Os fãs da literatura policial clássica, que não conseguem viver sem um crime repleto de suspeitos para lhes fazer companhia irão saborear ainda mais a brincadeira, mas é difícil não se deixar envolver com o clima de homenagem satírica que "Assassinato por morte", escrito pelo dramaturgo Neil Simon, faz a um dos gêneros mais populares das livrarias - e também do cinema, haja visto as constantes adaptações de seus mais famosos títulos para as telas. Reunir em um mesmo filme meia dúzia dos mais célebres detetives já criados pelas férteis mentes de Agatha Christie, Dashiel Hammett e Earl Derr Biggers (disfarçados sob outros nomes por motivos possivelmente jurídicos mas ainda assim facilmente identificáveis) é mérito de Simon, que criou um jogo de gato-e-rato inteligente, irônico e banhado em um carinho que só mesmo quem conhece seus personagens consegue. Junte-se a esse sarcasmo a direção aparentemente sóbria de Robert Moore e um elenco espetacular - que inclui David Niven, Peter Sellers, Maggie Smith, Alec Guinness, Truman Capote e um juvenil James Cromwell - e tem-se uma das comédias mais injustamente esquecidas dos anos 70.
O escritor Truman Capote não poderia ter sido escolha mais feliz para interpretar o excêntrico milionário Lionel Twain, que reúne em sua casa um grupo de famosos detetives para propor-lhes um perigoso jogo: ele anuncia que um assassinato irá ocorrer à meia-noite e que, a despeito de suas qualidades investigativas, nenhum deles será capaz de descobrir o criminoso - e se isso acontecer o vencedor sairá da mansão (repleta de quartos sombrios, uma campainha que grita e salas que aparecem e desaparecem) com um milhão de dólares em mãos. É o bastante para que todos fiquem bastante empolgados, uma vez que dívidas batem à porta de cada um deles. Quando o próprio anfitrião aparece morto com 12 facadas nas costas - depois da morte do mordomo cego (vivido por Alec Guinness em vias de tornar-se Obi Wan Kenobi em "Star Wars") - a corrida começa e verdades escondidas sobre os detetives ameaçam vir à tona.
Um triunfo de roteiro e de ambientação, "Assassinato por morte" diverte sem contra-indicações. Ao contrário das comédias histéricas que apostariam no riso descontrolado que viriam nos anos 80 - graças ao sucesso de filmes como "Apertem os cintos, o piloto sumiu..." (80) - a obra de Robert Moore aposta na inteligência do espectador em reconhecer os sinais inequívocos que distinguem seus personagens e em se deixar envolver por uma trama que brinca sem medo com os clichês dos romances policiais, distorcendo-os em função de suas possibilidades cômicas. E para isso, conta com um elenco de grandes atores mergulhando sem medo na paródia e até mesmo em sua auto-imagem. Estão em cena David Niven e Maggie Smith como o casal Charleston (inspirado em Nick e Nora Charles, criados por Dashiel Hammett), Peter Sellers brilhando como Sidney Wang (fazendo as vezes do Charlie Chan de Earl Derr Biggers), Peter Falk como o falastrão Sam Diamond (ou Sam Spade, imortalizado por Humphrey Bogart em adaptações de livros de Hammett), Elsa Lanchester como Miss Marbles (ou Miss Marple, criação de Agatha Christie, em cuja adaptação de "Testemunha de acusação" ela também atuou) e James Coco na pele de Milo Perrier (Hercule Poirot, outro inesquecível personagem da escritora inglesa). Cada um com suas características próprias, eles deleitam o espectador com piadas visuais e verbais capazes de alegrar o mais aficcionado fã da literatura policial.
Quem procurar em "Assassinato por morte" um humor fácil pode se decepcionar. Apesar de algumas gags geniais - como os impagáveis diálogos entre o mordomo cego e a cozinheira surda-muda - o roteiro de Neil Simon privilegia a inteligência e o sarcasmo em detrimento da piada previsível ou do riso forçado. Suas referências podem afastar a plateia menos afeita à sátira, mas aqueles que se arriscarem certamente terão uma hora e meia de diversão de primeiro nível - e que fatalmente os levará de volta aos livros de Christie, Hammett e Biggers. Afinal, nada como uma boa homenagem para dar valor a quem merece!
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