LOLITA (Lolita, 1962, MGM Pictures/Seven Arts Productions,152min) Direção: Stanley Kubrick. Roteiro: Vladimir Nabokov, romance homônimo de sua autoria. Fotografia: Oswald Morris. Montagem: Anthony Harvey. Música: Nelson Riddle. Direção de arte: Bill Andrews. Produção: James B. Harris. Elenco: James Mason, Peter Sellers, Shelley Winters, Sue Lyon. Estreia: 12/6/62
Indicado ao Oscar de Roteiro Adaptado
Antes de consagrar-se como um dos mais importantes e influentes cineastas norte-americanos de todos os tempos com seus "2001: uma odisséia no espaço" (68) e "Laranja mecânica" (71), Stanley Kubrick brincou com fogo ao adaptar um dos mais polêmicos romances do século XX. Escrita por Vladimir Nabokov e publicado pela primeira vez em 1955, a saga de um homem de meia-idade obcecado por uma menina de 12 anos a ponto de casar-se com a mãe dela para manter-se por perto tornou-se maldita por tocar em um assunto ainda hoje motivo de controvérsia: a pedofilia. Por não julgar seu protagonista e, mais corajosamente ainda, torná-lo também o narrador da história, com direito inclusive a um senso de humor que muitos consideraram inapropriado, Nabokov logo viu seu livro tornar-se um proscrito em países como a Inglaterra e a França. Isso não impediu que Kubrick, vindo do sucesso de crítica de seu "Spartacus" (60), se munisse da ousadia necessária para transferir a trama das páginas de um livro polêmico para as telas de cinema. Chamando o próprio autor do romance para escrever o roteiro - mesmo que depois tenha o modificado bastante - o cineasta partiu atrás de seu elenco, sabendo que seria uma tarefa bastante árdua.
Conscientes do risco que o papel do obssessivo Humbert Humbert poderia representar para uma carreira, vários atores consagrados não tiveram a coragem de aceitar o convite de Kubrick. Foi o caso de Marlon Brando, Cary Grant, Laurence Olivier, Peter Ustinov e David Niven, que por um motivo ou outro, pularam fora do projeto. Até mesmo o outrora galã Errol Flynn chegou a ser cotado, mas morreu antes mesmo que o filme fosse realizado. Sorte de James Mason, primeira escolha do cineasta que, depois de ter sido impedido de aceitar o trabalho por compromissos com o teatro, ficou com um dos papéis mais marcantes de sua carreira. Sua construção de Humbert é um meio-termo entre o patético e o quase cômico. Ao contrário do que poderia acontecer - tornar-se um protagonista asqueroso e rejeitado pelo público - ele cria um homem tão perdido em uma paixão avassaladora e sem esperanças que só resta ao espectador acompanhar sua trajetória à espera da próxima queda.
Interpretada pela novata Sue Lyon, que bateu 800 candidatas, a Lolita do filme de Kubrick é um pouco mais velha do que a personagem do romance, por razões óbvias (diminuir a sugestão de pedofilia). Esse detalhe, somado ao fato de Lyon aparentar ainda mais idade, atenua bastante o impacto do filme, especialmente nos dias de hoje, onde seu pretenso erotismo velado soa quase pueril. Lolita - diminuitivo de Dolores - é a filha única de Charlotte (Shelley Winters), uma viúva alegre e levemente vulgar que aluga um quarto para o estudioso de literatura Humbert Humbert (James Mason). Ciente do impacto de sua sexualidade latente e no limiar da adolescência na seriedade sóbria do novo hóspede, Lolita não hesita em provocá-lo, até que ele, em um impulso, acaba se casando com sua mãe apenas para ficar por perto. A relação entre eles, porém, ainda vai sofrer muitas reviravoltas, principalmente quando entra em cena outro velho conhecido da menina, o roteirista Clare Quilty (Peter Sellers, brilhante em um papel aumentado no roteiro).
Mesmo que esteja longe do brilhantismo das obras mais famosas de Stanley Kubrick, "Lolita" conquista o espectador graças principalmente a seu clima decadente e às sutilezas impostas pelo diretor no desenrolar de uma trama que tinha todas as possibilidades de escorregar no ridículo. Enquanto Peter Sellers dá um show em cada aparição, James Mason se esforça em arrancar da plateia um mínimo de simpatia para um personagem fadado à repulsa - a opção do roteiro em deixar de lado sua história pregressa, que envolve uma paixão do passado que de certa forma justifica sua obsessão por Lolita, chega a ser questionável nesse ponto. Mas a maneira inteligente com que Kubrick dribla o óbvio - toda a relação entre os protagonistas no segundo ato é mantida propositalmente dúbia - é sensacional, dando ao filme uma densidade que não seria possível se todas as cartas estivessem na mesa.
Refilmado de forma menos feliz por Adrian Lyne em 1997, "Lolita" colocou o fleumático Jeremy Irons no papel de Humbert Humbert e Melanie Griffith como Charlotte Haze, além de ter lançado a carreira da então promissora Dominique Swain. Mesmo com considerável maior liberdade com o tema, no entanto, Lyne não obteve o mesmo resultado de Kubrick, sendo praticamente ignorado por público e crítica.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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