FREUD, ALÉM DA ALMA (Freud, 1962, Universal International
Pictures,140min) Direção: John Huston. Roteiro: Charles Kaufman.
Fotografia: Douglas Slocombe. Montagem: Ralph Kemplen. Música: Jerry
Goldsmith. Figurino: Doris Langley Moore. Direção de arte: Stephen B.
Grimes. Produção: Wolfgang Reinhardt. Elenco: Montgomery Clift, Susannah
York, Larry Parks, Susan Kohner, Fernand Ledoux. Estreia: 12/12/62
2 indicações ao Oscar: Roteiro Adaptado e Trilha Sonora Original
Uma
das mais importantes personalidades da história científica mundial, o
austríaco Sigmund Freud poucas vezes foi representado nas telas de
cinema, especialmente de forma a mostrar ao grande público o nascimento
de suas teorias - violentamente refutadas em sua época, mas amplamente
influentes conforme a comunidade médica foi percebendo seu alcance no
tratamento de neuroses e outras patologias psicológicas. Suas tentativas
de criar um método de cura para seus pacientes psicóticos são a base na
qual se sustenta "Freud, além da alma", em que o respeitado cineasta
John Huston retrata o pai da psicanálise como um homem profundamente
dedicado à sua ciência a ponto de buscar dentro de si mesmo as respostas
para as difíceis questões que lhe atravessam o caminho para o sucesso.
Esse lado torturado do protagonista encontra eco na atuação de um dos
atores mais intensos da Hollywood da década de 60: Montgomery Clift.
Em
seu segundo trabalho com Huston - depois do polêmico e complicado "Os
desajustados" - Clift encontrou um diretor bastante diferente daquele do
primeiro contato. Enquanto durante as filmagens do faroeste tardio
estrelado também por Marilyn Monroe e Clark Gable, o atormentado ator
teve contato com um cineasta paternalista e carinhoso que relevava seus
problemas com álcool e tranquilizantes, em seu reencontro com ele as
coisas foram bastante diferentes. Segundo declarações de membros da
equipe, Huston pressionava Clift frequentemente a respeito de sua
enrustida homossexualidade, utilizando vários conceitos do próprio Freud
em sua tentativa de arrancar do ator uma atuação ainda mais potente. Se
os métodos do cineasta não foram exatamente simpáticos, porém, é
impossível negar que, em termos artísticos eles funcionaram
perfeitamente. Com seu olhar profundo e uma interpretação que equilibra
momentos de excitação e dúvida, Montgomery Clift apresenta um dos
melhores trabalhos de sua carreira - e o penúltimo dela.
A
trama de "Freud, além da alma" começa em 1885, mostrando Freud no
início de seus estudos sobre hipnose como forma de tratamento
psicológico. De maneira a criar um arco dramático adequado, o roteiro de
Charles Kaufman - uma vez que o script do filósofo Jean-Paul Sartre foi
descartado por ser extenso demais - condensa vários pacientes (de
sintomas variados) em uma única personagem, a neurótica Cecily Koertner
(Susannah York), uma mulher que sofre de histeria profunda, repressão
sexual e fixação paterna. Conforme vai se aprofundando nas consultas com
Cecily - que já foi paciente de um amigo seu e teve por uma obsessão
romântica - Freud vai criando um método novo de tratamento, chegando ao
âmago de cada problema através de uma série de regressões psicológicas
que remetem à infância e que também o leva a questionar sua relação com o próprio passado, que
tenta manter esquecido no fundo da memória.
A atuação
memorável de Montgomery Clift encontra respaldo no cuidado de John
Huston com os detalhes da encenação. A fotografia em preto-e-branco de
Douglas Slocombe (que depois seria o diretor de fotografia dos primeiros
filmes da série "Indiana Jones") mescla o realismo seco do dia-a-dia
dos personagens com filtros que remetem às alucinações de Cecily e os
pesadelos constantes do protagonista, dignos dos mais assustadores
filmes surrealistas de Luis Buñuel. Entre tudo isso, há o roteiro quase
didático mas extremamente eficiente, a direção criativa de Huston e a
competente reconstituição de época que remete o espectador à Viena do
final do século XIX. O enorme sucesso do filme - fato que fez a
Universal desistir de processar Clift pelos atrasos nas filmagens -
mostrou que a personalidade polêmica de Sigmund Freud não era coisa do
passado.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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