DZI CROQUETTES (Dzi Croquettes, 2009, Canal Brasil, 110min) Direção: Raphael Alvarez, Tatiana Issa. Montagem: Raphael Alvarez. Produção executiva: Raphael Alvarez, Tatiana Issa. Produção: Raphael Alvarez. Estreia: 04/9/09
Em 1972, em plena ditadura militar, que havia privado a população civil da liberdade de expressão, um grupo de teatro formado por 13 atores/dançarinos sem medo de enfrentar o preconceito e dispostos a quebrar todas as regras pré-estabelecidas surgiu como um sopro de ar fresco nos palcos do Rio de Janeiro. Batizados de Dzi Croquettes - em uma homenagem debochada ao grupo norte-americano The Coquettes - e desafiando o bom-comportamento compulsório que vigorava no país, eles chocaram e conquistaram públicos surpreendidos com um humor cáustico e transgressor que não demorou em chamar a atenção da repressão - e os levar a buscar novos horizontes na Europa. Celebrados em Paris (onde tinham como madrinha ninguém menos que Liza Minelli), eles conheceram a fama, o delírio e uma liberdade artística que influenciou todo o teatro brasileiro dos anos subsequentes. Como forma de resgatar as lembranças de um período histórico da cultura nacional e apresentar às novas gerações uma das mais importantes manifestações artísticas já criadas nos palcos, o documentário "Dzi Croquettes" estreou no Festival Internacional de Cinema do Rio em setembro de 2009 e começou uma vitoriosa trajetória internacional, arrebatando prêmios em Los Angeles, Miami, São Francisco e Turim. Dirigido por Raphael Alvarez e Tatiana Issa, o filme é um precioso estudo sobre o amor ao teatro, a liberdade de expressão, a amizade e a genialidade de um grupo de pessoas que, munidas de bom-humor, garra, dedicação e muito talento, deixaram uma marca indelével nas artes cênicas do Brasil.
Acompanhando a trajetória da companhia desde seus primeiros passos - com a liderança crucial do bailarino norte-americano Lennie Dale, que também foi responsável por transformar Elis Regina em fenômeno dos palcos além da grande cantora que sempre foi - e mergulhando o espectador em um universo de alegria e coragem, os diretores constroem um minucioso mosaico histórico e cultural, que não apenas joga luz sobre cada um dos treze integrantes da divertida trupe, mas também ilumina um período de trevas pelo qual passou a arte brasileira, cerceada e violentada pela repressão mais vil e ignorante. Apesar de situar com clareza sua narrativa no auge da ditadura militar, porém, o filme opta, acertadamente, pelo tom alegre e alto-astral que caracterizava as apresentações. Borrando propositalmente as barreiras da sexualidade, eles subiam ao palco travestidos como mulheres, mas sem a preocupação de esconder a barba ou os pelos do corpo, criando um novo estilo de encenação que misturava música, teatro, dança e crítica social da mais inteligente e cáustica possível. De sua criação até o exílio na Europa - com direito a um final melancólico e algumas mortes traumatizantes - o documentário de Alvarez e Issa mapeia com precisão a importância de seus espetáculos para o futuro do teatro nacional e não tem medo de ensaiar momentos de grande emoção, mesmo que sutil.
Filha do cenógrafo Américo Issa, que trabalhou em alguns espetáculos do Dzi Croquettes, a codiretora Tatiana aproveita a deixa para acrescentar a um trabalho já relevante e imprescindível como documento histórico, uma dose de nostalgia e sensibilidade extra. Sem deixar-se cair na armadilha do sentimentalismo, ela usa de sua própria experiência (ainda criança) nos bastidores dos espetáculos para situar a companhia como um núcleo familiar sui generis, conforme eles mesmos se consideravam. Dando a cada um dos atores o espaço merecido, o roteiro mescla imagens de arquivo preciosas e entrevistas reveladoras de integrantes, fãs e artistas cujo trabalho foi diretamente influenciado por seu espírito transgressor e cáustico. Miguel Falabella, Cláudia Raia e Pedro Cardoso, por exemplo, revelam como o besteirol - gênero teatral brasileiro por nascimento e excelência - deve muito de sua estrutura aos roteiros nonsense das peças e como Lennie Dale fez dos palcos nacionais um pedaço da Broadway. Algumas integrantes das Frenéticas também dão seu depoimento, lembrando como a personalidade de cada membro da equipe oferecia ao conjunto uma identidade própria e inimitável.
Mas são as entrevistas com os Dzi Croquettes ainda vivos que dão ao documentário o sabor especial que lhe transforma em um espetáculo raro. Inteligentes, sensíveis e cientes de sua importância no cenário teatral brasileiro (e mundial), eles contam histórias saborosas a respeito dos bastidores, enquanto relembram suas relações interpessoais, muitas vezes difíceis e muitas outras fascinantes. Amigos, colegas, amantes e familiares, os atores da companhia viviam sob o signo da liberdade total, inserindo em seu teatro todas as rebeldias e idiossincrasias que faziam deles artistas únicos que afrontavam toda e qualquer regra que porventura considerassem ultrapassadas. Uma festa constante nos palcos e nos bastidores, o grupo acabou por dar origem a um documentário que mantém vivos seus ideais e reflete, com delicadeza e a devida reverência, toda a grandeza de sua coragem. Um filme imprescindível para os amantes do teatro, das artes e da liberdade!
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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