Em 1963, o mestre do suspense, Alfred Hitchcock, lançou um de seus mais célebres filmes, "Os pássaros", que contava a revolta sem explicação de milhares de aves de rapina em uma cidade litorânea dos EUA. A julgar pela recepção histérica da crítica e do público americanos a "Fim dos tempos" - thriller dirigido por M. Night Shyamalan que investiga uma catástrofe natural de proporções nacionais - é de se imaginar a quantidade de pedras que seriam jogadas ao velho Hitch caso seu filme estreasse quarenta anos depois de seu lançamento original. Massacrado sem dó nem piedade, "Fim dos tempos" seguiu-se às péssimas críticas que o cineasta havia colecionado com seu "A dama na água", e serviu para, no mínimo, confirmar a extrema má-vontade geral contra os trabalhos do diretor que transformou-se em fenômeno graças a "O sexto sentido". Mesmo longe de ser uma obra-prima - e com alguns defeitos claramente perceptíveis até ao mais distraido espectador - o filme estrelado por Mark Wahlberg é um suspense acima da média, que comprova o talento de um dos poucos cineastas ainda donos de um estilo próprio.
A primeira sequência já é arrepiante e dá uma mostra da capacidade de Shyamalan de sugerir o horror contando apenas com a música (mais uma vez a cargo de James Newton Howard) e a edição de som: em uma bela e tranquila manhã de sol no Central Park nova-iorquino, dezenas de pessoas começam a agir estranhamente. Primeiro, perdem a noção de direção. Depois, falam coisas sem sentido. Por fim, cometem suicídio sem razão aparente. Em pouco tempo, operários de uma construção agem da mesma forma. Não demora para que o acontecimento chegue à imprensa, que de cara pensa tratar-se de um atentado terrorista em forma de arma química. Pouco depois, na Filadélfia, o professor de química Elliot Moore (Mark Wahlberg, um tanto deslocado no papel) descobre que sua cidade também está na rota do misterioso fenômeno e resolve, assim como centenas de conterrâneos, fugir para um local mais seguro. Acompanhado da esposa Alma (Zooey Deschanel) - cujo relacionamento está em crise - e da filha pequena de um amigo que foi procurar a mulher, o rapaz se vê diante de uma catástrofe sem explicações fáceis, que está dizimando a população pelas próprias mãos.
Uma das maiores críticas feitas a "Fim dos tempos" refere-se à explicação dada pelo roteiro ao trágico acontecimento - e que tem nuances ecológicas e de defesa ao meio-ambiente. As reclamações sobre tal opção de Shyamalan apenas mostram o quão engessado está o público de cinema, que provavelmente aceitariam com mais bom grado resoluções fáceis e clichês como conspirações governamentais e alienígenas malvados com sede de destruição. Ao contrariar o esperado, o cineasta apostou na inteligência da plateia e na possibilidade de um pacto com a audiência. Sua aposta não deu certo principalmente porque ele exigiu da audiência uma liberdade maior de imaginação, e contar com isso junto a um público acostumado a soluções mastigadinhas é suicídio comercial. Por outro lado, quem embarcou de verdade no filme ganhou muito mais: cenas dirigidas com extremo cuidado, tensão constante e ao menos uma personagem marcante, capaz de assombrar aos reais fãs de cinema de suspense.
Vivida pela veterana Betty Buckley - que estreou no cinema como uma das professoras de "Carrie, a estranha" (76) - a apavorante Mrs. Jones é, talvez, a melhor personagem de "Fim dos tempos". Misteriosa e paranoica, é ela quem hospeda - meio a contragosto - os protagonistas, no ato final do filme e sua entrada comprova a teoria de Shyamalan de que as pessoas mostram quem elas realmente são justamente nos momentos mais críticos. O desempenho impecável de Buckley de certa forma anula a atuação mecânica tanto de Mark Wahlberg quanto de Zooey Deschanel - que não faz mais do que desfilar caras e bocas, a despeito de seu talento. E são exatamente Wahlberg e Deschanel o calcanhar de Aquiles do filme. Com personagens centrais tão apáticos, não é de admirar que a maior qualidade do trabalho do cineasta seja a direção caprichada e a coragem de ir até o fim com suas ideias.
Primeiro filme de Shyamalan a receber a classificação R-17 (menores de 17 anos somente entram nas salas acompanhados de pais ou responsáveis), "Fim dos tempos" intercala a sugestão com o explícito, com cenas de uma violência até então não vistas na filmografia do diretor. A boa notícia é que a possibilidade de mostrar sangue e cadáveres não tirou do cineasta seu enorme talento em provocar o público. Bem mais inteligente e eficaz do que muitos fizeram crer, é um filme que terá seu valor reconhecido com o passar do tempo.
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