas à trama e às personagens, tratadas com especial carinho pelo roteiro bastante fiel à sua origem literária, um dos melhores livros do homem que viria a escrever o excelente roteiro de "Educação", em 2009. Poucos escritores são tão simples e sarcásticos quanto Hornby quando se trata de pessoas de verdade, e isso fica lógico quando se lê seus trabalhos ou até quando se assiste a suas adaptações, mesmo quando alguns pontos cruciais são modificados.
Em "Um grande garoto" acontece uma dessas mudanças que, feitas de maneira leviana, poderia ser o tiro de misericórdia ao trabalho. Felizmente os roteiristas conseguiram evitar a tragédia de maneira criativa e, se não ficou tão bom quanto poderia, ao menos salvaram-se todos no final. Explica-se: o clímax do livro de Hornby acontece com o suicídio de Kurt Cobain, vocalista da banda Nirvana que era o ídolo de Ellie (Nat Gastian Tena), colega de escola por quem Marcus é apaixonado. A trama se encaminha para o final a partir daí (e o título original do livro é uma homenagem a uma canção do grupo, "About a girl"). Provavelmente devido a problemas de direitos autorais (Courteney Love, por exemplo) toda e qualquer menção a Cobain e sua banda foram devidamente limadas, e a menina virou fã de rap. Certamente a mudança enfraqueceu o universo do romance original, mas é preciso que se dê a mão à palmatória: o filme continua sendo muito bom.
E, logicamente seria injusto não louvar a atuação de Hugh Grant, perfeito no papel central - que chegou a ser oferecido a Brad Pitt. Will Freeman parece ter sido escrito especialmente para Grant, que se sai muito melhor que a encomenda com uma interpretação confortável e muito, mas muito engraçada. Sua parceria com o ótimo Nicholas Hoult é encantadora, assim como suas cenas com Rachel Weisz e Toni Colette, mais uma vez ameaçando roubar todas as sequências em que aparece. A trilha sonora moderna comenta a estória de forma suave e é difícil não se emocionar com o desfecho de toda a aventura romântico-pessoal de Will Freeman. A história é "sobre um garoto". Mas talvez este garoto não seja o adolescente Marcus e sim o eterno meninão Freeman, que se apaixona pela vida ao perceber como ela pode ser melhor quando dividida. Um belo filme, para ver e rever!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
JADE
JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...
-
EVIL: RAÍZES DO MAL (Ondskan, 2003, Moviola Film, 113min) Direção: Mikael Hafstrom. Roteiro: Hans Gunnarsson, Mikael Hafstrom, Klas Osterg...
-
NÃO FALE O MAL (Speak no evil, 2022, Profile Pictures/OAK Motion Pictures/Det Danske Filminstitut, 97min) Direção: Christian Tafdrup. Roteir...
-
ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA (Presumed innocent, 1990, Warner Bros, 127min) Direção: Alan J. Pakula. Roteiro: Frank Pierson, Alan J. Paku...
2 comentários:
Os três filmes baseados nos livro de Nick Hornby são deliciosos. Neste específico, vale a simpatia de Hugh Grant com o adulto imaturo.
Quantos aos livros, li apenas "Febre de Bola", que é ótimo principalmente para quem gosta de futebol ao mostrar o sofrimento de torcedor fanático.
Abraço
Cara, fiquei tão assustado quando vc ao descobrir que essa bela peça de porcelana foi dirigida pelos mesmos de "American Pie"! Dá nem pra acreditar... acho o filme excelente, melhor atuação de Hugh Grant - o que não quer dizer grande coisa, mas ele está mesmo muito bom - e adoro a performance de Toni Collette, ladra de holofotes. Mas é a rispidez contida dos dialogos e a relação criada entre os protagonistas, junto com ao tempero agridoce da direção, que torna esse filme tão especial.
Abs!
Postar um comentário