INVERNO DE SANGUE EM VENEZA (Don't look now, 1973, Casey Productions/Eldorado Films, 110min) Direção: Nicolas Roeg. Roteiro: Alan Scott, Chris Bryant, estória de Daphne Du Maurier. Fotografia: Anthony Richmond. Montagem: Graeme Clifford. Música: Pino Donaggio. Direção de arte: Giovanni Soccol. Produção executiva: Anthony B. Unger. Produção: Peter Katz. Elenco: Donald Sutherland, Julie Christie, Hilary Mason, Clelia Matania. Estreia: 09/12/73
É difícil um filme de suspense ganhar o espectador logo nas primeiras cenas sem que para isso precise apelar para a sanguinolência explícita. E já de cara o perturbador "Inverno de sangue em Veneza" fisga o público, com uma engenhosa edição que diz, apenas com imagens sublimes de crianças brincando em um gramado e uma trilha sonora espetacular de Pino Donaggio, que vem desgraça pela frente. Não demora muito e a plateia é testemunha de tal desgraça: a filha pequena do arquiteto John Baxter (Donald Sutherland) morre afogada praticamente diante dos olhos terrificados do pai e do irmão. Assim começa um dos filmes mais aclamados do cineasta inglês Nicolas Roeg, adaptado de um conto da escritora Daphne Du Maurier - a mesma autora de "Rebecca, a mulher inesquecível" e "Os pássaros", que aprovou de tal maneira a forma cinematográfica que sua estória recebeu que não hesitou em escrever uma carta ao diretor, cumprimentando-o pelo tom funesto que ele imprimiu à trama.
O tom funesto, aliás, não fica apenas na primeira e chocante sequência de "Inverno de sangue em Veneza". A morte da pequena Christine é apenas o ponto de partida para uma viagem angustiante a ruas escuras e pouco convidativas da cidade italiana do título nacional. Fugindo da tentação de mostrar Veneza como um paraíso turístico, Roeg a retrata como o cenário de um pesadelo psicológico, onde cegas videntes, premonições assustadoras e serial killers convivem pacificamente com igrejas em processo de restauração e imagens misteriosas se esgueirando em becos escuros com intenções ainda mais tenebrosas. Roeg se utiliza da fotografia estilizada de Anthony Richmond - que apresenta momentos de grande beleza plástica - e da edição repleta de elipses temporais de Graeme Clifford para traduzir em imagens uma narrativa densa que mantém o suspense até as cenas finais, que completam o complexo quebra-cabeça armado desde seu princípio.
Depois da morte de sua filha, John aceita o trabalho de restaurar uma igreja em Veneza e vai para a Itália acompanhado da esposa, Laura (Julie Christie). Seu objetivo, além do interesse no emprego, é tentar superar o trauma da perda, mas a coisa não parece que vai ser assim tão fácil quando eles encontram duas irmãs em um restaurante da cidade. Uma das irmãs, cega e medium, afirma a Laura ter contato com a menina morta. Além disso, insiste que John também o dom da mediunidade e que precisa sair urgente da cidade, por sua vida estar correndo sério risco. Nesse meio-tempo, o arquiteto passa a ter visões de uma menina vestida com a mesma capa de chuva vermelha que sua filha usava na ocasião de sua morte - e, por coincidência ou não, o casal começa a esbarrar constantemente nas duas velhas irmãs.
Apesar de seu ritmo um tanto lento ser um risco ao espectador menos dado a experimentações estéticas e formais, "Inverno de sangue em Veneza" tem, inegavelmente, o poder de manter o suspense até seu clímax, que também foge do padrão do gênero. Intercalando cenas de extremo poder dramático com momentos de uma aparente paz de espírito entre o casal central - incluindo uma cena de sexo bastante longa e que acabou sendo uma das sequências mais comentadas do filme - Roeg conduz com sutileza uma trama forte e tensa que só vai fazer sentido totalmente em seus momentos finais. Pode ser que a audiência sinta-se incomodada, mas não é essa a intenção de uma obra de arte?
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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