quinta-feira

GUERRA AO TERROR

GUERRA AO TERROR (The hurt locker, 2008, Voltage Pictures, 131min) Direção: Kathryn Bigelow. Roteiro: Mark Boal. Fotografia: Barry Ackroyd. Montagem: Chris Innis, Bob Murawski. Figurino: George Little. Direção de arte/cenários: Karl Júlíusson/Ameen Al-Masri. Produção executiva: Tony Mark. Produção: Kathryn Bigelow, Mark Boal, Nicolas Chartier, Greg Shapiro. Elenco: Jeremy Renner, Anthony Mackie, Guy Pearce, Ralph Fiennes, David Morse, Evangeline Lilly. Estreia: 04/9/08 (Festival de Veneza)

9 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Kathryn Bigelow), Ator (Jeremy Renner), Roteiro Original, Fotografia, Montagem, Trilha Sonora Original, Edição de Som, Mixagem de Som
Vencedor de 6 Oscar: Melhor Filme, Diretor (Kathryn Bigelow), Roteiro Original, Montagem, Edição de Som, Mixagem de Som

A trajetória de "Guerra ao terror" rumo ao Oscar 2010 - de onde saiu vitorioso em seis categorias, incluindo as duas mais importantes, de filme e direção - não deixa de ser curiosa. Desinteressada em dirigir o roteiro de Mark Boal, a cineasta Kathryn Bigelow (cujo maior sucesso de bilheteria havia sido nos anos 90, com o filme de ação "Caçadores de emoção", com Patrick Swayze e Keanu Reeves) teve de ser convencida por seu ex-marido, James Cameron, a assumir o comando do filme, que ele previa ser "o 'Platoon' da guerra do Iraque". Com filmagens na Jordânia - mascarada como Bagdá - e um orçamento estimado em cerca de meros 15 milhões de dólares, o filme estreou no Festival de Veneza, recebeu elogios calorosos e passou a fazer parte do circuito dos festivais de cinema, só estreando pra valer nos EUA na metade de 2009, passando quase despercebido pelo público sedento pelos filmes-evento do verão americano. Se tivesse estreado em 2008 - ano de sua première na Itália - o trabalho de Bigelow teria chegado à cerimônia da Academia (se fosse indicado) junto com "O curioso caso de Benjamin Button" e o mega-vencedor "Quem quer ser um milionário?", o que dificultaria muito suas chances de vitória. O adiamento de sua estreia e seu subsequente arrastão de prêmios - críticos de Boston, críticos de Chicago, sindicato de diretores, críticos de Las Vegas e Los Angeles - pavimentou seu caminho, porém, para que, mesmo sem uma bilheteria relevante, disputasse o maior prêmio do cinema com o blockbuster dos blockbusters, "Avatar", dirigido justamente pelo mesmo Cameron que jamais imaginaria que perderia seu posto de rei do mundo - ao menos no Oscar - para sua antiga parceira.

Ao narrar a rotina de um grupo de soldados americanos que tem a ingrata missão de desarmar bombas no calor da guerra do Iraque, o roteiro de Boal - que voltaria ao assunto no tenso "A hora mais escura", novamente sob a direção de Bigelow - foge do tradicional maniqueísmo dos filmes do gênero, pouco espaço dando a batalhas entre ianques e iraquianos, preferindo focar-se no dia-a-dia de poucos personagens, cujas vidas fora do campo de batalha só é revelada à audiência em pequenos flashes, como uma espécie de lembranças queridas. É através desses lapsos narrativos que o público fica conhecendo mais a fundo a personalidade de seu protagonista, o sargento William James (o ótimo Jeremy Renner, no papel que lhe deu uma indicação ao Oscar e a chance de ser reconhecido pelo grande público, apesar de já ter participado de filmes de grande porte, como "SWAT"), um homem corajoso mas acima de tudo viciado em adrenalina, o que o coloca imediatamente em rota de colisão com seus colegas de grupo, não tão apaixonados pelo perigo quanto ele.


Cruamente fotografado por Barry Ackroyd - que transmite com exatidão o calor do deserto iraquiano enquanto não deixa escapar uma gota sequer de suor derramado pelos personagens criados por Boal em seu roteiro enxuto e desprovido de julgamentos morais e políticos - "Guerra ao terror" é uma espécie de crônica do conflito no Oriente Médio, um recorte direto e sem firulas de uma guerra vista somente por quem está dentro dela (daí a qualidade do texto, que equilibra realismo e um certo senso de humor inesperado vindo dos frequentes atritos entre James e seus companheiros de missão). Sem deixar de lado uma certa dose de humanismo - como a relação entre o protagonista e um menino vendedor de dvds piratas que acaba sendo o catalisador de uma das sequências mais tensas do filme - o trabalho de Bigelow leva o público a acompanhar cada missão dos personagens com uma tensão crescente, ampliada pela inteligência de situar a trama em um período específico de tempo - até o final coerente e emocionante.

Se "Guerra ao terror" mereceu os seis Oscar que ganhou é uma questão que jamais será unânime - afinal, disputou a estatueta também com filmes importantes como "Bastardos inglórios" e "Distrito 9", que, cada um à sua maneira, subverteram as regras do jogo da indústria cinematográfica com inventividade e talento. Mas é inegável que, apesar do sucesso comercial de "Avatar" (seu principal adversário, que extrapolou os limites da criatividade visual de Hollywood), o filme de Bigelow mostrou que às vezes a simplicidade e relevância política valem mais do que orçamentos milionários. E que - apesar da presença de alguns nomes de peso, com Guy Pearce e Ralph Fiennes em participações especialíssimas - atores, mesmo os pouco conhecidos, valem mais do que efeitos visuais.

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