As irônicas neuroses nova-iorquinas de Woody Allen? As aulas de enquadramento e suspense do mestre Hitchcock? O humor inteligente e sarcástico de Billy Wilder? A violência estilizada de Martin Scorsese? A contemporaneidade sofisticada de David Fincher? Desculpem-me, mas, apesar de todos os cinestas citados acima serem responsáveis diretos por minha paixão por cinema meu diretor preferido não vem de Hollywood. O trono pertence ao polêmico, mordaz, sensual, crítico e dono de uma assinatura visual e temática facilmente reconhecíveis (mas nunca previsíveis) Pedro Almodóvar.
O diretor nascido em 1949 em um vilarejo espanhol chegou a Madri em 1968, participou da cena cultural underground da cidade e, com o dinheiro que juntou trabalhando em uma telefônica estatal chegou ao cinema em longa-metragem com "Pepi, Luci, Bom e outras garotas de montão", de 1980. Debochado visualmente e verbalmente, ele logo tornou-se conhecido dentro domovimento cultural espanhol da época. Não demorou muito e ele já estava atrás das câmeras novamente, entregando a seu (então) restrito público filmes que utilizavam o tosco e o kitsch como ingredientes de uma receita que misturava a sátira à sociedade e um forte elemento homossexual. Surgiram então "Labirinto de paixões" (1982) - em que uma jovem ninfomaníaca se apaixonava por um príncipe árabe gay - "Maus hábitos" (1983) - cuja protagonista era uma crooner que se escondia em um convento e passava a conviver com freiras viciadas em drogas e uma madre superiora lésbica - "Que fiz eu para merecer isso?" - em que uma mãe vende seu filho para um dentista pedófilo - "Matador" - que misturava touradas com sadomasoquismo - e "A lei do desejo" - em que um diretor de cinema lidava com um jovem obcecado por ele e com uma irmã transexual que era esposa do próprio pai.
Em 1988, seus dias de underground começaram a ficar para trás quando foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com o hilário "Mulheres à beira de um ataque de nervos", que o tornou conhecido e admirado. A partir daí, começou a sofisticar seu trabalho, sempre deixando, porém, sua marca registrada em cada filme. Em "Ata-me!" um rapaz sequestra uma atriz pornô para convencê-la a casar-se com ele. Em "De salto alto", uma jornalista se envolve com uma drag-queen que imita sua mãe. Em "Kika" apresentou ao mundo a repórter sensacionalista Andrea Caracortada e uma engraçada (!!) cena de estupro. Foi somente com "A flor do meu segredo", de 1995, no entanto, que seu flerte com o melodrama virou compromisso sério. A partir daí, o debochado dividiu espaço com o sofisticado. Vieram então suas obras-primas. "Carne trêmula" uniu o erotismo com uma história de vingança. "Tudo sobre minha mãe" ganhou o Oscar de Filme Estrangeiro e a Palma de Ouro em Cannes. "Fale com ela" levou o Oscar de roteiro original e lhe colocou no páreo para o prêmio de melhor direção. "Má educação" causou polêmica ao versar sobre pedofilia nas instituições religiosas (e apresentou uma atuação primorosa de Gael García Bernal). "Volver" emocionou ao falar sobre relações entre mães e filhas (além de ter dado a Penelope Cruz sua primeira indicação ao Oscar). "Abraços partidos" foi uma homenagem ao cinema em geral e ao seu em particular. E "A pele que habito" é simplesmente abismal em sua inventividade narrativa e visual.
Iconoclasta, sexy, debochado, kitsh, passional...É preciso mais motivos para amar o cinema de Pedro Almodovar???
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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2 comentários:
Almodovar é demais mesmo! Gosto de seus filmes e seu trabalho, não supera meu favorito, que é Scorsese, mas está entre os tops que eu vi.
Primeira vez por aqui,vamos às minhas impressões:também acho Almodóvar único, mas prefiro Kubrick; "O Chamado" realmente é melhor que o original japonês (e sua continuação é tão ruim quanto a continuação nipônica!); adorei suas reflexões sobre as férias da garotada de hoje em dia - só faltou mencionar os filmes de Star Wars (pré-episódio 1, blargh) e de Jerry Lewis (genial); nunca vi "Deixe-me viver" (mas como Michelle é linda, não?); a "abertura" de "Poderoso Chefão" é genial, mesmo, mas, na minha opinião, "perde" para inúmeros outros filmes (taí, deste-me uma boa ideia para uma postagem: as 10 melhores "aberturas" de filmes!), mas o final de "Casablanca" é imbatível; acho "Dragão Vermelho" bem melhor que seu antecessor ridículo, "Hanibal"; também gosto de "Sociedade dos Poetas Mortos", mas, olhando-o hoje em dia, acho-o superestimado - não resistiu ao tempo pra mim...
Parabéns pelo ótimo blogue, meu caro: apareça lá nos Morcegos e também deixe suas impressões (de vez em quando falo de Cinema).
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